PRÁTICAS DE LETRAMENTOS E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: INTERFACES POSSÍVEIS Dra. Bárbara Olímpia Ramos de Melo (UESPI/NEAD/NELTE) Ms.C Raimundo Isídio de Sousa(UESPI/NEAD/NELTE) RESUMO Este artigo traça um panorama entre Práticas de Letramentos, História da Educação a Distância, buscando, ainda, uma interface entre categorias de pessoa, tempo e espaço de aprendizagem no contexto da educação a distância. Sobre a relação entre os percursos da educação a distância nos fundamentamos em Pereira; Moraes (2009), cuja pesquisa categoriza os estudos sobre tal modalidade de ensino em cinco gerações. Relacionamos as gerações descritas pelas autoras com as práticas de letramento usuais em rotinas comunicativas ambientadas em contexto escolar para, assim, descrevermos as práticas de letramento digital. Apresentamos também uma proposta que busca relacionar os usos das TICs (Tecnologias da Informação e da Comunicação) com as concepções de pessoa, tempo e espaço referenciados no ensino presencial, considerando que múltiplos fatores se encontram imbricados nesse processo de mudança. Palavras-chave: Prática de Letramentos. Educação a distância. Tecnologias da Informação e Comunicação. 1 Introdução Neste texto, pretendemos fazer uma interface entre o panorama da história da Educação a Distância, as concepções de Letramento e a relação entre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), o letramento digital e as noções de Pessoa, Tempo e Espaço, procurando destacar os fundamentos teóricos que subsidiam tais noções. Após o apanhado histórico, procuraremos fazer uma interface com a noção de Letramento e com percurso conceitual que este termo agrega, destacando o Letramento Digital. Enfatizamos ainda as mudanças que as TICs suscitaram no paradigma educacional, bem como suas implicações nas categorias enunciativas ressignificando a noção de conhecimento, interação e o papel dos sujeitos na Educação a Distância. 2 2 História da EaD: ‘uma volta ao Mundo’ A modalidade de Educação a distância não é algo recente. Conforme Pereira; Moraes (2009), a inserção desta modalidade é muito antiga, sendo que com o surgimento da escrita no século XV – tida como primeira tecnologia –, e posteriormente o surgimento da Imprensa, a Educação a Distância foi registrada em vários países. Alves (1998, p. 01) retrata, a seguir, o impacto da imprensa na EaD: A Educação a Distância - EAD começou no século XV, quando Johannes Guttenberg, em Mogúncia, Alemanha, inventou a imprensa, com composição de palavras com caracteres móveis. Com a criação, tornou-se desnecessário ir às escolas para assistir o venerando mestre ler, na frente de seus discípulos, o raro livro copiado. Antes, os livros, copiados manualmente, eram caríssimos e portanto inacessíveis à plebe, razão pela qual os mestres eram tratados como integrantes da corte. A propagação da EaD no mundo se deve, principalmente, à França, Espanha e Inglaterra, pois os centros educacionais destes países contribuíram bastante para que outros pudessem adotar os modelos desenvolvidos. Posteriormente, os países americanos tiverem sua primeiros iniciativas em EaD. Conforme Pereira; Moraes (2009, p. 68 ), um primeiro marco da educação a distância foi o anúncio publicado na Gazeta de Boston, no dia 20 de março de 1728, pelo professor de taquigrafia Cauleb Phillips: “Toda pessoa da região, desejosa de aprender esta arte, pode receber em sua casa várias lições semanalmente e ser perfeitamente instruída, como as pessoas que vivem em Boston. Mais recentemente, as tecnologias de comunicação e telecomunicações, especialmente em sua versão digital, ampliaram ainda mais o alcance e as possibilidades de EaD. Conforme Pereira; Moraes (2009), fundamentadas nos estudos de Nipper (1989) e de Taylor (2001), é possível fazer uma sistematização bastante didática dos modelos de educação 3 a distância. Os estudos citados identificam cinco gerações da educação a distância. A primeira geração teve sua origem no século XIX, com a criação de instituições que ofereciam cursos por correspondência. Enfatizam Pereira; Moraes (2009. p. 72) que os materiais escritos continuam a ser utilizados em larga escala, até os dias atuais. A segunda geração desenvolveu-se desde o início da década de 1970. A sua ênfase, assim como a geração anterior, consiste na democratização do saber, pela oferta de uma segunda oportunidade de estudos à população adulta. Essas duas gerações têm se constituído