impulso40.book Page 67 Monday, October 3, 2005 10:39 PM Educação Superior Higher Education Impulso, Piracicaba, 16(40): , 2005 67 impulso40.book Page 68 Monday, October 3, 2005 10:39 PM 68 Impulso, Piracicaba, 16(40): , 2005 impulso40.book Page 69 Monday, October 3, 2005 10:39 PM Política Educacional para a Educação Superior Brasileira na Última Década EDUCATIONAL POLICY FOR BRAZILIAN HIGHER EDUCATION IN THE LAST DECADE Resumo Este artigo traz uma análise da política educacional implantada no Brasil, na última década (1995-2004), no que se refere especificamente à educação superior, tendo como objeto de estudo as principais leis federais promulgadas nesse período. Na esfera da política, notadamente da política educacional brasileira, essa década é, em tese, muito rica, visto que exatamente durante ela grande parte do arcabouço jurídico-institucional da educação brasileira foi modificado, afetando, de forma direta, a educação superior brasileira. Ao final, o presente texto faz algumas considerações sobre as propostas para a educação superior brasileira atualmente em discussão. Palavras-chave POLÍTICA EDUCACIONAL – EDUCAÇÃO SUPERIOR – UNIVERSIDADE. Abstract In this paper, we will discuss the educational policy of Brazil in the last decade (1995-2004) specifically higher education, and the main federal laws that were promulgated in that period. As policy, and specifically, as Brazilian educational policy, this period is, theoretically, very fertile, since it was in this last decade that great part of Brazilian education laws were altered, affecting directly Brazilian higher education. We will finish this paper with some considerations about the new proposals to Brazilian higher education that are already in discussion. Keywords EDUCATIONAL POLICY – HIGHER EDUCATION – UNIVERSITY. Impulso, Piracicaba, 16(40): 69-80, 2005 69 CARLOS DA FONSECA BRANDÃO Universidade Estadual Paulista (Unesp) [email protected] impulso40.book Page 70 Monday, October 3, 2005 10:39 PM INTRODUÇÃO E screver sobre política educacional brasileira não constitui tarefa das mais fáceis, porém, certamente, trata-se de um desafio sempre instigante, especialmente se escolhermos analisar o cenário educacional brasileiro da última década (1995-2004). Esse período é, em tese, muito rico, visto ter sido exatamente nele que boa parte do arcabouço jurídico-institucional da educação brasileira foi modificada, afetando, de forma direta, a educação superior no País.1 Nossos objetos de estudo serão as principais leis federais promulgadas nessa época: a lei n.º 9.131/95, que criou o Conselho Nacional de Educação e instituiu o Exame Nacional de Cursos, conhecido como Provão; a lei n.º 9.192/95, que modificou o processo de escolha dos dirigentes universitários; a lei n.º 9.394/96, que definiu as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB); e a lei n.º 10.172/01, que aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE). Finalizaremos o presente artigo com algumas considerações sobre as propostas para a educação superior brasileira, atualmente em discussão, especificamente o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o projeto governamental de reforma universitária. É possível afirmar que a educação brasileira adquiriu novo formato a partir de 1995, quando Fernando Henrique Cardoso (do PSDB) tomou posse na presidência da República. Progressivamente, via aprovação de um conjunto de medidas legislativas, normativas e regulamentadoras, modificou-se toda a política educacional brasileira.2 Entre todas as transformações, consideramos as leis federais citadas no parágrafo anterior como as mais importantes, no enfoque deste artigo, desse momento histórico. Poderíamos também ter escolhido outro período a ser analisado, por exemplo, a política educacional brasileira para a educação superior implantada após a promulgação da nossa atual Constituição. Acontece que, entre outubro de 1998 (quando esta foi promulgada) e janeiro de 1995 (data da posse do presidente FHC), ou seja, em pouco mais de seis anos, tivemos três presidentes da República (final do governo de José Sarney, dois anos e meio de mandato de Fernando Collor de Melo e, após seu impeachment, dois anos e alguns meses de Itamar Franco). Essas mudanças políticas não favoreceram a formulação de uma política nacional de educação, cujo primeiro passo seria a elaboração de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Não estamos afirmando que, nesse momento, não tivesse havido tentativas e articulações no sentido de regulamentar as determinações sobre educação dispostas na Constituição Federal. Pelo contrário, foram muitos os em- 1 Sobre um cenário geral da universidade brasileira nas últimas duas décadas, cf. CHAUÍ, 2001 e TRINDADE, 1999. 2 Sobre a quantidade e variedade dessas modificações, cf. DUTRA, 2003, e DAVIES, 2004. 