A EXECUÇÃO DE ALIMENTOS E O CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA1
Mariana Viale Pereira
RESUMO
Com o advento da Lei n° 11.232 de 22/12/05, a execução de sentença deixou de ser um
processo autônomo e passou a ser apenas uma etapa do processo de conhecimento,
denominada cumprimento de sentença. Essa mudança, apesar de acabar com o processo
autônomo de execução de título judicial, não mencionou a execução da obrigação alimentar,
disciplinada nos artigos 732 a 735 do Código de Processo Civil. Por isso, surgiu a dúvida
sobre a aplicação ou não do cumprimento de sentença na execução das obrigações
alimentares, que gerou divergência doutrinária, com teorias favoráveis e contrárias a
utilização da Lei 11.232 de 2005 na execução de alimentos, e sua aplicação pelos tribunais,
criando jurisprudência nesse sentido. Buscando avaliar a melhor solução para a questão foram
analisados comparativamente, os argumentos favoráveis e contrários à aplicação da Lei n°
11.232 de 22/12/05 na execução de alimentos, na doutrina e na jurisprudência brasileira, a fim
de verificar suas conseqüências. A partir desse estudo concluiu-se que os tribunais estão
utilizando o cumprimento de sentença nas ações de execução de alimentos, sob o fundamento
principal de que não haveria sentido não se valer da forma mais célere de execução
justamente no caso dos alimentos, em que a urgência e relevância são indiscutíveis.
Entretanto, a aplicação dessa legislação está gerando mais controvérsias e problemas do que
realmente soluções, pelo fato de estar sendo aproveitada uma lei que, claramente, não foi
criada com esse intuito, portanto, não oferece fundamentação legal para nortear sua utilização.
A execução de alimentos, em razão de todas as suas particularidades, exige uma orientação
específica, seja por intermédio da legislação já existente (Lei de Alimentos e arts. 732 a 745
do CPC), ou através da criação de uma lei com esta finalidade.
Palavras-Chave: Lei nº. 11.232/2005. Cumprimento da sentença. Execução de alimentos.
Particularidades. Legislação específica.
1
Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do Grau de
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
aprovado, com grau máximo pela banca examinadora composta pelo orientador Prof. Rolf Hanssen Madaleno,
Prof.ª Ana Luiza Carvalho Ferreira, e Prof. ª Marise Soares Corrêa, em 06 de novembro de 2007.
1 OS ALIMENTOS
1.1 CONCEITO E FUNDAMENTO LEGAL
Os alimentos são prestações que visam à satisfação das necessidades vitais de quem
não pode provê-las por si, não se limitando ao necessário a subsistência, pois também
abrangem o necessário à manutenção da condição social. No artigo 1.920 do Código Civil
está o conteúdo legal dos alimentos, quando a lei se refere ao legado: “O legado de alimentos
abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação,
se ele for menor.”2
Os alimentos são devidos quando há vinculo de parentesco entre o que pleiteia e o que
é obrigado a prestar os alimentos, de acordo com as possibilidades deste e as necessidades
essenciais de moradia, alimentação, vestuário, tratamento de saúde e, se for menor, educação
daquele. Mostrando-se, assim, a obrigação alimentar como “uma manifestação de
solidariedade econômica que existe em vida entre os membros de um mesmo grupo,
substituindo a solidariedade política de outrora.”3
1.2 NATUREZA JURÍDICA
O dever de prestar alimentos está embasado na solidariedade humana e econômica que
deve predominar entre os membros da família ou os parentes. É o dever legal de mútuo
auxílio familiar transformado em norma jurídica. Ademais, a obrigação alimentícia funda-se
sobre um interesse de natureza superior, que trata da preservação da vida e da necessidade de
dar às pessoas certas garantias no que concerne aos meios de subsistência. Havendo um
tratamento especial reservado pelo Estado aos alimentos, que lhe reflete o caráter de ordem
pública.4
1.3 NATURAIS E CIVIS
Os alimentos naturais são aqueles necessários à vida de qualquer ser humano, e os
civis são os relativos aos haveres e à qualidade das pessoas.5 YUSSEF SAID CAHALI
ressalta que o Código Civil de 2002 insere expressamente no direito brasileiro a distinção,
quanto à sua natureza, dos alimentos indispensáveis, ao lado dos alimentos necessários,
citando o §1º e §2º do artigo 1.694 e o caput e parágrafo único do artigo 1.704, ambos do
2
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Direito de família. v. 6. 7. ed. São Paulo: Atlas S. A., 2007. p. 337.
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 41.
4
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 717-719.
5
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1954. p.
301.
3
2
Código Civil.6
1.4 CARACTERÍSTICAS
1.4.1 Direito personalíssimo
Destaca YUSSEF SAID CAHALI que o direito de alimentos é vinculado a um direito
da personalidade, inato, que visa assegurar a subsistência e integridade física do ser humano.7
É um direito inerente à pessoa, que não pode ser transferido de uma pessoa para outra.
Sendo permitido apenas chamar o seguinte obrigado, na mesma ordem da vocação hereditária,
se o primeiro não possuir capacidade econômica.8
1.4.2 Reciprocidade
Quando presentes às condições objetivas que geram a relação jurídica, o devedor
poderia ser o credor de alimentos, ou seja, o que pode exigir também pode dever alimentos,
caso a situação se inverta. A reciprocidade aparece como um elemento natural dos alimentos,
podendo os parentes exigi-los uns dos outros.9
1.4.3 Solidariedade
Não há solidariedade jurídica entre os parentes na satisfação da pensão alimentícia. O
encargo alimentício é repartido não em partes quantitativas iguais, mas em porções
proporcionais às possibilidades econômicas de cada um dos obrigados. A obrigação de cada
obrigado será de acordo com seus recursos, sua posição e situação social.10
Entretanto, como entabulado no Estatuto do Idoso (Lei 10.741 de 2003), em seu art.
12: “A obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores.”, os
alimentos, portanto, são solidários nesse caso, e pelo princípio da isonomia e o respeito à
dignidade da pessoa humana, também são solidários para os menores, em razão da atenção
especial que merecem e da urgência de quem não tem meios de prover o próprio sustento.11
1.4.4 Inalienabilidade
Apenas o direito a alimentos é inalienável, e isso, em razão de ser um direito de ordem
6
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 5. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 20.
Idem. Ibidem. p. 45.
8
RIZZARDO, Arnaldo. Op. cit. p. 720.
9
GOMES, Orlando. Direito de família. 12. ed. atualizado por Humberto Theodoro Junior. Rio de Janeiro:
Forense, 2000. p. 434.
10
RIZZARDO, Arnaldo. Op. cit. p. 731-732.
11
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 3. ed. São Paulo: RT, 2006. p.409.
7
3
pública, indisponível e tendo em vista sua natureza e finalidade, eis que se trata de um direito
personalíssimo.12A inalienabilidade do direito a alimentos não impede que o alimentado
defina de que forma aplicará os alimentos recebidos, não ocasionando, assim, a interferência
ilegítima do Estado na vida privada da pessoa. Por isso, os alimentos são transacionáveis, o
direito, não.13
1.4.5 Irrepetibilidade
Decorre da própria natureza dos alimentos a impossibilidade de serem restituídos, já
que se dirigem à subsistência, e por isso são consumidos. Ademais a impossibilidade de serem
restituídos visa a desestimular o inadimplemento. Por isso, a redução ou extinção do encargo
alimentar não tem efeito retroativo, vigendo apenas para as parcelas vincendas, futuras.14
Contudo, mostra-se injusto não devolver alimentos que sabidamente são indevidos,
infringindo-se o princípio do não enriquecimento sem causa.15
1.4.6 Alternatividade
Os alimentos podem ser pagos em espécie, com o fornecimento de moradia,
alimentação, vestuário, etc, ou mediante o pagamento de uma prestação pecuniária. Cabe ao
alimentante a opção entre a prestação em espécie ou em dinheiro. É, portanto, uma obrigação
alternativa, nos termos do caput do art. 1.707 do C.C., mas, um direito de escolha que não se
mostra absoluto, conforme limitação legal disposta no parágrafo único do art. 1.707 do C.C.16
1.4.7 Transmissibilidade
O Código Civil de 2002, no seu artigo 1.700, dispõe que: “A obrigação de prestar
alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694.” Portanto, uma vez
fixada a pensão alimentícia, ela poderá ser transmitida aos herdeiros do devedor, em caráter
hereditário, quando do óbito do obrigado judicialmente a prestar alimentos, e se dará segundo
as possibilidades dos herdeiros e, não mais, nas forças da herança. No entanto, as questões
relativas à transmissibilidade da obrigação alimentar e a obrigação dos herdeiros se dar na
medida de suas possibilidades e independentemente das forças da herança, são ainda
12
MARMITT, Arnaldo. Pensão alimentícia. 2. ed. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 1999. p. 28-29.
PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e prática dos alimentos. 3. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 30.
14
DIAS, Maria Berenice. Manual... Op. cit. p. 411.
15
MADALENO, Rolf Hanssen. Direito de Família: aspectos polêmicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1998. p. 57.
16
LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado. Direito de família. v. 5. São Paulo: RT, 2005. p. 386.
