A IGREJA COMO UM DOS ALICERCES DO DIREITO
PROCESSUAL PENAL
TALARICO, Cahuê A.
Bacharel em Direito – UNIMES
Especialização em Direito Processual - UNISUL
LINKE, Willy R.
Graduando em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina
RESUMO
A presente pesquisa objetiva apresentar o papel da Igreja na Sociedade Medieval e sua
influência no comportamento jurídico da época, no que tange o Direito Processual Penal
e o Direito Penal. Serão também abordados os aspectos morais da Igreja diante do Poder
na Inquisição.
Palavras-chave: história do direito, direito canônico, direito penal e processual,
inquisição.
Abstract
This research aims to present the Church's role in Medieval Society and its influence on
the behavior of legal age, regarding the Criminal Procedure Law and Criminal Law.
Aspects will be addressed before the moral power of Church with the Inquisition.
Keywords: legal history, canon law, criminal law and procedure, the inquisition.
Introdução: A importância da igreja na história do direito
Qualquer estudo de Direito engloba-se no esboço do direito canônico. A Igreja
desempenhou um papel considerável na sociedade medieval, na qual teve um poder
muito grande em certas épocas e regiões.
Fatores que salientaram o poder da Igreja na Idade Média:
a) Caráter Unitário da Igreja: O Cristianismo coloca-se como a única religião
verdadeira para a universalidade dos homens. A Igreja pretende impor a sua
concepção ao mundo inteiro, porém, apesar de não conseguir se impor em toda
parte, esta tendência universalista deu ao direito da Igreja um caráter unitário. O
direito canônico é o único e comum a todos os países da Europa Ocidental.
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b) Domínio do Direito Privado: Qualquer litígio relativo a casamento ou divórcio
(direito privado), era de competência da jurisdição eclesiástica a partir do século
VIII. O direito canônico está na base de numerosas disposições do direito civil
moderno.
c) Codificação Perpetuada: Durante a Idade Média, o direito canônico foi o único
direito escrito. E mesmo quando surgem as primeiras redações de costumes, não
muito anterior ao século XIII, estas são, mais ou menos, sistemáticas do direito
canônico, através da codificação que se perpetuam até nossos dias.
d) Influência sobre o Direito Laico: O direito canônico foi objeto de trabalhos
doutrinais, ou seja, constituiu-se uma ciência do direito, muito antes do direito
laico, que foi, evidentemente, influenciado pelo canônico.
A Igreja, percebendo seu poder, sente a necessidade de um Direito próprio, ou
seja, de um conjunto harmônico de normas que lhe regessem a vida.
Foi no século II que começou a formação do Direito Canônico. As fontes se
encontravam nas decretais pontifícias, nos cânones oriundos de concílios, nos mais
variados estatutos promulgados por bispos, e nas inúmeras regras monásticas com seus
livros penitenciais.
Com o passar do tempo, foi se constituindo abundante massa de textos, que
acabou por tornar-se caótica, de difícil consulta e, às vezes, até contraditória.
Por volta de 1140, o Direito Canônico é consolidado por decreto de Graciano,
que no final do século XV, com acréscimos, veio a formar o chamado Corpus Iuris
Canonici1.
A Igreja não se identificou com qualquer Estado, em razão de sua
universalidade. “O Estado cuida de regulamentar o comportamento do homem na
medida em que este não interessa à salvação das almas” (GILISSEN, 2005: 135).
Os conflitos entre os dois poderes, o temporal e o espiritual foram muitos,
principalmente nos Estados cristãos de tendência imperialista.
Com o nascimento do Direito Canônico surgiram também grandes
codificações que foram base para o Direito Penal e para os Sistemas Processuais.
1
Somente em 1917 a Igreja latina promulgou seu primeiro Código de Direito Canônico, substituído por
outro em 1983.
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Direito penal e a igreja
O Direito Penal tem como objetivo tutelar os valores fundamentais que se
convertem em bens jurídicos. Qualquer comportamento que lese tais bens é reprimido
pelo Direito Penal.
Porém, esses “valores fundamentais, assim como a qualidade censurável de
tais, ou quais condutas, muitas vezes, se aturam no tempo e no espaço, na dependência
de mudanças dos costumes e da filosofia Social” (GONZAGA, 1994: 79).
