O SUBJETIVO NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM:
UMA REFLEXÃO SOBRE O FRACASSO ESCOLAR.
Karina Lima da Silva
Fundação Universidade Federal de mato Grosso do Sul – UFMS/CPAR
[email protected]
Profa. Msc. Daniela Bridon dos Santos Reis Brandão
Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS/CPAR
[email protected]
Introdução
O presente estudo é reflexo de uma pesquisa intitulada “Da escola para a
clínica? Análise de encaminhamentos escolares para tratamento psicológico no
Laboratório de Psicologia Carolina Martuscelli do CPAR/UFMS”, realizado por
acadêmicas do quarto e quinto anos do curso de Psicologia do Câmpus de
Paranaíba/UFMS, intuindo investigar os motivos dos encaminhamentos de crianças para
tratamentos psicológicos feitos pelas instituições de ensino, por meio da análise de
queixas, produzidas em entrevistas realizadas com pais, coordenadores, diretores e
psicólogos que trabalham com a educação. Partindo destas queixas, questionamos a
origem da falha no processo de ensino-aprendizagem e, sobretudo, a quê ou a quem
atribuímos o fracasso escolar.
Na observação das entrevistas, notamos que, na maioria das vezes, os
encaminhamentos realizados pelas instituições a serviços de saúde mental (de toda a
área psi), ao contrário do que justificavam os profissionais da educação, estão menos
relacionados a distúrbios de aprendizagem e mais relacionados a não definição dos
lugares simbólicos no processo educacional.
Fica explícito, por esta razão, que há uma culpabilização do aluno no que se
refere ao seu desempenho escolar, em que os sujeitos que instituem o processo de
ensino-aprendizagem desimplicam-se de sua responsabilidade, deslocando-se de seus
lugares subjetivos, como num círculo vicioso. Neste círculo, educadores se demitem de
seu papel representativo no ato de educar, depositando a culpa de um possível fracasso
na estrutura familiar e na criança, devolvendo a responsabilidade ao aluno que, além de
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ser culpabilizado, é consequentemente desimplicado, na medida em que não é levado a
refletir sobre seu lugar subjetivo.
Da divisão de classes à segregação: o fracasso escolar e sua constituição históricocultural
O fracasso escolar é, de maneira geral, considerado um problema com o qual a
realidade educacional brasileira tem se deparado desde a implantação da política
educacional do país, em 1930. No início do século XIX, a escola foi imposta como
instrumento de unificação nacional, em um momento em que os sujeitos deixaram de
ser súditos e tornaram-se cidadãos – fim da monarquia e implantação da democracia –
denotando uma necessidade de instituir mecanismos sociais para engendrar nestes
sujeitos a ideologia que propunha uma vida social igualitária e justa. Sendo imposta
como universalista, a escola foi tida como objeto de almejo da classe trabalhadora, que
de alguma forma se via inserida em uma desigualdade dissimulada e embutida na nova
ordem social. Esta classe entendia a escolarização como sendo um dos caminhos
socialmente aceitos, e tentou escapar da miséria de sua condição, quer com
manifestações individuais da maioria, quer como manifestação coletiva (através das
organizações de trabalhadores) de uma minoria consciente da realidade social (Patto,
1990).
De acordo com Patto (1990), esta política educacional, em seu sentido estrito,
decorre de três vertentes da visão de mundo dominante da nova ordem social: de um
lado, a crença no poder da razão e da ciência, legado do iluminismo; de outro, o projeto
liberal de um mundo em que a igualdade de oportunidades viesse a substituir a
indesejável desigualdade baseada na herança familiar; e por fim, a luta pela
consolidação de estados nacionais. Das três vertentes, acreditamos ser interessante
destacar a crença no poder da razão e da ciência, proveniente da adesão ao
anticlericalismo e ao cientificismo, que tendo base nos ideais iluministas e seguindo
moldes da ciência experimental e positivista, rendeu-nos o pilar do preconceito racial e
da divisão de classes.
