PARA ENFRENTAR A DESIGUALDADE SOCIOEDUCACIONAL NO
ENSINO BÁSICO
Profa. Adriana Cristina Borges
Prof. Dr. Ricardo de Jesus Silveira (Orientador)
RESUMO
Neste artigo analisamos as desigualdades sócio-educacionais no ensino
básico, em um colégio estadual da periferia do município de Rolândia (Pr),
com o objetivo de compreender suas determinações e propor ações
possíveis e pertinentes, no âmbito da própria escola, que possam reduzir
os seus impactos no aprendizado dos alunos, bem como suas taxas de
evasão escolar. A reflexão que desenvolvemos, a partir de dados de
pesquisa realizada sobre o perfil dos alunos de ensino fundamental e
médio, apóia-se, especialmente, nas teorizações de Pierre Bourdieu e tem,
como pressuposto da análise, a preocupação de perceber as
desigualdades educacionais para além da mera extensão das
desigualdades sociais existentes na estrutura capitalista. Ressaltamos que
esse estudo faz parte do Projeto, Laboratório de Ensino Pesquisa e
Extensão (LENPES), do Departamento de Ciências Sociais da UEL,
vinculado ao Programa Universidade Sem Fronteiras, da Secretaria de
Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná.
Palavras-chave: Escola, desigualdade; evasão
10
INTRODUÇÃO
As escolas que compõem o sistema de ensino básico apresentam
resultados bastante diferentes quanto ao desempenho escolar. Mesmo
ignorando as instituições privadas e comparando entre si apenas as
públicas, observa-se diferenças marcantes entre as inúmeras instituições
espalhadas
conhecidas
pelo
país, como
avaliação
do
podemos verificar, por
IDEB
e
do
ENEM,
exemplo, nas
respectivamente,
correspondentes ao ensino fundamental e médio.
As explicações plausíveis para responder a diferenças tão
marcantes são aparentemente óbvias: escolas geralmente tradicionais,
localizadas em bairros centrais do espaço urbano, muito bem equipadas
de infra-estrutura didático-pedagógica, com corpo docente igualmente
bem
qualificado
são,
certamente,
condições
que,
associadas,
potencializam uma prática educacional mais eficiente, contrastando com
instituições cujas condições materiais e humanas deixam a desejar.
No entanto, há que ter certo cuidado, pois o que, em educação,
muitas vezes, parece óbvio, perde a evidência diante de contextos sociais
adversos, como é o caso das regiões metropolitanas que, embora
caracterizadas
como
espaços
de
maior
concentração
de
riquezas,
explicitam desigualdades educacionais no seu interior que desacreditam
qualquer tentativa de simplificar a leitura sobre os processos educacionais
e a definição dos fatores que asseguram o aprendizado de boa qualidade.
O presente artigo, como parte de um projeto maior (LENPES) e
em conformidade à sua finalidade de pensar a educação e desenvolver
ações nas escolas de ensino básico, visando a melhoria dos processos
educacionais, têm o propósito de dar a conhecer as reflexões iniciais de
uma investigação que têm por objetivo identificar os problemas de
11
aprendizado e de interação vivenciados por alunos de uma escola pública
da periferia do município de Rolândia-Pr.
Acreditamos que os problemas que provocam o mau rendimento
escolar, inclusive incidindo em repetência, são correlatos à evasão escolar.
Essa é uma hipótese que julgamos pertinente para a maioria dos casos.
Entretanto, não ignoramos o fato de que a motivação da evasão também
pode resultar de fatores que fogem à competência de solução da
instituição escolar, como os problemas relacionados à saúde ou a fatores
de ordem econômica. Mas, parece-nos que esses casos ocorrem em
menor número e, esta também é uma hipótese.
Com a intenção de nos aproximarmos de forma objetiva dos
problemas que levam ao mau aproveitamento escolar e, eventualmente, à
evasão, apresentamos, no item subseqüente, uma primeira leitura de
dados de uma pesquisa que realizamos junto aos alunos para conhecer
parte da realidade que os constitui e que são, a nosso ver, importantes na
relação dos alunos com a educação e a escola, bem como em relação ao
horizonte intelectual dos alunos e suas aspirações escolares para o futuro.
Essa etapa da investigação, que objetiva conhecer os alunos e
suas disponibilidades para a prática educativa tem como pressuposto a
idéia de que entre aluno e escola deve haver empatia, afinidade e,
portanto, uma identidade que faça com que o aluno sinta a escola como
um lugar de pertencimento, no qual passa boa parte do seu dia
convivendo com professores e alunos em um espaço comum, construindo
e partilhando valores e conhecimentos que têm por finalidade dar sentido
às suas vidas.
