Shutterstock INVESTIMENTO Os dois lados da moeda Expansão de crédito para micro e pequenas empresas amplia patamar de investimentos. Mas é preciso cuidado para não cair nas armadilhas do endividamento E mília C hagas 22 Locus • Outubro 2008 E m 2006 o jovem Eduardo Camilo decidiu realizar um antigo sonho: viver da música. Montou com dois amigos uma empresa para agenciar artistas e organizar eventos musicais. A Wave Produções ganhou o apoio da incubadora do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), a Casulo. Em cerca de um ano, os negócios deslancharam e os garotos decidiram abrir o próprio estúdio musical, para ampliar a carteira de clientes e o portfólio de serviços. O retorno, segundo eles, era garantido. Mas faltava o crédito para dar esse próximo passo. A situação da Wave é comum à maioria das micro e pequenas empresas brasileiras. O crédito é, muitas vezes, essencial para a sobrevivência do negócio. No caso da incubada de Brasília, eles foram atrás das fontes. Pesquisaram as alternativas dispo- níveis no mercado e escolheram aquela que melhor se adaptava às necessidades da empresa. Queriam R$ 75 mil, para pagar com o rendimento do próprio estúdio, quando ele estivesse em funcionamento. A relação com o banco escolhido começou em novembro de 2007, com o envio dos planos, orçamentos e documentos solicitados. A garantia foi dada por meio do Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampe), do Sebrae, projeto que já atendeu a outros 40 mil empreendedores, garantindo R$ 1,2 bilhão em financiamento. Parecia que tudo ia bem, mas os sócios da Wave logo perceberam que esse era apenas o início do processo. “O banco começou a pedir cada vez mais documentos. Precisamos até providenciar o espaço para a instalação do estúdio, antes mesmo de termos certeza se teríamos os re- Como ter acesso Se os recursos existem, por que parece tão difícil conseguir financiamento? Para o especialista do Sebrae, a culpa, em boa parte, é dos próprios empresários. “Muitas empresas não estão preparadas para obter os recursos”, constata Zica. A primeira dificuldade é operacional. Muitas vezes é o próprio empreendedor que precisa entrar em contato com os bancos, reunir a documentação e ainda conciliar as tarefas com o atendimento aos clientes e as outras demandas da empresa. Há ainda outros problemas comuns às pequenas: falta de registro, de documentos que comprovem o faturamento e de preparo para obter os recursos. Essa última dificuldade pode ser superada em alguns poucos passos. 1 – Olhe para dentro. Perceba se o recurso que você busca é mesmo necessário. Responda, antes, para você mesmo, as perguntas que o gerente certamente irá fazer. De quanto precisa? Estabeleça o valor de acordo com seu plano de negócios. É para um novo equipamento? Saiba, exatamente, quanto ele custa. É para capital de giro? Verifique o valor necessário. E não responda “o máximo que der”. Como vai pagar? Verifique qual o acréscimo de capital que o novo equipamento trará. Se você conseguirá produzir 30% mais, parte do recurso gerado pelo aumento de produção deve ser destinado para pagar o financiamento. Lembre-se que “não sei” não é resposta. Em que prazo pode pagar? Estabeleça metas e verifique quando terá o valor gerado pelo novo equipamento ou novo serviço. Fuja do “quanto maior o prazo, melhor”. Qual a taxa de juros? Responda algo mais preciso do que “o menor que vocês tiverem”. Se, de acordo com seus planos, o capital irá trazer lucros de mais 5% ao mês, diga que poderá se comprometer a pagar até 2% ao mês, por exemplo. Quando precisa? Ao invés de “o quanto antes”, seria melhor precisar seu planejamento. Exemplo: “A reforma do espaço que abrigará este maquinário fica pronta no próximo mês. O ideal é ter os recursos em, no máximo, três meses”. Se essas são perguntas difíceis de responder no momento, procure auxílio. Várias instituições prestam consultorias para quem está planejando obter financiamento, como Sebrae, associações comerciais e federação de indústrias. “O próprio contador tem deixado de ser um emissor de DARFs para se tornar o consultor contábil da empresa”, sugere Zica. 2 – Pesquise. Procure diferentes linhas de crédito, taxas de juros, condições de pagamento e outras modalidades junto à rede bancária. O ideal é ir pessoalmente em cada agência e abrir o leque de possibilidades ao máximo, Se a empresa for informal, há instituições de microcrédito que operam com esse mercado. Pequenas indústrias de São Paulo podem procurar a sala de crédito da Fiesp. No espaço montado na federação há três anos, o empresário consegue atendimento junto às instituições financeiras parceiras (Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Bradesco e Banco Nossa Caixa, além do Bndes). O serviço é agendado e o empresário também pode participar, antes, de uma palestra que esclarece as principais dúvidas dos empreendedores sobre financiamento. “De cada 100 pedidos de crédito, conseguimos atender de 73% a 75% da demanda dos empresários que vêm à sala”, comemora o diretor de micro, pequena e média