num meio essencial para tornar disponível o conhecimento às populações de países com extensos territórios que, muitas vezes, por essa razão, não tinham acesso às instituições escolares convencionais, assim a característica básica da segunda geração é a de promover a mediação pedagógica utilizando diversos recursos de mídia, tais como os materiais escritos, emissões radiofônicas, de televisão ou apresentação de vídeos. Já a terceira geração caracteriza-se pelo largo uso de conferência, caracterizando-se pelo potencial interativo das novas tecnologias da informação e da comunicação. Nesta geração começaram as oportunidades de comunicação síncrona. A inserção das novas tecnologias em ambientes de aprendizagem alterou a natureza da educação a distância multimídia da geração anterior e possibilitou a emergência de um novo paradigma na educação. A quarta e quinta gerações são decorrentes da exploração do uso das novas tecnologias, particularmente dos recursos da Internet e WEB, que vem processando-se especialmente nas universidades e que, em apenas uma década, possibilitou a criação de modelos de aprendizagem inovadores. Na quarta, os programas desenvolvem-se em ambiente de aprendizagem virtual, mediante um processo interativo, possibilitando aos agentes envolvidos a navegação como recurso de aprendizagem suplementar, para satisfazer necessidades e interesses específicos – inclusive com acesso à base de dados, que servem de referência para os estudantes e propiciam um intenso processo de interação entre os estudantes, e deles com a equipe de professores e outros especialistas, pelo uso do Computador Mediando a Comunicação (CMC). As conversações por computador, segundo Taylor (2001, p. 6, apud PEREIRA; MORAES, 2009, p. 211), contribuem para re-humanizar a educação a distância e representam uma mudança 4 qualitativa que também penetra nos sistemas de educação convencionais. Na quinta geração, os autores apresentam o modelo de aprendizagem considerado flexível e inteligente. Este modelo pode ser considerado próximo ao ideal de educação a distância, mas ainda são poucas as referências. Um dos exemplos é na University of Southern Queesland, Austrália. Assim com a geração anterior, utiliza-se do Computador Mediando a Comunicação e, diferentemente do anterior, pode possibilitar maior economia de escala na administração do ensino e suporte acadêmico mediante um sistema de respostas automatizadas. Este modelo, conforme as autoras, consiste, basicamente, em prover uma rica fonte de interações diretas que, em seguida, são estruturadas, classificadas e armazenadas num banco de dados, para serem exploradas com propósitos educacionais em bases recorrentes, num sistema de respostas automatizadas. 3 História da EaD no Brasil Conforme Alves (1998), as práticas de Educação a Distância no Brasil tiveram início em 1904, com o ensino por correspondência. A característica da oferta, nesta época, era de cursos profissionalizantes. Nas décadas de 1970 e 1980, houve um crescimento na oferta, ocasião em que se consolidaram cursos supletivos a distância, com aulas via satélite complementadas por kits de materiais impressos. Somente mais tarde foi que apareceram as primeiras empreitadas de cursos superiores. A universidade virtual, compreendida como ensino superior a distância com uso de Tecnologias de Comunicação e Informação (TIC), surgiu no Brasil na segunda metade da década de 1990. Nesse momento, também surgiram as pós-graduações latu sensu oferecidas a distância. Com o Art. 80 da Lei n. 9.394 das Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN/1996, a modalidade da Educação a Distância (EAD) surgiu como integrante do sistema de educação formal, passando a ser incluída como uma das alternativas de diversificação do sistema de ensino. Paralelamente, várias universidades começaram a desenvolver projetos de ensino de graduação a distância (ou semipresencial) criando, em alguns casos, coordenações e/ou laboratórios de EaD em sua estrutura. As Instituições Públicas de Ensino Superior, no Brasil, passaram, efetivamente, a 5 abraçar a Educação a Distância com a implantação do Programa Universidade Aberta do Brasil – UAB. Este programa foi implantado em 2005. Inicialmente era gerido pela Secretaria de Educação a Distância, do Ministério da Educação – SEED/MEC. Atualmente está sob a responsabilidade da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. A UAB/CAPES funciona por meio de uma parceria nos