O aumento da demanda social por escolas e a expansão dos sistemas nacionais,
segundo a autora supracitada, gerou a necessidade de explicar as diferenças de
rendimento da clientela escolar e, sobretudo, as razões de haver uma desigualdade no
acesso desta clientela a graus escolares mais avançados, isto, claro, sem fugir ao
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princípio da ideologia liberal que pressupunha que o mérito pessoal é o único critério de
seleção social e educacional. Entendendo que, neste período, a biologia e a medicina
eram os modelos de ciência vigente, e que os primeiros estudos relacionados a
dificuldades de aprendizagem escolar foram realizados por médicos, é possível destacar
a abrangência da visão organicista sobre a maneira de conceber as influências
ambientais neste processo, difundindo teorias elitistas e racistas.
Na virada do século XVIII, momento em que o desenvolvimento das ciências
médicas e biológicas se aprofundavam na normatização de conceitos aplicados à
neurologia, neurofisiologia e neuropsiquiatria, o conceito de anormalidade que
categorizava os sujeitos em hospícios, era aplicado em instituições de ensino para
defender a ideia de que as crianças que não acompanhavam seus colegas na
aprendizagem escolar mereciam lugar diferenciado e que seu fracasso teria gênese
orgânica. A partir de indagações desta ordem, em universidades eram desenvolvidos
instrumentos para medir aptidões naturais dos sujeitos e identificar possíveis razões das
diferenças individuais de rendimento escolar. De acordo com Patto (1990) aptidão, nas
proposições da época, era entendida como o resultado de uma disposição natural do
sujeito influenciada pelo exercício, educação, fatigabilidade ou o estado afetivo, por
exemplo. Muitos estudos foram realizados visando aprimorar instrumentos e técnicas
objetivas que pudessem medir aptidões e identificar as influências que atuavam sobre as
diferenças individuais. Mas no especialmente no decorrer do século XIX e início do
século XX, especialmente após a primeira guerra, em que se objetivava classificar os
sujeitos para dar-lhes a educação condizendo com suas capacidades de aprendizagem,
sob a influência ideológica dos meios educacionais europeus e norte americanos, os
testes psicológicos foram intensamente introduzidos na realidade escolar, a fim de
diagnosticar médico-psicologicamente desajustamentos infantis.
Estes testes intuíam primordialmente avaliar as capacidades intelectuais dos
sujeitos, criando inevitavelmente, rótulos e estereótipos, que obviamente recaíam sobre
crianças provenientes de segmentos da classe trabalhadora dos centros urbanos. Por esta
via, testes que seguiram os modelos clínicos do final do século XIX e abordaram
inicialmente temas referentes à hereditariedade e à raça e estavam invariavelmente
ligadas à questões orgânicas, passaram a relacionar, no início do século XX, a cultura
dos sujeitos com o fenômeno do fracasso escolar. Partindo dos pressupostos da
psicologia diferencial, que assimilava conhecimentos da antropologia cultural, surge
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uma teoria que assinala um marco nos estudos referentes ao insucesso de crianças no
processo de ensino-aprendizagem: a teoria da carência cultural.
Esta teoria, difusa nos Estados Unidos e citada em um trabalho de Patto (1988),
afirma de modo generalizado e indiscriminado que a criança carente é portadora de
distúrbios no desenvolvimento psicológico que a torna menos capaz do que a criança de
classe média para a aprendizagem, localizando numa suposta pobreza de estimulação
ambiental e na precariedade das práticas familiares de socialização uma relação
intrínseca com o fracasso escolar. Partindo destes pressupostos, denotamos o
surgimento de um estereótipo de fracasso escolar diretamente ligado aos conceitos de
ideal de adaptação e segregação, fruto da escola como instituição reprodutora das
desigualdades sociais no nível da divisão e organização do trabalho. Em suma, o ideal
que se cria de um aluno adaptável à realidade escolar – bem como de um sujeito
adaptável às condições impostas pela sociedade capitalista – é que sustenta a crença de
que o fracasso é proveniente mais de aspectos extra-escolares do que aspectos intraescolares, isto é, atribuindo a questões sócio-econômicas e culturais a base para um
fracasso ou sucesso, desconsiderando problemas de ordem institucional e relações
interpessoais no âmbito escolar.