A proteção penal ocorre em bens materiais (vida, patrimônio, etc.), bens
imateriais coletivos (fé pública, paz pública, pudor público, etc.) e bens imateriais
individuais (intimidade, honra, liberdade, direito ao culto religioso, etc.).
O Direito Penal sempre esteve muito ligado à religião, por exemplo, no sistema
teocrático puro, a noção de crime se confunde com a de pecado.
Entre os povos selvagens quem exercia o ministério sancionador eram os
sacerdotes. O aplicador da pena atuava como uma espécie de gesto de negócios de
Deus.
Nas antigas civilizações, o Direito Penal é extraído de escritos atribuídos à
inspiração divina. A pena tinha por objetivo apaziguar a divindade ultrajada pelo crime,
evitando a sua revolta contra o povo a que pertence o culpado.
Teme-se que Deus faça recair sua vingança sobre a comunidade complacente,
desencadeando pestes, seca, fome, terremoto, etc. Entra no campo sancionador a idéia
de proteção social.
Carlos VII da França cominou violentas punições aos blasfemos na sua
Ordenação de 1460, inclusive determinando o corte dos lábios superiores dos
condenados, em caso de reincidência.
Com o mesmo propósito apaziguador, a punição na Inquisição permitia o
sacrifício dos hereges e blasfemos, assim, evitando padecimento para o povo. A noção
de crime se confunde com a do pecado.
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Princípios político
a) A arma do Direito Penal é imposta à comunidade, com índole nacionalista, com
a finalidade de tornar a nação mais potente e distingüindo-a de outros países. O
patriotismo é fortalecido pela fé comum.
b) Acha-se a idéia de que a religião educativa, o que constitui poderoso
instrumento de paz social e de freio às más paixões, compelindo os homens à
moralidade e à boa conduta.
c) O regime de coerção penal para impor a fé só pode fazê-lo porque cada Estado
possuía sua crença oficial. Todos achavam natural e justo que o Governo punisse
certas faltas religiosas. Se a religião do Estado estava com a verdade, a este
cumpria proteger os cidadãos, evitando que estes perdessem suas almas e se
expusessem ao castigo eterno. Cabia, então, à Justiça Penal punir os atos
dirigidos contra Deus.
Os Ilícitos Penais
Os ilícitos penais se distribuíam em várias categorias:
a) Delitos contra a fé: heresia, cisma, apostasia, blasfêmia, perjúrio, simonia,
sacrilégio, magia, etc.
b) Delitos carnais: adultério, bigamia, estupro, sadomia, rapto, lenocínio, etc.
c) Crimes comuns: homicídio, furto, calúnia, incêndio, etc.
d) Crimes contra múltiplos bens jurídicos: incolumidade física, liberdade pessoal,
honra, propriedade, vida, etc.
e) Delitos contra a hierarquia religiosa e contra a Igreja: usurpação de funções e de
direitos eclesiásticos, violação do direito de asilo, ofensa à liberdade e à
imunidade eclesiástica, etc.
f) Violação, por clérigos, de deveres inerentes ao seu estado.
Complexos Normativos
O Direito Penal Canônico, aplicado pelos tribunais eclesiásticos, possuía um
complexo normativo com preceitos de natureza repressiva.
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Seu objetivo primeiro foi o de incentivar a perfeição espiritual da sociedade
cristã, propiciais a ter um arrependimento e, através deste, a emenda.
A justiça acabou levando a Igreja a tutelar seus próprios interesses. Passou a
punir atos que atentassem contra a sua integridade e a doutrina por ela professada, como
já foi citado no item anterior.
As Penas Canônicas
As penas variam muito no tempo e na dependência do poder. Os tribunais
eclesiásticos, do mesmo modo que sucedia com a justiça comum, não adotavam o
princípio “nullun crimen, nulla poena sine lege”, de forma que os juízes dispunham de
poder discricional bastante amplo, sendo-lhes, inclusive facultado optar por sanções
diversas das legalmente previstas.
As penas canônicas se dividiam em:
a) Penas Canônicas Espirituais: excomunhão e variadas penitências, públicas ou
secretas, a interdição de sepultura cristã, a perda de direitos eclesiásticos, etc.
b) Penas Canônicas Temporais: existiam as pecuniárias, de multa e de confiscação
de bens, o exílio, penas infamantes, etc. Para os eclesiásticos, a deposição, a
degradação, a suspensão, a perda de benefícios, etc.
