USO DA IMUNOGLOBULINA INTRAVENOSA NA DOENÇA
HEMOLÍTICA ISOIMUNE PELO Rh E ABO
DISCUSSÃO CLÍNICA
Paulo R. Margotto
Unidade de Neonatologia do HRAS/HMIB/SES/DF
A maior causa da doença hemolítica isoimune no recém-nascido
(RN) é causada pela isoimunização pelo Rh e ABO.
Ela pode se apresentar com anemia e hidropsia no feto ou com anemia e
icterícia no RN.
A complicação mais temível é a ocorrência de encefalopatia e o principal
objetivo do manuseio da hiperbirrubinemia neonatal é evitar que ela
ocorra.
A imunoglobulina intravenosa é uma solução concentrada,
purificada de imunoglobulinas derivadas do combinado da população de
doadores.
É indicada como terapia de substituição para pacientes com doenças com
imunodeficiência primária e em selecionadas doenças com
imunodeficiência secundária que são caracterizadas pela ausência ou
deficiente produção de anticorpos, mas também é útil para
trombocitopenia isoimune grave e icterícia hemolítica isoimune em recémnascidos.
Uso da imunoglobulina intravenosa na
hiperbilirrubinemia neonatal
•
Recentemente, a imunoglobulina
intravenosa surgiu como uma modalidade
terapêutica em recém-nascidos com doença
hemolítica fetal e isoimune neonatal. Como
atua a imunoglobulina intravenosa
•
A imunoglobulina atua modulando a
expressão e função dos receptores Fc nas
células reticuloendoteliais, ocupando estes
receptores e assim, prevenindo a lise das
hemácias revestidas com anticorpos.
Diferenças entre doença hemolítica isoimune
Rh e ABO
•
Os anticorpos de ambas as condições têm
afinidade diferentes para os seus antígenos
respectivos e levam a gravidades variáveis de
hemólise.
• Doença hemolítica com incompatibilidade Rh
ocorre apenas após sensibilização prévia,
normalmente aumenta em gravidade com cada
gravidez e pode causar grave doença hemolítica
que pode até mesmo exigir transfusão
intrauterina.
•
Ao contrário, a doença ABO é leve, ocorre
devido a anticorpos que ocorrem naturalmente e
não necessita de sensibilização prévia.
Resultados do estudos
•
•
•
•
•
Poucos ensaios randomizados e controlados tem demonstrado a sua
eficácia na diminuição da necessidade de exsanguineotransfusão, mas
este ensaios tinham moderado a alto risco de viés, além de não levar em
conta a patogênese diferencia da incompatibilidade Rh e ABO.
A maioria destes estudos foram realizados antes da era atual da
fototerapia de alta intensidade (fototerapia >30µw/cm2/nm).
A
metanálise atualizada (analisando uma ferramenta da Cochrane de
análise de viés) recente de Luous D et al (2014) revisou sistematicamente a
eficácia e segurança da imunoglobulina intravenosa na doença hemolítica
neonatal Rh e ABO, relatando que a eficácia da imunoglobulina
intravenosa não é conclusiva em doença hemolítica do recémnascido com incompatibilidade Rh (não reduziu as taxas de
exsanguineotransfusão quando usada de forma profilática) nos em
estudos com baixo risco de viés, indicando nenhum benefício, não
sendo claro o seu papel na incompatibilidade ABO (todos os estudos
tinham altos níveis de viés).
Beken S et al (2014) não demonstraram, com o uso de
imunoglobulina intravenosa versos fototerapia de alta intensidade,
diminuição da fototerapia e nem a duração da hospitalização em crianças
com doença hemolítica ABO.
Cuidadoso acompanhamento de crianças com doença hemolítica ABO e
fototerapia LED (alta intensidade) diminuiu a morbidade.
Imunoglobulina intravenosa não demonstrou prevenir a hemólise na doença
hemolítica ABO.