três níveis governamentais (federal, estadual e municipal). Na esfera federal, estão a CAPES e as IPES federais; na esfera estadual e municipal, estão as secretarias estaduais e municipais de educação, respectivamente. Cada um desses três agentes do sistema UAB tem funções e atribuições bem específicas: a CAPES regula o financiamento e a oferta dos cursos; as IPES propõem os cursos (gradução, especialização e extensão) e fazem a gestão pedagógica de tais cursos, e as secretarias de educação funcionam como mantenedores dos Polos. As instituições públicas de ensino superior, ao oferecerem cursos por meio da UAB/CAPES, têm a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior no país. Acreditamos que o Programa UAB pode ser considerado um marco na história da Educação a Distância no Brasil, pois, a partir dessa ação, as Universidades Públicas mais respeitadas no país passaram a conceber tal modalidade de ensino como uma alternativa viável. 4 Estudos sobre o Letramento 4.1 O letramento e as gerações da EAD Uma das primeiras ocorrências do termo, na literatura da área, foi em Kato (1986): No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística; posteriormente, em 1988, Tfouni com Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso. Na década de 90, as discussões acerca da temática ganharam mais consistência e vários pesquisadores escreveram a respeito. Uma das noções mais usais de letramento é a apresentada por Soares (2000, p. 39), para quem letramento é o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais (grifo nosso). Soares (2000) apresenta, ainda, duas dimensões que geralmente norteiam as discussões sobre letramento: dimensão individual e dimensão social. Na primeira, leitura e 6 escrita são concebidas como capacidades linguísticas e psicológicas que os indivíduos possuem, desde a simples decodificação até a construção de textos complexos; já a segunda dimensão concebe o letramento como as práticas sociais de leitura e de escrita utilizadas pelos indivíduos em contextos sociais específicos e não simplesmente um atributo unicamente pessoal. Geralmente, só as pessoas efetivamente alfabetizadas podem dispor de algumas informações só acessíveis àqueles que conseguem fazer uso da leitura e da escrita. Conceber a língua como, dentre outros aspectos, o principal instrumento de interação entre as pessoas é algo que deve nortear a concepção de língua escrita presente nas práticas docentes. Sobre o letramento, especificamente de adultos alfabetizados, e seus 'mitos' sobre o desenvolvimento cognitivo do indivíduo, Tfouni (1988, p. 82) afirma que: o termo iletrado não pode ser usado como antítese de letrado. Isto é, não existe nas sociedades modernas o letramento 'grau zero'”. Do ponto de vista do processo sócio-histórico, o que existe de fato nas sociedades industriais modernas são graus de letramento. Certamente, esses graus de letramento de que a autora fala não são fixos para quaisquer indivíduos, mas se relacionam com as demandas comunicativas de uma dada comunidade e de como os sujeitos interagem com os textos escritos. Nessa interação, é fundamental considerar as condições de produção desses textos. Rojo (2009, p. 118) apresenta uma perspectiva mais inovadora para a noção de letramento. Segundo a autora, hoje devemos trabalhar com a noção de letramentos múltiplos, ou seja, trabalhar com a leitura e escrita na escola hoje é muito mais que trabalhar com alfabetização ou com os alfabetismos: é trabalhar com os letramentos múltiplos, com as leitura múltiplas – a leitura na vida e a leitura na escola – e que os conceitos de gêneros discursivos e as suas esferas de circulação podem nos ajudar a organizar esses textos, eventos e práticas de letramentos Assim, relacionando as gerações de educação a distância, podemos inferir que as práticas de letramentos presentes à primeira, segunda e terceira gerações se constituem como 7 práticas consideradas 'mais convencionais', uma vez que os materiais-foco de leitura e escrita se restringiam a materiais escritos, emissões radiofônicas, de televisão ou apresentação de vídeos. Ou seja, até a terceira geração, em relação às demandas de leitura e escrita, não houve grandes mudanças em relação ao ensino presencial. 