Como um item final da presente reflexão, apresentamos, com
base em referências teóricas que julgamos pertinentes, a crítica do objeto
da nossa discussão de modo a indicar e, ao mesmo tempo, fundamentar,
12
não, ainda, intervenções acabadas e completas, proposição que será feita
em etapa posterior da pesquisa, mas possibilidades de intervenções que
nos indiquem serem eficazes no enfrentamento dos problemas que
registramos como obstáculos ao bom aprendizado e, ao mesmo tempo,
indutores do abandono escolar pelo aluno.
OS ALUNOS E A ESCOLA
Da pesquisa realizada destacamos alguns dados que nos parecem
suficientes para traçar o perfil dos alunos e a identificação dos mesmos
com a escola. Evidentemente que em momento posterior os dados
deverão ser completados para enriquecer a análise de forma a termos um
quadro mais completo da realidade sobre a qual o projeto LENPES tem por
objetivo intervir. Para a discussão que propomos no presente artigo os
dados e as considerações que seguem nos parecem adequados.
Por mais que o fraco desempenho escolar não seja novidade nas
nossas escolas de periferia, não deixa de ser desconcertante saber que
36% dos alunos já tiveram vontade de abandonar a escola e que 17% já o
fizeram por certo tempo e que, por algum motivo, resolveram voltar a
estudar. Desconcertante porque, diante de um mundo no qual o
conhecimento é cada vez mais moeda de troca determinante nas relações
sociais, a escola não seja vista como prioridade para muitos alunos. Tratase de um fato, sem dúvida, preocupante, sobretudo quando associamos a
escola à possibilidade da construção de uma sociedade com justiça social
e qualidade de vida.
As razões que levam os alunos a não pensarem a escola como
imprescindível a um futuro melhor para suas vidas precisam ser
encontradas. Mas, alguns dados da pesquisa nos permitem considerar, por
agora, algumas motivações possíveis, ainda que não exclusivamente
determinantes para a evasão. É um dado relevante a esse respeito o fato
13
de 34% dos alunos terem sofrido ou, ainda sofrerem, algum tipo de
discriminação na escola.
Destes, 48% passaram por constrangimentos em razão da
aparência física, 13% por racismo, 9% e 3%, respectivamente, por
professarem crença religiosa e por orientação sexual e, 28% por motivo
não declarado, o que pode corresponder a qualquer das alternativas
anteriores. Todas injustificáveis, ainda mais no espaço escolar, lugar no
qual se deve cultivar a tolerância e o reconhecimento do direito à
diferença.
Observa-se que em 89% dos casos os preconceituosos são
colegas da própria escola, e, na maioria das vezes da própria sala de aula,
o que obriga os discriminados a conviverem com quem os agridem pelo
tempo que permanecem na escola. Mas, o dado que mais nos incomoda é
que
22%
dos
preconceituosos
agressores
são
professores
e,
5%
funcionários da escola. Um percentual significativo, correspondente,
justamente, àqueles de quem os alunos esperam o esclarecimento, a
compreensão e a proteção que certamente não encontram fora da escola.
De todo modo, a discriminação por qualquer motivo, praticada
por um ou por muitos em relação a um ou muitos é inadmissível em
qualquer espaço social, mais ainda no espaço escolar que deve ser lugar
de integração e não de exclusão. O registro de tais dados, como possíveis
motivadores do baixo rendimento escolar e da evasão, são também
importantes para sinalizar alguma ação necessária para que tais fatos
abomináveis não se tornem ainda mais reprováveis ao estimularem ações
denominadas de bullying, um fenômeno inaceitável sob todos os aspectos
por transformar o preconceito em ação de covardia para com os mais
fragilizados em sua condição humana.
14
Não obstante, apenas 14% dos alunos acham a escola ruim e
muito ruim, contra 47% que a acham boa e muito boa, enquanto 37%
consideram-na, apenas, regular.
Cabe, evidentemente, perguntar o
porquê de uma aprovação tão significativa dos alunos em relação à
escola. A resposta parece simples: 84% dos alunos consideram a escola
boa ou muito boa por causa dos amigos e o mesmo percentual de alunos,
84%, consideram a escola boa ou muito boa por causa das aulas práticas,
vale dizer, das aulas de educação física, na qual se tem a oportunidade de
praticar esportes.
A importância denotada aos amigos se confirma com o fato de
que 58% dos alunos se utilizam da internet com mais freqüência para se
comunicarem com os amigos, contra 14% que a utilizam com mais
freqüência para estudar. Dados que revelam a importância da escola como
espaço de sociabilidade entre pares, para além da atividade escolar
propriamente dita. Um registro que, evidentemente, deve ser considerado
nas estratégias de intervenção visando um aproveitamento escolar maior.
