A RELAÇÃO ENTRE DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO INTERNO À LUZ DA TEORIA DO SISTEMA POLÍTICO DE DAVID EASTON Tese de doutorado em Filosofia do Direito e do Estado defendida junto à Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 10 de novembro de 1999. Professora Orientadora: Maria Helena Diniz. A tese propõe, à luz da teoria do sistema político de David Easton, cientista político da Universidade de Chicago e pioneiro na aplicação da teoria sistêmica no campo da Ciência Política, um enfoque alternativo ao estudo da relação entre Direito Internacional e Direito interno, tradicionalmente restrito às abordagens monista e dualista e à discussão sobre hierarquia das normas internacionais na ordem jurídica interna. A título introdutório, o autor dedica um capítulo para a apresentação de uma visão geral da teoria do sistema político de Easton. Para tanto, traça considerações a respeito do termo “sistema”, desde a sua acepção filosófica, de acordo com a qual o termo foi inicialmente usado como um modelo lógico, e posteriormente passou a referir, também, a conteúdos de experiência como modelo empírico. Nesse entendimento, distinguese o sistema fechado do aberto e analisa-se a relação do sistema com o Direito e com a hermenêutica jurídica, onde a função da interpretação sistemática é utilizada para compatibilizar as normas num todo harmônico, pressupondo-se uno o sistema em que se inserem. Trata, ainda, das generalidades sobre a teoria dos sistemas, cuja origem data de 1929, com as idéias de Ludwig von Bertalanffy, que trouxe à baila uma nova compreensão do mundo e uma nova orientação no pensamento científico, visando a unificação da ciência mediante estudos interdisciplinares. Introduz David Easton como primeiro cientista político a analisar política em explícitos e definidos termos de sistema e sintetiza alguns dos seus imperativos teóricos como a noção de sistema; sistema político; membro; limite do sistema político; meio ambiente; meio ambiente global; resposta; estabilidade; trocas ou transações, sendo a primeira utilizada para se referir às relações mútuas e a última para se enfatizar o movimento em uma dada direção; inputs – de modo geral, qualquer acontecimento externo ao sistema, que o afetasse ou alterasse mesmo que só potencialmente; reivindicações; apoio; outputs – decisões ou ações das autoridades relacionadas com a repartição autoritária dos valores da sociedade que provocam conseqüências no sistema político em si ou no ambiente em que ele se insere; feedback, cuja efetividade (...) depende de precisão de informações e da capacidade perceptiva ou interpretativa das autoridades e da sua vontade e habilidade para usá-las. Dessa forma, aponta como principais variáveis da R. CEJ, Brasília, n. 12, p. 117-118, set./dez. 2000 abordagem sistêmica de Easton os seguintes tópicos: 1) a natureza dos inputs; 2) as condições sob as quais os inputs provocam distúrbios, pressionando o sistema; 3) as condições do meio ambiente e do sistema que causam pressão; 4) as formas pelas quais o sistema procura enfrentá-la; 5) o papel da informação no feedback; o papel dos outputs no processo de conversão. No final deste capítulo introdutório, o autor fez alusão a uma série de críticas sobre a teoria do sistema político de Easton, comparando-a em relação à teoria geral do Estado. De tal forma conclui que a teoria de Easton não pode ser considerada como uma teoria geral da política, mas uma dentre várias abordagens possíveis para compreensão do fenômeno político em sua multiplicidade. Traça, ainda, algumas considerações sobre a adaptabilidade da teoria do sistema político de Easton à problemática relacional entre Direito Internacional e Direito interno. Nesse sentido, em primeiro lugar, examina o Direito positivado como pressuposto de adaptação, trazendo inúmeras definições do Direito cujas acepções traçam diferentes maneiras de focalizar a sua natureza. Utilizase da analogia como procedimento de adaptação, pois, se- gundo ele, é ela uma forma amplamente utilizada de argumento indutivo, baseado na comparação de objetos de duas espécies diversas, que envolvem dois procedimentos básicos: a constatação de que há uma semelhança entre objetos diferentes e um juízo de valor sobre o grau dessa semelhança. Entende, ainda nesse capítulo, ser o Direito um sistema aberto, pois, além das normas que fazem parte dele, há ainda outros elementos nãonormativos como, por exemplo, as definições, os critérios de classificação, as exposições de motivos que não são normas, a rigor. Denomina de “repertório do sistema” esse conjunto de elementos normativos e não-normativos. Em seguida, analisa o sistema jurídico em face do sistema político eastoniano, cujas