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INVESTIMENTO
Os dois lados da moeda
Expansão de crédito para micro e pequenas empresas
amplia patamar de investimentos. Mas é preciso cuidado
para não cair nas armadilhas do endividamento
E mília C hagas
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Locus • Outubro 2008
E
m 2006 o jovem Eduardo Camilo decidiu realizar um antigo sonho: viver
da música. Montou com dois amigos uma
empresa para agenciar artistas e organizar eventos musicais. A Wave Produções
ganhou o apoio da incubadora do Centro
Universitário de Brasília (UniCEUB), a
Casulo. Em cerca de um ano, os negócios
deslancharam e os garotos decidiram abrir
o próprio estúdio musical, para ampliar a
carteira de clientes e o portfólio de serviços. O retorno, segundo eles, era garantido. Mas faltava o crédito para dar esse
próximo passo.
A situação da Wave é comum à maioria
das micro e pequenas empresas brasileiras.
O crédito é, muitas vezes, essencial para a
sobrevivência do negócio. No caso da incubada de Brasília, eles foram atrás das
fontes. Pesquisaram as alternativas dispo-
níveis no mercado e escolheram aquela
que melhor se adaptava às necessidades da
empresa. Queriam R$ 75 mil, para pagar
com o rendimento do próprio estúdio,
quando ele estivesse em funcionamento.
A relação com o banco escolhido começou em novembro de 2007, com o envio dos
planos, orçamentos e documentos solicitados. A garantia foi dada por meio do Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas
(Fampe), do Sebrae, projeto que já atendeu
a outros 40 mil empreendedores, garantindo R$ 1,2 bilhão em financiamento.
Parecia que tudo ia bem, mas os sócios
da Wave logo perceberam que esse era
apenas o início do processo. “O banco começou a pedir cada vez mais documentos.
Precisamos até providenciar o espaço
para a instalação do estúdio, antes mesmo de termos certeza se teríamos os re-
Como ter acesso
Se os recursos existem, por que parece tão difícil
conseguir financiamento? Para o especialista do Sebrae,
a culpa, em boa parte, é dos próprios empresários.
“Muitas empresas não estão preparadas para obter
os recursos”, constata Zica. A primeira dificuldade é
operacional. Muitas vezes é o próprio empreendedor
que precisa entrar em contato com os bancos, reunir
a documentação e ainda conciliar as tarefas com o
atendimento aos clientes e as outras demandas da
empresa.
Há ainda outros problemas comuns às pequenas: falta de
registro, de documentos que comprovem o faturamento
e de preparo para obter os recursos. Essa última
dificuldade pode ser superada em alguns poucos passos.
1 – Olhe para dentro. Perceba se o recurso que você
busca é mesmo necessário. Responda, antes, para você
mesmo, as perguntas que o gerente certamente irá fazer.
De quanto precisa? Estabeleça o valor de acordo com
seu plano de negócios. É para um novo equipamento?
Saiba, exatamente, quanto ele custa. É para capital de
giro? Verifique o valor necessário. E não responda “o
máximo que der”.
Como vai pagar? Verifique qual o acréscimo de capital
que o novo equipamento trará. Se você conseguirá
produzir 30% mais, parte do recurso gerado pelo
aumento de produção deve ser destinado para pagar o
financiamento. Lembre-se que “não sei” não é resposta.
Em que prazo pode pagar? Estabeleça metas e verifique
quando terá o valor gerado pelo novo equipamento ou
novo serviço. Fuja do “quanto maior o prazo, melhor”.
Qual a taxa de juros? Responda algo mais preciso do
que “o menor que vocês tiverem”. Se, de acordo com
seus planos, o capital irá trazer lucros de mais 5% ao
mês, diga que poderá se comprometer a pagar até 2%
ao mês, por exemplo.
Quando precisa? Ao invés de “o quanto antes”, seria
melhor precisar seu planejamento. Exemplo: “A reforma
do espaço que abrigará este maquinário fica pronta no
próximo mês. O ideal é ter os recursos em, no máximo,
três meses”.
Se essas são perguntas difíceis de responder no
momento, procure auxílio. Várias instituições prestam
consultorias para quem está planejando obter
financiamento, como Sebrae, associações comerciais
e federação de indústrias. “O próprio contador tem
deixado de ser um emissor de DARFs para se tornar o
consultor contábil da empresa”, sugere Zica.
2 – Pesquise. Procure diferentes linhas de crédito, taxas
de juros, condições de pagamento e outras modalidades
junto à rede bancária. O ideal é ir pessoalmente em cada
agência e abrir o leque de possibilidades ao máximo, Se
a empresa for informal, há instituições de microcrédito
que operam com esse mercado.
Pequenas indústrias de São Paulo podem procurar
a sala de crédito da Fiesp. No espaço montado na
federação há três anos, o empresário consegue
atendimento junto às instituições financeiras parceiras
(Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Bradesco
e Banco Nossa Caixa, além do Bndes). O serviço é
agendado e o empresário também pode participar,
antes, de uma palestra que esclarece as principais
dúvidas dos empreendedores sobre financiamento. “De
cada 100 pedidos de crédito, conseguimos atender de
73% a 75% da demanda dos empresários que vêm à
sala”, comemora o diretor de micro, pequena e média
indústria da Fiesp, José Antônio Cipolla.