A prisão foi muito adotada não só a clérigos, mas também a leigos, visando a
reflexão expiatória e salvadora.
Quanto às penas de morte e de castigos corporais, nos primeiros séculos eram
contrárias ao espírito cristão. Contudo, em razões a ordens práticas ou de proteção
social, acabaram verificando a necessidade de apoiá-la, desde que aplicada pelo Estado.
Então, a Igreja não pronunciava a pena máxima, limitava-se a afirmar a existência do
crime que a merecia e a inutilidade de seus esforços para obter o arrependimento do
culpado. Isso feito entregava o réu à justiça comum, ou seja, ao braça secular, que iria
executá-lo.
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Adoção da Tortura
A Igreja sempre foi contra a utilização de violência nas investigações
criminais. Segundo o Papa Nicolau I, em sua carta ao príncipe da Bulgária (ano 886), a
confissão deveria ser espontânea e não arrancada.
Porém, no século XIII, na luta contra a heresia, a tortura ingressou nos
domínios da Justiça religiosa, autorizada pelo Papa Inocêncio IV, em 1252. Se esta
medida já era praticada pelo direito comum aos ladrões e assassinos, o mesmo deveria
ocorrer com os hereges.
O Direito Canônico adotou a tortura, mas desde que não colocasse em perigo a
vida e a integridade física do acusado. Era proibida a efusão de sangue e um médico
deveria estar presente.
A tortura só poderia ser aplicada uma vez ,e a confissão obtida somente valeria
depois, livremente confirmada.
Sistemas processuais
O Direito Canônico evoluiu paralelamente ao Direito Comum, ambos se
influenciando mutuamente.
Os tribunais eram presididos por um bispo ou por um seu delegado. Em
princípio, o sistema era acusatório.
Sistema Acusatório
O sistema acusatório reduzia o julgamento a um confronto, em termos de
rigorosa igualdade, entre dois particulares, nobres ou homens livres.
A instauração da causa dependia da presença de alguém que a reclamasse, não
existia a noção do interesse público em punir os crimes. Sem a presença de vítima, era
impossível instaurar o pleito.
O procedimento era público, oral e formalista. O autor apresentava a queixa e o
acusado tinha que apresentar sua defesa exatamente ajustada aos termos da acusação.
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Concomitantemente, foi instaurada a Justiça da Igreja. Em princípio, só se
aplicava ao clero. “O religioso que cometesse alguma falta devia purgá-la. A alma
transviada precisava ser reconduzida ao rebanho. O objetivo a alcançar era, pois, a
recuperação do faltoso, e quiçá, a tranquilização da comunidade” (GONZAGA, 1994:
24).
A justiça da Igreja era mais disciplinar do que judiciária. A apuração dos fatos
era secreta e não pública. A confissão do réu era muito importante, pois constituía
vestígios de arrependimento, que dava esperanças para uma regeneração.
No século XIII, o Papa Inocêncio III acrescentou dois outros modos de se abrir
um processo: o inquérito e a denúncia.
Sistema Inquisitório
No sistema inquisitório permitia-se ao juiz, mesmo sem acusador, abrir um processo, e
nele, livremente, colher as provas conducentes ao julgamento. A autoridade dispõe de poderes
para, por sua iniciativa, começar uma ação penal, na qual o procedimento é secreto e com
interesse em obter a confissão do réu.
Começou, tal sistema, restrito aos abusos do clero, aplicou-se, depois, ao crime de
heresia e, por fim, se tornou a regra no foro eclesiástico.
Nos primeiros tempos, a Igreja tinha a difícil tarefa de formar sua doutrina em meio à
complexa realidade da vida. Ao mesmo tempo em que ela buscava construir, movimentos
heterodoxos, entretanto, a perturbava. Na história do Cristianismo sempre houve heresias e
cismas.
Em Roma, surgiram muitos desvios, entre os principais destacam-se, no início do
século II, o gnosticismo, a que se seguiu a corrente montanista; no século III, o maniqueísmo e
o donatismo; o priscilanismo do século V, etc.
Contra esses, a Igreja usou o trabalho pastoral, utilizando a palavra, o livre debate, a
persuasão, o trabalho pastoral. Os erros eram examinados e resolvidos por conflitos e sínodos.