70 Impulso, Piracicaba, 16(40): 69-80, 2005 impulso40.book Page 71 Monday, October 3, 2005 10:39 PM bates políticos em torno do tema ocorridos nesses anos. O que queremos realçar é que, a partir da chegada ao poder de um outro grupo político – que contou com maciça base parlamentar e possuía um projeto específico de política educacional, pautado, em suas principais concepções, nas diretrizes definidas pelo Banco Mundial para a área, a serem aplicadas pelo chamados países em desenvolvimento3 –, a educação brasileira passou a funcionar nos moldes atuais.4 AS PRIMEIRAS E URGENTES MODIFICAÇÕES As primeiras transformações implantadas pelo governo FHC, em política educacional para a educação superior no Brasil, ocorreram logo no primeiro ano de seu mandato inicial (1995-1998), com a sanção das leis federais n.ºs 9.131/95 e 9.192/95, ambas oriundas de medidas provisórias (MPs).5 A primeira criou o Conselho Nacional de Educação (CNE) e o Exame Nacional de Cursos (ENC), conhecido como Provão. A segunda, a lei n.º 9.192/95, modificou o processo de escolha dos dirigentes universitários, concedendo aos docentes o peso de 70% em qualquer processo de escolha dos dirigentes das instituições federais de ensino superior, e instituiu a votação uninominal.6 O CNE foi criado para substituir o Conselho Federal de Educação (CFE), extinto durante a gestão de Itamar Franco na presidência da República, entre outros motivos, porque, naquele momento, o antigo CFE sofria constantes acusações públicas de que teria se transformado em “balcão de negócios”, no qual diversas instituições priva3 Deve-se ressaltar que o governo FHC norteou-se na educação, e em todas as outras áreas, pelas idéias do chamado Consenso de Washington – também defendidas pelo Banco Mundial: busca de equilíbrio orçamentário, abertura comercial e financeira, flexibilização das relações trabalhistas, redução dos gastos públicos, desregulamentação do mercado interno e privatização de empresas estatais e de serviços públicos (cf. SGUISSARDI, 2000, p. 4-8). 4 Sobre a atual estrutura e o funcionamento da educação brasileira, cf. BRANDÃO, 2004. 5 A importância de citar que essas leis foram originadas de MPs é o fato de que esse instrumento normativo (as MPs) constitui a forma pela qual o Poder Executivo, a partir da Constituição de 1988, passou a poder legislar sobre assuntos que considerasse de extrema urgência e relevância, já que as MPs possuem força de lei, com vigência imediata, sendo posteriormente analisadas e aprovadas (ou rejeitadas) pelo Congresso Nacional (Poder Legislativo). 6 Cf. SILVA & MACHADO, 1998. Impulso, Piracicaba, 16(40): 69-80, 2005 das de ensino superior conseguiam autorizações para abertura e reconhecimento de novos cursos, e credenciamento de novas faculdades e universidades, de maneiras pouco ortodoxas. A criação do CNE visava a moralizar esses processos (autorizações para abertura e reconhecimento de novos cursos, e credenciamento de novas faculdades e universidades). Porém, essa tentativa de moralização não durou muito. Na votação, na Câmara de Educação Superior,7 do processo de transformação de uma determinada faculdade em universidade, com resultado favorável, por um voto de diferença, um de seus conselheiros – o professor e filósofo José Arthur Gianotti – pediu demissão do CNE, acusando-o publicamente de ter se transformado em um “balcão de negócios”, assim como o antigo CFE. Outras reportagens da revista Veja, durante 2001 e 2002, sobre o mesmo assunto, aumentaram a suspeição sobre os procedimentos adotados pelo “novo” CNE nos processos de autorizações, reconhecimentos, credenciamentos e transformações de faculdades em universidades. Coincidência ou não, a partir daí, diminuíram significativamente as solicitações de transformação de faculdades em universidades. A criação do Provão, ainda de acordo com a lei n.º 9.131/95, foi cercada de muita propaganda governamental de que ele viria para fechar os cursos superiores que apresentassem maus resultados em seguidas avaliações anuais consecutivas. Porém, após a sua aplicação durante sete anos consecutivos (de 1996 a 2002), e apesar de diversos cursos e instituições terem obtidos as piores notas, consecutivamente por vários anos, especialmente cursos oferecidos por instituições privadas, absolutamente nenhum (público ou privado) foi fechado pelo CNE. Mesmo tendo, a partir de julho de 2001, transferido o poder de encerrar os cursos mal avaliados pelo Provão, do CNE para o Ministério da Educação (MEC), até o final do ano de 2003, nenhum foi fechado em razão das notas obtidas 7 A Câmara de Educação Superior é uma das duas câmaras que formam o CNE, sendo a outra a Câmara de Educação Básica. 71 impulso40.book Page 72 Monday, October 3, 2005 10:39 PM nas sucessivas edições do Provão.8 Pelo contrário, segundo o Censo do Ensino Superior (MEC/ INEP), o número de cursos superiores privados saltou de 3.500, em 1995 (primeiro ano da gestão FHC), para 9.100, em 2002 (último ano da gestão FHC), resultando num crescimento de 160% (média de criação de três novos cursos superiores privados por dia). Nesse mesmo período, os cursos superiores públicos passaram de 2.800, em 1995, para 5.200, em 2002, resultando num crescimento de 86% (média de criação de um novo curso superior público por dia). Já a lei n.