O fracasso escolar e a singularidade
No estudo do fracasso escolar, é possível explicitar dois aspectos influenciadores
na constituição deste fenômeno: os aspectos extra-escolares e os aspectos intraescolares. De acordo com o levantamento histórico realizado inicialmente, foi pertinente
observar que muitas teorias sugeriram como causa ou influência para o fracasso no ato
educativo aspectos ligados à cultura, a condições sócio-econômicas e até mesmo
referentes à estruturação familiar, caracterizando o grupo de aspectos extra-escolares,
isto é, que não são inerentes a realidade institucional. Partindo deste princípio, torna-se
claro que aspectos intra-escolares são aqueles diretamente ligados à vida escolar, desde
a estruturação física e material, método de ensino e política institucional, até as relações
estabelecidas entre alunos, educadores, profissionais e, sobretudo, a relação destes
sujeitos com o ato educativo propriamente dito. Refletindo sobre um aspecto intraescolar um tanto quanto deficitário, ressaltamos da obra de Patto (1990) a seguinte
descrição:
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Reprovar: não aprovar, rejeitar, excluir, censurar, repreender,
desprezar; provar nova e repetidamente, provar bem. Provação:
ação ou meio de provar, de experimentar a consciência, o
sofrimento, a paciência, a virtude, etc. Re-provação: provar bem
de novo; ser submetido novamente a sofrimentos, transe, aperto,
trabalhos penosos, situação difícil (Patto, 1990, p.351).
Esta descrição refere-se aos métodos de ensino e avaliação a que são submetidos
os alunos, e a não adequação a tais métodos acarreta diretamente no fracasso,
permitindo a queda total da responsabilidade sobre aquele que ocupa o lugar de
depositário do conhecimento, ou seja, os próprios educandos.
Por esta via, é possível refletir sobre a influência exercida pelos aspectos intraescolares no processo de ensino-aprendizagem, bem como suas implicações na
produção do fracasso escolar. Segundo Lajonquière (1999), este aspecto intra-escolar
está ligado à implantação de projetos “psico” pedagógicos no Brasil durante a
instituição da pedagogia moderna, que objetivava melhorar o desempenho escolar dos
alunos, a partir da visão de um indivíduo-aluno isolado, sem suas interações.
Procurando estimular mais as capacidades psicomaturacionais dos alunos, estes projetos
já surgem fadados ao fracasso, uma vez que as dificuldades e capacidades são próprias
de cada sujeito, não podendo desconsiderar as interações – estabelecidas dentro e fora
das instituições – que envolvem suas singularidades. Acerca disso, o autor afirma que:
A pedagogia atual explica tudo aquilo que considera um
fracasso educativo em termos de resultado de uma falta de
adequação, ou relação natural, entre a intervenção do
adulto e o estado psicomaturacional das crianças e dos
jovens. (Lajonquière, 1999, p. 28).
A demissão ou renúncia ao ato de educar se dá pelo fato de que os educadores,
mesmo não deixando de crer nos saberes da pedagogia acabam, em nome da
psicologização do ambiente escolar, demitindo-se do ato de educar. Sendo assim, esses
saberes “psico” pedagógicos acabam por interferir na maneira como a instância
educativa se impõe nas instituições, ou seja, estes saberes, que seriam os norteadores do
que se deve fazer para que o aluno obtenha “êxito” em suas atividades escolares,
acabam por dificultar em certa parte a ação dos educadores que, deixam de educar da
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maneira como aprenderam para adequarem-se aos projetos “psico”pedagógicos das
instituições educacionais.
Tendo em vista as práticas educativas atuais, quase sempre orientadas por um
modo de apreensão do discurso da ciência contribuem para o aumento de um fenômeno
designado segregação, que nada mais é que a legitimação da exclusão, isto é, diferenciar
os sujeitos na medida em que não se enquadram no ‘ideal de adaptação’, colocando-os a
margem da sociedade (no caso, do contexto escolar) e caracterizando-os como
fracassados.
A partir deste fenômeno discriminatório, Santiago (2005) propõe um Ideal de
Adaptação, um padrão inatingível no processo educacional, isto é, na medida em que o
sujeito não se adapta perfeitamente à realidade escolar, é entendido como deficitário e
incapaz de aprender como os demais, diferente ou, como queira, portador de alguma
patologia. Considerando que o déficit ou a ausência dele é determinado por algo além
da consciência, de longe, a adaptação á algo ideal, inatingível, já que para adaptar-se
perfeitamente, o sujeito necessita ter conteúdos inconscientes equivalentes aos outros
sujeitos, e sua relação para com o transmissor do saber – o educador – deverá ser a
mesma relação estabelecida dos outros sujeitos com esse mesmo transmissor.