13
4
controvertidas.17
1.4.8 Irrenunciabilidade
O direito a alimentos é irrenunciável, conforme o disposto no artigo 1.707 do Código
Civil: “Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos (...)”.Os
alimentos são irrenunciáveis, mas podem ser dispensados em determinado momento, e
pleiteados no futuro, no caso da pessoa que tiver direito a eles vir a necessitá-los.18
1.5 FONTES DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
1.5.1 Vontade das partes
Os alimentos decorrentes da vontade das partes podem advir de contratos, que são
regulados na parte das Obrigações Convencionais do Código Civil; ou podem emanar de atos
de liberalidade, como ocorre com o legado, em que o testador dispõe que seu herdeiro deva
alimentar o legatário, e que tem seu fundamento no Direito Sucessório.19
1.5.2 Parentesco
O dever alimentar pode decorrer da lei, por existir, entre pessoas determinadas, um
vínculo de família. A lei, no que concerne aos alimentos, limita os vínculos familiares aos
ascendentes, descendentes, irmãos (germanos ou unilaterais) e aos cônjuges. Ainda, restringese aos colaterais de 2º grau a obrigação proveniente de parentesco. A obrigação dos pais diz
respeito aos filhos adultos, já que, enquanto são menores, os pais lhes devem sustento.20
Existem quatro classes de pessoas obrigadas a prestar alimentos, formando uma
hierarquia no parentesco. Em primeiro lugar se devem reciprocamente os pais e filhos. Na
falta destes, os ascendentes, na ordem de proximidade com o alimentado. Depois, vêm os
descendentes na mesma ordem, excluído o direito de representação. E, por fim, serão
chamados os irmãos unilaterais ou bilaterais. Os demais parentes não se encontram sujeitos a
obrigação alimentar.21
17
CAHALI, Yussef Said. Op. cit. p. 77-80.
LOTUFO, Maria Alice Zaratin. Curso avançado de direito civil. Direito de família. v. 5. São Paulo: RT, 2002.
p. 286-287.
19
MARMITT, Arnaldo. Op. cit. p. 12.
20
GOMES, Orlando. Op. cit. p. 427-430.
21
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito de família. 20. ed. São Paulo: Saraiva
1982. p. 292
18
5
1.5.3 Casamento ou União Estável
A obrigação alimentar entre os cônjuges e companheiros se funda no dever de mútua
assistência, respectivamente, disposto no inciso II do art. 1566 do CC e no art. 1.724 do CC.
Dessa mútua assistência entende-se os cuidados que um cônjuge deve ter com o outro, tanto
no âmbito afetivo quanto no âmbito material. No casamento e na união estável essa
assistência, por abranger os aspectos moral e afetivo, possui um alcance maior do que na
separação.22
1.5.4 Prática do ato ilícito
A obrigação alimentar pode derivar da perpetração de delito e será regulada pelas
normas que regulam a liquidação ex delicto, nos termos do inciso II do art. 1.537 do Código
Civil. Nesse caso, os alimentos decorrem do direito obrigacional e podem originar-se de ato
inter vivos, causa mortis ou de um fato, este consistente nos ressarcimentos devidos em
decorrência de acidentes automobilísticos.23
1.6 DEFINITIVOS, PROVISÓRIOS E PROVISIONAIS, E EM TUTELA ANTECIPADA
Os alimentos definitivos ou regulares são os alimentos de caráter permanente,
concedidos pelo juiz na sentença ou homologados por ele em acordo de alimentos firmado
entre alimentante e alimentado, que podem ser modificados quando ocorrida alteração na
situação financeira de quem os supre ou os recebe, conforme disposto no art. 1.699 do CC,
art. 15 da Lei n° 5.478/68 e inc. I do art. 471 do CPC.24
Já os alimentos provisórios são próprios da Lei de Alimentos, referidos em seu art. 4°,
enquanto os alimentos provisionais estão dispostos no art. 852 do Código de Processo Civil.
Quando se tratar de procedimento cautelar, regido pelo CPC a parte poderá pedir alimentos
provisionais, que serão devidos aos cônjuges nas ações de separação e de anulação de
casamento, nas ações de alimentos e nos demais casos expressos em lei. E se a ação de
alimentos tramitar pelo rito especial da Lei 5.478/68, o juiz fixará alimentos provisórios.25
A diferença entre os alimentos provisionais e provisórios ditada pelo legislador é que
apesar de serem duas medidas temporárias, os alimentos provisórios são fixados de plano na
ação de alimentos e na ação de alimentos provisionais e podem ser alterados em qualquer fase
22
RIZZARDO, Arnaldo. Op. cit. p. 764-765.
MARMITT, Arnaldo. Op. cit. p. 12.
24
MADALENO, Rolf Hanssen. A execução de alimentos e o cumprimento de sentença, In: MADALENO, Rolf;
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. (coord.). Direito de família. Processo, teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense,
2007.p. 245-246 .
25
LEITE, Eduardo de Oliveira. Op. cit. p. 392.
23
6
devendo viger até a sentença proferida nestas ações, enquanto os alimentos provisionais
cessam com a sentença proferida na ação principal que fixa os alimentos definitivos.26
Tanto para a concessão da antecipação de tutela, conforme o disposto no inciso I, do
art. 273 do CPC, como para a concessão das medidas cautelares stricto senso, o requisito do
dano do periculum in mora é um dos pressupostos. Sendo que, haverá dano quando a
conservação do status quo, enquanto se dão os atos processuais, cause ao autor prejuízos de
média ou grande amplitude a seu direito, seja direito personalíssimo, sejam direitos
patrimoniais, dentre estes será de gravidade máxima o dano referente à privação de prestações
alimentícias, ou no perecimento do próprio direito, se não for concedida a tutela de urgência.27
2 ASPECTOS PROCESSUAIS
2.1 DECISÃO INTERLOCUTÓRIA, DESPACHO E SENTENÇA
O ato pelo qual o juiz, no curso do processo, decide questão incidente é denominado
decisão interlocutória, nos termos do §2° do art. 169 do CPC. Enquanto, os despachos são
todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a
cujo respeito a lei não estabelece outra forma, conforme disposto no §3° do art. 162 do CPC.
Sendo ainda que, o §4° do artigo 162 do CPC estabelece que os atos meramente ordinatórios,
como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de
ofício pelo servidor e revistos pelo juiz, quando necessários.
Cumpre destacar que os despachos não interessam para fins de cumprimento ou de
execução, já que nem podem ser designados como atos decisórios, ao contrário das decisões
interlocutórias que constituem título executivo e autorizam a execução ou o cumprimento (art.
475-J e art. 475-I, caput, c/c arts. 461 e 461-A).28
A alteração trazida pelo art. 1º da Lei nº. 11.232/2005 modificou a redação dos artigos
162, 269 e 463 do CPC que se referem à sentença. Segundo o §1° do art. 162 do CPC
chamou-se de sentença o ato de primeiro grau proferido, conforme os artigos 267 e 269, quer
o juiz examine ou não o mérito.29
Diferente da anterior, a nova redação dada ao § 1º do art. 162 do CPC, ao contrário da
redação anterior, não restringe excessivamente o conceito de sentença, sendo que, nas ações
executivas lato sensu, em que a execução do direito reconhecido na sentença é efetuada no
mesmo processo, além de declarar a existência do direito, a sentença ainda determina a
26
CAHALI, Yussef Said. Op. cit. p. 618.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 32.
28
ASSIS, Araken de. Cumprimento de sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 23-24.
29
Idem. Ibidem. p. 20-21.
27
7
realização de atos materiais propensos à efetivação do direito declarado.30
2.2 RECURSOS
2.2.1. Conceito
Para JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA recurso é “o remédio voluntário idôneo
a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a
integração de decisão judicial que se impugna.”31
Ademais, como refere VICENTE GRECCO FILHO a existência de um sistema
recursal apropriado atende ao princípio da pluralidade dos graus de jurisdição e aos ideais de
justiça, sendo que nos dizeres de GIUSEPPE CHIOVENDA, só pelo fato de o juiz saber que
sua sentença pode ser reexaminada e modificada por um tribunal superior, ela já será mais
cuidadosa e justa.32 Assim, obtendo o máximo de acerto no mínimo tempo.33
2.2.2 Efeitos
Assim, quando interposto o recurso, enquanto é aguardado o seu julgamento, não
incide sobre a decisão recorrida preclusão ou coisa julgada. Ainda, enquanto pendente o prazo
para interposição do recurso, tendo a parte manifestado ou não seu interesse em recorrer,
desde que ela não tenha renunciado a esse direito, também não pode ocorrer preclusão ou
coisa julgada.34
O efeito devolutivo trata, da transferência a um órgão de jurisdição superior o
conhecimento da matéria decidida pelo juiz de grau inferior, daí a necessidade de confiar a
um órgão ou tribunal diverso do que proferiu a decisão impugnada para a competência para o
reexame da causa.35Já o efeito suspensivo impede a eficácia do ato decisório desde o
momento da interposição do recurso e até que este seja julgado. Além do mais, o efeito
suspensivo surge desde a prolação do ato decisório, sempre que seja impugnável por meio de
recurso que o produza.36
Pode se dizer, portanto, que o efeito suspensivo advém da necessidade de preservar o
30
WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia, Breves
comentarios à nova sistemática processual civil 2. São Paulo: RT. p. 34-35.
31
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. v. 5. 7. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1998. p. 207.
32
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. v. 2. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 267.
33
ARAGÃO, Egas Moniz de. Embargos Infringentes. São Paulo: Saraiva, 1974. p. 76.
34
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 4. ed. São
Paulo: RT, 2005. p. 520.
35
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil. v. 1. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 391.
36
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. v. 3. 21. ed. atualizado por Aricê
Moacyr Amaral Santos. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 100.