Imunoglobulina intravenosa na doença hemolítica isoimune: atualização da revisão
sistemática e metanálise
Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2014; 99:F325–F331
Apresentação: Luiza Mota,Wellber Nogueira
Coordenação: Paulo R. Margotto
Internato-6ª Série-Faculdade de Medicina da Universidade Católica de Brasília
Brasília, 30 de junho de 2015
www.paulomargotto.com.br
- Questões de estudo
1.Qual é a eficácia e segurança de IVIg em
recém-nascidos com incompatibilidade de
Rh?
2.Qual é a eficácia e segurança de IVIg em
recém-nascidos
com
incompatibilidade
ABO?
Para a isoimunização pelo Rh:
• Estudos com alto risco de viés, mostraram
diminuição significativa de ET com o uso da IVIg
na doença hemolítica pelo Rh:
RR: 0.23, com IC a 95% de 0.13 a
0.40
Número necessário para 3 (IC a 05%; 95% CI:1 a
9)
(Figura 2)
• Estudos com baixo risco de viés, não
mostraram diminuição significativa de ET
com o uso da IVIg na doença hemolítica
pelo Rh:
RR 0.82; IC a 95%: 0.53 a 1.26,
(Figura 2)
Desfechos Primários: ET
Para a isoimunização pelo ABO
• Todos os estudos tiveram alto risco de
viés e a metanálise mostrou significante
redução do risco de
exsanguineotransfusão
RR 0.31; IC a 95% de 0.18 to 0.55,
Número necessário para tratamento: 6; IC a
95% de 4 to 10) (Figura 2).
Desfechos Primários: ET
Análise por subgrupo, apenas disponíveis para
Hemolítica pelo Rh
IVIg profilática na doença Rh
DISCUSSÃO
• Esta metanálise atualizada identificou que
entre os estudos que tinham baixo risco
de viés, IVIg não foi eficaz na redução da
necessidade para ET em neonatos com
incompatibilidade Rh.
• No entanto, estudos com alto risco de
viés, foi visto benefício de IVIG,
identificando redução da ET na doença
hemolítica Rh e ABO.
Clicar Aqui com o eslide em Apresentação!!
•
Intravenous Immunoglobulin G Treatment in ABO Hemolytic Disease of the Newborn,
is it Myth or Real? Beken S, Hirfanoglu I, Turkyilmaz C, Altuntas N, Unal S, Turan O,
Onal E, Ergenekon E, Koc E, Atalay Y.Indian J Hematol Blood Transfus. 2014
Mar;30(1):12-5. Artigo Integral!
(Imunoglobulina intravenosa para o tratamento da doença hemolítica ABO do
recém-nascido, é mito ou real?)
•
Neste estudo, a imunoglobulina (1g/kg) foi iniciada juntamente com o
fototerapia em recém-nascidos a termo (71 RN) com anemia ou alta
contagem de reticulócitos ou hemólise grave. Anemia foi descrita como
nível de hemoglobina abaixo de 14 g / dl; alta contagem de reticulócitos
(acima de 7% no primeiro dia, acima de 3% e entre a segundo e quarto dia
de vida e, acima de 1%, com 7 dias de vida; e grave hemólise foi
diagnosticado em esfregaço periférico como esferócitos, policromasia e
aumento do número de glóbulos vermelhos nucleados. Em 46 RN foi
iniciada somente fototerapia, sendo suspenso de acordo com os níveis de
bilirrubina recomendados pela Academia Americana de Pediatria
A terapia com a imunoglobulina endovenosa não diminuiu, nem
fototerapia e nem a duração da hospitalização em crianças com
doença hemolítica ABO. Cuidadoso acompanhamento de crianças
com doença hemolítica ABO e fototerapia LED( alta
intensidade:>30µW/cm2/nm) diminui a morbidade. Imunoglobulina
endovenosa não demonstrou prevenir a hemólise na doença
hemolítica ABO.
Efeitos adversos
•
Entre os eventos adversos após o uso da imunoglobulina intravenosa
incluem: reações pirogênicas, sobrecarga de volume(taquicardia transitória
e hipertensão), hipoglicemia, hipotensão, hemólise aguda, insuficiência
renal (secundária ao dano tubular induzida pela sacarose usada na
preparação), trombose venosa profunda (devido á hiperviscosidade da
solução),enterocolite necrosante e apnéia.