º 9.192/95 – modificando o processo de escolha dos dirigentes universitários, instituindo-lhe a votação uninominal e concedendo aos docentes o peso de 70% em qualquer processo de escolha dos dirigentes das instituições federais de ensino superior – prejudicou significativamente a educação superior pública brasileira. Esse grande prejuízo deu-se porque a luta histórica em defesa da universidade pública não é somente para que ela continue pública, gratuita, laica e de qualidade, mas para que seja sobretudo democrática no acesso, na permanência e na sua gestão. Assim, se as instituições públicas de educação superior buscam seguir o princípio de uma gestão democrática – na medida em que asseguram a existência de órgãos colegiados deliberativos, dos quais devem participar os segmentos da comunidade institucional, local e regional –, não faz sentido conceder o peso de 70% para o segmento dos docentes nos processos de escolha dos dirigentes, como determina a lei n.º 9.192/95. Essa determinação contraria a idéia de gestão democrática, pois afronta o princípio da paridade entre os segmentos (docentes, alunos e funcionários), sendo, também, exageradamente desproporcional. Uma coisa é concordar ou discordar do princípio da paridade de representação desses 8A partir de 2004, o Provão foi substituído pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). As principais diferenças em relação ao antigo Provão são: a aplicação do Enade é por amostragem (o Provão era obrigatório para todos os alunos dos cursos avaliados) e trienal para cada curso de graduação (a aplicação do Provão era anual). O Enade compõe o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), cujo objetivo é realizar o processo de avaliação das instituições de educação superior brasileiras, e foi instituído pela lei n.º 10.861, de 14/abr./04. 72 três segmentos nas eleições para escolha dos dirigentes universitários; outra, bem diferente, é reduzir drasticamente o poder de escolha política dos funcionários e alunos, o que, por conseqüência, diminui significativamente a legitimidade desses processos eleitorais. A lei n.º 9.192/95 também instituiu que esses processos de escolha dos dirigentes das instituições públicas de educação superior sejam feitos por meio de votações uninominais, ou seja, acaba a idéia de chapa completa (reitor e vice-reitor, diretor e vice-diretor etc.) e dá-se a oportunidade para que as pessoas – no caso, os docentes – possam se candidatar a esses cargos individualmente. Na prática, a votação uninominal personifica as escolhas, uma vez que elimina a chapa, desvalorizando, assim, os programas de gestão, e valorizando, ao mesmo tempo, as trajetórias individuais. Essas duas leis – n.ºs 9.131/95 e 9.192/95 – foram as primeiras e mais urgentes modificações introduzidas pelo governo FHC no cenário da política educacional superior brasileira. A medida legislativa seguinte, tão ou mais importante do que essas, foi a elaboração de uma nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB). A NOVA LDB A história da construção da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei n.º 9.394/96 – LDB) pode ser dividida em duas partes, ou melhor, em dois projetos. Um, que não vingou, foi gestado e debatido pelos principais representantes da sociedade civil e política ligados à educação, no período compreendido entre o final dos anos de 1980 até quase a metade dos anos de 1990, mais exatamente até a posse do senador Fernando Henrique Cardoso (PSDB) na presidência da República. Outro, que acabou se transformando na LDB, foi gestado pelo Ministério da Educação (MEC) do governo FHC, a partir das principais concepções e diretrizes educacionais difundidas pelo Banco Mundial para os países do chamado Terceiro Mundo.9 9 Sobre a política educacional do Banco Mundial para os países em desenvolvimento, cf., entre outros, CASTRO & CARNOY, 1997, e TOMMASI, WARDE & HADDAD, 1996. Impulso, Piracicaba, 16(40): 69-80, 2005 impulso40.book Page 73 Monday, October 3, 2005 10:39 PM As discussões sobre a elaboração de uma nova ldb duraram aproximadamente oito anos, ou seja, da promulgação da atual Constituição brasileira (outubro de 1988) à sanção da lei n.º 9.394, em 20/dez./96. Em dezembro de 1988, o deputado Otávio Elísio (PSBD-MG) foi encarregado de apresentar à Câmara dos Deputados uma primeira proposta do projeto de lei para a nova ldb. Ao deputado Jorge Hage (PSDB-MG), relator da Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados, coube a apresentação de um substitutivo àquela proposta. No fim de 1993, o deputado Jorge Hage apresentou um projeto substitutivo, que, de maneira relativamente consensual, reuniu dezenas de outros projetos e emendas. Tendo sua aprovação final em sessão plenária da Câmara dos Deputados, em 13/maio/93, o passo seguinte foi encaminhá-lo ao Senado Federal, onde coube ao então senador Cid Sabóia de Carvalho (PMDB-CE) relatá-lo na Comissão de Educação, fazendo-o de maneira coerente com as discussões até então empreendidas pelos deputados e representantes da sociedade civil ligados à questão educacional. No entanto, até o final daquele mandato legislativo (1990-1994), o projeto de LDB oriundo da Câmara dos