8
direito do vencido de obter o reexame da decisão recorrida e, ainda, de torná-lo praticamente
eficaz, sem as dificuldades que podem ser criadas pelos efeitos já produzidos pela sentença
impugnada.37 Nesse sentido, aduz-se que o efeito suspensivo não é efeito da interposição do
recurso, mas sim efeito da recorribilidade.38
2.3 INCIDÊNCIA DA SENTENÇA
2.3.1 Sentença retroativa e não retroativa
A sentença pode ter efeito ex tunc, ou seja, retroativo, incidindo desde o ato declarado
nulo, anulado ou revisado; ou pode ter efeito ex nunc, em que não retroage ao passado,
somente gerando efeitos desde sua prolação ou da citação no processo.
ROLF HANSSEN MADALENO aduz que a função retroativa da sentença alimentar
está disposta no §2º do artigo 13 da Lei 5.478/68 ao referir que “em qualquer caso, os
alimentos fixados retroagem à data da citação.”39Portanto, ocorrendo a majoração da pensão
alimentícia pela sentença final, como os alimentos retroagem à data da citação, eles
substituem os valores concedidos liminarmente, devendo o alimentante arcar com a diferença
entre os alimentos pagos a menor e aqueles fixados em quantia superior. Prepondera o direito
do credor em receber exatamente o valor alimentar de acordo com o binômio necessidade e
possibilidade reconhecido na sentença. Do mesmo modo, ocorrendo a redução, deve
prevalecer desde a data da sentença e com efeito retroativo à data da citação.40
Contudo, a natureza irrepetível da pensão, também sujeita o devedor a não ser
restituído dos valores pagos a maior, prevalecendo o enriquecimento sem causa daquele que é
credor de uma quantia mensal menor e, durante o trâmite da demanda, teve os alimentos
provisionais fixados em valor superior ao devido e julgado na sentença.41
2.4 EXECUÇÃO DE ALIMENTOS
O sistema processual dotou o crédito alimentar de procedimentos mais ágeis
destinados à satisfação do crédito, já que os alimentos não se equiparam às dívidas comuns,
na medida em que, o inadimplemento da prestação alimentar não acarreta a mera redução
patrimonial, mas risco à própria sobrevivência do credor de alimentos.42Assim, a obrigação
37
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Op. cit. p. 392-393.
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais – Teoria geral dos recursos. 4. ed. São Paulo: RT, 1997. p.
377.
39
MADALENO, Rolf Hanssen. Direito de família em pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 150.
40
Idem. Ibidem. p. 152-153.
41
Idem. Ibidem. p. 154.
42
WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado
de processo civil. v. 2. 7. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 367.
38
9
alimentar recebe a simultânea tutela de três mecanismos diferentes, quais sejam, o desconto, a
expropriação e a coação pessoal, isso em razão do interesse público prevalente da rápida
realização forçada do crédito alimentar, em nome da urgência e da necessidade do
alimentando.43
Esses meios executórios estão regulados nos arts. 732 a 735 do CPC e nos arts. 16 a 19
da Lei 5.478/68, estando clara a intenção presente neste último texto legislativo, de
estabelecer certa ordem na utilização dos meios executórios, de modo que o primeiro seja o
desconto em folha, em seguida a expropriação (de aluguéis e de outros rendimentos) e por
último, a expropriação (de quaisquer bens) e a coação pessoal. Assim, na impossibilidade do
desconto e da expropriação de aluguéis e de rendimentos, o credor de alimentos escolherá, a
seu exclusivo critério, a coação ou a expropriação do patrimônio do alimentante.44
Ainda, no que concerne ao título executivo a embasar a execução de alimentos,
geralmente, trata-se de título judicial, que pode ser sentença condenatória ou homologatória
da transação realizada em juízo, ou decisão interlocutória que defere alimentos provisórios ou
provisionais, ou seja, a liminar. Essa modalidade de execução também pode ser lastreada por
algum dos títulos executivos previstos no art. 585, II, do CPC, quais sejam, a escritura pública
ou outro documento público assinado pelo devedor, o documento particular assinado pelo
devedor e por duas testemunhas, ou o instrumento de transação referendado pelo Ministério
Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores. Entretanto, em tal título
devem restar expressamente demonstrados a natureza alimentar da obrigação assumida, o
exato valor da prestação e o tempo de sua duração.45
2.4.1 Desconto em folha
O artigo 16 da Lei 5.478/68, ao se referir à execução de sentenças ou acordos nas
ações de alimentos, faz remissão direta ao artigo 734 do CPC que dispõe que, em sendo o
devedor de alimentos funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa, ou ainda,
sendo o mesmo empregado sujeito à legislação do trabalho, a execução de alimentos se dará
mediante ordem do juiz de desconto em folha de pagamento da prestação alimentícia. E, em
seu parágrafo único, refere que: “A comunicação será feita à autoridade, à empresa ou ao
empregador por ofício, de que constarão os nomes do credor, do devedor, a importância da
prestação e o tempo de sua duração.”
43
ASSIS, Araken de. Manual de execução. 9. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 859.
Idem. Ibidem. p. 859-861.
45
WAMBIER, Luiz Rodrigues et al. Curso…Op. cit. p. 368.
44
10
O desconto em folha de pagamento possui grande eficácia, já que exclui o formalismo
e as despesas decorrentes do procedimento de expropriação de bens. É uma espécie de
penhora sucessiva, que se apresenta como exceção a regra da impenhorabilidade de salários e
que, apesar de determinada por ordem judicial, é realizada pelo empregador, que é um
estranho à jurisdição.46
2.4.2 Expropriação
A expropriação de aluguéis e outros rendimentos, que está prevista no art. 17 da Lei
5.478/68, trata-se de outra espécie de penhora sobre o dinheiro, uma vez que, em não
percebendo o devedor salários ou outra contraprestação por trabalho, pode o credor buscar
outros valores pecuniários, pertencentes ao devedor, que podem ser qualquer espécie de
renda, tais como aplicações financeiras, carteiras de ações, recebimento de arrendamento,
participação em lucros de empresas, entre outras.47 Esse modo de expropriação tem aplicação
no caso do patrimônio do devedor produzir bens que causam rendimentos e, se procede nos
mesmos autos em que foram estabelecidos os alimentos, não devendo o credor ingressar com
processo autônomo. Como a lei não prevê um rito específico para essa modalidade de
execução, esta se faz através de ordem expedida pelo juiz àquele que efetua os pagamentos
dos aluguéis ou outros rendimentos ao alimentante, que arcará com a responsabilidade do
pagamento se descumprir a determinação.48
Ainda, segundo o preceito do art. 21 da Lei do Divórcio (Lei 6.515/77): “Para
assegurar o pagamento da pensão alimentícia, o juiz poderá determinar a constituição de
garantia real ou fidejussória. § 1º - Se o cônjuge credor preferir, o juiz poderá determinar que
a pensão consista no usufruto de determinados bens do cônjuge devedor. § 2º - Aplica-se,
também, o disposto no parágrafo anterior, se o cônjuge credor justificar a possibilidade do não
recebimento regular da pensão.”Tal usufruto representaria uma pretensa maneira de satisfazer
a condenação em alimentos, e não apenas uma forma de garantia da execução do julgado.49
O artigo 732 do CPC faz expressa remição ao Capítulo IV do Título II do Livro II do
CPC, ou seja, ao art. 646 e seguintes, que se refere à execução de títulos judiciais e
extrajudiciais. Esta execução terá por objeto a expropriação de bens do devedor, para
satisfazer o direito do credor, nos termos do art. 646 do CPC, sendo que todos os bens do
credor, com exceção das restrições estabelecidas em lei, responderão para o cumprimento da
46
WAMBIER, Luiz Rodrigues et al. Curso... Op. cit. p. 369.
Idem. Ibidem p. 371.
48
RIZZARDO, Arnaldo. Op. cit. p. 829.
49
CAHALI, Yussef Said. Op. cit. p. 731.
47
11
obrigação, como disposto no art. 591 do CPC. Procedem-se a citação e a penhora, com
respectiva intimação do devedor para embargar, seguindo-se até a final alienação judicial dos
bens, para alcançar a quantia necessária para satisfazer o débito.50
Destacando-se ainda que o art. 735 permite a execução por expropriação de bens
também nos alimentos provisórios, assim dispondo: “Se o devedor não pagar os alimentos
provisionais a que foi condenado, pode o credor promover a execução da sentença,
observando-se o procedimento estabelecido no Capítulo IV deste Título.”51
O procedimento executivo se dará pelo trâmite do rito comum, iniciando pela petição
inicial, preenchidos os requisitos legais, o juiz ordenará a citação do executado (art. 652).
Feita a penhora, o executado poderá opor embargos à execução (art. 736). Se a penhora recair
sobre bem que não gera frutos, cabe ao exeqüente aguardar desfecho do procedimento, através
da alienação do bem penhorado. Depois de convertido em dinheiro o bem penhorado, pode o
credor levantar a importância correspondente ao crédito e aos seus consectários, nos termos
do caput do art. 709, devendo ser restituída a diferença, porventura existente, ao devedor,
como disposto no art. 710.52
2.4.3 Coação pessoal
A Constituição em seu artigo 5°, LXVII assim dispõe: “não haverá prisão civil por
dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação
alimentícia e a do depositário infiel;”
O artigo 19 da Lei de Alimentos (Lei 5.478/68) refere que o juiz na execução de
sentença ou de acordo poderá tomar todas as providências necessárias para o cumprimento
dos alimentos determinados, inclusive podendo decretar a prisão do devedor até 60 dias. Já o
artigo 733 do CPC, lei posterior, fixa o prazo de um a três meses de prisão. Tratando-se a
prisão de um meio coercitivo para o pagamento, o cumprimento dessa pena não libera o
devedor do pagamento das prestações vicendas e vencidas e não pagas. Por isso, a
possibilidade de prisão do devedor está inserida entre os atos concretos que o Estado pode
cometer para a satisfação do credor.53
No que concerne à utilização do prazo de prisão de três meses, estipulado pelo §1° do
art. 733 do CPC, ou o prazo de sessenta dias, quando o objeto da pretensão constituir
alimentos definitivos, elencado pelo art. 4° da Lei 6.014/73, ressaltando a divergência
50
RIZZARDO, Arnaldo. Op. cit. p. 830.
