TRATADOS INTERNACIONAIS NO BRASIL E INTEGRAÇÃO SÉRGIO MOURÃO CORRÊA LIMA Professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito Milton Campos; Professor do Curso de Especialização em Direito Comercial na Universidade Federal de Uberlândia; Examinador de Direito Internacional da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Minas Gerais; Membro do Conselho Cientifico da ECSA - European Community Studies Association ~ Brasil; Pós-Graduado em Comércio Exterior UNA União de Negócios e Administração; Doutorando em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais; Advogado. TRATADOS INTERNACIONAIS NO BRASIL E INTEGRAÇÃO :««««« EDITORA Lrc SÃO PAULO :««««« Dados Internacionais (Câmara de Catalogação Brasileira na Publicação (CIP) do Livro, SP, Brasil) Lima, Sérgio Mourão Corrêa Tratados internacionais no Brasil e integração Mourão Corrêa Lima. - São Paulo: LTr, 1998. / Sérgio Bibliografia. ISBN 85-7322-510-6 I. Brasil - Tratados 2. Mercosul 3. Tratados I. Titulo. CDU-341.24(81) 98-3183 Índices I. Brasil: para catálogo sistemático: Tratados internacionais: internacional 341.24(81) Direito Produção Gráfica: LTr Composição: LINOTEC Impressão: VIDA E CONSCIÊNCIA (Cód. 1746.3) ©Todos os direitos reservados EDITORA LTDA. Rua Apa, 165 - CEP 01201-904 - Fone (011) 826-2788 - Fax (011) 826-9180 São Paulo, SP - Brasil- www.ltr.com.br 1998 Aos meus pais, meu suporte; à Roberta, minha amiga; aos meus alunos, minha inspiração; à Faculdade de Direito Milton Campos, minha casa. Índice Prefácio......................................................................................... 11 Apresentação................................................................................ 13 Breve Histórico dos Tratados 15 Variantes Terminológicas 17 Natureza Obrigacional 18 dos Tratados Procedimento dos Tratados Negociação Assinatura................................................................................. Aprovação Ratificação Promulgação e Publicação 21 21 22 25 30 33 Estatura Hierárquica dos Tratados.... Lei Federal: Lei Complementar e Lei Ordinária Tratado: Lei Complementar e Lei Ordinária Tratados sobre Matéria Tributária Tratados sobre Direitos Humanos Tratados e a Função do Poder Judiciário 37 41 43 46 46 47 Supranacionalidade de Normas O Estado Supranacional idade Supranacional idade Voluntária Transferência de Competências Supranacionalidade das Normas de Tratados Internacionais 48 48 49 49 50 51 Organizações 52 Internacionais Direito Internacional Originário e Derivado Personalidade Originária x Personalidade Derivada Processo Decisório Direito Originário x Direito Derivado Variantes Terminológicas Natureza Consensual do Direito Derivado 56 56 56 59 59 60 8 Sérgio Mourão Corrêa Lima Produção do Direito Internacional Derivado Incorporação do Direito Internacional Derivado no Plano Interno Brasileiro.................................................................... Órgão Jurisdicional.................................................................. 60 62 62 Organizações Internacionais Supranacionais Ordem Jurídica Supranacional............................................... 64 64 Supranacionalidade Legislativa, Jurisdicional e Executiva. Soberania Soberania x Autonomia Antigos Caracteres da Soberania 66 67 69 70 Delegação de Poderes 70 Recepção de Poderes 72 Manifestação de Vontade dos Estados - Adequação Interna Manifestação de Vontade da Organização Internacional...... Princípios Característicos da Supranacionalidade de Normas Propósitos das Normas Supranacionais Caracteres Atuais da Soberania 73 73 75 79 81 Tratados e Decisões do Mercosul no BrasiL............................. Vontade dos Estados-Membros do Mercosul........................ Vontade da Organização Internacional Mercosul................. 84 84 88 Manifestações da Integração Integração Comercial............................................. Área ou Zona de Livre Comércio Regime de Exceções União Aduaneira Regime de Adequações.... Regras de Concorrência Direitos do Consumidor...................................................... Integração Econômica Mercado Comum Direito de Integração x Direito Comunitário Integração Monetária... Política Monetária Comum - Moeda Única Integração Financeira Política Financeira Comum Seguridade Social................................................................ 90 91 91 92 93 93 94 96 97 98 100 101 103 104 106 107 Integração Administrativa Política Agrícola Comum 108 111 Tratados Internacionais no Brasil e Integração Integração Política Organização Internacional Federal.................................... 