Aprender
com o outro
POR DIOCSIANNE MOURA
A importância
das relações
interpessoais
no espaço
escolar
10 julho 2008 |
Matéria Especial
“U
m por todos e todos por um”. Imortalizado pelos
três mosqueteiros do francês Alexandre Dumas,
este lema exemplifica perfeitamente a essência do trabalho em equipe, condição primordial para o bom relacionamento em qualquer ambiente em que se estabelecem
as relações sociais. Ser uma pessoa que se relaciona com
todos, independente de afinidades é hoje uma das características mais requisitadas nos perfis dos profissionais que
procuram se alocar no mercado de trabalho, instigados
constantemente a agir com o foco no coletivo. E desenvolver o espírito coletivo é um trabalho que começa desde
cedo, ainda na escola.
Casa, trabalho e escola são algumas das esferas que
propiciam a interação entre indivíduos. Neles, há a oportunidade de se relacionar com outras pessoas e aprender
valores. No entanto, nem sempre essa interação acontece
e, segundo especialistas em psicologia humana, os conflitos nas relações interpessoais podem afetar o desenvolvimento individual e coletivo das pessoas.
A escola é um ambiente que propicia vivências; nelas
o indivíduo se forma constantemente a partir da interação
com o outro, em uma relação recíproca como educador e
aprendiz. Também é no espaço escolar que se aprende a
disciplina e a organização, nas relações de conflito pautadas por concordâncias e divergências. Para a psicóloga clínica Paula Dely, colaboradora do Portal Positivo, que trabalha com adolescentes e adultos em projetos sociais e educacionais, o principal equívoco nas relações interpessoais
é a dificuldade em perceber o outro como um ser diferente,
com uma personalidade e com idéias diversas. “Nós tendemos a esperar das outras pessoas as mesmas atitudes
e as mesmas idéias que teríamos em determinadas situações. Essas expectativas só trazem frustrações, preconceitos e desentendimentos”, relata. Para ela, conviver e aceitar
a diferença é um grande desafio. “Em uma sociedade cada
vez mais individualista, onde as pessoas mostram-se cada
vez mais estressadas, não há tempo para a reflexão ou para
a percepção do outro, agravando ainda mais as dificuldades”, diz
EXEMPLO DE MESTRE
Outro equívoco existente, apontado pelo diretor das Escolas Positivo em Curitiba, Carlos Dorlass, é a postura do
adulto em relação à criança e ao jovem. “Eles têm o adulto
como modelo. Se o professor brinca, ironiza em sala, os
alunos respondem da mesma maneira, não sendo esta
aceita pelo docente, o que gera conflito. Algumas palavras
não devem ser usadas pelo professor e ele deve saber que,
se quer educar alguém, deve ser exemplo, cuidando com
tons de voz, com a fala”, explica. “O jovem em processo de
aprendizagem precisa aprender regras de boa convivência,
ter diante dele um indivíduo devidamente educado, pois
ele absorverá tudo do professor, o bom e o ruim”.
Para se compreender a importância das relações interpessoais na aprendizagem é fundamental ter um olhar
mais atento para as questões referentes à constituição do
grupo: as relações entre os sujeitos, os entraves pessoais
e institucionais, o confronto das expectativas e dos desejos das pessoas que estão nelas envolvidas e as condições
para a superação destas dificuldades, condições que precisam ser criadas e recriadas no próprio grupo, que precisam nascer dele para se fazerem legítimas. Segundo Paula,
para que relações interpessoais tenham sucesso, inclusive
no ambiente escolar, é necessário pensar no ser humano
como sendo um ser essencialmente social. “A aprendizagem depende primordialmente destas interações. É através delas, por exemplo, que uma criança é capaz de compreender o significado do mundo e dos elementos que a
rodeiam, assim como construir seus próprios conceitos.
O processo de aprendizagem não ocorre solitariamente e
sim nesta interação com os outros”, exemplifica.
TRABALHO EM EQUIPE
As relações interpessoais no espaço escolar acontecem de várias maneiras durante o processo de ensino e
aprendizagem. Uma delas é o trabalho em equipe, seja
em relação ao corpo docente-docente, docente-discente
ou entre discentes. Segundo Paula Dely, a importância
do trabalho em equipe está, principalmente, no auxílio
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durante a construção do pensamento, na permissão do envolvimento da criança.