Idem. Ibidem. p. 831.
52
ASSIS, Araken de. Manual... Op. cit. 2004. p. 872.
53
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit p. 363.
51
12
doutrinária no tocante ao tema, ARAKEN DE ASSIS defende que, tanto na hipótese de
alimentos provisionais como na de alimentos definitivos, o prazo não ultrapassará a sessenta
dias, nesse sentido refere o art. 620 do CPC, destacando que a prisão é medida executiva e o
procedimento executório se desenvolverá pelo meio menos gravoso ao devedor.54
Ainda, a jurisprudência tem restringido a utilização dessa prisão aos últimos três
meses de inadimplência por parte do alimentante, em razão da natureza intrínseca da
finalidade da prisão e dos alimentos, não havendo que se decretar a prisão por alimentos
pretéritos, distantes da necessidade premente e atual do alimentando. Para a cobrança das
prestações mais antigas, deve-se intentar a execução regulada pelo artigo 732 do CPC.
55
Depreende-se que não devem ser cobrados alimentos pretéritos por este meio, porque os
alimentos são consumíveis por excelência, ou seja, se o credor não os recebeu, já não
apresenta mais necessidade latente, e ainda, porque a inserção de prestações pretéritas pode
tornar o valor tão elevado que o devedor não poderá prontamente pagá-lo, nem mesmo sob a
ameaça de ser preso.56
Nesse sentido é o entendimento do STJ consubstanciado na Súmula 309, que autoriza
a prisão civil pelo débito alimentar envolvendo as três prestações anteriores ao ajuizamento da
execução, além das que se vencerem no curso da demanda. Observa ROLF HANSSEN
MADALENO que esta súmula teve sua redação modificada, vez que seu enunciado anterior
estabelecia que “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que
compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo”,
considerando dessa forma, como período de abrangência apenas as prestações vencidas antes
da citação do devedor, que não tivessem sido quitadas antes da propositura da demanda, o que
viabilizava a fuga do credor da citação, afastando da execução as parcelas anteriores ao seu
chamado processual.57
O devedor é passível de tantas prisões, quantos forem os inadimplementos, desde que
não prove sua incapacidade para cumprir a prestação alimentícia a seu cargo.58Contudo, é
exigida dívida diversa para renovar o aprisionamento, no que concerne à natureza da
prestação alimentar, ou ao lapso temporal nela compreendido.59Ocorre que, se no curso da
prisão a prestação for paga, o juiz mandará pôr em liberdade o devedor imediatamente, nos
54
ASSIS, Araken de. Manual... Op. cit. 2004. p. 895.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit. p. 363-364.
56
WAMBIER, Luiz Rodrigues et al. Curso… Op. cit. p. 374.
57
MADALENO, Rolf Hanssen. A execução... Op. cit. p. 247-248.
58
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. v. 2. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2004. p. 262.
59
ASSIS, Araken de. Manual... Op. cit. 2004. p. 895.
55
13
termos do §3° do art. 733 do CPC.60 Ainda, o pedido formulado com fundamento no art. 733
do CPC pode ser alterado, visando à expropriação do art. 732 do CPC, o que não acarretará
prejuízos ao devedor, na medida em que, inclusive, mostra-se mais benéfico a ele.61
Uma vez escolhida essa via executiva, a defesa eventual do devedor deve ser feita no
prazo de três dias, podendo instaurar-se, então, um procedimento de cognição se o devedor
alegar a impossibilidade de pagar ou alegar que já pagou. Tal cognição, contudo, é limitada,
pois no caso de sentença definitiva, não pode alterá-la, já que tal modificação se faz através de
ação revisional de alimentos, em que se deve demonstrar a alteração do binômio necessidadepossibilidade.62Caso o devedor não quite a dívida, não se escuse ou sua escusa não seja
admitida, a requerimento do credor, o juiz poderá decretar sua prisão. Cumpre referir que a
decretação precipitada da prisão a torna ilegítima, e enseja a impetração de habeas corpus em
favor do executado.63
Destaca ARAKEN DE ASSIS que é interessante que seja o título judicial, como
geralmente ocorre na execução do crédito alimentar, entretanto, admite-se a utilização do
título extrajudicial, relativamente ao idoso, conforme previsão do art. 13 da Lei 10.741/03. Já
no que se referem aos títulos judiciais, incluem-se a sentença propriamente dita (§1° do art.
162 do CPC), a decisão interlocutória que fixa alimentos provisórios (caput do art. 4° da Lei
5.478/68), a decisão que estipula os provisionais (art. 852 do CPC), a decisão que, nos temos
do art. 273, antecipa o efeito do pedido requerido na ação de alimentos, e ainda a
homologação do desquite consensual (§1° do art. 1.122 do CPC).64
Em razão da função de excepcionalidade da prisão, como meio coercitivo que intenta
contra a liberdade do indivíduo, garantida pelo Estado, não é admitida a prisão civil por
alimentos nos casos em que não haja norma expressa, por isso, tal punição é cabível apenas
nos alimentos previstos nos arts. 1.566, III e 1.694 do Código Civil que constituem relação de
direito de família. Assim, não é admitida a prisão em face do inadimplemento de obrigação
alimentícia decorrente de ato ilícito.65
2.4.4 Embargos do executado e exceção de pré-executividade
Em um processo executivo, tem o devedor o legítimo interesse de impugnar a
60
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso... Op. cit. 2004. p. 262.
1ª Cam. Cív. do TJRS, Ag. 590030243, 19.06.90, Rel. Dês. Elias Manssour, RJTJRS 148/227; 3ª T. do STJ,
REsp. 175.003-MG, 04.05.00, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU 01.08.00, p. 261; apud ASSIS, Araken de.
Manual... Op. cit. 2004. p. 884.
62
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. v. 3. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 98-99.
63
Idem. Ibidem. p. 99.
64
ASSIS, Araken de. Manual... Op. cit. 2004. p. 877-878.
65
CAHALI, Yussef Said. Op. cit. p. 743.
61
14
execução, para anular o respectivo processo, para retirar a eficácia do título executivo, ou para
reduzir a sua extensão a justas proporções, sendo-lhe garantido o contraditório, através de um
processo incidente denominado embargos do devedor.66Apesar de aparentarem ser uma
resposta do devedor ao pedido do credor, na verdade, o embargante assume uma posição de
ataque, em que exerce contra o credor o direito de ação, buscando uma sentença que venha a
extinguir o processo ou desconstituir a eficácia do título executivo.67
Na execução pelo art. 732, depois de citado o devedor pelo art. 652 do CPC, e seguro
o juízo pela penhora, o devedor, como defesa, poderá opor embargos. No que se refere aos
efeitos da penhora, é de se observar que, em decorrência da urgência com que deve ser
satisfeita a obrigação alimentar, tem-se uma exceção à regra, na medida em que recaindo a
penhora em dinheiro, o credor poderá levantar mensalmente a importância da prestação,
mesmo
tendo
o
devedor
oposto
embargos.
Ainda,
tal
levantamento
far-se-á
independentemente de caução. Já, na hipótese do desconto em folha de pagamento da
importância da prestação, assim que citado o devedor, far-se-á a comunicação da execução à
entidade empregadora (parágrafo único do art. 734 do CPC), sendo que o recebimento da
comunicação pelo destinatário corresponde à penhora da parte dos vencimentos que deve ser
atribuída ao credor e, uma vez feita a comunicação, considera-se seguro o juízo, e o devedor
poderá se defender através de embargos.68
Os embargos do devedor, contudo, não são o único meio pelo qual o devedor pode
atacar a execução forçada, uma vez que quando acusar a falta de condições da ação de
execução, ou a ausência de algum pressuposto processual, tal argüição pode ser realizada
através de uma simples petição nos próprios autos do processo executivo, trata-se da chamada
exceção de preexecutividade ou objeção de preexecutividade.69Assim, quando a argüição feita
à execução versar sobre questão de direito ou de fato documentalmente provado, que deva ser
conhecida de ofício pelo juiz, referindo-se a matéria à ordem pública, e ligada aos
impedimentos da configuração do título executivo ou a privação da força executiva do
mesmo, deve ser utilizada a exceção de preexecutidade.70
66
SANTOS, Moacyr Amaral. Op. cit. p. 405-406.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso... Op. cit. 2004. p. 268.
68
SANTOS, Moacyr Amaral. Op. cit. p. 290-291.
69
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso... Op. cit. 2004. p. 284.
70
Idem. Ibidem. p. 284-285.
67
15
3 CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
3.1 CONCEITO E FUNDAMENTO LEGAL
De acordo com a ementa da Lei 11.232/05, ela “Altera a Lei no 5.869, de 11 de janeiro
de 1973 – Código de Processo Civil, para estabelecer a fase de cumprimento das sentenças no
processo de conhecimento e revogar dispositivos relativos à execução fundada em título
judicial, e dá outras providências.” Dessa forma, em se tratando de execução de título judicial,
com o advento da Lei n° 11.232 de 22/12/05, a execução de sentença deixou de ser um
processo autônomo e passou a ser apenas uma etapa ou um complemento do processo de
conhecimento, denominada cumprimento de sentença.