9 112 113 Flexibilidade do Processo de Integração Forma e Cronologia Implementação da Supranacionalidade 116 116 120 Globalização 123 x Regionalismo Estudo do Caso I: O GATT ~ Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio O GATT ~ Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio ~ 1947 Barreiras ao Comércio Internacional..................................... Dispositivos do GATT A Cláusula da Nação mais Favorecida Exceção à Cláusula da Nação mais Favorecida..................... O Princípio da Igualdade Eliminação das Restrições Não-Tarifárias Limitação de Alíquotas Instituída em Lista Vigência no Brasil................................................................... As Rodadas de Negociação A OMC ~ Organização Mundial do Comércio Vigência no Brasil...................................... O GATT ~Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio ~ 1994 As Condições e os Limites Estabelecidos em Lei................ 128 128 129 129 132 133 134 135 136 137 137 138 140 141 144 Estudo do Caso lI: O Protocolo de Las Lefías Elementos dos Estados............................................................ O Poder Judiciário e a Soberania Decisão (lato sensu): Sentença e Despacho Exequatur (lato sensu) Homologação de Sentença Estrangeira Exequatur (stricto sensu) Homologação de Sentença Estrangeira x Exequatur (stricto sensu) O Procedimento de Homologação de Sentença Estrangeira O Procedimento de Exequatur (stricto sensu) A Constituição Federal de 1988 e o Protocolo de Las Lefías. A Interpretação do Supremo Tribunal FederaL................ .... 146 146 147 149 149 150 151 Estudo do Caso III: Monismo e Dualismo................................. Forma de Transmissão das Medidas Cautelares entre os Estados-Partes do Mercosul................................................... 158 151 152 154 155 155 159 la Sérgio Mourão Corrêa Lima o Objetivo do Protocolo de Medidas Cautelares Legislação Aplicável às Medidas Cautelares Exequatur (stricto sensu) As Teorias Monistas e Dualistas............................................. Efeitos Práticos do Monismo e do Dualismo Aplicabilidade Direta e Primazia de Normas Construção JurisprudenciaL................................ 159 160 160 171 173 174 177 Bibliografia 181 Anexo I: Tratado de Assunção 187 11: Protocolo de Ouro Preto 204 Lefias 217 Anexo Anexo III: Protocolo de Las Anexo IV: Protocolo de Ouro Preto (sobre Medidas Cautelares) 225 Prefácio A ocasiao em que este livro vem a público não poderia ser melhor. Ele é parte do impulso com que se restaura no Brasil, já no final do século, o interesse pelo direito internacional, sacrificado ao longo de muitos anos do nosso passado recente, não por acaso um período sombrio de nossa história. No quadro do direito das gentes, o livro associa um dos grandes temas clássicos, o direito dos tratados, ao que de mais atual e dinâmico se desenha agora entre as realidades - não mais no domínio do puro idealismo latino-americano -, a integração. O livro ajuda a entender o processo integrativo e a liquidar as tantas perplexidades que todo jurista, afeiçoado ao culto da soberania, enfrenta ao ver insinuar-se em cena o fantasma da supranacionalidade - ainda que a construção de um direito comunitário não conduza necessariamente a isso. Sérgio Mourão Corrêa Lima não me surpreende com a extraordinária seriedade de sua obra: ela condiz com o início precoce de sua carreira universitária, e com a justa expectativa dos que acompanhavam seus passos. O autor seguramente há de produzir mais no terreno científico de sua escolha sensata e oportuna, e isso nos traz a todos uma grande esperança. Haia, 2 de julho de 1998. Francisco Rezek Apresentação o dicionário da língua portuguesa nos apresenta os verbos "saber" e "entender". saber v. 1. 1. Ter conhecimento, ciência, informação ou notícia de. 2. Ter a certeza de. 3. Ser instruído em. 4. Ter a certeza de (coisa futura); prever. Int. 5. Ter erudição, sabedoria'!'. entender v. 1. 1. Ter idéia clara de; compreender. 2. Ter experiência ou conhecimento de. 3. Achar, pensar, concluir. 4. Alcançar a significação, o sentido, a idéia de. 5. Ouvir, perceber. 6. Aplicar-se, ocupar-se. 7. Travar e/ou manter entendimento. Sm. 8. Entendimento'". À primeira vista, ambos parecem comportar as mesmas conotações. Entretanto, o fato de uma pessoa "Ter conhecimento, ciência, informação ou notícia de" não significa que esta esteja apta a "Alcançar a significação, o sentido, a idéia de". Para tanto seria necessário "Achar, pensar, concluir". No Brasil não é raro o prestígio da "erudição" em detrimento do "entendimento". A objetividade, a simplicidade e a clareza dão lugar ao reinado das elucubrações surrealistas. Afirmativas pomposas, ainda que de muito pouca lógica, são repetidas por um batalhão de pessoas que sabem mas não entendem. É mais cômodo ler e repetir. Ler, pensar e criar é mais trabalhoso, porém bem mais humano. Mais adequado à razão, único fator que nos distingue dos demais seres do reino animal. Por essas razões, me abstenho da pompa e circunstância em favor de uma linguagem sistêmica e pouco elaborada. Acredito que (l) FERREIRA, Aurélio teira, 1977, p. 427. Buarque de Holanda. Minidicionário. Rio de Janeiro, Nova Fron- (2) FERREIRA, Aurélio teira, 1977, p. 185. Buarque de Holanda. Minidicionário. Rio de Janeiro, Nova Fron- 14 Sérgio Mourão Corrêa Lima só assim poderei contribuir