Santo Agostinho, que chegou a aderir ao maniqueísmo, destacou depois, com a veemência de
sua palavra e o fulgor de sua inteligência.
Foi graças à conversão de Constantino (313), que o cristianismo se torna tolerado em
Roma, e, em 380, passa a ser a religião oficial. A partir de então, sucessivos imperadores
passam a punir, com extremo rigor, o paganismo, as heresias, e também os judeus.
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O Direito Romano cria a figura do crime de les-majestade divina, que, equiparando-se
ao de lesa-majestade contra o Poder Civil, passa a ser enfrentado com severidade. As penas
contra eles eram de morte, de exílio e a confiscação de bens.
As heresias nocivas prosseguem pela Idade Média, algumas nos séculos XI e XII,
rejeitando todos os sinais exteriores da fé. Igrejas são profanadas e altares queimados. Presos
não se sujeitam à Igreja e, então, são excomungados e levados à fogueira.
Por todo canto, enfim, surgem desvios religiosos, que geram confusão e alarmam a
cristandade.
As heresias, em geral, conseguiam alcançar grande sucesso entre as aldeias,
desorientavam as pessoas. Ao mesmo tempo, o povo fiel à ortodoxa, se revoltava contra os
inovadores, dando origem às desordens e lutas cruentas.
Foi por volta de 1216 que o Papa Inocêncio III entregou a presidência de um tribunal a
São Domingos de Gusmão, com a intenção de combater a insuficiência do clero.
Assim, aos poucos foi nascendo o que, depois, foi designado de “Inquisição”, que se
consolidou em 1231, por bula do Papa Gregório IX.
Começou o tribunal do Santo Ofício na França e passou, depois, a outros países
europeus.
Através da Inquisição, unem-se mais fortemente os Poderes (do rei e da Igreja), e
reafirma-se a doutrina política baseada na idéia das “duas espadas”: a da Igreja e a do rei,
delegadas, ambas, por Deus para o exercício da autoridade na esfera espiritual e temporal.
A Justiça Comum e a Canônica trabalham juntas no sentido de manter a fé, a ordem e
a moralidade públicas, o que já vinha acontecendo, pois a Justiça da Igreja e a Justiça do Estado
já puniam equivalentes infrações. Com a Inquisição, a Igreja apenas buscou obter maior
eficiência da sua Justiça, com regras mais severas. As tarefas que se tornaram específicas da
Inquisição passaram a ser subtraídos à Justiça Canônica tradicional, e confiados ao clero
regular.
Em princípio, cada tribunal funcionava de modo autônomo, porém, logo sentiu-se a
necessidade de um órgão superior que centralizasse os trabalhos, decidisse recursos e resolvesse
dúvidas. Então, em 1263, o Papa Urbano IV nomeou João Caetano Ursino para as funções de
Inquisidor Geral. Este cargo foi abolido somente em 1542, quando Paulo III confiou suas
atribuições à Inquisição romana. A partir do século XV, a instituição foi declinando na maioria
dos países, exceto na península ibérica.
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Organização do Tribunal e Atos Processuais
Como já foi citada, a ação penal podia ter origem numa denúncia de qualquer
pessoa, ou decorrer de inquérito aberto ex-officio. Em ambos os casos, a instauração
ocorria por determinação da autoridade, e os trabalhos que se desenvolviam eram
conduzidos por estas, sendo reduzidos a escrito e de modo religioso.
O tribunal era designado “Tribunal do Santo Ofício da Inquisição”, e era
caracterizado por extrema sobriedade. Compunha-se do inquisidor, seus assistentes, de
um conselheiro espiritual, guardas e um escrivão.
As regras seguidas, em linhas iguais, foram as seguintes: quando ele se
instalava em certas cidades, o primeiro ato consistia em apregoar a sua presença e reunir
os fiéis, exortando-os, sob juramento, se comprometendo em indicar os hereges e as
pessoas suspeitas que conhecessem.
Passava-se depois, mais ou menos de quinze a trinta dias, o “Tempo de Graça”,
onde os culpados tinham a possibilidade de se purificarem. Cabia-lhes procurarem seus
confessores para serem absolvidos dos pecados. Ao inquisidor deveriam garantir a
sinceridade, então cumprir penitência, dar à Igreja uma parte, ou a totalidade de seus
bens e delatar os hereges de que tinham conhecimento.