Com a introdução da Lei, a sentença passa a ser aquela que resolve o litígio, não mais
extinguindo o processo, nos termos da nova disposição do art. 162 do CPC. Refere
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR que a sentença conterá uma resolução do mérito da
causa, mesmo que não seja por ato de juiz (art. 267 do CPC), e a atividade de execução
forçada não mais exige a movimentação da ação executiva, mas se dá através do incidente de
“cumprimento de sentença”, na mesma relação processual em que se prolatou o julgamento
exeqüendo. Ainda, o título executivo judicial não advém mais da sentença condenatória,
satisfazendo sua configuração o reconhecimento, pelo ato do juiz, da “existência de obrigação
de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”, conforme elencado no art. 475-N do
CPC, desde que revestido de certeza, liquidez e exigibilidade (art. 586 do CPC).71
Destarte, a sentença passa a ser considerada executiva por si própria, assim, no mesmo
processo de conhecimento em que se forma e se desenvolve a relação processual, há a
realização do direito reconhecido.72A relação processual, após a prolação da sentença,
prossegue, para fins de cumprimento da sentença de obrigações de fazer, não fazer e de
entrega de coisa, conforme dispõem os artigos 461 e 461-A, quando se tratar de sentenças
executivas lato sensu e/ou mandamentais73.
Ainda, é de ressaltar que, com essas alterações trazidas pela Lei 11.232./05, pela fase
de conhecimento e de cumprimento de sentença se tratarem de um só processo, o réu só será
citado uma vez, no início do processo, na fase de conhecimento. E, depois que a sentença
condenatória transitar em julgado, o executado será intimado através de seu advogado (já que
71
THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense,
2006, p. 91.
72
SANTOS, Ernane Fidélis. As reformas de 2005 do Código de Processo Civil: execução dos títulos judiciais e
agravo de instrumento. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 26.
73
De se referir que as sentenças que condenam à obrigação de fazer ou não fazer possuem eficácia mandamental
e aquelas que determinam a entrega de coisa têm eficácia executiva lato sensu. (SANTOS, Ernane Fidélis. As
reformas... Op. cit. p. 39.)
16
foram revogados os arts. 603, parágrafo único e art. 611 que exigiam a citação, e foram
inseridos os arts. 475-A, §1° e 475-J, §1°) para que seu cliente pague a dívida em 15 dias,
passado esse prazo, incide a multa de 10% sobre o débito e, a requerimento do credor, e
observado o disposto no art. 614, inciso II, do CPC, será expedido mandado de penhora e
avaliação, nos termos do art. 475-J do CPC.
A multa de 10% sobre o montante da condenação apresenta-se como uma sanção pelo
não pagamento da condenação no prazo da impugnação e sua incidência independe de
requerimento expresso do credor ou da imposição do juiz, já que está prevista na lei, nos
termos do art. 475-J, sendo contado da sentença o prazo da intimação do devedor. Nesse
sentido destaca ATHOS GUSMÃO CARNEIRO que a multa “visa compelir o sucumbente ao
pronto adimplemento, desestimulando as usuais demoras para ganhar tempo.”74
Assim, tem-se que, a partir do trânsito em julgado da sentença, ou então, havendo
interposição de recurso, mas este recebido sem efeito suspensivo, o credor pode requerer a
liquidação de sentença, a ser promovida na hipótese de a sentença não ter determinado o valor
devido, nos termos do art. 475-A e seus parágrafos, ou pode pleitear o cumprimento da
sentença, no caso desta ter determinado o valor devido.
Ainda, com a inovação trazida pela Lei 11.232/2005 ao CPC, na execução fundada em
título judicial, a sentença não está mais sujeita aos embargos do devedor, que se tratava de
uma ação incidental, ficando sujeita à impugnação, apresentada no próprio processo de
conhecimento. Sendo assim, a ação incidental de embargos do devedor resta substituída pela
impugnação,75conforme dispostos nos arts. 475-L e 475-M, sem prejuízo da utilização de
exceção de pré-executividade, quando quiser suscitar matéria de ordem pública, que possa ser
conhecida de ofício pelo julgador.
O devedor será intimado do auto de penhora e de avaliação e poderá oferecer
impugnação, no prazo de quinze dias, nos termos do art. 475-J, § 1°, com fundamento em
uma das hipóteses do art. 475-L. A impugnação, de regra, não terá efeito suspensivo, mas
pode o juiz atribuir tal efeito, desde que contenha relevantes fundamentos e o prosseguimento
da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano, de difícil ou incerta
reparação (art. 475-M) e, ainda que seja atribuído efeito suspensivo à impugnação, é lícito ao
exeqüente requerer o prosseguimento da execução, se oferecer e prestar caução idônea e
suficiente, a ser estipulada pelo juiz nos próprios autos (art. 475-M, § 1°).
Os títulos executivos judiciais estão definidos no art. 475-N, incisos I a VII. Nesse
74
75
CARNEIRO, Athos Gusmão. Cumprimento da sentença civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 28.
SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. v. 2. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 15.
17
sentido refere JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA que não há a possibilidade de se
instaurar um processo executório sem o título executivo, o qual é apoiado exclusivamente
pela lei, e possui validade formal. Assim, os títulos executivos são apenas os que a lei
enumera, não sendo permitida a criação de outros pela vontade dos particulares.76
A execução fundada em provimento (sentenças, acórdãos e decisões) impugnado por
recurso que não possua efeito suspensivo será denominada provisória, nos termos do art. 475I, § 1º, in fine. Deste modo, tem-se que o provimento ainda não possui o valor de julgado. Ao
vencido, não importa a espécie do recurso pendente, nem as vias recursais ainda abertas, eis
que o expediente tem como escopo tutelar o interesse do vitorioso, de modo a compensá-lo
em face da possibilidade de o vencido recorrer e, ao mesmo tempo, busca desestimular a
interposição de recursos com propósito meramente protelatório.77
O art. 475-O do CPC estabelece as normas e os princípios expressos que regem a
execução provisória. Nessa espécie, ao credor é permitido o ajuizamento da execução da
sentença antes do seu trânsito em julgado, contudo, esta correrá por sua conta e risco, ficando
o exeqüente responsável por reparar os danos provocados pela eventual reforma do julgado
que deu origem ao cumprimento provisório da sentença.
Assim, com a nova lei, a intenção clara do legislador foi dar maior efetividade ao
processo, ao procurar alternativas para acelerar sua tramitação e garantir maior economia
processual.
3.2 TESE A FAVOR DA APLICAÇÃO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA À
EXECUÇÃO DE ALIMENTOS
A Lei 11.232 de 2005, ao implementar o cumprimento de sentença, estabelecendo essa
nova forma de execução, em que o processo autônomo foi extinto, e a sentença passou a ser
executada nos mesmos autos que instituem a obrigação, deixou de fazer qualquer referência
aos artigos 732 a 735 do Código de Processo Civil, que tratam da execução da obrigação
alimentar. O artigo 732 do CPC determina que a execução de sentença que condena ao
pagamento de alimentos se dará conforme o disposto no Capítulo IV do Título II, que trata da
execução de quantia certa e está elencada no art. 646 e seguintes do CPC, já o artigo 733 do
CPC refere-se à execução de alimentos pelo rito da prisão, em que o executado é citado, para
em três dias, pagar o débito, provar que pagou ou justificar a impossibilidade. O artigo 734
dispõe sobre o desconto em folha de pagamento, enquanto o artigo 735 aduz que os alimentos
76
77
SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual... Op. cit. p. 8.
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 293.
18
provisionais também podem ser executados, conforme o Capítulo IV do CPC.
Em decorrência disso, surgiu um impasse, no que se refere à aplicação ou não do
cumprimento de sentença à execução de alimentos. A dúvida gerou uma série de discussões
doutrinárias e estudos a respeito. Apesar da ausência de qualquer referência do legislador no
que tange à execução de alimentos, nos tribunais a tendência tem sido da utilização do
cumprimento de sentença na execução de alimentos, constante do art. 732 e 734 do
CPC.78Sendo que, inclusive, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a 7ª e 8ª Câmaras
Cíveis, de Família e Sucessões, já vêm decidindo monocraticamente sobre o tema, uma vez
que, de entendimento pacificado na Corte. Contudo, é de ressaltar que até o momento da
elaboração deste trabalho, nada chegou ao Superior Tribunal de Justiça, órgão que deverá
pacificar o assunto.
Destarte, grande parte da doutrina, sustenta que, apesar da omissão do legislador, não
se pode concluir que sua intenção fosse a não aplicação da lei para a execução dos alimentos.