reflexões concluem que os dois sistemas possuem semelhanças – ambos produzem decisões obrigatórias, sendo que, enquanto as decisões políticas são gerais, as do sistema político são particulares ou individuais. As decisões e ações do sistema político podem não se classificar como jurídicas, mas as do sistema jurídico serão sempre jurídicas. Então, sob o enfoque do output, as decisões do sistema político serão classificadas como: a) políticas, mas não jurídicas; b) políticas e jurídicas ao mesmo tempo; c) jurídicas, mas não políticas. No terceiro capítulo, o autor se preocupou em apresentar e interpretar alguns dados acerca da sociedade internacional, bem como as transformações do Direito, com reflexos no equacionamento da problemática relacional entre Direito Internacional e Direito interno, partindo de noções primitivas de conjunto (agrupamento ou sistema) e elemento (membro ou objeto que entra na formação do conjunto). Portanto, sob o ponto de vista da teoria dos conjuntos, analisa que os sistemas jurídicos nacionais – subsistemas dos sistemas nacionais – excluem-se mutuamente, embora todos es- 117 tejam contidos no sistema jurídico internacional. Sendo o Direito e a sociedade interligados, sabe-se que Direito Internacional Público, além de reger, é, também, produto da sociedade internacional. Nesse âmbito, a tese focaliza os aspectos da sociedade internacional relacionados com a nomogênese internacional, procurando retratar o dinamismo do Direito Internacional contemporâneo. O autor considera, dentro da sociedade internacional, na medida de sua respectiva importância para a produção de normas jurídicas internacionais, os componentes dos seguintes grandes grupos: a) os habilitados plenamente a produzir normas jurídicas internacionais; b) os que, mesmo não habilitados para tanto, produzem normas de caráter internacional, mas de natureza privada ou corporativa, para auto-regulamentação do comércio internacional; c) os que não são habilitados a produzir essas normas nem as produzem, embora possam ser considerados sujeitos de Direito Internacional, numa relação direta e imediata com as normas internacionais. Analisa, ainda, o papel dos Estados como produtores de normas jurídicas internacionais e, portanto, sujeitos originários de Direito Internacional Público. Nesse contexto, examina o fundamento do Direito Internacional que diz respeito à legitimidade da norma jurídica e suas principais fontes formais. Em outro tópico, traça um breve histórico das organizações internacionais e examina as resoluções da ONU como uma nova fonte do Direito Internacional, bem como o seu impacto no processo de transformação desse Direito. Na seqüência, focaliza a evolução do Direito interno de alguns países estrangeiros, a saber: Argentina, África do Sul, Espanha, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Japão, Portugal, dentre outros. Além disso, dedica um capítulo específico ao Direito interno brasileiro, em sua relação com o Direito Internacional, a fim de sublinhar que o Direito interno também encontra-se inserido 118 no mesmo processo evolutivo do Direito Internacional. Com a justaposição dos dados colhidos na análise precedente, os postulados monista e dualista são revistos à luz do modelo eastoniano, propondo-se, ao final: 1) que a relação entre Direito Internacional e Direito interno seja dimensionada dentro de uma visão sistêmica que leve em conta o seu dinamismo, pois os postulados monista e dualista devem manter entre si uma estreita relação de polarização dialética decorrentes do processo de feedback, que é contínuo entre os sistemas, bem como entre estes e o meio ambiente. É, portanto, melhor dizer que a relação entre Direito Internacional e interno está monista ou dualista num dado momento histórico; 2) que o modelo permite pensar e não somente conhecer o problema relacional, com uma superação da visão apenas dogmática do fenômeno relacional, sem, entretanto, extrapolar limites da ciência jurídica; 3) que a finalidade visada pela norma jurídica internacional seja considerada no equacionamento do problema relacional entre Direito Internacional e Direito interno, cujos processos produtivos são distintos (do que resulta a dicotomia entre essas ordens). O autor conclui que, dessa forma, a polêmica entre monismo e dualismo está baseada em premissas distintas, o que conduz, conseqüentemente, a resultados distintos. Logo, se a natureza das reivindicações e apoio for diversa, também será diversa a finalidade da norma produzida. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA YAMAMOTO, Toru. Direito Internacional e Direito Interno. Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris, 2000. R. CEJ, Brasília, n. 12, p. 117-118, set./dez. 2000