Deputados não logrou aprovação. Quase ao meio do ano de 1995, já em novo mandato legislativo (19951998), o MEC enviou um projeto substitutivo de LDB, assinado formalmente pelo senador Darcy Ribeiro. Ele desfigurava o original, debatido durante vários anos por todos os setores interessados na educação brasileira e aprovado pela Câmara dos Deputados. Coagidos pela forte pressão do governo, que detinha o apoio declarado de mais de 60 entre os 81 senadores (e queria ver o seu projeto aprovado, ao invés daquele sancionado pela Câmara dos Deputados), e constrangidos pelo fato de o senador Darcy Ribeiro encontrar-se gravemente doente (vindo a falecer poucos meses mais tarde), os senadores resolveram discutir as duas propostas ao mesmo tempo, contrariando o próprio regimento interno do Senado Federal. Dada a folgada maioria parlamentar no Senado, alguns Impulso, Piracicaba, 16(40): 69-80, 2005 meses mais tarde o governo conseguiu arquivar a proposta de LDB da Câmara dos Deputados e, em seguida, aprovar o seu projeto nessa casa legislativa, com poucas alterações significativas. Portanto, ele retornou à Câmara, sendo relatado pelo então deputado José Jorge (PFL-PE) e aprovado em 17/dez./96. Três dias depois, sancionou-se, sem vetos, a nova LDB, a lei n.º 9.394/96. São muitos os pontos dessa lei sobre os quais podemos levantar questões, porém, neste artigo, nos limitaremos às referentes à educação superior brasileira. A EDUCAÇÃO SUPERIOR NA NOVA LDB O capítulo IV do título V da LDB discorre sobre o ensino superior, num total de 15 artigos (do 43 até o 57), que procuram traçar as linhas gerais da educação superior no Brasil. Neste trabalho, escolhemos analisar apenas os arts. 43 (sobre as finalidades da educação superior), 44 (que relaciona os tipos de cursos superiores), 52 (acerca da definição de universidades), 53 e 54 (que tratam a autonomia universitária) e 56 (sobre o princípio da gestão democrática nas instituições públicas de educação superior). Selecionamos especificamente esses artigos por considerá-los os mais importantes na discussão, com referência principal na atual LDB, da política educacional para a educação superior brasileira. O art. 43 descreve os objetivos a serem alcançados pela educação superior brasileira, conseguindo abranger, no nosso entendimento, todas as possíveis finalidades que qualquer educação superior, digna desse nome, deve possuir. A dificuldade reside em atingir, efetivamente, todos ou, pelo menos, a grande maioria desses objetivos. Porém, não pode servir de justificativa à não colocação, no texto legal, das finalidades da educação superior, pelas quais devemos lutar continuamente. Nesse sentido, segundo o art. 43 da LDB, a educação superior tem como propósito estimular a criação cultural e o aprimoramento do espírito científico e do pensamento reflexivo; formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento e aptos para a inserção em setores profissionais e a participação no desenvolvimento da sociedade 73 impulso40.book Page 74 Monday, October 3, 2005 10:39 PM brasileira, e colaborar na sua educação contínua; incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, construir o entendimento do homem e do meio em que vive; promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber por meio do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração; estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; promover a extensão, aberta à participação da população, para a difusão de conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição. Já o art. 44 relaciona os tipos de cursos a serem considerados como de educação superior: seqüenciais por campo de saber; de graduação; de pós-graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, de especialização, aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino; e, por fim, de extensão, voltados a candidatos que preencham os requisitos estabelecidos em cada caso por essas instituições. A grande novidade aqui é a criação dos cursos seqüenciais por campo de saber. Sua normatização posterior, não incluída nessa LDB, esclareceu que eles poderão ser de dois tipos: complementação de estudos, aos alunos que já possuem graduação, ou formação específica, que significa um tipo de curso de nível pós-médio. O primeiro concede ao aluno, ao seu término, um certificado de conclusão, ao passo que o segundo, também ao seu término, confere um diploma de nível superior. Ressalta-se que, em nenhum dos 74 dois casos, esses documentos legais oferecidos ao final dos respectivos cursos equivalem ao diploma de graduação. Concebidos para atender rapidamente às “exigências” do mercado de trabalho, os cursos seqüenciais por campo de saber possuem a pretensa vantagem de serem mais rápidos, com duração mínima de seis meses e máxima de dois anos. Sua grande desvantagem é que esse tempo de duração limita também, e conseqüentemente, a quantidade de conteúdos oferecidos. Por isso, afirmamos que a rapidez de sua realização constitui um pretenso benefício. Outra desvantagem desses cursos é que, apesar de considerados de nível superior, mas não de graduação, eles (tanto o de complementação de estudos quanto o de formação específica) não dão direito ao aluno de, após sua conclusão, julgar-se licenciado para dar aulas no ensino fundamental e médio ou cursar qualquer programa de pós-graduação. As universidades que oferecem cursos seqüenciais por campo de saber de complementação de estudos não precisam que eles sejam reconhecidos pelo Ministério da Educação, pois não emitem diploma – apenas concedem certificado de conclusão. Por sua vez, as que proporcionam esses cursos seqüenciais de formação específica necessitam de reconhecimento pelo Ministério da Educação. Esses cursos podem ter sido autorizados a funcionar, porém, se não cumprirem o projeto pedagógico inicial proposto para a obtenção dessa autorização, estarão sujeitos a não serem reconhecidos, invalidando totalmente o diploma obtido pelo aluno. O acesso aos cursos seqüenciais por campo de saber não passa, necessariamente, pelo vestibular. Na maioria dos casos, dá-se por “processos seletivos”, com critérios definidos pelas próprias instituições de educação superior, podendo variar entre testes semelhantes aos aplicados no vestibular, avaliação de currículos ou, até mesmo, uma simples entrevista com o candidato. A curta duração, as infinitas e diferenciadas formas de acesso e a especificidade dos conteúdos ministrados pelos mais diversos cursos fazem dessa modalidade um excepcional “nicho de mercado” para as Impulso, Piracicaba, 16(40): 69-80, 2005 impulso40.book Page 75 Monday, October 3, 2005 10:39 PM instituições privadas de ensino superior. Por um lado, pelo seu baixo custo e, por outro, pela perspectiva gerada no aluno de realização, e conclusão mais rápida, de um “curso superior” a proporcionar-lhe inserção mais rápida (real ou apenas imaginária) no mercado de trabalho.10 O art. 52 explicita a definição de universidade contida na LDB: “instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano”, que devem preencher, pelo menos, três requisitos básicos: 1. produção intelectual institucionalizada; 2. um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado; 3. um terço do corpo docente em regime de tempo integral. Nesse momento, cabe recorrer um pouco à história da elaboração dessa LDB, de modo a entender melhor o alcance do disposto no seu art. 52. O projeto anterior, aprovado pela Câmara Federal e remetido ao Senado ao fim de 1994, previa que, para considerar-se universidade, a instituição de educação superior deveria possuir, além de produção intelectual institucionalizada comprovada, pelo menos metade do seu corpo docente com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado e, também, atuando em regime de tempo integral.11 A redução desses percentuais de titulação mínima e de contratação de docentes em tempo integral, constante da LDB, para que as instituições de educação superior possam ser consideradas (transformadas em) universidades, só lhes facilita a organização e a administração, especialmente financeira, na medida em que lhes permite constituir um corpo docente menos qua10 A existência e a proliferação de cursos superiores de curta duração – e de menores custos – é uma das “propostas” sempre retomadas pelo Banco Mundial em seus documentos, assim como a diferenciação entre universidades de pesquisa (centros de excelência) e instituições superiores de ensino e extensão, ou os centros universitários, que, para Chauí, resultaria no que essa autora define como universidade operacional. Cf. CHAUÍ, 1999. 11 O projeto anterior concedia um prazo de cinco anos para que as universidades atingissem esses percentuais. Já a LDB aprovada (lei n.º 9.394/96), além de reduzir esses percentuais de 50% para 33%, aumentou para oito anos o prazo para se alcançarem tais percentuais. Cf. SAVIANI, 1997. Impulso, Piracicaba, 16(40): 69-80, 2005 lificado (titulação mínima) e menos disponível à realização de pesquisas, trabalhos de extensão e atendimento aos alunos (como complemento da docência), por intermédio da celebração do contrato de trabalho por hora/aula, em vez do de regime de tempo integral previsto na proposta anterior de LDB. Como já dissemos, a lei n.º 9.394/96 (essa LDB) foi elaborada pelo MEC do governo FHC, seguindo, estritamente, as diretrizes para a educação do Banco Mundial. Essa organização multilateral entende que a educação superior não constitui, necessariamente, um serviço público (um dever do poder público), e sim um serviço que pode (e deve) ser oferecido e regulado pelo “mercado” (pela iniciativa privada).12 Assim, exigir percentuais mais elevados de titulação docente e contratação em regime de tempo integral, o que certamente elevaria a qualidade da educação oferecida pelas universidades privadas, significaria um aumento dos seus custos operacionais e, portanto, uma redução de seus lucros. Os arts. 53 e 54 tratam a questão da autonomia universitária, estabelecendo-lhe o alcance. Eles podem ser entendidos, de certa maneira, como uma regulamentação do art. 207 da Constituição Federal, que define o princípio da autonomia universitária. Independentemente da amplitude desse conceito delineado nos arts. 53 e 54, o problema não resolvido – nem pela Constituição Federal, nem pela LDB e tampouco por nenhuma outra lei federal – no nosso entendimento antecede a definição do alcance da autonomia universitária e é condição sine qua non para que, de fato, ela ocorra. Trata-se aqui da origem do financiamento da universidade pública. Em São Paulo, as três universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp) são financiadas com o repasse de 9,57% da quota parte do ICMS recolhido no Estado. Esse mecanismo possibilita a elas, na prática, um grau de autonomia infinitamente maior do que as universidades federais brasileiras, por exemplo. No caso destas, durante os oito anos do gover12 Cf. MENEZES, 2000. 