Defendendo ter havido mero descuido do legislador, que não teria motivos para excluir do
cumprimento de sentença, justamente a execução de alimentos, matéria cuja urgência decorre
de sua própria natureza, e exige procedimento mais célere e ágil de execução, aparece
MARIA BERENICE DIAS para quem mesmo a ementa da Lei 11.232/05 já anuncia a
revogação dos artigos atinentes à execução fundada em título judicial79 e, tendo a lei
78
“Cumprimento da sentença. Incidência das disposições da Lei n°11.232/2005. Se o pedido de cumprimento da
sentença relativamente aos ônus sucumbenciais foi proposto após a vigência da lei processual nova, que
estabelece outra disciplina para a execução, então essa é a legislação aplicável, e não apenas pelo seu caráter
protetivo, dado o caráter alimentar do pleito, nem apenas para assegurar maior celeridade na cobrança, mas pelo
fato de que as leis processuais têm aplicação imediata, cumprindo respeitar apenas os atos já praticados. Recurso
provido”. (Agravo de Instrumento n°70016794646, da 7ª CC do TJRS, rel. des. Sérgio Fernando de
Vasconcellos Chaves, j. 14/03/2007).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA DE ALIMENTOS. PRETENSÃO À
EXECUÇÃO NOS MOLDES DO ART. 732 DO CPC. DETERMINAÇÃO DO JUÍZO DE ADEQUAÇÃO
PARA A FORMA DE "CUMPRIMENTO DE SENTENÇA" , NOS TERMOS DO ART. 475 DO CPC.
IMPOSIÇÃO CORRETA, PORQUE POSSÍVEL A APLICAÇÃO DAS NOVAS DISPOSIÇÕES ÀS AÇÕES
DE ALIMENTOS. PROCEDIMENTO QUE APENAS FAVORECE À PARTE. RECURSO DESPROVIDO.”
(Agravo de Instrumento Nº 70018287243, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo
Raupp Ruschel, Julgado em 11/04/2007).
“Agravo. Processual. Lei. Aplicação. Art. 475-J do CPC. Tendo o despacho que determinou a citação sido
exarado quando já em vigor as alterações trazidas pela Lei 11.232/05 é caso de se aplicar as disposições do art.
475-J do CPC, porquanto o ordenamento pátrio adota o tempus regit actum , segundo o qual a Lei processual
nova tem eficácia imediata, aplicando-se a todos os processos em trâmite, e alcançando os atos processuais não
atingidos pela preclusão, a teor do disposto no art. 1.211 do Código de Processo Civil. Agravo provido”.
(Agravo n°1.0024.06.078675-3/001 (1), 5ª CC do TJMG, rel. des. Cláudio Costa, j. em 29/03/2007).
“Direito de família e Processual. Execução de Alimentos. Decisão que indefere a cumulação das execuções
previstas no art. 732 e 733, do CPC no mesmo processo. Inacumulabilidade justificada pela norma inserta no art.
292, § 1º, III, do CPC. Possibilidade de tumulto processual. Recurso desprovido.” (Agravo n° 2007.002.01943,
9ª CC do TJRJ, rel. des. Carlos Eduardo Moreira Silva, j. em 21/08/2007).
79
“Altera a Lei n° 5.869 de 11 de janeiro – Código de Processo Civil, para estabelecer a fase de cumprimento
das sentenças no processo de conhecimento e revogar dispositivos relativos à execução fundada em título
judicial, e dá outras providências.”
19
normatizado o cumprimento da sentença condenatória que reconhece obrigação de pagar
quantia certa, está inserido no novo sistema a sentença que condena ao pagamento de
alimentos. Assim, mesmo a Lei não tendo alterado os arts. 732 e 735 do CPC, não se trata de
revogação tácita, devendo a sentença que reconhece a existência de obrigação alimentar
consubstanciada em título executivo judicial dar ensejo à cobrança, nos termos do inc. I do
art. 475-J.80
Sustenta ALEXANDRE FREITAS CÂMARA que, apesar do artigo 732 do CPC
determinar deva a execução de alimentos ser feita de acordo com os ditames do Livro II do
Código de Processo Civil, e tal artigo não ter sido alterado pela Lei 11.232/05, deve ser lido
como se fizesse alusão ao novo sistema executivo, sugerindo assim que, o art. 732 deva ser
entendido como se dispusesse que “a execução de sentença, que condena ao pagamento de
prestação alimentícia, far-se-á conforme o disposto no Livro I, Título VIII, Capítulo X deste
Código”. No mesmo sentido também defende a alteração no art. 735 do CPC, quando faz
alusão ao Livro II do CPC, na execução de sentença provisória, que deve ser lido como se
estivesse se referindo ao Livro I, Título VIII, Capítulo X do CPC. Destaca ademais, que deve
ser reinterpretado o parágrafo único do art. 732, porque não há mais que se falar em
embargos, mas sim em impugnação à execução que, via de regra, não possui efeito
suspensivo.81
A sentença que estabelece o pagamento de alimentos possui carga de eficácia
condenatória, ou seja, reconhece a existência de obrigação de pagar quantia certa (CPC, art.
475-J). Contudo, o inadimplemento não pode provocar execução por quantia certa contra
devedor solvente, já que essa forma de cobrança não mais existe. Ainda, os embargos à
execução fundada em sentença agora só podem ser opostos na execução contra a Fazenda
Pública. Por isso, incabível a utilização da execução por quantia certa de título executivo
judicial para a cobrança de débito alimentar, vez que o devedor restaria desprovido de
qualquer meio impugnativo de defesa, sem poder fazer uso dos embargos à execução. Sendo
que a nova lei não trouxe qualquer prejuízo para o devedor de alimentos, já que agora dispõe
de maior prazo de defesa para a impugnação, que substitui os embargos do devedor, embora
ainda possa se valer das exceções de pré-executividade.82
Segundo essa posição os alimentos recentes, ou seja, aqueles enquadrados nos últimos
80
DIAS, Maria Berenice. A execução de alimentos frente às reformas do CPC. Revista de Processo, ano 32, n°
146, abr 2007. p. 113-131.
81
CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução de sentença. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 157-158.
82
DIAS, Maria Berenice. A reforma do CPC e a execução de alimentos. Disponível em
<www.mariaberenicedias.com.br> Acesso em 29/09/2007.
20
três meses inadimplidos83, podem ser executados pela forma autônoma e pelo rito do art. 733
do CPC, em que o executado será citado para pagar o débito em três dias sob pena de prisão,
enquanto os alimentos pretéritos, serão executados pela fase de cumprimento de sentença, de
acordo com o art. 475-I e seguintes do CPC. Assim, neste caso, será o executado intimado
para adimplir débito em 15 dias, não realizado o pagamento incide a multa de 10% (art. 475J), e o credor deve requerer a expedição de mandado de penhora e avaliação (art. 475-J). Ao
devedor caberá apresentar a impugnação (art. 475-L). Rejeitada a impugnação (CPC, art. 475L), igualmente, incide a multa. A interposição da impugnação não impede que seja
mensalmente levantado do valor da prestação, quando a penhora recair em dinheiro (CPC, art.
732, parágrafo único). Como se trata de crédito alimentar, descabe a imposição de caução, a
não ser que o valor da dívida seja superior a sessenta salários mínimos e não tenha
demonstrado o credor situação de necessidade (CPC, art. 475-O, § 2º, I).
Ainda, no que se refere à execução pelo rito do 733 do CPC, quanto às parcelas
recentes, o executado será citado, não pago o débito e rejeitada a justificação, expedir-se-á
mandado de prisão, contudo, não incidirá a multa sobre a dívida, porque descabida a
duplicidade de penalidades. Depois de cumprida a prisão, mas não tendo sido adimplido o
débito, prossegue a execução pelo rito do cumprimento da sentença (CPC, art. 475-J), e a
multa incide sobre a totalidade do montante da dívida. Querendo o credor cobrar as prestações
recentes e as pretéritas, é necessário que o pedido de execução sob o rito de prisão seja
conduzido em apartado. Ainda, no que concerne aos alimentos provisórios ou provisionais
fixados liminar ou incidentalmente, é possível também a escolha por qualquer das
modalidades executórias. Contudo, a cobrança não poderá ser processada nos mesmos autos,
para não obstaculizar o andamento da ação, sendo que o pedido será levado a efeito em outro
procedimento, nos moldes da execução provisória (CPC, art. 475-O).84
Além disso, sobre alimentos provisórios ou provisionais, incide a multa de 10%,
apesar da lei fazer referência à “condenação” (CPC, 475-J), já que não se pode retirar o
caráter condenatório dos alimentos fixados em sede liminar. Mesmo que o valor fixado venha
a ser reduzido ou afastado, isso não libera o devedor da obrigação de realizar o pagamento das
parcelas que se venceram neste ínterim.85
Assim, também MARCELO ABELHA RODRIGUES é adepto dessa teoria e entende
não ser apenas a sentença passível de cumprimento, mas também a decisão interlocutória, em
83
Aplicação da Súmula nº 309 do STJ. "O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que
compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo”.
84
DIAS, Maria Berenice. A reforma do CPC... Op. cit.
85
Idem. Ibidem.
21
que conste obrigação alimentar liminar, que apesar de não estar elencada dentre os títulos
judiciais legalmente reconhecidos (art. 475-N, do CPC), seu provimento antecipado pode ser
executado, já que corresponderia a um título executivo judicial provisório.86
Já LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART defendem que o
credor pode se valer da aplicação do art. 475 quando a execução for lastreada por sentença
que condena ao pagamento de alimentos ou que homologa a transação alimentar. Contudo,
admitem a dualidade das ações executivas, no que concerne à execução de alimentos,
entendendo pela necessidade de ajuizamento de ação de execução de alimentos pelos meios
tradicionais, quando se tratasse de cumprimento de testamento,87 assim como nas hipóteses de
alimentos liminares em que há ausência de sentença.
