NOVO CPC INTRODUZ A USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL NO PAÍS
João Pedro Lamana Paiva1
O novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16.3.2015), sancionado em
16.3.2015, introduz na ordem jurídica brasileira, de forma opcional ao jurisdicionado, o
instituto da usucapião extrajudicial, processada perante o registro de imóveis, como
forma de desjudicialização de procedimentos que ganhou ênfase a partir da Emenda
Constitucional nº 45/2004, a qual ficou conhecida como emenda da reforma do
judiciário.
A concessão da usucapião, pela via administrativa, foi instituída no Brasil por
meio da Lei nº 11.977/2009, mas esta é aplicável somente no contexto de projetos de
regularização fundiária de interesse social.
O novo instituto da usucapião extrajudicial, ao contrário da usucapião também
de índole administrativa que contemplou procedimento previsto apenas para o
reconhecimento da usucapião especial urbana (art. 183 da Constituição), terá amplo
espectro de abrangência, contemplando procedimento aplicável à concessão das
diversas espécies de usucapião de direito material previstas na legislação brasileira.
A simplicidade do procedimento facilitará ao possuidor a aquisição da
propriedade imobiliária fundada na posse prolongada porque, representado por
advogado e mediante requerimento instruído com uma ata notarial, planta e memorial
descritivo do imóvel, certidões negativas e outros documentos, apresentará o pedido
ao registro de imóveis em cuja circunscrição esteja localizado o imóvel usucapiendo,
onde será protocolado, autuado e tomadas todas as providências necessárias ao
reconhecimento da posse aquisitiva da propriedade imobiliária e seu registro em nome
do possuidor.
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Presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB, Vice-Presidente do Colégio Registral do
RS e Oficial Titular do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre.
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O início do procedimento, com base em uma ata notarial lavrada por Tabelião
de Notas que esteja sediado na circunscrição em que localizado o imóvel, também
representa uma inovação prevista pelo art. 384 do novo Código de Processo Civil,
como instrumento legal que tem por finalidade fazer prova documental de atos e fatos
que estejam ocorrendo e sejam passíveis de percepção e consignação pelo Notário.
Assim, na hipótese da usucapião, a ata notarial será instrumento capaz de atestar o
tempo de posse do requerente e de toda a cadeia possessória que configure o direito
à aquisição da propriedade imobiliária pela usucapião.
O procedimento será desenvolvido sob orientação do Oficial de Registro de
Imóveis, dispensada intervenção do Ministério Público ou homologação judicial,
observando, entretanto, todas as cautelas adotadas na via judicial, como a ciência dos
confrontantes, titulares de domínio, terceiros interessados, assim como dos entes
públicos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).
A característica diferencial desse novo procedimento será, entretanto, o da
celeridade, sendo possível estimar que terá uma duração aproximada de 90 a 120 dias,
uma vez que se assemelha à retificação consensual prevista nos artigos 212 e 213 da
Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973).
A retificação extrajudicial, que inspirou o novo instituto extrajudicial, foi
introduzida pela Lei nº 10.931/2004 e, em dez anos de sua vigência, depois de dezenas
de milhares de procedimentos já realizados no país pelos Registros de Imóveis, não
chegou ao conhecimento das entidades de classe que congregam os registradores
imobiliários uma só notícia de processo judicial de cancelamento de retificação feita
extrajudicialmente, o que dá conta da segurança como esses procedimentos são
levados a efeito.
As manifestações de todos os entes públicos e confinantes, bem como o edital,
têm prazo de 15 dias. Transcorrido o prazo da última diligência sem que ocorra
impugnação, o Oficial do Registro de Imóveis registrará a aquisição da propriedade
imobiliária em nome do possuidor requerente. Havendo impugnação por qualquer
interessado, o registrador imobiliário remeterá os autos ao juízo competente.