•
Quanto ao risco da enterocolite necrosante: foi relatada nos
estudos do uso da imunoglobulina intravenosa em outras condições no RN,
como a trombocitopenia isoimune. Figueras-Aloy et al (2014) relataram a
sua ocorrência numa taxa de 6%, com 40% necessitando de cirurgia,
com 2 mortes, usando-a na doença hemolítica. O processo fisiopatológico
e a apresentação clínica da enterocolite nesta situação é atribuída á
hipoxia-isquemia intestinal, como resultado da trombose, diferindo do
padrão da enterocolite necrosante do recém-nascido pré-termo (esta
atualmente tem a ver com a alteração da microbiota intestinal).
Como é administrada nos primeiros dias de vida, o seu efeito
trombótico pode também aumentar a hipercoagulabilidade fisiológica do
recém-nascido após o nascimento.
•
Mais informações....
•
•
•
•
Necrotizing enterocolitis in a term neonate following intravenous immunoglobulin
therapy.Krishnan L, Pathare A.Indian J Pediatr. 2011 Jun;78(6):743-4. RN a termo
com incompatibilidade ABO com Coombs positivo, recebeu 1g/kg de IVIg (infusão
em 4 horas) com 23 horas devido ao desenvolvimento de grave hiperbilirrubinemia
(14,6mg% com 18 horas de vida sendo iniciado fototerapia tripla); 5 horas após,
quadro grave de enterocolite necrosante (pneumatose, perfuração intestinal),
falecendo com 50 horas após falha de múltiplos órgãos. Os autores sugerem que ao
usar, deve ser feito com muito atenção.
Apnea as a complication of intravenous immunoglobulin therapy in a neonate.
Kumar A, Kapoor R, Basu S. Indian J Pediatr. 2014 Dec;81(12):1415. RN de 35
semanas 5 dias; isoimunização pelo Rh com Coombs direto positivo, 2
exsanguineotransfusões e IVIg após a segunda, quando apresentou apnéia,
necessitando de ventilação por pressão positiva, sendo suspenso a droga
(coincidência?); ao retornar a droga, novamente apnéia, necessitando e ventilação
positiva,sendo a droga então descartada. Esta complicação nunca tinha sido
descrita, havendo necessidade de muita atenção ao usar IVIg.
Should intravenous immunoglobulin be used in infants with isoimmune haemolytic
disease due to ABO incompatibility? Keir AK, Dunn M, Callum J. J Paediatr Child
Health. 2013 Dec;49(12):1072-8. Na incompatibilidade ABO, o uso deve ser
individualizado, após consulta ao especialista, consentimento dos pais. A relação
risco-benefício deve ser comunicada aos pais quando se discute o uso potencial da
IVIg. Se for tomada a decisão de dar IVIg, o bebê devem ser cuidadosamente
monitorizados para enterocolite necrosante, trombose e hemólise mediada por IVIG
Consulta ao Dr. Jeffrey Maisels
(Estados Unidos)
Dear Prof. Maisels, I will know of your opinion regarding the
use of immunoglobulin in the treatment of
neonatal hyperbilirubinemia (isoimmunization by Rh and ABO). Despit
e the revision of Cochane and guidance of American Academy of
Pediatrics, we are finding many discrepancies in the literature. We
must continue using or only in patients under criteria
(which would). IS THERE NEW RECOMENDATION OF MANAGEMENT
OF NEONATAL HYPERBILIRUBINEMIA? Sincerely,
Paulo R. Margotto, Brasília, BRAZIL (em1/7/2015)
• Caro Prof. Maisels, gostaria da sua opinião a respeito do uso de
imunoglobulina no tratamento da hiperbilirrubinemia neonatal
(isoimunização pelo Rh e ABO). A despeito da revisão da Cochrane e
Diretrizes da Academia Americana de Pediatria, estamos encontrando
controvérsias na literatura. Deveríamos continuar a usar ou somente em
pacientes sob critérios? Há uma nova recomendação do manuseio da
hiperbilirrubinemia neonatal?