de alguma forma para o fim do anonimato do Direito Internacional no Brasil. O Professor Jorge Fontoura nos apresenta um quadro "clínico" muito delicado. Afirma que "Em nosso País, de fato, na graduação universitária, o ensino do 'direito das gentes' estava totalmente degradado, passando comumente a matéria facultativa, com professores improvisados e desmotivados ... Foi neste contexto que o Professor Celso de Alburquerque Mello, em antológico prefácio à 8ª edição de seu Curso de Direito Internacional Público, já não mais em sua tradicional editora, picarescamente denunciava a nudez do rei: enquanto o Brasil assinava tratados de integração e se propunha ao mundo como País moderno e aberto, o Direito Internacional agonizava, desconsiderado pela própria comunidade jurídica, sem espaço e sem perspectiva'<". Este quadro é agravado pelo enfoque atribuído ao Direito Internacional Público. Seus efeitos no dia-a-dia dos práticos do Direito são preteridos em favor de noções relevantes, mas que melhor se situariam em salas de aula dos cursos de Relações Internacionais, História ou, até mesmo, Filosofia. Esse contexto faz raros os advogados que alegam tratados internacionais em suas petições. Ainda que o fizessem, poucos seriam os magistrados que não se curvariam às noções absolutas e antiquadas de soberania para negar vigência às normas internacionais, mesmo que internalizadas adequadamente. Seguem aqui, algumas considerações que levam o pretensioso objetivo de contribuir para a reversão dessa desoladora paisagem. (3) FONTOURA, Jorge. In ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul Jurídico-Institucional. Curitiba, Juruá, 1996, p. 10. & União Européia - Estrutura Breve Histórico dos Tratados o contexto internacional que se apresenta atualmente aponta para uma revitalização do Direito Internacional. "A formidável revalorização, no entanto, das disciplinas jurídicas vocacionadas à nova dinâmica das relações interestatais, a maciça inclusão de questões de Direito Público Externo nos concursos jurídicos e a abertura de um sem-número de cursos de pós-graduação nesse mesmo âmbito sinalizam claramente para o que todos sabemos ser o inelutável efeito - integração'v". Apesar de estar em voga atualmente, o Direito Internacional Público nada tem de recente no que tange à sua origem. "O acordo mais antigo de que se tem notícia e existe documentação é aquele celebrado em 3200 a.C. entre as cidades de Lagash e Umma através do qual ambas fixam suas fronteiras depois de uma guerra e segundo a interpretação de alguns autores também consentiram em submeter suas diferenças à decisão do Senhor da cidade de Kish. Um convênio muito completo em seu conteúdo, muito antigo também ainda que mais próximo no tempo e no estado de conservação da documentação, é aquele celebrado entre Ramsés 11 Faraó, do Egito, e Kattussil I1I, rei dos Hititas, pelo qual ambos os soberanos acordam sobre a repartição de zonas de influência, extradição de inimigos políticos e asilo, fixação de fronteiras, compromissos de paz, amizade e aliança e sobre outros temas diversos (2), o que demonstra que já ao redor dos 2500 a.c. as normas destinadas a regular as relações entre Centros de Poder alcançavam campos distintos e vastos''?'. (4) FONTOURA, Jorge. In ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul Jurídico-Institucional. Curitiba, Juruá, 1996, p. li. & União Européia - Estrutura (5) "EI acuerdo más antiguo de que se tiene noticias y existe documentación es el celebrado en el 3200 a.c. entre las ciudades caldeas de Lagash y Umma por el cu ai ambas fijan sus fronteras después de una guerra y según la interpretación de algunos autores también convienen en someter sus diferencias a la decisión dei Sefíor de la ciudad de Kish. Un convenio muy completo en su contenido, muy antiguo también aunque más cercano en el tiempo y deI que se conserva la documentación, es le celebrado entre Ramsés 11 Faraón de Egipto y Kattussil IH rey de los Hititas por el cual ambos soberanos acuerdan sobre reparto de zonas de influencia, extradición de enemigos políticos y asilo, fijación de fronteras, compromisos de paz, amistad y alianza y sobre otros diversos temas (2), lo que demuestra que ya alrededor deI 16 Sérgio Mourão Corrêa Lima Algumas manifestações de relacionamento internacional se apresentaram entre a Antigüidade e os séculos XVI e XVII. Heber Arbuet Vignali destaca que "Um novo capítulo das relações internacionais se abrirá entre os Séculos XVI e XVII para chegar até princípios do Século XX. Neste aparecem e se desenvolvem instrumentos políticos e regras jurídicas que mantêm vigência até hoje. É por isto que a partir do Século XVII se pode empregar sem nenhum questionamento a terminologia moderna" (6). "Recentemente, depois de 1945 e em especial a partir da década de 1960, é que se produzirão nas relações internacionais mudanças substanciais que em alguns campos fizeram variar a equação de poder até então existente'<". O Ministro Francisco Rezek destaca dois fenômenos que se apresentaram neste século: "a entrada em cena das organizações internacionais, no primeiro pós-guerra - fazendo com que o rol das pessoas jurídicas de direito das gentes, habilitadas a pactuar no plano exterior, já não mais se exaurisse nos Estados soberanos -; e a codificação do direito dos tratados, tanto significando a transformação de suas regras costumeiras em regras convencionais, escritas, expressas, elas mesmas no texto de um tratado'<". 