O procedimento foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro por força do
art. 1.071 do novo Código de Processo Civil que acrescentou o art. 216-A ao texto da
Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), que apresenta o teor seguinte:
Art. 1.071. O Capítulo III do Título V da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de
Registros Públicos), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 216-A:
“Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento
extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do
registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a
requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:
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I – ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus
antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;
II – planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com
prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização
profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou
averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes;
III – certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do
domicílio do requerente;
IV – justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a
continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e
das taxas que incidirem sobre o imóvel.
§ 1º O pedido será autuado pelo registrador, prorrogando-se o prazo da prenotação até
o acolhimento ou a rejeição do pedido.
§ 2º Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais
e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na
matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente,
pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu
consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como
discordância.
§ 3º O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal
e ao Município, pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e
documentos, ou pelo correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15
(quinze) dias, sobre o pedido.
§ 4º O oficial de registro de imóveis promoverá a publicação de edital em jornal de
grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados,
que poderão se manifestar em 15 (quinze) dias.
§ 5º Para a elucidação de qualquer ponto de dúvida, poderão ser solicitadas ou
realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis.
§ 6º Transcorrido o prazo de que trata o § 4º deste artigo, sem pendência de diligências
na forma do § 5º deste artigo e achando-se em ordem a documentação, com inclusão
da concordância expressa dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados
ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis
confinantes, o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as
descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso.
§ 7º Em qualquer caso, é lícito ao interessado suscitar o procedimento de dúvida, nos
termos desta Lei.
§ 8º Ao final das diligências, se a documentação não estiver em ordem, o oficial de
registro de imóveis rejeitará o pedido.
§ 9º A rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento de ação de usucapião.
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§ 10. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião,
apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos
registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos
imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o
oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da
situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá -la ao
procedimento comum.”
Como podemos constatar, a ideia da usucapião processada
extrajudicialmente, que já vinha sendo defendida pelos registradores e
notários desde 2009, prosperou e veio a lume em 2015, não da forma que
originalmente havia sido proposta, mas, de qualquer sorte, já significando
um avanço.
A redação dada ao § 2º do art. 216-A da Lei de Registros Públicos
pareceu-nos inadequado ao procedimento tendo em vista que a usucapião é
um instituto relativamente ao qual não é exigido, necessariamente, consenso
ou concordância entre o requerente e o requerido, como ocorre no
procedimento de retificação extrajudicial – este, sim, caracteristicamente
consensual – já que, ainda que ausente o consenso, se preenchidas as
condições legais pelo usucapiente, este estará em plenas condições de
adquirir a propriedade imobiliária.
Assim, tendo a lei emprestado um caráter de consensualidade ao
procedimento extrajudicial da usucapião, pode-se estimar que ele virá a ter
um bom funcionamento como instrumento de regularização fundiária,
especialmente dirigido àqueles casos em que houve um prévio negócio entre
o usucapiente e o titular do domínio do imóvel (o que será espelhado pela
presença do justo título).
Restará, entretanto, um problema de difícil solução na hipótese em
que haja o silêncio do titular do direito real sem que isso signifique
propriamente discordância com a realização do procedimento (§ 2º do art.
216-A), mas signifique indiferença às consequências de sua não manifestação
expressa, que talvez venha a ser uma hipótese bastante recorrente no
futuro, dada à forma como o procedimento foi concebido.
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Temos convicção, por outro lado, que as dificuldades encontradas na
prática reiterada do procedimento, aliadas à possibilidade de que a matéria
venha a ser regulamentada pelo CNJ – da mesma forma como ocorreu com a
Lei nº 11.441/2007 – poderão significar um aperfeiçoamento desse instituto
que nasce das inovações trazidas pelo novel Código de Processo Civil.
Finalmente, levando em consideração que a Lei nº 13.105/2015
entrará em vigor no prazo de um ano de sua recente publicação, julgamos
importante que os colegas registradores e notários façam empenho no
estudo e na busca do aperfeiçoamento da aplicação das normas trazidas pelo
novo Código, especialmente naquilo que influencie diretamente nas
respectivas atividades, como é o caso da instituição da usucapião
extrajudicial.
Porto Alegre-RS, março de 2015
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