Resposta
Dear Dr Margotto,
Currently the American Academy of pediatrics is working on
developing a new hyperbilirubinemia guideline but it will be
several months if not more than a year before this is published.
The use of IVIg in isoimmune hemolytic disease remains
controversial although the most recent randomized controlled
trials suggest that it is not effective. Nevertheless many units
continue to use this drug. I am sorry that I cannot be any more
definitive about this issue. Sincerely, Jeffrey Maisels
(em 2/7/2015)
Atualmente a Academia Americana de Pediatria está trabalhando
no desenvolvimento de novas diretrizes para a hiperbilirrubinemia,
mas pode demorar meses a 1 ano até a publicação. O uso da IVIg
(imunoglobulina) na doença hemolítica permanece controversa,
embora recente ensaio randomizado e controlado sugere que não
seja efetiva. No entanto, muitas Unidades continuam a usar esta
droga. Desculpe por não ser mais definitivo sobre esta questão.
Atenciosamente, Jeffrey Maisels
Portanto...
Devido aos riscos potenciais do uso da
imunoglobulina endovenosa e resultados
questionáveis, devemos usá-la em casos
selecionados (e discutidos!), até que
estudos randomizados e controlados
tragam mais esclarecimentos sobre o
tema.
Paulo R. Margotto
Critérios para a sua administração
•
Devido as incertezas dos benefícios e riscos relatados que
podem ser comprometedores com a vida, a sua administração
deveria ser reservada para casos selecionados, até que surjam
futuros estudos. A administração deve ser acompanhada com
rigorosa monitorização para enterocolite necrosante, alterações
hemodinâmicas, trombose e hemólise.
Doença hemolítica Rh como ABO com
Coomb direto positivo:
• Considerar o uso se bilirrubina total 23mg% abaixo do nível que indica a
exsanguineotransfusão no recémnascido que se encontra sob
fototerapia intensiva
REFERÊNCIAS
•
1) Intravenous immunoglobulin in isoimmune haemolytic disease of newborn: an
updated systematic review and meta-analysis. Louis D, More K, Oberoi S, Shah PS.
Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2014 Jul;99(4):F325-31.
Imunoglobulina intravenosa na doença hemolítica isoimune: atualização da revisão
sistemática e metanálise
Autor(es): Louis D et al. Apresentação: Luiza Mota,Wellber Nogueira, Paulo R. Margotto
•
•
•
•
•
•
•
•
2 Intravenous immunoglobulin and necrotizing enterocolitis in newborns with
hemolytic disease. Figueras-Aloy J, Rodríguez-Miguélez JM, Iriondo-Sanz M, SalviaRoiges MD, Botet-Mussons F, Carbonell-Estrany X. Pediatrics. 2010 Jan;125(1):13944.
3) Immunoglobulin infusion for isoimmune haemolytic jaundice in neonates. Alcock
GS, Liley H. Cochrane Database Syst Rev. 2002;(3):CD003313. Review.
4) Intravenous Immunoglobulin G Treatment in ABO Hemolytic Disease of the
Newborn, is it Myth or Real? Beken S, Hirfanoglu I, Turkyilmaz C, Altuntas N, Unal S,
Turan O, Onal E, Ergenekon E, Koc E, Atalay Y. Indian J Hematol Blood Transfus.
2014 Mar;30(1):12-5.Artigo Integral.
4) Necrotizing enterocolitis in a term neonate following intravenous immunoglobulin
therapy.Krishnan L, Pathare A.Indian J Pediatr. 2011 Jun;78(6):743-4
5) Apnea as a complication of intravenous immunoglobulin therapy in a neonate.
Kumar A, Kapoor R, Basu S. Indian J Pediatr. 2014 Dec;81(12):1415
6) Should intravenous immunoglobulin be used in infants with isoimmune haemolytic
disease due to ABO incompatibility? Keir AK, Dunn M, Callum J. J Paediatr Child
Health. 2013 Dec;49(12):1072-8
7) Jeffrey Maisels (Comunicação pessoal em 2/7/2015)
Brasília, 14 de setembro de 2015
Download

Uso da imunoglobulina intravenosa na doença hemolítica isoimune