4.2 O letramento digital e a EAD É indiscutível que o sucesso de um curso em EaD depende do nível de letramento digital de seus agentes. Como acontece o letramento digital na EaD? Como podemos vislumbrar esses ‘novos’ letramentos? A superposição de gêneros textuais no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) auxilia no letramento digital dos envolvidos na EaD? O indicativo de uma possível resposta a essas questões pode ser vislumbrado, inicialmente, no que defende Rojo (2009, p. 105), que discute a existência de múltiplos letramentos, conforme vejamos: A multissemiose ou a multiplicidade de modos de significar que as possiblidades e hepermidiáticas do texto eletrônico trazem para o ato de leitura: já que não basta mais a leitura do texto verbal escrito – é preciso relacioná-lo com um conjunto de signos de outras modalidades de linguagem (imagem estática, imagem em movimento, música) que o cercam, ou intercalam, ou impregnam; esses textos multissemióticos extrapolaram os limites dos ambientes digitais e invadiram os impressos (jornais, revistas, livros didáticos). Assim, podemos inferir que os modos de significar e de compreender as ferramentas de aprendizagem no AVA estão diretamente relacionados aos níveis de letramento digital. A noção de semiose aponta a rede que impregna o letramento digital. E não podemos falar estritamente em múltipla semiose dos textos, mas na relação dialógica entre os gêneros, entre os ambientes de aprendizagem, entre os sujeitos envolvidos, como aluno, professor, tutores, administradores do AVA etc. Nesse contexto, propomos que as TICs (Tecnologias da Informação e da Comunicação) revolucionaram as práticas de letramento e, em especial, as funções do professor e do aluno, bem como as noções de tempo e espaço no ambiente da aprendizagem, comparando-se as modalidades de educação presencial e a distância. 8 As práticas de letramento em EaD pressupõem necessariamente uma abordagem diferente nos modos de ler, escrever e significar os códigos, sinais verbais e não-verbais, como imagens e desenhos, se cotejarmos às formas de leitura e escrita feitas no livro, isto porque o suporte sobre o qual estão disponibilizados os textos digitais é mediado pelo sistema digital que está mediado pelas TICs. Com as inúmeras possibilidades que afetam as relações e, consequentemente, as atividades de interação humana, que faz possível antever que o conceito de letramento passa por modificações, principalmente no que se refere aos suportes; no caso do letramento digital, trata-se das mídias que configuram nesse processo como um fator de aprofundamento do letramento alfabético. Por isso, podemos relacionar o letramento digital ao trinômio “a reconfiguração dada ao letramento gêneros digitais – práticas sociais – eventos”, conforme Xavier (2009, p. 5). Os gêneros digitais e-mail, chats, fóruns e listas de discussões deverão ser incorporados às práticas de nossas escolas e no ensino superior. Pesquisas têm mostrado que nações, como, por exemplo, Estados Unidos, Canadá, já se ajustam a essa prática, aumentando o acesso dos estudantes e trabalhando dentro de um novo contexto que, aos poucos, tem sido incorporado pelas sociedades e suas diferentes culturas. Desse modo, três aspectos tornam possível a análise do gênero digital: 1) o seu franco desenvolvimento e um uso cada vez mais generalizado e recorrente; 2) as suas peculiaridades formais e funcionais, o que pode está baseado em gêneros prévios; 3) a possibilidade que oferece de revermos conceitos tradicionais, permitindo repensar nessa relação com a oralidade e a escrita. Com isso, o meio eletrônico constitui um propício momento para analisarmos o efeito das novas tecnologias na linguagem e vice-versa. Na quarta e quinta gerações da EaD, as práticas de letramento digital se efetivam de forma bem presente nas rotinas comunicativas dos agentes envolvidos na educação a distância. Conforme Pereira; Moraes (2009), nessas gerações, as práticas de letramento envolvem a multimídia interativa on-line: a Internet baseada no acesso ao recurso www, a comunicação mediata por computadores, usando sistema de respostas automáticas e, por fim, o acesso ao portal do campus da instituição ou do espaço escolar, para viabilizar as práticas comunicativas com todos os setores de uma universidade/ambiente virtual de aprendizagem. 