O fato é que os professores, ao se desimplicarem do ato educativo, acabam
atribuindo a outro profissional a resolução dos “problemas” causados por alguns alunos,
esperando que estes retornem à sala de aula adaptados. Em último caso, ou nem sempre
é assim, esses alunos acabam sendo encaminhados a médicos, psiquiatras ou
neurologistas, que lhes receita algum remédio, que faz com que esses alunos voltem
mais “calmos” para a sala de aula, sendo isto visto como a solução dos problemas na
maioria das vezes, o que de fato não é, pois assim que a criança parar de tomar o
remédio, voltará a apresentar os mesmos comportamentos. Sendo assim, e tomando
como ponto de partida a demissão do ato educativo, podemos afirmar que o aluno é
entendido como principal responsável no tocante à constituição do fracasso escolar.
A culpabilização do aluno
É cada vez mais recorrente a discussão que reforça a existência de fracasso
escolar de alunos e de falha no processo de aprendizagem. De forma naturalizada, isto é,
já cristalizada no discurso institucional brasileiro, a responsabilidade de tais falhas se
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debruça cada vez mais sobre o aluno, uma vez que, sendo este incapaz de se adequar ao
método de ensino, ou é tachado como hiperativo ou como portador de algum déficit de
aprendizagem. Em suma, a idéia do fracasso escolar gira em torno da rotulação das
dificuldades de aprendizagem, que coloca em foco a responsabilidade majoritária ou
total do aluno em não aprender, fazendo com que déficits (que podem estar ligados à
afetividade e a relação com o educador ou com a família) sejam tratados como
patologias.
Retomando a discussão da demissão do ato educativo, Santiago (2005) destaca
que Freud, quando reporta no texto “Análise terminável e interminável”, de 1937, um
‘impossível ato de educar’, quer destacar a relação dos sujeitos com o saber que lhes é
transmitido e, mais que isso, com a transmissão (simultânea à transmissão de
conhecimento) de conteúdos da subjetividade do transmissor, ou seja, no ato, o
educador transmite um determinado conhecimento para um grupo de alunos esperando
que esse conhecimento seja assimilado por completo, mas o resultado dessa transmissão
não é previsível nem passível de um cálculo coletivo.
Relacionando a transmissão de subjetividade ao ato educativo, destacamos o fato
de alguns alunos aprenderem e outros não. Existem diferenças na apropriação de
conteúdos ou até mesmo a não apropriação destes conteúdos especialmente em virtude
da visão padronizadora que se têm do processo de ensino-aprendizagem. A
aprendizagem, bem como o ensino, está ligada não apenas à consciência, mas à
subjetividade como um todo, tanto do aluno, quanto do educador, e é visando esta
concepção que entendemos o ‘impossível ato de educar’ como a impossibilidade de
padronizar o que é subjetivo e particular e a interposição de elementos inconscientes
entre professor e aluno, independentemente da dimensão objetiva dos conteúdos
escolares.
Neste sentido, Santiago salienta que:
Quando o pedagogo imagina estar se dirigindo ao Eu da
criança, o que está atingindo sem sabê-lo é o seu
inconsciente; e isso não ocorre pelo que crê comunicarlhe, mas pelo que passa do seu próprio inconsciente
através de suas palavras (Santiago, 2005, p. 20).
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Para ilustrar tais considerações, destacamos do discurso dos educadores que
participaram desta pesquisa, que os mesmos, de maneira geral, não percebem com
dificuldades em exercer o ato educativo, ou seja, a relação de ensino-aprendizagem é
percebida como um processo em que o aluno é responsável por seu sucesso, fracasso ou
dificuldade, tendo como variáveis influenciadoras a idade, a fase do desenvolvimento,
bem como aspectos da estruturação familiar. A pesquisa minuciosa de Patto (1990)
propõe-nos que o fenômeno do fracasso escolar, em que o aluno é culpabilizado por seu
insucesso, estigmatizado e limitado em suas capacidades, nada mais é que uma
produção histórico-cultural, estruturada por aspectos intra e extra-escolares, e é sabido
que as variáveis citadas, em parte, têm relevância no processo de ensino-aprendizagem,
mas devemos destacar que tão representativa quanto as variáveis apresentadas é a
constituição subjetiva dos sujeitos e as relações estabelecidas neste processo mais
singular e menos generalizante.