2500 a.c. Ias normas destinadas distintos y vastos campos" a regular las relaciones VIGNALI, Heber Arbuet. In ARÉCHAGA, Eduardo Público, tomo I. Montevideo, [cu, 1996, p. 29. entre Centros Jiménes de Poder alcanzaban de. Derecho Internacional (6) "Un nuevo capítulo de las relaciones internacionales se abrirá entre los Siglos XVI y XVII para llegar hasta principios del Siglo XX. En él aparecen y se desarrollan instrumentos políticos y regIas jurídicas que mantienen vigencia hasta hoy. Es por ello que a partir deI Siglo XVII puede emplearse sin ningún cuestionamiento la terminologia moderna." VIGNALI, Heber Arbuet. In ARÉCHAGA, Eduardo Público, tomo I. Montevideo, [cu, 1996, p. 44. Jiménes de. Derecho Internacional (7) "Recién después de 1945 y en especial a partir de la década de 1960 es que se producirán en las relaciones internacionales cambios sustanciales que en algunos campos harán variar la ecuación de poder hasta entonces existente" VIGNALI, Heber Arbuet. In ARÉCHAGA, Eduardo Público, tomo I. Montevideo, [cu, 1996, p. 64. (8) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. Jiménes de. Derecho São Paulo, Saraiva, Internacional 1995, p. 12/13. Variantes Terminológicas "Tratado é todo acordo formal concluído entre sujeitos de Direito Internacional Público e destinado a produzir efeitos juridicos"?'. Compreendidos desta forma, os tratados comportam algumas variantes terminológicas. Dentre seus principais sinônimos, podemos destacar: "acordo ... carta ... convenção, declaração ... protocolo'<''". Como exemplo temos: - Tratado de Assunção de 26 de março de 1991 (Mercosul). - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio de 30 de outubro de 1947 (GATT). - Carta da ONU - Organização das Nações Unidas de 1945. - Convenção de Viena de 23 de maio de 1969 (sobre o direito dos Tratados). - Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de dezembro de 1948. - Protocolo (Mercosul). (9) REZEK, 1. Francisco. (10) REZEK, 1. Francisco. Direito de Ouro Preto de 17 de dezembro de 1994 Internacional Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 14. Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 16/17. Natureza Obrigacional dos Tratados "Duas são ... as espécies de pessoas reconhecidas pela ordem jurídica: a pessoa natural, também chamada pessoa física ... e a pessoa jurídica'v'!'. Pessoas físicas ou jurídicas podem acordar suas vontades. Por exemplo, José pretende vender um veículo de sua propriedade. Maria tem o intuito de comprar o carro de José. As vontades, nesse caso, estão em sentidos opostos: < :> Assim, José e Maria acordam suas vontades. O acordo de vontades é chamado contrato, conforme se depreende das noções mais elementares de Direito de Obrigações. Vejamos a definição apresentada por Orlando Gomes: "o acordo de vontades necessário ao nascimento rídica obrigacional'"!", da relação ju- "Tal como as pessoas físicas no plano interno, os Estados, no plano internacional, também podem celebrar contratos. Quando celebrados entre nações, esses contratos são chamados Tratados Internacionais. Por intermédio destes, os países assumem obrigações uns para com os outros" (13). Também no plano interno brasileiro, pessoas físicas e jurídicas podem acordar vontades que estejam no mesmo sentido. Por exemplo, Maria pretende constituir uma empresa com determinado objeto. José também tem o propósito de constituir uma empresa com o mesmo objeto. Nesse caso, as vontades se orientam em sentido único: > > (li) MONTEIRO, Washington Saraiva, 1962, p. 59. (12) GOMES, Orlando. de Barros. Contratos. Curso de Direito Civif- Rio de Janeiro, Forense, Parte Geral. São Paulo, 1996, p. 18. (13) CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Quadro Comparativo ~ Mercosul péia. In Revista da Faculdade de Direito Milton Campos. Belo Horizonte, p.213/214. x União EuroDel Rey, 1996, Tratados Internacionais 19 no Brasil e Integração Assim, Maria e José acordam suas vontades, constituindo uma pessoa jurídica distinta das pessoas físicas de seus sócios. Nesse caso, o acordo de vontades é chamado contrato social. "Estados como a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai também podem associar-se através de Tratado Internacional de [Associação ou] Sociedade ... Uma vez conferida personalidade jurídica de Direito Internacional Público aos Tratados Internacionais de [Associação ou] Sociedade, estes se transformam em Organizações Internacionais'<!", Percebe-se, portanto, que os Tratados Internacionais, tais como os Contratos, têm