A psicóloga destaca que é importante que o trabalho em
equipe exista, tanto entre professores quanto entre alunos,
porque a aprendizagem e o desenvolvimento do pensamento
só ocorrem mediante as relações interpessoais entre os alunos
e entre estes e os professores. “Além de auxiliar na construção
do pensamento, o trabalho em grupo possibilita a criança
aprender a ouvir, a se colocar, a dialogar, a perceber a reação
do outro, a comparar os diversos tipos de raciocínios, a dividir
tarefas e colaborar para atingir um objetivo”, relata.
No trabalho entre alunos, o papel do professor é fundamental no que diz respeito ao incentivo a atividades que estimulem as relações interpessoais. “O educador tem papel
fundamental, pois é ele quem irá facilitar ou dificultar o estabelecimento dessas relações”, explica Paula. “Para isso a sua
postura deve ser aberta, o professor deve ser receptivo para
ouvir, para dialogar, estimulando discussões e respeitando a
diversidade de idéias e experiências. Mais do que isso ele deve
ter a sensibilidade desenvolvida para aprender a perceber as
individualidades e as potencialidades que cada aluno carrega”, complementa a psicóloga.
COMUNICAÇÃO E FORMAÇÃO CONTINUADA
É bom lembrar que a escola é um ambiente com indivíduos
de históricos diferenciados, o que pode comprometer uma
comunicação eficaz. Conseqüentemente, isso pode refletir no
aprendizado, já que algumas dificuldades de relacionamento são provenientes de falhas no processo da comunicação e
geram conflitos. Administrar estes conflitos é inerente à tarefa
dos educadores, pois as relações são naturalmente conflitivas.
Para a psicóloga Paula Dely, uma das possibilidades para tornar mais agradável à convivência no ambiente escolar é o professor transformar o conflito em um caminho para o desenvolvimento do acolhimento e do crescimento de todos. “Deve-se
trabalhar a agressividade e dirigí-la para fins positivos, estimulando o convívio com a diferença, sempre com o foco nas relações interpessoais. Mas isso requer um preparo, sensibilidade
e disposição por parte do educador ”, afirma.
Neste processo, o papel do educador é de extrema importância: é preciso a habilidade de olhar para o aluno e fazer o
seu diagnóstico, da turma, do cenário, da situação. Para isso,
é fundamental estar preparado, ler muito, atualizar-se cons12 julho 2008 |
tantemente. A formação continuada é um recurso amplamente discutido na atualidade, encarada como uma contribuição
para as relações interpessoais nos ambientes educacionais, entre os docentes e equipes diretivas. “Através da troca e o contato
com outras realidades, outras áreas do conhecimento e com as
diferentes experiências de vida e de trabalho, os indivíduos podem desenvolver as relações interpessoais e a aprendizagem.
Para que estes conceitos sejam levados para a sala de aula, ele
precisa viver a realidade destas trocas e internalizá-las como
algo essencial para a sua formação pessoal e profissional. Com
estas experiências, o professor também aprenderá mais sobre
si mesmo e sobre a sua relação com os outros”, orienta.
LIÇÃO PARA A VIDA
“O problema de um é problema de todos quando convivemos
em equipe”. Essa frase, de autoria desconhecida, destaca porque o trabalho em equipe é tão importante para a formação
psicossocial do indivíduo. Para a psicóloga Adriana Franco,
da Universidade Positivo (UP), de Curitiba, ele é destaque em
todas as relações sociais, servindo como a melhor alternativa
de aprendizado em qualquer idade e em qualquer ambiente,
seja o escolar, familiar ou profissional. “O homem não vive
sozinho. Sabemos quem somos primeiro pelo olhar do outro.
Saber trabalhar em equipe traz maior possibilidade de sucesso nesta relação”, diz.
Reafirmando a posição da psicóloga, o artigo intitulado
“Trabalho em equipe ” – publicado no livro Psicologia Escolar
e Educacional (Editora Campinas, 1998), de Geraldina Porto
Witter – a professora e doutora em Ciências pela Universidade
Federal de São Paulo (USP) destaca que o trabalho em equipe
acompanha o indivíduo durante toda sua caminhada. De acordo com ela, esse tipo de trabalho tem início na pré-escola, onde
a cooperação, com a divisão adequada de tarefas e responsabilidades, deve ser instituída, seguindo o indivíduo até o fim de
sua vida acadêmica e ao longo de toda sua trajetória, inclusive
a profissional. Segundo Geraldina, o trabalho em equipe tanto
pode ocorrer no exercício da prática profissional como no da
pesquisa. O preparo para a atuação em uma ou em outra tem
similaridades, mas também tem especificidades.
A autora ressalta também que trabalhar em equipe requer
uma longa aprendizagem, uma perspectiva aberta para o que
seja a educação, o processo de ensino e aprendizagem e o respeito ao outro.
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