As pessoas suspeitas se não comparecessem por vontade própria, eram, então,
convocadas a se apresentarem no Tribunal e, assim, eram submetidas a numerosos
interrogatórios, tomados por termo pelo escrivão. Como garantia de seriedade e
imparcialidade, deviam estar presentes no ato, duas pessoas de confiança e imparciais
que mantinham segredo de tudo que assistiam.
O interrogado poderia ser torturado e submetido à prisão processual, caso não
confessasse a culpa.
Quando concluída a instrução, encerrava-se o processo com sentença
absolutória ou condenatória. Para o julgamento, o juiz devia ser assistido por assessores,
que o orientavam, em geral selecionados entre jurisconsultos que tivessem amplo
conhecimento do Direito Canônico e, também, do Direito Comum. O réu não poderia
ser condenado à prisão perpétua e, tão pouco, a qualquer outra pena grave, sem a
concordância do bispo local.
Após deferidas as decisões, realizava-se um ato público, designando de “autosde-fé” (Portugal), cuja finalidade era restaurar no povo a pureza da fé. Nesta solenidade,
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os réus arrependidos proclamavam os seus arrependimentos e os réus impenitentes
recebiam as penas canônicas, ou eram entregues ao braço secular.
Quando a dúvida persistia, mesmo após a absolvição do réu, eram tomadas
providências acautelatórias como prestar juramento (purgação canônica), perante os
conjuradores escolhidos entre os católicos de confiança. Caso isso não acontecesse, o
suspeito era excomungado, dispondo de um ano para mostrar arrependimento; caso
contrário, era considerado herege.
No entanto, o Estado encontrava dificuldades para descobrir os crimes e seus
autores, então, incentivava as acusações secretas, garantindo sigilo sobre a identidade do
denunciante. Esta prática de delação anônima durou até o século XVIII, quando
desapareceu.
Os inquisidores deviam devassar o íntimo do réu, penetrar em seu pensamento
e em suas opiniões íntimas. O crime que ele perseguia era um crime espiritual. A
própria dúvida era uma forma de heresia, e uma das tarefas do inquisidor era ter certeza
da fé dos fiéis. Os atos exteriores e os protestos verbais nada contavam. O acusado
podia assistir à missa, ser liberal em suas contribuições, confessar-se e comungar
pontualmente e, espiritualmente, ser um herege.
A Defesa dos Acusados
A figura do advogado (defesa) era vista com profundo respeito e antipatia,
quase como um cúmplice do réu. Eles eram considerados homens que só serviam para
perturbar o bom andamento da Justiça no Direito Comum. O acusador oficial existia,
mas o juiz atuava sozinho no processo e admitia-se que ele cuidasse tanto da acusação,
como da defesa. A existência da tripartição de atribuições (acusador, defensor e juiz),
eqüidistantes e imparciais das partes, aos poucos foi se firmando no Direito Processual,
porém, muito tardou esse acontecimento.
A atuação do advogado de defesa também teve muitas restrições no Direito
Canônico. A intervenção de defensores, enfim, era mal recebida, o que era muito mais
grave no Direito Comum, que cuidava do “haver” da questão, do que no Direito
Canônico que se interessava pelo “ser”.
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Na Justiça do Estado, cuidava-se de investigar se o réu havia ou não cometido
o crime. Tudo girava em torno da existência de certos fatos concretos e um advogado de
defesa teria muito a fazer, colhendo provas sobre o material fático e, apresentando
argumentos destinados a orientar o juiz. A sua ausência representava grave lacuna na
ministração da Justiça.
Quanto ao Direito Canônico, no que se diz respeito à heresia, as investigações
giram em torno do diálogo entre o suspeito e o juiz religioso, sendo que o advogado
pouco, ou nada, tem a fazer. Porém, quando admitido um advogado ele deveria ter
sólida formação religiosa.