75 impulso40.book Page 76 Monday, October 3, 2005 10:39 PM no FHC, as propostas de regulamentação da autonomia universitária, especificamente das formas e fontes de financiamento, elaboradas pelo MEC, ou não agradavam às universidades ou não contentavam a equipe econômica do governo. Como, até os dias de hoje, não houve resolução para esse conflito, podemos afirmar que tal questão não constituiu prioridade para o governo FHC e, nem mesmo, até o momento, para o governo Lula. Por fim, o art. 56 da LDB discorre sobre o princípio da gestão democrática nas instituições públicas de educação superior, assegurando a existência de órgãos colegiados deliberativos, dos quais deverão participar os segmentos da comunidade institucional, local e regional. Contudo, também define que, nesses órgãos colegiados, os docentes ocuparão 70% dos assentos. Nessas condições, notamos que o princípio da gestão democrática posto na LDB13 revelase não só não-paritário, mas, antes de tudo, exageradamente desproporcional. Pode-se até discordar do princípio da paridade de representação dos três segmentos (docentes, funcionários e alunos) nos órgãos colegiados deliberativos das instituições públicas de educação superior. O que não se deve é retirar, na prática, qualquer poder de decisão política dos seus funcionários e alunos, sob pena de que as deliberações desses órgãos colegiados careçam de representatividade e legitimidade. Por outro lado, como estimular a participação das comunidades “institucional, local e regional” nos órgãos colegiados deliberativos das instituições públicas de educação superior com tamanha desproporção de poder de decisão? Não há como não dizer que esse art. 56 da LDB advoga uma diferente (e estranha) concepção de gestão democrática das instituições públicas de educação superior – no nosso entendimento, ela está muito distante de ser considerada democrática. sancionou a lei n.º 10.172, que instituiu o Plano Nacional de Educação (PNE). O propósito desse plano é definir diretrizes, metas e objetivos a serem alcançados por cada um dos níveis de ensino, por cada uma das modalidades de ensino e para a formação de professores e o financiamento da educação, num período de 10 anos, com início em 2001. Tais objetivos e metas referem-se a aspectos como atendimento, infra-estrutura, qualidade de ensino, qualificação profissional e participação da comunidade, entre outros. Embora previsto no § 1.º do art. 87 da LDB, em consonância com o art. 214 da Constituição Federal, que determinava à União (no caso, o MEC), no prazo de um ano a partir da publicação da LDB, o encaminhamento ao Congresso Nacional de um Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, a primeira versão do PNE protocolada no Congresso Nacional não foi enviada pelo MEC no prazo estipulado acima.14 Pelo menos desde 1996, antes mesmo da sanção da nova LDB, inúmeras entidades educacionais da sociedade civil brasileira – muitas delas que também haviam formulado e discutido outro projeto de LDB, diferente daquele do MEC/Banco Mundial, em linhas gerais aprovado e transformado na nova LDB – reuniram-se no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública e nos Congressos Nacionais de Educação (Coned) para debater um projeto alternativo de PNE.15 Denominado Plano Nacional de Educação – Proposta da Sociedade Brasileira, ele foi sistematizado sobretudo após os debates e discussões no I e II Congresso Nacional de Educação, ocorridos na cidade de Belo Horizonte (MG), em 1996 e 1997, respectivamente. O fato de ter sido protocolado na Câmara dos Deputados, em 10/fev./98, na forma de projeto de lei, fez com que, no dia seguinte, o MEC do governo FHC apresentasse outra proposta de PNE. 13 E 14 Cf. BRANDÃO, 2003, p. 167. que reafirma o conceito de gestão democrática implícito nessa lei, como já discutimos anteriormente. 76 PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO: OBJETIVOS E METAS PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR Em 9 de janeiro de 2001, o presidente FHC 15 Cf. SAVIANI, 2002. Impulso, Piracicaba, 16(40): 69-80, 2005 impulso40.book Page 77 Monday, October 3, 2005 10:39 PM Assim como tinha acontecido com a LDB, um dos projetos, que não vingou, foi gestado e debatido no seio da sociedade civil brasileira, especialmente pelas entidades historicamente defensoras da educação pública, gratuita, laica, democrática e de qualidade. O outro, que acabou se transformando na lei n.