indústria da Fiesp, José Antônio Cipolla. Uma experiência semelhante é realizada em convênio entre a Anprotec e o Banco do Brasil. A intenção é atender a demanda de crédito de empresas incubadas e graduadas das incubadoras. A parceria promove treinamentos e prepara as agências credenciadas a prestar atendimento diferenciado a essas empresas. O convênio está em fase de testes em Brasília e deve ser estendido em breve a todo o país. 3 – Siga o trâmite. Essa parte do processo varia muito de instituição para instituição. Mas a quantidade e a qualidade das informações que o empresário presta ao banco são decisivas para a liberação ou não do financiamento. Quanto mais a instituição souber sobre sua empresa, maior será o nível de confiança. Fornecer dados corretos sobre o faturamento, o histórico e a relação de custos e despesas é essencial. Organize no documento a lista dos principais clientes e os prazos de produção e venda. No caso de prestadores de serviços, a saída pode ser anexar contratos com vencimentos futuros, notas emitidas e comprovantes de movimentação bancária. Quanto mais transparência, maiores são suas chances. 4 – Espere. Todas as etapas até aqui dão trabalho, mas uma vez que você passa por elas resta apenas aguardar. O tempo varia de acordo com o tipo de crédito, o valor e a autonomia do gerente. Pode ser uma semana. Pode ser mais de seis meses. 5 – Siga os planos. Uma vez que o crédito é liberado, faça o máximo para atender o que você imaginou no plano de negócios. Seja fiel e não utilize os recursos para outras finalidades. Locus • Outubro 2008 23 INVESTIMENTO cursos para montá-lo”, conta o agora diretor de marketing Eduardo Camilo. Desde março deste ano, eles desembolsam R$ 900 por mês no aluguel de uma sala que está vazia. E, 10 meses depois do início da negociação, os recursos para a montagem do estúdio ainda não saíram. “Mas está quase. Já recebemos uma ligação do gerente do banco e é só uma questão de duas semanas”, afirma Eduardo. O crédito existe As dificuldades enfrentadas pelos sócios da Wave – e por muitos outros empreendedores do país – não estão relacionadas com a falta de recursos para financiar micro e pequenas empresas brasileiras. Dados do Banco Central apontam que o volume de crédito vem aumentando no país. O estoque total das operações de crédito do sistema financeiro foi de mais de R$ 1 trilhão em julho – um aumento de 32,7% no período de um ano. Não há dados que apontem exatamente quanto desse bolo é destinado às micro e pequenas empresas, mas os especialistas concordam que essa fatia aumenta junto com o todo. As pequenas empresas são a nova fronteira para os bancos poderem ampliar o número de clientes. Segundo o analista técnico da Unidade de Acesso a Serviços Financeiros do Sebrae Nacional, Roberto Marinho Zica, essa é a razão para a ampliação das operações voltadas a elas. “As instituições financeiras mudaram a estratégia de atuação”, diz Zica. Muitos bancos acionam o Sebrae para receber informações de como melhor atender às micro e pequenas empresas e treinam seus gerentes nesse sentido. Além disso, há a ampliação das cooperativas de crédito e outras instituições que conseguem atender empreendedores em áreas que os bancos não conseguem penetrar. E como não têm os custos de manutenção dos grandes bancos, as cooperativas conseguem operar os financiamentos a 24 Locus • Outubro 2008 custos mais baixos, com taxas de juros atrativas para o empreendedor. Outra boa alternativa para os micro e pequenos empresários são as linhas com recursos dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste (FNO, FNE e FCO, respectivamente). Os fundos são operados pelo Banco do Brasil, pelo Banco do Nordeste e pelo Banco da Amazônia, com juros inferiores a 1% ao mês. Recursos do Proger, o Programa de Geração de Emprego e Renda, também têm custo atrativo. As linhas são operadas pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal, a 5% ao ano, mais a TJLP. Não caia nessa Conseguir o tão sonhado crédito pode transformar uma empresa. Só que também pode ser uma fonte de dores de cabeça para o empreendedor. Mas há como evitar alguns riscos. O principal deles é se endividar excessivamente. Por isso, os especialistas recomendam que o empresário não adquira financiamento para fazer rolar outras dívidas. A única exceção é quando a dívida em questão tem custo superior ao novo crédito, que será usado para sanar aquele saldo negativo. Se, por exemplo, a empresa estiver pagando juros de 5% ao mês e puder cobrir essa dívida tomando novo empréstimo de 2% ao mês, a operação valerá a pena. Outro risco é usar o capital para suprir uma deficiência de gestão. Por exemplo, aquela venda que a empresa fez ao cliente a prazo, mas que precisa pagar ao fornecedor à vista. Muitas vezes o crediário pode ser um diferencial, mas é preciso ter capital de giro e contratos com fornecedores que acompanhem as condições de pagamento. Seja para evitar enganos, para conseguir o crédito ou para aproveitá-lo da melhor forma o melhor caminho para o empreendedor é o planejamento.