Decadência dos Tribunais Eclesiásticos
A partir do século XVI, o Direito Canônico deixa progressivamente de
desempenhar o papel que tinha na Idade Média. A sua influência limita-se, cada vez
mais, às questões religiosas. A Igreja encontra-se dividida pela Reforma; numerosos
países, a Inglaterra, as Províncias Unidas, os países escandinavos, a maior parte da
Alemanha, deixam de estar sob a obediência de Roma. Mesmo onde o catolicismo se
mantém, o Estado laiciza-se; rejeita a intervenção da Igreja na organização e
funcionamento dos seus órgãos políticos e judiciários.
Nos séculos XIX e XX os tribunais eclesiásticos ordenavam toda a
competência exclusiva, e até concorrente, mesmo relativamente ao clero, salvo,
evidentemente, nas matérias disciplinares internas da Igreja. Atualmente, estudiosos
católicos reconhecem, humildemente, os erros e excessos praticados. Porém a Igreja
é alvo de muitas críticas e, para muitos escritores, ela se torna alvo de escândalos.
Apesar disto, o Direito Canônico é um direto ainda bem vivo. Apesar da
secularização das instituições públicas e privadas, e da separação da Igreja e do Estado,
estabelecida em vários países, ela continua a reger as relações entre os membros da
comunidade cristã, uma vez que estes se lhe submetem voluntariamente.
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Conclusão
Retomando algumas das posições dispostas anteriormente, temos que a base do
Direito Penal é constituída pela religião, isto é, pelo catolicismo medieval, na qual a
noção de crime se confundia com a de pecado e, portanto, deveria ser punida pela
justiça terrena. Assim, as penas tinham o intuito de apaziguar a divindade ultrajada,
evitando sua possível ira contra o povo a que pertencia o culpado, e atraindo, desta
maneira, a bênção dos céus.
Tanto a justiça comum como a eclesiástica ocuparam-se dos mesmos assuntos
durante a Idade das Trevas, promovendo iguais crimes.
O Direito Penal de Crimes, resultante deste ambiente, consistia em reter as
ofensas à religião, ou à própria Igreja, e contava com a competência dos Tribunais
Seculares e dos eclesiásticos para perseguir os autores de tais crimes, reprimindo-os
com métodos processuais e penais extremamente rigorosos.
Com a instalação do Tribunal do Santo Ofício, a Igreja pretendia defender
sua integridade, o que, mais tarde, resultou na maior guerra contra ela dirigida.
Uma das principais causas do descrédito eclesiástico é o fato de que, durante a
Inquisição, esta, procurando buscar a verdade através de atos de violência e, com isso,
adquirindo mais poder e riquezas, chocava a população, causando profunda repulsa.
Bastava mencionar-se a palavra “Inquisição” para provocar terror e colocar as pessoas
em estado de fuga.
Se não considerássemos o ambiente cultural e de costumes no qual se
desenvolveu a Inquisição, chegaríamos à conclusão de que o Santo Ofício era formado
por pessoas inescrupulosas, desonestas, sádicas e até psicopatas, as quais, com gestos de
intensa opressão, prendiam, condenavam e levavam à morte todos aqueles que não
compartilhassem de seus ideais. A justiça eclesiástica valia-se do interdicto e da
excomunhão.
Além disso, devemos considerar, também, as precárias condições dos meios
comunicacionais da época, o que dificultava a fiscalização das cortes inquisitórias.
Igualmente, sabe-se que, apesar de alguns juízes serem mais moderados e outros mais
severos, todos agiam por razões de ordem sobrenatural.
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Concluímos que, contudo, é inevitável salientarmos que a Igreja foi um
instrumento de grande contribuição para a formação do Sistema Jurídico, de um modo
geral, pois foi a primeira instituição a ter suas normas escritas das quais se há
conhecimento. Obviamente, no passado ficaram grandes erros, os quais jamais, nos
tempos atuais, poderão ser admitidos. A justiça humana de forma alguma pode alcançar
o pensamento, a intencionalidade do indivíduo sem que este a revele ao mundo, ou seja,
o pensamento maldoso somente será ilícito quando exteriorizado por uma conduta, ativa
ou omissa, que repercuta sobre a comunidade.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. Processo Criminal Brasileiro. Vol. I, 3ª edição.
Rio de Janeiro: Ed. Rio de Janeiro, 1959.
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 5ª edição, 2005.
GONZAGA, João Bernardino. A Inquisição em seu Mundo. 2ª edição. São Paulo:
Saraiva, 1994.
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a igreja como um dos alicerces do direito processual penal