Freud e a constituição psíquica
Segundo Freud (1913-1914), na constituição subjetiva de cada indivíduo, o Eu
se constrói primeiramente a partir da imagem que lhe é devolvida pelo semelhante, isto
é, através do outro. Em primeira instância, este Outro é representado pelas figuras
parentais que, na estruturação do complexo de Édipo, é vivência psíquica pela qual
todos indivíduos passam, caracterizado por uma tríade, em que a criança nutre amor
incondicional pelo genitor do sexo oposto e se opõe ao genitor do mesmo sexo, sendo
esta figura de oposição a instância punidora que institui leis e regras a serem seguidas
em prol de uma organização psíquica e social.
A criança, passando pela vivência edípica, formalizando-se na cultura, e seus
desejos não sendo mais o do Outro, passa a fazer propriamente a escolha de seus
objetos. Através da cultura, seu aparelho psíquico se organiza por meio do simbólico, e
as relações humanas instituem-se efetivamente. A mesma não se separa totalmente de
seus objetos de amor iniciais, pois, por meio deles sua formação psíquica foi iniciada.
Por esta razão, traços inconscientes de identificação são trazidos, transformados e
assimilados para as relações estabelecidas fora da relação parental, caracterizando a
transferência. Desta forma, todas as figuras envolvidas em relações estabelecidas mais
tarde, tornam-se figuras substitutas desses primeiros objetos de seus sentimentos. Essas
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figuras substitutas do ponto de vista da criança, são provenientes das do pai, da mãe,
dos irmãos e das irmãs, e assim por diante, sendo os relacionamentos com estas figuras
substitutivas carregados de uma espécie de herança emocional, onde:
(...) as atitudes emocionais dos indivíduos para com outras
pessoas que são de tão extrema importância para seu
comportamento posterior, já estão estabelecidas numa idade
surpreendentemente precoce. A natureza e a qualidade das
relações da criança com as pessoas do seu próprio sexo e do
sexo oposto, já foi firmada nos primeiros seis anos de sua vida.
Ela pode posteriormente desenvolvê-las e transformá-las em
certas direções mas não pode mais livrar-se delas. As pessoas a
quem se acha assim ligada são os pais e irmãos e irmãs. Todos
que vem a conhecer mais tarde tornam-se figuras substitutas
desses primeiros objetos de seus sentimentos. (Deveríamos
talvez acrescentar aos pais algumas outras pessoas como babás,
que dela cuidaram na infância.) Essas figuras substitutas podem
classificar-se, do ponto de vista da criança, segundo provenham
do que chamamos as ‘imagos’, do pai, da mãe, dos irmãos e das
irmãs, e assim por diante. Seus relacionamentos posteriores são
assim obrigados a arcar com uma espécie de herança emocional,
defrontam-se com simpatias e antipatias para cuja produção
esses próprios relacionamentos pouco contribuíram. Todas as
escolhas posteriores de amizade e amor seguem a base das
lembranças deixadas por esses primeiros protótipos (Freud,
1913-1914, vol XIII, pág. 248).
Ainda na discussão das imagos, o autor destaca que, na segunda metade da
infância, a figura mais importante dentre todas é a do pai, com quem é estabelecida uma
relação de ambivalência, onde impulsos afetuosos e hostis para com ele persistem, sem
que um seja capaz de sobrepujar o outro, fazendo marcante uma existência
concomitante de sentimentos contrários. O indivíduo começa a vislumbrar o mundo
exterior, fazendo descobertas que abalam a opinião inicial que tinha sobre o pai e que
fundam o desligamento de seu primeiro ideal, entendendo que o pai não é o mais
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poderoso e sábio, aprendendo a criticá-lo, avaliando seu lugar na sociedade, passando a
fazer com que ele pague pesadamente pelo desapontamento causado.