Não se pode ignorar, e mais, ainda, a escola precisa estar atenta
aos novos meios de comunicação, no sentido de considerá-los novas
ferramentas como recursos didáticos que podem, se bem utilizadas,
potencializar o processo educacional.
A internet, a propósito, muito ao
contrário de se caracterizar como modismo, mostra-se um meio de
comunicação cujo desenvolvimento e especialização tem colocado em
xeque a escola como única fonte de difusão e, também, de produção de
conhecimento.
E, a evidência do que estamos falando são os inúmeros
cursos, como o de línguas, que são desenvolvidos por meio da internet.
Em contraste ao que consideram bom e muito bom na escola os
alunos revelam menor apreço com as disciplinas teóricas, 34% de boas e
muito boas, não obstante revelarem apreço pelos professores, com 56%
de bons e muito bons, o que não deixa de ser significativo e alentador,
15
pois, qualquer intervenção possível para melhorar o aprendizado não pode
prescindir da figura do professor como legitimador e referência de
autoridade sobre o conhecimento sancionado academicamente.
Mas, seguindo uma das máximas de Saramago, que nos diz: não
tenhamos pressa, mas não percamos tempo, está claro que a velocidade
da circulação de informações e da produção de novos conhecimentos
impõe à escola adaptar-se aos novos tempos, pois, ainda que tenha sido a
instância fundamental de onde originou os conhecimentos que engendram
novos tempos é certo, também, que esses novos conhecimentos tendem a
deixá-la para trás se esta não se inteirar e adaptar-se aos novos
processos de desenvolvimento.
Observa-se, a propósito do parágrafo anterior, que 70% dos
alunos pretendem continuar os estudos após o ensino médio, enquanto
24% ainda não sabem e 5% manifestaram que não continuarão. São
dados, evidentemente, preocupantes, que ganham relevância ao serem
considerados parte de uma estatística mais ampla, pela qual registra-se
que em números absolutos a evasão escolar no ensino médio é da ordem
de 500 mil jovens por ano e, mais absurdo ainda ao constatarmos que
metade de uma população de 37 milhões de jovens, na faixa etária de 16
a 24 anos, está fora da escola.
(Marcio Pochmann, em Caros Amigos,
agosto/2009).
CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
O sistema de Educação1 praticado na sociedade capitalista2 acaba
por reproduzir valores e a problemática pertinente a este tipo de modo de
produção, como pouco tempo disponível para atividades não produtivas,
flexibilização de direitos, individualismo e etc. De acordo com Pierre
1
2
Neste texto, os termos sistema educacional, sistema de ensino e educação são intercambiáveis.
Neste texto, os termos sociedade capitalista e sistema capitalista são intercambiáveis.
16
Bourdieu (1990) a educação confirma e reproduz as desigualdades sociais,
presentes no capitalismo, como desigualdades sócio educacionais no
âmbito escolar.
Bourdieu (1990) faz uma análise da questão das desigualdades
escolares no âmbito da educação institucional.
Segundo o autor são
impostos valores às crianças e aos jovens das classes subalternas que, em
decorrência disso, não conseguem se sentir pertencentes a este meio.
Enquanto os filhos da classe dominante, dada a familiaridade com o meio
escolar, possuem um nível de aproveitamento melhor.
Segundo Bourdieu (2003), o sistema escolar é um dos meios
mais eficazes de conservação social e para entendê-lo se faz necessário
desvendar
os
mecanismos
utilizados
na
exclusão
das
crianças
desfavorecidas quanto à herança do capital cultural3 transmitido a elas
desde suas famílias. Isto porque a desigualdade de capital entre as
crianças tem peso determinante no processo educacional no interior da
escola.
Como diz Bourdieu:
Os agentes estão distribuídos no espaço social
global, na primeira dimensão de acordo com o
volume global de capital que eles possuem sob
diferentes espécies, e , na segunda dimensão,
de acordo com a estrutura de seu capital, isto
é, de acordo com o peso relativo das
diferentes espécies de capital, econômico e
cultural, no volume total de seu capital (1990,
p. 154).
3
O capital cultural pode existir sob três formas: no estado incorporado, ou seja, sob a forma de disposições
duráveis do organismo; no estado objetivado, sob a forma de bens culturais - quadros, livros, dicionários,
instrumentos, máquinas, que constituem indícios ou a realização de teorias ou de críticas dessas teorias, de
problemáticas, etc.; e, enfim, no estado institucionalizado, forma de objetivação que é preciso colocar à parte
porque, como se observa em relação ao certificado escolar, ela confere ao capital cultural - de que é,
supostamente, a garantia - propriedades inteiramente originais. (Fonte: Bourdieu, Pierre, "Les trois états du
capital culturel", publicado originalmente in Actes de la recherche en sciences sociales, Paris, n. 30, novembro
de 1979, p. 3-6.)