natureza obrigacional. Aliás, Celso Albuquerque Mello já destacara "a contribuição do direito civil ao direito internacional público" em artigo em que afirmou que "o Direito é um só e a divisão em diversos ramos, respectivos, é meramente didática. O chamado Direito Civil dentro desta ótica ... deu uma das mais importantes contribuições ao Direito Internacional Público'"!", Essa contribuição é evidente no que tange ao Direito de Obrigações. Vejamos as definições de Contratos e de Tratados Internacionais apresentados pelos Professores Washington de Barros Monteiro e Francisco Rezek: Contrato "Acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir um direito "(16). Tratado Internacional "Tratado é todo acordo formal concluldo entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos "(17) Dessa forma, podemos concluir que se aplicam aos Tratados Internacionais os mesmos princípios básicos do Direito de Obrigações. No momento de formação do contrato, "o princípio da autonomia da vontade'"!", e, posteriormente à sua celebração, notadamente o "poeta sunt servanda "(19). (14) CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Quadro Comparativo - Mercosul x União Européia. In Revista da Faculdade de Direito Milton Campos. Belo Horizonte, Del Rey, 1996, p. 213/214. (15) MELLO, Celso D. de Albuquerque. A Contribuição do Direito Civil ao Direito Inter- nacional Público. In Estudos Jurídicos em Homenagem ao Professor Caio Mário da Silva Pereira. Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 220. (16) MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civif2º Volume. São Paulo, Saraiva, 1962, p. 5. (17) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 14. (18) MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil 2º Volume. São Paulo, Saraiva, 1962, p. 9. (19) MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil - 2º Volume. São Paulo, Saraiva, 1962, p. 10. >« 20 Sérgio Mourão Corrêa Lima Distinções existem quanto à formalidade, quanto aos sujeitos de direitos envolvidos ("atores"(20)) e quanto ao procedimento. Enquanto "o tratado internacional não prescinde da forma escrita, do feitio documental'V", "a manifestação da vontade, nos contratos, pode ser tácita, quando a lei não exigir que seja expressa'V". Enquanto, no plano interno "qualquer pessoa pode contratar, desde que não seja absolutamente incapaz'V", no âmbito internacional, "as partes, em todo tratado, são necessariamente ... os Estados soberanos '" e as organizações internacionais'P". Também o procedimento ao qual os tratados internacionais submetidos não corresponde àquele dos contratos. são Nos contratos, em regra, o acordo de vontades se implementa em um único momento, independendo de confirmação ou ratificação. Trata-se da assinatura. Como exemplo temos: Pedro quer comprar um determinado equipamento de propriedade de Joaquim pelo preço de R$1.000,OO. Joaquim quer vendê-lo por essa quantia. Ocorre, assim, o acordo de vontades e o contrato é implementado. No caso dos tratados internacionais clássicos, em regra, podemos "detectar duas fases de expressão do consentimento das partes, este entendido como prenunciativo na primeira, a da assinatura, e como definitivo na segunda, a da ratificação'Y", Assim, se Brasil e Uruguai pretendem celebrar um tratado internacional para determinada finalidade, devem expressar suas vontades ou seu consentimento em dois momentos distintos. Inicialmente, através da assinatura do tratado, e posteriormente, através da ratificação. Ratificar significa "confirmar foi feito ou prometido )"(26). (20) REZEK, Franciwco. (21) REZEK, Francisco. (22) Código Direito Direito Civil Brasileiro, Internacional Internacional artigo (23) MONTEIRO, Washington Saraiva, 1962, p. 6. autenticamente, Público. Público. validar (o que São Paulo, Saraiva, São Paulo, Saraiva, 1996, p. 18. 1996, p. 17. 1.079. de Barros. Curso de Direito Civil - 22 Volume. São Paulo, (24) REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 18. (25) REZEK, Francisco. Direito Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 27. Internacional (26) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário guesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986, p. 1454. Aurélio da Língua Portu- Procedimento dos Tratados o procedimento a que o Tratado Internacional deve submeterse para surtir efeitos no Brasil pode ser representado pelo seguinte organograma: PLANO INTERNACIONAL ratificação vigência no plano internacional assinatura negociação -------------+- - - - - - - - - - -- aprovação promulgação vigência no plano nacional (decreto executivo) + publicação PLANO INTERNO Inicialmente, cumpre destacar que os planos internacional e interno brasileiro estão representados, respectivamente, acima e abaixo do organograma. Temos, seqüencialmente: ª Fase: I IQ 2ª 2Q 2Q 3ª 3ª Negociação (plano internacional) Momento: Assinatura (plano internacional) Fase: Aprovação (plano interno) Momento: Ratificação (plano internacional) Momento: Promulgação e Publicação (plano interno) Fase: Vigência (plano internacional) Fase: Vigência (plano interno) 1ª Fase: Negociação (Plano Internacional) O comprometimento, tanto no caso dos contratos quanto no caso dos tratados, é precedido de uma fase negocial onde as partes 22 Sérgio Mourão Corrêa Lima envolvidas verificam a compatibilidade dos interesses em causa. Nos tratados internacionais esta etapa ganha uma conotação política, entrando em cena toda a habilidade e talento dos agentes diplomáticos dos Estados e Organizações Internacionais. Eduardo Jiménes de Aréchaga ensina que na fase de negociação "os tratados se elaboram por escrito, em um procedimento de negociação de suas cláusulas, que, no caso dos acordos multilaterais, se leva a cabo em conferências internacionais ou em órgãos internacionais preexistentes, como pode ser a Assembléia Geral das Nações Unidas, por exemplo .... As negociações culminam com a adoção do texto do tratado'<"! Dentre os pontos que podem consistir em objeto de negociação está a fixação do quorum de ratificação do tratado. Os Estados que estejam participando da negociação podem estipular necessária a ratificação por parte de um número determinado de Estados, para que o tratado ganhe vigência no plano internacional. 1g Momento: Assinatura (Plano Internacional) "Assim se chega a um momento em que é necessário estabelecer de forma autêntica o texto que se tenha negociado. Isto se leva a cabo, tradicionalmente, por meio de assinatura do tratado por representantes autorizados das partes que hajam participado das negociações ou da conferência ou órgão onde se tenha elaborado'tv", No caso do Brasil, a Constituição Federal de 1988 não deixa dúvidas quanto à competência para a assinatura de tratados internacionais: (27) "Por ello, por regia general, los tratados se elaboran por escrito (2), en un procedimiento de negociación de sus cláusulas, que, en el caso de los acuerdos multilaterales se \leva a cabo en conferencias internacionales o en órganos internacionales preexistentes, como puede ser la Asamblea General de las Naciones Unidas, por ejemplo .... Las negociaciones culminan con la adoptión deI texto dei tratado." ARÉCHAGA, Eduardo fcu, 1996, p. 208. Jiménes de. Derecho Internacional Público, tomo I. Montevideo, (28) "Se llega asl a un momento en que es necesario establecer cn forma autêntica, el texto dei acuerdo que se ha negociado. Esta se \leva a cabo, tradicionalmente, por media de la firma del tratado por representantes autorizados de las partes que han participado en la negociación o en la conferencia u órganos donde se elaboró (3)." ARÉCHAGA, Eduardo fcu, 1996, p. 208/209. Jirnénes de. Derecho Internacional Público, tomo I. Montevideo, Tratados Internacionais no Brasil e Integração "Art. 84. Compete privativamente pública: 23 ao Presidente da Re- VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos; VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional". Constata-se, dessa forma, que o Presidente da República pode conferir a um representante diplomático a competência para celebrar tratados. No plano interno dos Estados, pessoas físicas ou jurídicas podem conferir poderes a um procurador, mediante instrumento de procuração ad nego tia, para a celebração de um contrato. Da mesma forma, no plano internacional, o Presidente da República pode conferir plenos poderes a um representante diplomático, mediante carta de plenos poderes, para a celebração de um tratado. Francisco Rezek destaca que alguns representantes diplomáticos não necessitam de carta para que sejam investidos de plenos poderes. São eles o Ministro das Relações Exteriores e os chefes de missão diplomática. Estes últimos, entretanto, somente em "tratados bilaterais entre o Estado acreditante, que envia o representante diplomático, e o Estado acreditado, que recebe o representante diplomático'Y". Reservas Os Estados que tomaram parte na negociação do tratado internacional podem não estar de acordo com todo o seu conteúdo. Assim, deixam de manifestar seu consentimento quanto aos dispositivos com os quais não concordem. Para tanto, o método adequado é a adoção de reservasv'", "Se entende por 'reserva', uma declaração unilateral ... feita por um Es(29) REZEK, (30) Convenção 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 38. de Viena sobre Direito dos Tratados - 1969: "Artigo 19 Formulação de Reservas Um Estado pode, ao assinar, rati ficar, aceitar, aprovar um tratado, ou a ele aderir, formular uma reserva, a não ser que: a) a reserva seja proibida pelo tratado; b) o tratado disponha que só possam ser formuladas determinadas reservas, entre as quais não se inclui a reserva em pauta, ou c) nos casos que não sejam previstos nas alíneas a e b, a reserva seja incompatível com o objeto e a finalidade do tratado". 