CRIMES ENCOMENDADOS POR CELULAR E O CÁOS CARCERÁRIO
Muito divulgado pela imprensa nacional, que a presença de celulares favorece a criminalidade. Nesse
ponto, a presença de serviço móvel de telefonia é um crescente dilema para setores da segurança
pública, uma vez que é virtualmente impossível impedir o acesso de aparelhos e chips de celular
dentro de nossas prisões.
Há, como se sabe, um comércio em ebulição ocorrendo a olhos vistos e que, por incompetência
gerencial ou estrutural do Estado, deixam ser edificadas torres de retransmissão de operadoras de
telefonia móvel em área próxima a presídios. Isto para não falar que há um verdadeiro descaso com a
segurança pública quando se sabe da inexistência de maior rigor na admissão de estranhos nos
presídios.
É bom que se diga que estranhos são aqueles que não são detentos e nem funcionários do Estado, ou
seja, todos os demais, inclusive advogados e clérigos, que prestam seus serviços diariamente em
presídios e estabelecimentos congêneres.
São, de fato, inúmeros os crimes comandados por detentos e que rotineiramente são descobertos
pelas autoridades policiais. No entanto, não há qualquer sinal de ações adequadas para o
enfrentamento dessa penosa realidade, o que nos faz cogitar o irregular e perverso emprego, mais
uma vez, da Reserva do Possível em matéria penal.
É fato notório que a sociedade quer uma solução efetiva para conter a violência comandada pelos
segregados e anseia por ações enérgicas e duradoras por parte das nossas autoridades, não havendo
espaço para a tese que iremos abordar.
A Reserva do Possível é daquelas tiradas da mais pura esperteza jurídica, pois condiciona a
efetivação de direitos consagrados à existência de recursos próprios e que, estes últimos, sejam
aplicados segundo a razoabilidade histórica.
Por mais sínico que possa parecer, a verdade é que essa teoria justifica a inoperância do Estado em
vários setores, ou seja, as Políticas Públicas somente serão executadas segundo os critérios da
conveniência e oportunidade, ambas consagradas na carta politica, e desde que haja recursos
econômicos ou humanos para tanto.
Com o emprego dessa manobra o Estado pode atrasar por anos a construção de creches ou escolas
sob a singela alegação de que a necessidade local é a construção de um hospital ou de uma ponte, por
exemplo.
A crueldade dessa escolha só é equivalente ao cinismo contido nos motivos utilizados para sua
justificativa. E, no caso da segurança pública, é preciso ter em conta de que não há qualquer interesse
político em se construir novos presídios; não há vontade política em obrigar as operadoras de
telefonia móvel de apresentar previamente um plano estratégico de suas atividades, ou seja, sobre se
sua cobertura afetará ou não os presídios já existentes. E mais, a alegação de que aquelas operadoras
não foram contratadas para bloquear e sim interligar os celulares não procede, já que basta atrasar
nossa fatura que, imediatamente, somos desconectados.
Ora, se as operadoras sabem que estamos inadimplentes, a ponto de nos bloquear por falta de
pagamento, qual será a dificuldade técnica em criar uma simples zona de exclusão de sinal. E nem se
fale que os moradores desta ou daquela região serão afetados injustamente, pois ao adquirirem seus
imóveis ou locarem suas moradias, sabiam, ou presume-se saber, da necessidade de alguma
mitigação de direitos civis em prol da segurança da coletividade.
O poderio econômico não pode se sobrepor à segurança pública e, por isso, não se admite a omissão
das operadoras e do Estado diante das repercussões de um crime facilitado pela tecnologia atual.
Quantos crimes nãos seriam realizados acaso não pudessem os internos ter acesso aos dispositivos
móveis de telefonia?
O Estado deve cumprir seu papel e investir na melhoria da infraestrutura carcerária, ou mesmo
construir novos presídios em número mais compatível com a necessidade real e deve limitar a ação
tecnológica em áreas próximas aos presídios.
Além disso, é certo que a transgressão penal comporta as consequências previstas na lei, dentre elas
o cárcere. Todavia, a simples segregação, sem instrumentos recuperativos eficazes, alimenta a
famigerada indústria do crime, onde não raras às vezes, pessoas que possuíam total condição de
recuperação somente o são, porque não foram expostas às condições degradantes experimentadas nos
presídios brasileiros.
Pouco importa se o Estado tem recursos escassos para administrar, é preciso mudar o paradigma para
os investimentos. É preciso repensar os critérios de distribuição de riquezas, e é preciso combater
ferozmente a corrupção que assola nosso País.
Luiz Carlos Saldanha Rodrigues Junior
Advogado e Professor Universitário
Download

Luiz Carlos Saldanha