17
De acordo com Cláudio Marques Martins Nogueira e Maria Alice
Nogueira (2002) em “A Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu: limites
e contribuições”, Bourdieu procura dar uma resposta aos problemas do
sistema de ensino, dizendo que existe uma forte relação entre o
desempenho escolar e a desigualdade social.
A escola, na perspectiva dele, não seria uma
instituição
imparcial
que,
simplesmente,
seleciona os mais talentosos a partir de
critérios
objetivos.
Bourdieu
questiona
frontalmente a neutralidade da escola e do
conhecimento escolar, argumentando que o
que essa instituição representa e cobra dos
alunos são, basicamente, os gostos, as
crenças, as posturas e os valores dos grupos
dominantes, dissimuladamente apresentados
como cultura universal. A escola teria, assim,
um papel ativo – ao definir seu currículo, seus
métodos de ensino e suas formas de avaliação
– no processo social de reprodução das
desigualdades sociais. Mais do que isso, ela
cumpriria o papel fundamental de legitimação
dessas desigualdades, ao dissimular as bases
sociais destas, convertendo-as em diferenças
acadêmicas e cognitivas, relacionadas aos
méritos e dons individuais. (NOGUEIRA;
NOGUEIRA, 2002, p. 18 - 19)
As análises de Bourdieu (1990, 2003) em relação à educação
praticada no sistema capitalista e suas conseqüentes desigualdades são
de grande relevância para entendermos a problemática presente nos meio
escolares. Porém, para realizarmos um estudo mais aprofundado de
algumas características mais específicas, precisamos ir além dos estudos
de Bourdieu. Desta forma, um outro autor que traz grandes contribuições
pra as discussões dos fatores que levam a um baixo desempenho escolar
é Bernard Lahire (2008).
18
Lahire
(2008)
em
seu
livro
“Sucesso
Escolar
nos
Meios
Populares”, faz uma pesquisa com 26 famílias de bairros populares
urbanos, dotadas de pais com um “capital escolar fraco” e com uma
situação econômica modesta. A pergunta que o autor (2008) coloca em
evidência é a seguinte: “como, pode-se questionar, uma família que
acumula tantas „deficiências‟ poderia levar uma criança a ter „sucesso‟ na
escola?” (p. 11).
De acordo com Lahire, na busca da resposta a este
questionamento, até os professores se mostram preocupados em ir além
das análises sociológicas que se pautam em categorias sociais, grupos ou
classes. A razão vem do fato de inúmeras vezes se depararem com
modelos que não se encaixam nestes estudos, como um bom desempenho
de alunos oriundos das camadas populares e de baixo nível econômico,
contrastando com o baixo desempenho dos alunos oriundos dos meios
burgueses.
Segundo as teorizações de Lahire, no processo de socialização
familiar existem certas particularidades no sentido de transmissão, ou
não, do capital cultural parental. Também, existem casos que mesmo na
ausência de capital cultural e de uma ação de transmissão, os alunos
conseguem capturar os conhecimentos escolares. Desta forma, cabe
nestas análises, uma sociologia que busque compreender os processos de
constituição das disposições sociais, com seus esquemas mentais e
comportamentais.
As crianças apóiam suas futuras ações e reações nas suas
relações de interdependência com os adultos membros de sua família. É
assim que ela forma seus esquemas de percepção, de julgamento, de
avaliação. Estes esquemas irão reagir de determinadas formas quando
estes indivíduos entrarem em contato com as relações sociais dentro da
escola. Os meios populares se distinguem na sua relação com a escrita,
que se caracteriza como um importante elemento para o sucesso escolar
das crianças.
19
A problemática neste sentido vai além da questão da presença ou
ausência dos atos de leitura no interior da família, são comportamentos
que devem se dar de forma positiva, com os membros adultos da família
instigando nas crianças a importância da leitura e da escrita na realidade
social cotidiana. Neste processo, muitas famílias também inculcam nas
crianças a importância do respeito à autoridade do professor, já que não
conseguem ajudar os filhos com tanta eficiência, no que diz respeito ao
ponto de vista escolar. Outro traço importante se faz em relação a muitos
pais fazerem da escola a finalidade essencial, tanto para a vida dos filhos,
como para as suas próprias vidas (LAHIRE, 2008).