Uma experiência semelhante é realizada em convênio
entre a Anprotec e o Banco do Brasil. A intenção é
atender a demanda de crédito de empresas incubadas
e graduadas das incubadoras. A parceria promove
treinamentos e prepara as agências credenciadas a
prestar atendimento diferenciado a essas empresas. O
convênio está em fase de testes em Brasília e deve ser
estendido em breve a todo o país.
3 – Siga o trâmite. Essa parte do processo varia muito
de instituição para instituição. Mas a quantidade e a
qualidade das informações que o empresário presta
ao banco são decisivas para a liberação ou não do
financiamento. Quanto mais a instituição souber sobre
sua empresa, maior será o nível de confiança. Fornecer
dados corretos sobre o faturamento, o histórico e a
relação de custos e despesas é essencial. Organize
no documento a lista dos principais clientes e os
prazos de produção e venda. No caso de prestadores
de serviços, a saída pode ser anexar contratos com
vencimentos futuros, notas emitidas e comprovantes
de movimentação bancária. Quanto mais transparência,
maiores são suas chances.
4 – Espere. Todas as etapas até aqui dão trabalho, mas
uma vez que você passa por elas resta apenas aguardar.
O tempo varia de acordo com o tipo de crédito, o valor
e a autonomia do gerente. Pode ser uma semana. Pode
ser mais de seis meses.
5 – Siga os planos. Uma vez que o crédito é liberado,
faça o máximo para atender o que você imaginou no
plano de negócios. Seja fiel e não utilize os recursos
para outras finalidades.
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cursos para montá-lo”, conta o agora diretor de marketing Eduardo Camilo.
Desde março deste ano, eles desembolsam R$ 900 por mês no aluguel de uma
sala que está vazia. E, 10 meses depois do
início da negociação, os recursos para a
montagem do estúdio ainda não saíram.
“Mas está quase. Já recebemos uma ligação do gerente do banco e é só uma questão de duas semanas”, afirma Eduardo.
O crédito existe
As dificuldades enfrentadas pelos sócios
da Wave – e por muitos outros empreendedores do país – não estão relacionadas com
a falta de recursos para financiar micro e
pequenas empresas brasileiras. Dados do
Banco Central apontam que o volume de
crédito vem aumentando no país. O estoque total das operações de crédito do sistema financeiro foi de mais de R$ 1 trilhão
em julho – um aumento de 32,7% no período de um ano. Não há dados que apontem exatamente quanto desse bolo é destinado às micro e pequenas empresas, mas
os especialistas concordam que essa fatia
aumenta junto com o todo.
As pequenas empresas são a nova fronteira para os bancos poderem ampliar o
número de clientes. Segundo o analista
técnico da Unidade de Acesso a Serviços
Financeiros do Sebrae Nacional, Roberto
Marinho Zica, essa é a razão para a ampliação das operações voltadas a elas. “As
instituições financeiras mudaram a estratégia de atuação”, diz Zica. Muitos bancos
acionam o Sebrae para receber informações de como melhor atender às micro e
pequenas empresas e treinam seus gerentes nesse sentido.
Além disso, há a ampliação das cooperativas de crédito e outras instituições que
conseguem atender empreendedores em
áreas que os bancos não conseguem penetrar. E como não têm os custos de manutenção dos grandes bancos, as cooperativas conseguem operar os financiamentos a
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custos mais baixos, com taxas de juros
atrativas para o empreendedor.
Outra boa alternativa para os micro e
pequenos empresários são as linhas com
recursos dos Fundos Constitucionais de
Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste (FNO, FNE e FCO, respectivamente). Os fundos são operados pelo
Banco do Brasil, pelo Banco do Nordeste
e pelo Banco da Amazônia, com juros inferiores a 1% ao mês. Recursos do Proger,
o Programa de Geração de Emprego e
Renda, também têm custo atrativo. As linhas são operadas pelo Banco do Brasil e
pela Caixa Econômica Federal, a 5% ao
ano, mais a TJLP.
Não caia nessa
Conseguir o tão sonhado crédito pode
transformar uma empresa. Só que também pode ser uma fonte de dores de cabeça para o empreendedor. Mas há como
evitar alguns riscos.
O principal deles é se endividar excessivamente. Por isso, os especialistas recomendam que o empresário não adquira
financiamento para fazer rolar outras dívidas. A única exceção é quando a dívida
em questão tem custo superior ao novo
crédito, que será usado para sanar aquele
saldo negativo. Se, por exemplo, a empresa estiver pagando juros de 5% ao mês e
puder cobrir essa dívida tomando novo
empréstimo de 2% ao mês, a operação valerá a pena.
Outro risco é usar o capital para suprir
uma deficiência de gestão. Por exemplo,
aquela venda que a empresa fez ao cliente
a prazo, mas que precisa pagar ao fornecedor à vista. Muitas vezes o crediário
pode ser um diferencial, mas é preciso ter
capital de giro e contratos com fornecedores que acompanhem as condições de
pagamento. Seja para evitar enganos, para
conseguir o crédito ou para aproveitá-lo
da melhor forma o melhor caminho para
o empreendedor é o planejamento.
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