24 Sérgio Mourão Corrêa Lima tado ao assinar, ratificar ... ou aprovar um tratado ... com o objetivo de excluir ou modificar os efeitos jurídicos de certas disposições do tratado em sua aplicação quanto a este Estado'<"! A Lei Uniforme de Genebra sobre letras de câmbio e notas promissárias é exemplo de tratado firmado pelo Brasil, com apresentação de reservas. Efeitos Quanto ao momento em que passam a surtir efeitos, os tratados internacionais e os contratos costumam divergir. Os contratos, em regra, produzem efeitos "com o simples acordo de vontades"?", que se manifesta no momento de sua assinatura. A exceção consiste nos contratos "afetado[s] de condição suspensiva"(33). Assim, o vínculo obrigacional somente operará seus efeitos se concretizada a condição suspensiva. Por sua vez, os tratados internacionais em regra não produzem efeitos a partir da assinatura. Estes trazem consigo algumas condições que "suspende[m] o começo da execução do ... [tratado], tal como se dá '" [no caso de] condição suspensiva"(34) de contrato. Assim, geralmente os tratados internacionais apresentam algumas condições para a produção de efeitos tanto no plano externo quanto no plano interno dos Estados que os tenham assinado. No plano internacional, os requisitos são: • a aprovação (Plano Interno); • a ratificação (Plano Externo); e • o atendimento do quorum (Plano Externo). (31) " 'Se entiende por 'reserva' una declaración unilateral, cualquiera que sea su enunciado o denominación, hecha por un Estado aI firmar, ratificar, aceptar o arrobar un tratado o al adherirse a él, con objeto de excluir o modificar los efectos jurídicos de ciertas disposiciones del tratado en su aplicación a ese Estado' (art. 2, inc. 1, d, de l Convenio/968)." ARÉCHAGA, Eduardo fcu, 1996, p. 216. (32) "Les contrats - Précis Jiménes consensue1s de. Derecho se concluent Internacional (34) GOMES, Orlando. Contratos Contratos. tomo I. Montevideo, par le seul accord des volontés de Droit Civil, tome 11. Paris, Dalloz, (33) STRENGER, Irineu. Tribunais, 1992, p. 141. Público, ..." 1936, p. 14. Internacionais Rio de Janeiro, do Comércio. Forense, São Paulo, 1996, p. 196. Revista dos Tratados Internacionais 25 no Brasil e Integração No âmbito interno brasileiro, são necessárias: • a aprovação (Plano Interno); • a ratificação (Plano Externo); • o atendimento do quorum (Plano Externo); e • a promulgação (Plano Interno). 2ª Fase: Aprovação (Plano Interno) Uma vez negociado e assinado o tratado internacional, "tanto pode o chefe do governo mandar arquivar, desde logo, o produto a seu ver insatisfatório de uma negociação bilateral ou coletiva, quanto determinar estudos mais aprofundados na área do Executivo, a todo momento; e submeter quando melhor lhe pareça, o texto à aprovação do Congresso. Tudo quanto não pode o presidente da República é manifestar o consentimento definitivo, em relação ao tratado, sem o abono do Congresso Nacional">'. A aprovação congressional pode ser comparada a uma condição suspensiva constante de um contrato celebrado entre particulares - pessoas físicas ou jurídicas. O vínculo obrigacional somente operará seus efeitos se concretizada a condição suspensiva. O Professor Orlando Gomes explica que "a ineficácia pode ser transitória ou permanente. É transitória se o obstáculo apenas suspende o começo da execução do contrato, tal como se dá quando se subordina a sua eficácia a uma condição suspensiva'P". A necessidade de "referendo do Congresso Nacional "(37) está prevista pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 84, inciso VIII, que assim dispõe: "Art. 84. Compete privativamente pública: ao Presidente da Re- VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional". (35) REZEK, (36) GOMES, 1. Francisco. Orlando. (37) Constituição Direito Internacional Contratos. Federal brasileira Rio de Janeiro, Público. São Paulo, Saraiva, Forense, de 1988, artigo 84, VIII. 1996, p. 196. 1995, p. 69. 26 Sérgio Mourão Também o artigo 49, inciso I, da Constituição dispõe sobre o assunto: "Art. 49. É da competência cional: Corrêa Lima Federal de 1988 exclusiva do Congresso N a- I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional". Referindo-se aos dois dispositivos constitucionais mencionados, Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros informa que "houve uma tentativa de interpretar as normas constitucionais no sentido de que apenas os tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional sejam submetidos ao crivo do Congresso. Essa leitura da nova Constituição maioria dos parlamentares'P". foi, porém, rejeitada pela É que, "à primeira vista, [os artigos 49, I, e 84, VIII, da Constituição] são contraditórios. Entretanto, se forem examinados atentamente, .. , ver-se-á o nexo que os concilia. Do ponto de vista lógico-sistemático, há que considerar que os dispositivos em questão fazem parte do mesmo título da Constituição (Da Organização dos Poderes) e são como que as duas faces de uma mesma moeda: o artigo 84, VIII, confere ao Presidente da República o poder de celebrar tratados, convenções e atos internacionais, mas especifica que estão todos sujeitos a referendo do Congresso Nacional; o artigo 