9 4.2.1 Função do letramento digital na EAD O letramento digital é uma forma de inclusão social e - por que não dizermos – inclusão educacional. O letramento digital no AVA se dá como forma de possibilitar aos agentes da EaD o acesso ao conhecimento e a construção deste, por meio das várias formas de ler e significar, possibilitadas pelos gêneros textuais digitais. E essa múltipla e variada forma dos gêneros digitais podem vislumbrar o nível de letramento digital. Defendemos que quanto maior for o grau desse letramento, menor a distância transacional que, segundo Moore, 1993 apud Dias; Leite (2010, p. 78) “a distância geográfica entre alunos e professores ‘precisa ser suplantada por meio de procedimentos diferenciadores na elaboração da instrução e na facilitação da interação’”. Podemos utilizar a noção de distância transacional aqui não para referir-nos a que ela medeia ou diminui o impacto da distância física e comunicacional, mas no sentido de que o letramento possibilita a construção do conhecimento, já que, por meio dos gêneros digitais, o navegador/pesquisador apreende e constrói conhecimento. Com efeito, dizemos que: a) o navegador, de uma forma ou de outra, faz parte da categoria de “pesquisador” em sentido lato; b) os ambientes da web, a grosso modo, podem participar, mesmo que indiretamente, da EaD. Um estudante que inicia o acesso ao AVA e que tem pouco domínio no uso do computador, com certeza, terá um nível de letramento diferente de um estudante que desenvolve, com habilidade, o acesso e o uso do computador e conhece a rede web. Como o letramento pressupõe um processo que se evidencia nas práticas de leitura e escrita numa perspectiva social do uso dessas habilidades, podemos dizer um gênero digital tem relação semiótica com outros gêneros, pois estes, muitas vezes, apresentam formatos e características comuns, o que vem possibilitar e aumentar o nível de letramento dos envolvidos na EaD. O conhecimento se dá em cadeia, em rede, o que denota dialogicidade. 4.3 As TICs, o letramento digital e suas implicações nas categorias de pessoa, tempo e 10 espaço de aprendizagem Quando dissemos que as TICs (Tecnologias da Informação e da Comunicação) suscitaram novas práticas de letramento e, por consequência, alteraram a concepção no papel social do professor e do estudante, das noções de tempo e espaço referenciados no ensino presencial, consideramos que múltiplos fatores se encontram imbricados nesse processo de mudança, conforme vejamos o quadro a seguir: Quadro 1: As categorias Pessoa, Tempo e Espaço nas modalidades de ensino convencional e a distância Ensino presencial Ensino a distância Pessoa: Pessoa: Professor/Estudante Professor/Estudante polifônicos Tempo: Tempo: FÍSICO VIRTUAL AGORA “AGORA” MÚLTIPLOS PRESENTE SEMIPRESENCIAL Espaço: Espaço: FÍSICO VIRTUAL AQUI, IN LOCO “AQUI” MÚLTIPLO, CAMPUS, SALA DE AULA AVA, ON LINE, OFFLINE O professor e o estudante na EaD passam por mudanças identitárias; fazendo-se referência a Hall (2003, p. 13), segundo o qual “[...] o sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um 'eu' coerente”, podemos dizer que a identidade não é definida a priori, mas se dá num processo, num continuum; ela é construída no tempo e no espaço, na relação discursiva dos e entre os sujeitos. Essa concepção de identidade é observada nas relações que circundam os sujeitos da EaD. O papel social de pessoa muda ou é ampliado de acordo com a modalidade de ensino. No presencial, a relação face a face das pessoas permeia o tempo e o espaço da aprendizagem, mas essa condição não é necessariamente garantidora da interação, do dialogismo, que deve nortear todo processo de aprendizagem. 11 Já no ensino a distância, o professor ganha outras funções, pois é um sujeito polifônico: é pesquisador virtual, digitador, formador, designe instrucional, gestor de aprendizagem, autor, tutor. Ressaltamos que o letramento digital, nesta nova fase de revolução tecnológica, ampliou os papéis do professor. A aprendizagem, portanto, é resultado de um professor muitifacetado. Xavier (2009, p. 3) indica que o professor, na EaD, deve ser: Pesquisador, não mais repetidor de informação; Articulador do saber, não mais fornecedor único do conhecimento; Gestor de aprendizagens, não mais instrutor de regras; Consultor que sugere, não mais chefe autoritário que manda; Motivador da ‘aprendizagem pela descoberta’, não mais avaliador de informações empacotadas a serem assimiladas e reproduzidas pelo aluno. (grifos nossos) Essa nova abordagem no papel do professor, de certa forma, coloca-o numa perspectiva de ressignificação de suas práticas de aprendizagem e pedagógicas, considerando os ambientes sociais variados, o que representa uma dimensão qualitativa e complexa, por configurar uma prática que envolve o letramento