º 10.172/01, foi elaborado pelo MEC do governo FHC e norteado, em suas principais concepções, pelas diretrizes do Banco Mundial para a educação, a serem aplicadas pelos chamados países em desenvolvimento.16 Esse PNE pretende atingir quatro objetivos: elevar, de maneira global, o nível de escolaridade da população; melhorar a qualidade do ensino em todos os níveis; reduzir as desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à permanência, com sucesso, na educação pública e, por último, democratizar a gestão do ensino público nos estabelecimentos oficiais, obedecendo aos princípios da participação dos profissionais de ensino, na elaboração do projeto pedagógico da escola, e das comunidades escolar e local, em conselhos escolares ou equivalentes. Para atingir esses objetivos, o PNE estabelece cinco prioridades: 1. garantia de ensino fundamental obrigatório de oito anos a todas as crianças de 7 a 14 anos de idade, assegurando seu ingresso e permanência na escola e a conclusão desse ensino; 2. garantia de ensino fundamental a todos os que a ele não tiveram acesso na idade apropriada ou que não o concluíram; 3. ampliação do atendimento nos demais níveis de ensino (educação infantil, ensino médio e educação superior); 4. valorização dos profissionais; 5. desenvolvimento de sistemas de informação e de avaliação em todos os níveis e modalidades de ensino. A partir daí, o PNE passa a ser um rol de objetivos e metas desprovidos de meios efetivos para a sua concretização. Das 35 metas definidas originalmente para a educação superior, quatro terminaram vetadas pelo presidente FHC, entre elas: elevar o gasto público total em educação, vinculando 75% dele para a educação superior; triplicar 16 Sobre a influência do Banco Mundial especificamente sobre esse PNE, cf. SILVA, 2002. Impulso, Piracicaba, 16(40): 69-80, 2005 o investimento anual em pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico; e ampliar a oferta de ensino superior público para uma proporção nunca inferior a 40% do total das vagas na educação superior (pública e privada). Todos os vetos, direta ou indiretamente, devem contribuir significativamente para que, talvez, boa parte dessas outras 31 metas não venha a ser plenamente alcançada. Um único exemplo ilustra essa questão. A primeira meta do PNE para a educação superior é que, até o final de 2010, pelo menos 30% dos jovens na faixa etária de 18 a 24 anos tenham acesso a ela. Esse percentual até pode vir a ser atingido, porém, se considerarmos que grande parte desses jovens não pode pagar um curso superior privado, dada a situação socioeconômica da população brasileira em geral, será necessária uma expansão significativa na oferta de vagas em cursos superiores públicos, o que exige elevado investimento financeiro. Em contrapartida, segundo estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), os investimentos do MEC diminuíram 57,8% nos últimos anos, passando de 1,874 bilhão de reais, em 1995, para 790,703 milhões de reais, em 2003, em valores atualizados pelo Índice Geral de Preços da Fundação Getúlio Vargas (IGP-DI). Por outro lado, tendo em vista a ênfase da política macroeconômica atual, focalizada na realização de 4,5% do PIB nacional de superávit primário para pagamento dos juros, encargos e serviços da dívida externa brasileira, torna-se difícil acreditar que tais investimentos sejam efetivados. Se considerarmos que os vetos centraram-se em metas que, de maneira direta ou indireta, se referem ao financiamento da educação superior, da ciência e da tecnologia, concluiremos que, em seu conjunto, as específicas à educação superior, contidas nesse PNE, só serão plenamente alcançadas quando as prioridades da política macroeconômica brasileira atual vierem a ser modificadas. O PROUNI E A PROPOSTA ATUAL DE REFORMA UNIVERSITÁRIA Em dois anos e meio de governo Lula, já estamos com um terceiro ministro da Educação. Isso não é nada alentador para um governo cujo principal partido político de sustentação sempre 77 impulso40.book Page 78 Monday, October 3, 2005 10:39 PM teve, nas áreas da saúde e da educação, excelentes propostas e muitos quadros profissionais. Até esse momento, duas proposições são as mais polêmicas: o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o de reforma universitária. O ProUni foi baixado por MP – expediente exaustivamente criticado pelo Partido dos Trabalhadores quando na oposição – e já se transformou na lei n.