SÉRGIO GISCHKOW PEREIRA defende a aplicação da Lei n°11.232/05 nas
execuções de alimentos, porque não seria aceitável afastar a modalidade mais ágil de
execução.88Com base em uma interpretação teleológica-sistemática, é irrefragável que a
execução de alimentos pretéritos se iguale às execuções de quantias lastreadas em sentença
judicial, assim como ocorria no sistema anterior, e que se realize através do cumprimento de
sentença.89
Defendendo tal posição, conclui MARIA BERENICE DIAS que os alimentos devem
ser cobrados pelo meio introzudido pela Lei 11.232/05, podendo ser buscado o cumprimento
da sentença nos mesmos autos da ação em que foram fixados os alimentos, nos termos do art.
475-J do CPC. Destaca que houve mero descuido do legislador ao não corrigir a parte final
dos arts. 732 e 735 do CPC e fazer remissão ao Capítulo X, do Título VII: “Do Processo de
Conhecimento”, e que a ausência de tal alteração do texto legal não encontra explicação
plausível, não devendo ser entendida como intenção de afastar essa forma mais ágil e eficaz
de execução logo da obrigação alimentar, cujo bem tutelado é exatamente a vida.90
86
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de execução civil, de acordo com as recentes reformas do CPC. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 387.
87
MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Execução, São Paulo:RT, 2007, p.385.
88
PEREIRA, Sérgio Gischkow. Direito de Família, aspectos do casamento, sua eficácia, separação, divórcio,
parentesco, filiação, regime de bens, alimentos, bem de família, união estável, tutela e curatela, Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2007. p. 184.
89
TARTUCE, Fernanda; DELLORE, Luiz. Alimentos via cumprimento de sentença: Novo regime de execução?
In: BRUSCHI, Gilberto Gomes; SHIMURA, Sérgio (coord.). Execução civil e cumprimento da sentença. v. 2.
São Paulo: Método, 2007. p.175.
90
DIAS, Maria Berenice. A reforma do CPC... Op. cit.
22
3.3 TESE CONTRÁRIA A APLICAÇÃO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA À
EXECUÇÃO DE ALIMENTOS
Em sentido contrário, parte da doutrina destaca que, em não havendo qualquer
referência à execução de alimentos, é de se presumir que o legislador não teve a intenção de
alterar o procedimento concernente à execução da dívida alimentar, não podendo assim, haver
a revogação tácita dos dispositivos que tratam da execução de alimentos. Nesse sentido refere
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR que, a partir da vigência da Lei n° 11.232 de 2005, a
execução de sentença prosseguirá sendo processada como ação diversa da condenatória, nos
casos excepcionais de julgados pronunciados contra a Fazenda Pública e o devedor de
alimentos, respectivamente dispostas nos artigos 730 e 732 do CPC.91
Refere ainda o mesmo autor que como a lei não modificou o artigo 732, continua
prevalecendo o primitivo sistema dual, em que acertamento e execução forçada reclamam o
sucessivo manejo de duas ações, separadas e autônomas, sendo uma para condenar o devedor
a prestar alimentos e outra para forçá-lo a cumprir a condenação.92 A outra modalidade
coercitiva do art. 733, também restou inalterada pela lei, não escapando do sistema dual.
Destarte, tanto na execução pelo rito do art. 732 quanto pela do rito 733, o credor de
alimentos tem que recorrer a uma nova demanda para alcançar a satisfação forçada da
prestação garantida pela sentença. Conclui então, que o procedimento executivo seria o dos
títulos extrajudiciais (Livro II) e não o de cumprimento da sentença instituído pela Lei
11.232/05, em seus arts. 475-J a 475-Q.”93
ARAKEN DE ASSIS se manifesta sobre a questão referindo que a Lei 11.232/05,
curiosamente, não modificou a disciplina da execução de alimentos, instituída no Capítulo V
do título II do livro II – processo de execução, portanto, não será realizada de acordo com o
modelo do art. 475-J e seguintes. Continua vigorando a remissão dos artigos 732 e 735 ao
capítulo IV do título II do livro II do CPC, apesar de tais disposições referirem,
expressamente, a execução de ‘sentença’.94
Tem-se como imprópria a utilização do procedimento referente ao cumprimento de
sentença, no tocante à execução de prestação alimentícia, já que o legislador já havia se
ocupado em detalhar os meios pelas quais é possível promover a cobrança, inclusive sob pena
de coerção pessoal do devedor, por isso, resta claro o cuidado que o legislador teve em
91
THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas... Op. cit. 2006. p. 92.
Idem. Curso de direito processual civil. v. 2. 40. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 368.
93
Idem. Ibidem. p. 370.
94
ASSIS, Araken de. Manual... Op. cit. 2006b. p. 875.
92
23
relação ao que é possível no tocante aos alimentos e sua execução.95 Nesse sentido, já referia
EDGAR DE MOURA BITTENCOURT, no que concerne à execução, aquela a que lei
garante maiores meios de pronta satisfação do julgado em favor do credor, é a execução do
débito alimentar. Esta inclui desde a caução real ou fidejussória, instituída pela Lei do
Divórcio, para garantir o credor ante a possibilidade de não recebimento regular da pensão,
até a prisão do devedor inadimplente, sendo que tais medidas podem ser impetradas pela parte
ou decretadas pelo juiz, de ofício.96
Para ROLF HANSSEN MADALENO o art. 732 do CPC não foi revogado e a defesa
segue sendo realizada pela via dos embargos à execução, assim como ocorre para a execução
contra a Fazenda Pública, em que seguem sendo opostos os embargos à execução.97
É de se mencionar também, no que concerne à defesa do executado, que o
entendimento pode ser no sentido de que se o legislador equiparou a sentença de alimentos a
um título extrajudicial, uma vez que não alterou a redação do art. 732, e a defesa pode ser
realizada, normalmente, pela via dos embargos à execução previstos para tal espécie de
execução.98
Defende ROLF HANSSEN MADALENO que os alimentos oriundos do Direito de
Família não estão disciplinados pelo art. 475 do CPC, dispositivo alterado pela Lei n°
11.232/05, pois existem alimentos liminares, chamados de provisórios ou provisionais, que
são estipulados em sede de antecipação de tutela ou em medida cautelar, no início ou no curso
do processo, e o artigo 475 do CPC se incumbe de cumprir sentença que já fixou os alimentos
definitivos e transitados em julgado. Ainda, é de se ressaltar, que existem alimentos advindos
do Direito Obrigacional ou de legado do Direito Sucessório, ajustados por iniciativa das
partes, através de contrato ou legado em testamento, onde não há qualquer sentença para ser
cumprida. Por isso, é de se reconhecer que a execução dos alimentos do artigo 1.694 do
Código Civil permanece regida pela coerção patrimonial ou pessoal e pela sub-rogação dos
artigos 732, 733 e 734 do CPC, provocando os embargos do executado e a justificativa do
artigo 733, não estando, portanto, abrangida pelo cumprimento de sentença condenatória.99
Sustenta dito autor que as manifestações favoráveis à aplicação do cumprimento da
95
COLTRO, Antônio Carlos Mathias. Algumas notas sobre a Lei n°11.232/2005 e a execução de alimentos. In:
SANTOS, Ernani Fidelis; WAMBIER, Luiz Rodrigues; NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim (coord.). Execução civil, estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo:
RT, 2007. p. 711.
96
BITTENCOURT, Edgar de Moura. Alimentos. 5. ed. São Paulo: LEUD, 1986. p. 373
97
MADALENO, Rolf Hanssen. A execução... Op. cit. p. 249-250.
98
TARTUCE, Fernanda; DELLORE, Luiz. Op. cit. p. 173.
99
MADALENO, Rolf Hanssen. Repensando o direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2007. p.
199-200.
24
sentença recomendam uma utilização mista das disposições legais, seja para a ordenar a
intimação com prazo de quinze dias para o integral pagamento dos alimentos e vencido o
prazo há a incidência da multa, no caso da expropriação material; ou sem multa, com a
escolha executiva da coerção civil do art. 733 do CPC. Assim, são indicadas opções que
combinam as duas formas de execução e que acabam por aumentar o tempo de espera do
devedor para ver seu crédito alimentar ser realizado, já que uma hipótese é a espera dos
quinze dias da impugnação para a cobrança sob expropriação, ou mesmo sob pena de prisão,
ou ainda uma segunda citação, adicionando mais três dias aos primeiros quinze dias do
cumprimento da sentença, e se ainda assim restarem inadimplidos os alimentos e não
justificado o não pagamento, só então será decretada a prisão.100
Permitindo-se a aplicação do cumprimento de sentença na execução de alimentos
estaria se possibilitando o exagero de existirem três modalidades para a execução dos
alimentos, servindo os embargos à execução como defesa na cobrança de alimentos liminares
executados por expropriação de bens; a justificativa do art. 733 do CPC para oposição à
execução sob coação física e; ainda, a impugnação do cumprimento da sentença quando se
tratar de alimentos fixados em sentença ou por acordo alimentar judicialmente
homologado.101
Por fim, entende ROLF HANSSEN MADALENO que as conclusões doutrinárias
apresentam muitas divergências. Admitindo duas fórmulas processuais, mantida a dualidade
de procedimentos, já que, não haveria como descartar a execução sob a coação física do art.
733 do CPC para as prestações alimentícias devidas em curto prazo e a utilização do
cumprimento da sentença para os alimentos devidos há mais de três meses. Ainda, no que
concerne à possibilidade de aplicação da Lei n° 11.232/05 apenas para os alimentos
definitivos, fixados por sentença ou homologados por acordo, uma vez que os alimentos
liminares, para parcela da doutrina citada, não permitem a incidência do cumprimento da
sentença.102Nesse sentido cita HUMBERTO THEODORO JÚNIOR que, ao se referir ao
título executivo, destaca que para o cumprimento a sentença é, por excelência, condenatória,
porque é taxativa a enumeração do Código de Processo Civil, “não permitindo interpretações
extensivas e analógicas, pela própria índole da execução”.103
100
MADALENO, Rolf Hanssen. A execução... Op. cit. p. 255.