digital e as ramificações das novas tecnologias no cenário da Educação a Distância. O estudante, por sua vez, não um simples aprendente, passivo, mas é um sujeito que pesquisa, que sabe operacionalizar as ferramentas da web, é competente na leitura de textos escritos, imagéticos, com sons, desenhos, pois isso requer o letramento digital. Para completar essa mudança identitária, muitas vezes, o aluno é visualizado por link, por exemplo, na consulta às notas. Com relação ao tempo, a EaD possibilita ao estudante um “agora” múltiplo, considerando que o acesso ao ambiente virtual de aprendizagem pode ocorrer em momentos distintos, não havendo necessariamente um período específico para o acesso ao AVA. A espacialidade agrega-se ao tempo para facilitar o acesso, pois assim como este, o espaço é múltiplo, mas a relação que o norteia é a de localização do ambiente, mediado pelas tecnologias. O espaço é criado e varia de acordo com as condições de acesso do sujeito, podendo ser presencial, online, offline. O campus e a sala de aula da universidade ou da instituição escolar passam a ser o ambiente de aprendizagem, nos quais o estudante e o 12 professor constroem o continuum de suas presenças. Nesse contexto, dizemos que o nível de letramento digital adequado diminuirá a distância transacional entre os sujeitos da EaD, pois quanto maior a comunicação entre os alunos e professores menor a distância transacional entre eles, e o letramento digital e o uso das TICs favorecem o encurtamento dessa distância e modificam as noções de pessoa, tempo e espaço no ambiente de aprendizagem. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Após as reflexões sobre os fundamentos e história da Educação a Distância e sobre os percursos dos estudos do Letramento, em especial do Letramento Digital, podemos constatar que as interfaces são muito presentes. À medida que novas rotinas comunicativas passam a fazer parte das interações humanas, novas práticas de letramento vão surgindo. Com a inserção da TICs no contexto da Educação a Distância, novas práticas de letramento digital vão sendo construídas. Outro aspecto que merece mais discussões é a relação entre as práticas de letramento digital e suas implicações nas categorias de pessoa, tempo e espaço de aprendizagem, uma vez que práticas de letramento digital adequadas ao ensino a distância diminuirão a distância transacional, pois quanto maior a comunicação entre os alunos e professores menor a distância entre eles. Nesse sentido, podemos afirmar que a Educação a Distância tem-se apresentado e consolidado diante das novas tecnologias como um processo que evidencia uma ressignificação das práticas de aprendizagem e do papel dos sujeitos envolvidos nessa modalidade de educação. 6 RERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, J. R. M. (1998) Educação a distância e as novas tecnologias de informação e aprendizagem. Artigo do Programa Novas Tecnologias na Educação. Disponível em: http://www.engenheiro2001.org.br/programas/980201a1.htm Acesso em: 03/07/2010. BRASIL. Lei nº 9.394/1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20 de 13 dezembro de 1996. Disponível em http://portal.mec.gov.br/arquivos.pdf(ldb, pdf.>Acesso em 19 de agosto de 2010. HALL, S. (2003) A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva; Glacira Lopes Louro. 8. ed.. Rio de Janeiro: DS&A. DIAS, Rosilândia Aparecida; LEITE, Lígia Silva (2010) Educação a Distância: da legislação ao pedagógico. Petrópolis-RJ: Vozes. PEREIRA; E. W.; MORAES, R. A. (2009) História da educação a distância e os desafios na formação de professores no Brasil. IN. Souza; A. M; Fiorentini, L. M. R.; Rodrigues, M. A. M. (Orgs). Educação superior a distância: Comunidade de Trabalho e Aprendizagem em Rede (CTAR). Brasília: Universidade de Brasília, Faculdade de Educação. ROJO, R. (2009) Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial. SEGENREICH, S. C. D. (2009) ProUni e UAB como estratégias de EAD na expansão do ensino superior. Pro-Prosições, Campinas, v. 20, n. 2. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. Acesso em: 09/07/2010. SOARES, M. B. (2000) Letramento: um tema em três gêneros. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica. TFOUNI, L. V. (1988) Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso. Campina: Pontes. XAVIER, A. C. S. (2009) Letramento digital e ensino. http://www.ufpe.br/nehte/artigos/Letramento-Digital-Xavier.pdf, acessado em 31.07.2010.