º 11.096, de 13/jan./05. Ele visa a conceder bolsas integrais e parciais em cursos de graduação de instituições de ensino superior filantrópicas e privadas, com ou sem fins lucrativos. Em troca dessas vagas (bolsas), as entidades participantes serão beneficiadas com isenções fiscais e tributárias. Os alunos beneficiados devem ter cursado todo o ensino médio na rede pública, havendo reserva de vagas para autodeclarados indígenas, pardos ou negros, com percentual no mínimo igual ao de cidadãos assim autodeclarados no respectivo Estado, de acordo com o último censo disponível do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Também serão concedidas bolsas a professores da rede pública de ensino – para os cursos de licenciatura, normal superior e pedagogia, destinados à formação do magistério da educação básica – e para estudantes portadores de deficiências. O ProUni, via concessão de mais isenções fiscais e tributárias para a rede privada de ensino superior, constitui, de fato e em última instância, a transferência de recursos públicos para entidades privadas, sem garantia alguma de que elas farão esforços para melhorar a sua qualidade de ensino. Por outro lado, o Censo da Educação Superior de 2003, realizado pelo INEP, mostrou que há 726 mil vagas ociosas nessas mesmas instituições, o que representa 42% do total de vagas por elas oferecidas. Ou seja, em vez de investir na expansão da rede pública de educação superior, especialmente nas universidades federais, o governo Lula, por meio do ProUni, propõe “comprar” as vagas ociosas na rede privada. Por sua vez, a primeira versão do projeto de reforma universitária somente foi finalizada pelo MEC do governo Lula no final de 2004. Ten- 78 do recebido inúmeras críticas, esse ministério aceitou modificar diversos pontos, apresentando uma segunda versão, no final do mês de maio de 2005. De maneira geral, esse projeto é bastante abrangente, porém, dado todo o processo de discussão que acontecerá nas duas casas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), necessário se faz aguardar maiores e melhores definições do rumo político que ele irá tomar. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nestas considerações finais queremos realçar quatro pontos. O primeiro é que todas as modificações realizadas no arcabouço jurídico e institucional que rege a educação brasileira, especificamente a superior, tiveram como referências norteadoras as principais concepções e diretrizes educacionais defendidas, propagadas e “oferecidas” pelo Banco Mundial – em troca de empréstimos a juros de mercado – aos chamados países em desenvolvimento ou países do Terceiro Mundo. Entre tais concepções e diretrizes, destacam-se: maior diferenciação das instituições, enorme incentivo àquelas privadas de ensino superior, diversificação das fontes de financiamento, ênfase produtivista, distribuição dos poucos recursos estatais sob o critério de desempenho e priorização da educação fundamental pública e secundária em detrimento da educação superior pública.17 O segundo aspecto a ser discutido é sobre o dinheiro público destinar-se exclusivamente às escolas públicas ou se deve também ser dirigido às privadas – primárias, secundárias ou superiores. Esse embate vem se arrastando desde as primeiras décadas do século passado, sempre vencendo – e mais uma vez, agora com o ProUni – a posição de que dinheiro público também pode ser aplicado nas escolas privadas, sob as mais diferentes formas (isenções fiscais, bolsas de estudo, crédito educativo etc.), mesmo levandose em consideração as constantes e históricas dificuldades estruturais e orçamentárias das instituições públicas brasileiras de todos os níveis.18 17 Cf. SGUISSARDI, 2004, p. 23-24; e SANTOS, 2004, p. 107. 18 Cf. GHIRALDELLI JR., 1990. Impulso, Piracicaba, 16(40): 69-80, 2005 impulso40.book Page 79 Monday, October 3, 2005 10:39 PM O terceiro ponto refere-se ao modus operandi de implantar a política educacional pública no Brasil. Em outras palavras, passamos os oito anos dos dois mandatos do governo FHC criticando o modo como as medidas mais importantes de política educacional, especialmente as que atingem a educação superior brasileira, eram elaboradas (sem discussão) e implementadas (por medidas provisórias). Eis que já ultrapassamos a metade do governo Lula, e o que temos? O Provão substituído pelo Enade, sem ter-se discutido exaustivamente a necessidade efetiva dessas grandes avaliações nacionais, e o ProUni, que transfere recursos públicos na forma de isenções fiscais e tributárias, em troca de vagas ociosas, para as instituições privadas. E infelizmente, todas essas medidas foram criadas e implementadas por meio de medidas provisórias. O quarto e último ponto, mas não menos importante, é o fato de o governo Lula ainda não ter se empenhado politicamente o suficiente para ajudar o Congresso Nacional – solicitando aos seus líderes a colocação desse assunto na pauta de votações – a derrubar os vetos interpostos por FHC ao Plano Nacional de Educação (PNE). Isso, caso ainda seja realmente uma prioridade política – e de política educacional –, como era nos tempos em que o Partido dos Trabalhadores estava na oposição. Mas não estamos mais no governo FHC, ou seja, como já se pode dizer sobre o modo petista de lidar com a educação brasileira e, especificamente, com a educação superior brasileira: nas principais questões, ou mentimos antes ou estamos mentindo agora. Referências Bibliográficas BRANDÃO, C.F. Estrutura e Funcionamento do Ensino. São Paulo: Avercamp, 2004. ______. LDB Passo a Passo: lei de diretrizes e bases da educação nacional (lei n.º 9.394/96), comentada e interpretada artigo por artigo. 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