Idem. Ibidem. p. 258.
102
Idem. Ibidem p. 257-258.
103
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v. 2. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2007. p.68.
101
25
4. CONCLUSÃO
A Lei 11.232/2005 nada referiu no tocante à execução de alimentos, fato que não pode
ensejar qualquer alteração ou revogação tácita da lei processual nesse sentido. Se o legislador
nada mencionou acerca da execução de alimentos quando instituiu a nova lei, foi porque não
teve a intenção de alterar qualquer procedimento nesse sentido, assim como não alterou a
execução contra a Fazenda Pública. Note-se que, o art. 732 do CPC faz expressa remissão ao
Capítulo IV do Título II do Livro II do CPC (artigos 652 e seguintes do CPC) e não ao Livro
I, Título VIII, Capítulo X do CPC (que trata da fase de cumprimento de sentença).
É de se ressaltar que já existe um procedimento especial, orientado por uma legislação
específica (Lei de Alimentos e arts. 732 a 735 do CPC), com hipóteses variadas e exclusivas
de execução do débito alimentar. Este, visando, justamente, dar maior efetividade à sua
cobrança, em razão do caráter de urgência. Ainda, caso fosse alterada a execução de
alimentos, esta deveria se dar através da criação de uma lei com esta finalidade específica (ou,
pelo menos, que deixasse clara esta intenção). Nesse caso, inclusive, seria interessante a
criação de uma lei que unificasse toda a matéria concernente aos alimentos e suas formas de
execução, sem que houvesse a combinação com as regras contidas no Código de Processo
Civil, já que, atualmente, não raro são encontradas disposições contraditórias entre as duas
leis que tratam da execução do débito alimentar.
Nesse sentido, refere CELSO NEVES que a prestação alimentícia, em razão de sua
natureza, impõe a adoção de disciplina executória especial, apesar de, em princípio, ajustar-se
ao rito da execução por quantia certa contra devedor solvente. Escapando, contudo, do
procedimento normal, pela necessidade de correspondência entre a normatividade jurissatisfativa da execução e a matéria de direito material que regula o dever de prestar
alimentos.104
Assim, é de se ressaltar que a execução de alimentos pode se dar pelo desconto em
folha que, para o devedor com rendimentos fixos, com certeza, apresenta-se como a forma
mais rápida e segura de execução do débito. Outra alternativa será a cobrança de tal débito
pelo rito da prisão do art. 733 do CPC que, através de sua coerção, também se mostra mais
célere e eficaz que a execução comum. Caso a execução não tenha se dado por nenhuma dessa
formas, realmente é mais difícil e penoso quitar o débito através da execução pelo art. 732 do
CPC, geralmente, referente às prestações pretéritas, não passíveis de outros modos de
execução.
104
NEVES, Celso. Comentários ao Código de Processo Civil. v. 7. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 209210.
26
No entanto, se forem aplicadas as novas regras do cumprimento de sentença haverá a
incidência da multa de 10% sobre o débito, funcionando como uma forma de coagir o
executado ao pagamento, mas também contribuindo para que a dívida assuma proporções
exacerbas, perdendo, inclusive, parte de seu caráter alimentar. Tendo em vista que,
normalmente, quando o débito vem a ser cobrado pelo art. 732 do CPC, já atingiu valor
considerável, em razão do descaso do devedor contumaz.
Cumpre referir ainda que a prestação alimentar possui caráter continuado, seja ela
decorrência de relação iure sanguinis, seja de relação obrigacional, sendo que o desconto em
folha, mostra-se muito eficaz, exatamente por implicar, de certa forma, a permanência, no
futuro,
da
eficácia
juris-satisfativa
própria
da
determinação
judicial
executória.
Correspondendo, por isso, à técnica de adequação da disciplina processual à composição do
conflito de interesses prevista no direito material.105Nesse sentido, PONTES DE MIRANDA
aduz que “a sentença, em quaisquer ações de alimentos, condena o alimentante não só no que
pedir o alimentado, como também nas prestações futuras, e executa-se à medida que forem
sendo devidas as prestações (...).”106Por conseguinte, na obrigação alimentar, a execução
somente é ensejada na medida em que vai se dando o inadimplemento das prestações, já que
se trata de obrigação a ser cumprida sucessivamente. Apresentando-se de forma diversa,
portanto, dos demais débitos representados por títulos judiciais, que assim que são
reconhecidos pela sentença, tornam-se passíveis de serem executados.
Deste modo, entendo ser inaplicável o cumprimento de sentença de alimentos, uma
vez que estes são fixados em determinado período, em uma ação com pedido de alimentos, e
apresentando-se como um encargo que se prolonga no tempo, o débito alimentar pode ser
adimplido enquanto se processa a execução e o inadimplemento pode ocorrer apenas depois
de finda a ação e extinto o processo. Nesse caso, surgem problemas referentes ao
desarquivamento do processo em que foi fixada a obrigação alimentar que, dependendo da
Comarca, pode levar meses para ser realizado e, portanto, a propositura de uma nova demanda
se revela mais rápida e eficaz.
Ainda, aparecem problemas referentes à intimação do executado, já que o advogado
que o representou na ação em que houve a fixação dos alimentos, não necessariamente
continuará a ser seu procurador. Também, percalços referentes à defesa do executado, que
poderia nem ser mais réu do processo, e sua defesa, mesmo assim, se daria através de
impugnação, nos autos do processo, ao invés da ação autônoma dos embargos do devedor,
105
106
NEVES, Celso. Op. cit. p. 222.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, apud NEVES, Celso. Op. cit. p. 209-210.
27
usados como meio de defesa na execução de títulos extrajudiciais.Outra complicação surge na
cumulação da execução dos alimentos pretéritos (rito do art. 732 do CPC) e recentes (rito do
art. 733 do CPC), já que o cumprimento de uma sentença se mostra totalmente diverso do
meio executório da coerção pessoal. Além da impossibilidade de conversão da execução pelo
art. 733 do CPC para a execução pelo art. 732 do CPC, pela incoerência de transformação de
um processo de execução para um processo de conhecimento.
Deve-se observar também que, ao contrário dos demais débitos, os alimentos são
reconhecidos de inúmeras formas: podendo advir de contratos resultantes de obrigações ou de
legados deixados por testamentos (que resultam em títulos extrajudiciais), de acordos em
autos de separações judiciais, de dissoluções de uniões estáveis, de ações de alimentos ou de
investigações de paternidade, entre outras hipóteses. Sendo que, normalmente, os alimentos
ainda são fixados liminarmente, já no início ou no meio da demanda, resultando em inúmeras
outras possibilidades de alimentos provisórios e provisionais, que também não possuem o
caráter de sentença. Afastando, portanto, essas alterações trazidas pela Lei 11.232/05, e
embutidas no art. 475 do CPC para serem aplicadas no cumprimento de sentenças.
Vale lembrar ainda que, com a Lei n° 11.441, de 05 de janeiro de 2007, foi introduzido
no Código de Processo Civil o art. 1.124-A, para permitir a separação e o divórcio
extrajudiciais, pela via administrativa, dispensada a intervenção judicial. Nestes casos é
lavrada escritura pública formalizando a separação ou o divórcio, e nela também pode conter
ajustes de crédito alimentar, sendo que, caso ocorra o inadimplemento de tal prestação
alimentícia, do mesmo modo não dará ensejo à execução através do cumprimento da
sentença.107
Os tribunais estão utilizando o cumprimento de sentença nas ações de execução de
alimentos, sob o fundamento principal de que não haveria sentido não se valer da forma mais
célere de execução justamente no caso dos alimentos, em que a urgência e relevância são
indiscutíveis. Entretanto, como visto, a aplicação dessa legislação está gerando mais
controvérsias e problemas do que realmente soluções, pelo fato de estar sendo aproveitada
uma lei que, claramente, não foi criada com esse intuito, portanto, não oferece fundamentação
legal para nortear sua utilização. Deste modo, cada vez mais, surgem dúvidas e lacunas, que
vão sendo remediadas e preenchidas pelo judiciário de modo a resolver determinados casos
concretos, sem que haja uma sistematização e lógica com o todo. O mesmo ocorre com o
Código de Processo Civil, na medida em que vai perdendo o nexo e coerência, de sistema
107
MADALENO, Rolf Hanssen. A execução... Op. cit. p. 255.
28
integrado e uno.
Destaca HUMBERTO THEODORO JÚNIOR que os conflitos jurídicos, em sua
maioria decorrem das múltiplas e divergentes interpretações das normas vigentes. Assim,
quanto mais regras o legislador cria, mais provoca dissídios e litígios. O ideal é que as leis
sejam claras, diretas e simples. Por isso, em nome do princípio da segurança jurídica,
condena-se o excesso de direito, que acaba produzindo uma confusão de regras cuja
aplicação, na prática, ao invés de organizar o comportamento social, o torna exageradamente
complexo. A “inflação normativa”, na medida em que dificulta a todo instante a constatação
de quais as regras estão realmente em vigor, não contribui para os indivíduos terem uma
noção clara e precisa de seus direitos e deveres.108 Do exposto, como a lei não foi criada com
o intuito de regular a execução de alimentos, mostra-se temerária sua aplicação em matéria de
tamanha relevância, em que o bem tutelado é a própria vida do alimentando.
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