É neste momento da vida que o indivíduo ingressa no processo de escolarização,
colocando-se em contato com a nova realidade, para fora da relação parental, sendo
submetido a novas leis e regras que lhes são impostas, por uma nova figura castradora:
o educador. Freud (1913-1914) postula que:
Estes homens, nem todos pais na realidade, tornaram-se nossos
pais substitutos. Foi por isso que, embora ainda bastante jovens,
impressionaram-nos como tão maduros e tão inatingivelmente
adultos. Transferimos para eles o respeito e as expectativas
ligadas ao pai onisciente de nossa infância e depois começamos
a tratá-los como tratávamos nossos pais em casa. Confrontamolos com a ambivalência que tínhamos adquirido em nossas
próprias famílias, e, ajudados por ela, lutamos como tínhamos o
hábito de lutar com nossos pais em carne e osso. A menos que
levemos em consideração nossos quartos de crianças e nossos
lares, nosso comportamento para com os professores seria não
apenas incompreensível, mas também indesculpável” (Freud
,1913-1914, vol. XIII, p. 249).
Por esta via, denotamos que, no processo de ensino-aprendizagem, essa nova
figura que castra, além de transmitir conhecimento por meio do ato educativo, também
comunica sua subjetividade, e uma vez sendo objeto substitutivo para o aluno, não
poderia contratransferir, isto é, não poderia fazer-se permanecer no mesmo lugar
ocupado na vivência edípica, mas sim permitir que esta vivência mude de lugar,
podendo o aluno desejar objetos aceitos culturalmente e referenciados a esta cultura.
Neste sentido, fica claro que questões envolvendo a constituição subjetiva estão
diretamente relacionadas ao fracasso escolar, e estão presentes nas relações entre as
instituições que compõem o ato educativo. A esse respeito, e sobre os conteúdos
inconscientes transferidos por meio do processo de ensino-aprendizagem, Freud afirma
que:
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Somente alguém que possa sondar as mentes das crianças será
capaz de educá-las e nós, pessoas adultas, não podemos entender
as crianças porque não mais entendemos a nossa própria
infância. Nossa amnésia infantil prova que nos tornamos
estranhos à nossa infância (Freud, 1913-1914, vol. XIII, p. 190).
CONCLUSÃO
Entendendo que há uma culpabilização do aluno no que se refere ao seu
desempenho escolar, afirmo que os elementos que instituem o processo de ensinoaprendizagem desimplicam-se de sua responsabilidade, deslocando-se de seus lugares
subjetivos, como num círculo vicioso onde os educadores se demitem de seu papel
representativo no ato de educar. Nesta demissão, ocorre um depósito da culpa de um
possível fracasso na estrutura familiar, devolvendo esta responsabilidade ao aluno que,
ainda que seja culpabilizado, também é desimplicado, na medida em que não é levado a
refletir sua condição. Concluo então que, o ato de educar implica tanto as figuras
parentais, quanto o educador, e não apenas o aluno. É notável, nas observações
realizadas por esta pesquisa, que uma vez detectado um “problema” no processo de
ensino-aprendizagem, todos os elementos que instituem este processo desimplicam-se
da responsabilidade que tem. Em suma, os lugares não estão bem estabelecidos, nem
para a instituição familiar, nem para a instituição escolar, ou seja, não se sabe onde se
inicia a função de uma e se encerra a função da outra.
Sabendo da influência direta exercida pela família e pela escola dentro do
processo de ensino-aprendizagem, reafirmamos ser pertinente a reorganização destes
lugares, de forma que cada instituição se reconheça implicada, exercendo sua respectiva
função.
REFERÊNCIAS
FREUD, S. (1914). Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago. Sobre a psicologia
12
escolar.
SANTIAGO, A. L. (2005). A inibição intelectual na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge
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PATTO, M. H. S. (1990). A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e
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PATTO, M. H. S. (1988). O fracasso escolar como objeto de estudo: Anotações sobre
as características de um discurso. São Paulo: instituto de psicologia da USP e Fundação
Carlos Chagas.
SOUZA, D. T. R. (2006). Formação continuada de professores e fracasso escolar:
problematizando o argumento da incompetência. Educ. Pesqui. [online].vol.32, n.3, pp.
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