Com base nestas discussões aqui referendadas, observa-se
certas particularidades na relação das famílias com o capital cultural que
dispõem. Por isso a importância de ir além dos tipos de análises pautadas
somente nas categorias sociais com mais ou menos disponibilidade de
capital cultural, econômico e simbólico. Pois existem famílias com muito
capital escolar, mas que não são transmitidos de forma concreta às
crianças, como também existem famílias com pouco ou nenhum capital
escolar, porém, por meio de suas práticas de socialização conseguem
transmitir para as crianças a importância da leitura e da escrita, e do
respeito à figura do professor.
Todavia, é possível pensar, de forma radical, em um ensino que
consiga superar estas problemáticas próprias ao sistema capitalista. De
acordo com István Mészáros (2005), em “A educação para além do
capital”, para que a educação se configure de forma diferente, é preciso
romper com a lógica deste sistema, pois:
O impacto da incorrigível lógica do capital
sobre a educação tem sido grande ao longo do
desenvolvimento do sistema [...] hoje o
sentido da mudança educacional radical não
20
pode ser senão o rasgar da camisa-de-força da
lógica incorrigível do sistema: perseguir de
modo planejado e consistente uma estratégia
de rompimento do controle exercido pelo
capital, com todos os meios disponíveis, bem
como com todos os meios ainda a ser
inventado, e que tenham o mesmo espírito
(MÉSZÁROS, 2005, p. 35).
Com isso, as soluções no âmbito da educação não devem ser
formais
e
sim
essenciais,
abarcando
a
totalidade
das
práticas
educacionais, substituindo as formas presentes de internalização por
alternativas concretas e abrangentes em relação à reivindicação por uma
educação plena para toda a vida, isto é, uma educação emancipadora que
abranja uma prática que envolva tanto a política como a cultura de forma
igual para todos.
Na linha de teorização de Mészàros, que busca uma educação
voltada a cumprir uma função transformadora, a de formar alunos
buscando a emancipação e reflexão é apresentada por F. G. Moriyón
(1989), em seu livro Educação Libertária. O autor estuda as propostas
feitas pelos pedagogos anarquistas, que tinham como objetivo formar
pessoas conscientes, que fossem capazes de desmistificar a realidade
social, de decidirem por si próprias e de modo solidário.
Os
pensadores
anarquistas
partilham
dos
postulados
da
Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. De acordo com
Moriyón a educação para os anarquistas tem importância impar na
transformação da sociedade humana, pois “a ignorância é denunciada
como o alimento da escravidão e a razão é o guia que conduzirá os seres
humanos a libertarem-se da opressão e da exploração impostas pelo
obscurantismo e egoísmo dos privilegiados” (1989, p. 14).
A educação então é o caminho para os homens se libertarem do
privilégio e da injustiça, e para isso ela precisa propor uma educação
21
antiautoritária, que rompa com a hierarquia entre o trabalho intelectual e
manual, bem como entre professor e aluno, ampliando a noção de
educação para ser desenvolvida como uma via de mão dupla, na qual o
conhecimento se faz e se refaz em uma dinâmica permanente dentro e
fora dos muros escolares, como educação integral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cabe, como palavra final do artigo, ressaltar o caráter preliminar
das discussões sobre tema de fundamental importância, no qual se
inscreve a própria legitimidade da educação escolar. É desnecessário,
portanto, dizer da necessidade de aprofundarmos as discussões com
vistas a propor intervenções que venham ao encontro dos objetivos
propostos pelo projeto de pesquisa. O que aqui se buscou fazer foi,
apenas, dar
a
conhecer
as preocupações que
nos
movem como
professores e pesquisadores, apresentando parte dos dados de pesquisa,
realizada junto aos alunos, e uma primeira proposição de discussão do
tema com uma bibliografia, ainda por ser complementada.
22
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990.
_______________. Ensaios de Educação. Petrópolis: Vozes, 2003.
LAHIRE, Bernard. Sucesso Escolar nos Meios Populares: As razões
do improvável. São Paulo: Ática, 2008.
MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo,
2005.
MORIYÓN, F. G. (org). Educação Libertária. Porto Alegre: Artes Médicas,
1989.
NOGUEIRA, C. M. M. e NOGUEIRA, M. A. A Sociologia da educação de
Pierre Bourdieu: Limites e Contribuições. Educação & Sociedade, ano
XXIII,
nº
78,
Abril
de
2002.
Disponível
em
<
http://www.scielo.br/pdf/es/v23n78/a03v2378.pdf>
Acesso
em:
10/04/2009.
23
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PARA ENFRENTAR A DESIGUALDADE