49, I, destaca que os tratados, acordos ou atos internacionais '" que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional precisam ser aprovados pelo Congresso'<'". (38) MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz. Sérgio Antônio Fabris Editor, 1995, p. 414. (39) "À primeira vista, são contraditórios. ... ver-se-á o nexo que os concilia. O Poder de Celebrar Entretanto, Tratados. se forem examinados Porto Alegre, atentamente, Para a solução da antinomia aparente dos citados dispositivos, não pode ser utilizado o critério cronológico (ambos foram emitidos ao mesmo tempo); nem o critério hierárquico (ambos possuem a mesma hierarquia); nem o critério da especialidade (não se trata de conflito entre uma lei geral e outra especial, quando esta anula a primeira). São normas constitucionais; logo, não se pode admitir a ab-rogação de qualquer delas, restando ao intérprete, assim, a alternativa de demonstrar que a incompatibilidade é aparente. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 27 "Logo, O preceito contido no artigo 49, inciso I, da Constituição, confere competência ao Congresso para resolver sobre tratados internacionais, dando ênfase aos que acarretam encargos, gravames, ônus financeiros, para o patrimônio nacional'v''". "A remessa do ... tratado ao Congresso Nacional, para que o examine e, se assim julgar conveniente, aprove, faz-se por mensagem do presidente da República, acompanhada do inteiro teor do projetado compromisso e da exposição de motivos que a ele, presidente, terá endereçado o ministro das Relações Exteriores. A matéria é discutida e votada, separadamente, primeiro na Câmara, depois no Senado. A aprovação do Congresso implica, nesse contexto, a aprovação de uma e outra das suas duas casas." "O êxito na Câmara e, em seguida, no Senado, significa que o compromisso foi aprovado pelo Congresso Nacional. Incumbe formalizar essa decisão do parlamento, e sua forma, no Brasil contemporâneo, é a de um decreto legislativo promulgado pelo presidente do Senado Federal, que o faz publicar no Diário Oficial da União"(41). Vejamos, por exemplo, o teor do Decreto Legislativo n. 68, de 29 de agosto de 1992. Através deste, o Presidente do Senado Federal comunicou ao Presidente da República que a Convenção 158 da OIT - Organização Internacional do Trabalho - havia sido aprovada pelo Congresso Nacional: Do ponto de vista histórico-teleológico, a conclusão só pode ser de que o legislador constituinte desejou estabelecer a obrigatoriedade do assentimento do Congresso para os tratados internacionais, dando ênfase para aqueles que acarretarem encargos, gravames, ônus financeiros, para o patrimônio nacional. Do ponto de vista lógico-sistemático, há que considerar que os dispositivos em questão fazem parte do mesmo título da Constituição (Da Organização dos Poderes) e são como que as duas faces de uma mesma moeda: o artigo 84, VIII, confere ao Presidente da República o poder de celebrar tratados, convenções e atos internacionais, mas especifica que estão todos sujeitos a referendo do Congresso Nacional; O artigo 49, I, destaca que os tratados, acordos ou atos internacionais, assinados por quaisquer autoridades do Governo brasileiro, que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, precisam ser aprovados pelo Congresso." MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz, O Poder de Celebrar gio Antônio Fabris Editor, 1995, p. 3961397. (40) MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz. Sérgio Antônio Fabris Editor, 1995, p. 398. (41) REZEK, 69/70. 1. Francisco. Tratados. O Poder de Celebrar Direito Internacional Público. Porto Alegre, Tratados. São Paulo, Sér- Porto Alegre, Saraiva, 1995, p. 28 Sérgio Mourão Corrêa Lima "Aprova o texto da Convenção n. 158, da Organização Internacional do Trabalho - O.I.T, sobre o término da relação do trabalho por iniciativa do empregador, adotada em Genebra, em 1982, durante a 68ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho'v'". Constata-se, portanto, que o "decreto legislativo exprime unicamente a aprovação'v'" do tratado pelo Congresso Nacional, como ensina o Ministro Francisco Rezek, uma vez que nem sempre se faz acompanhar da íntegra do tratado internacional. Qualquer pretensão de que o Decreto Legislativo do Presidente do Senado Federal confira vigência, no Brasil, ao tratado implica afronta às noções mais elementares de técnica legislativa, uma vez que sua publicação nem sempre contém a integra do acordo internacional. José Afonso da Silva explica: "A publicação da lei constitui instrumento pelo qual se transmite a promulgação (que concebemos como comunicação da feitura da lei e de seu conteúdo) aos destinatários da lei. A publicação é condição para a lei entrar em vigor e tornar-se eficaz. Realiza-se pela inserção da lei promulgada no jornal oficial. Quem a promulga deve determinar sua publicação'v'". Não bastassem os abalizados ensinamentos doutrinários, o artigo I Q da Lei de Introdução ao Código Civil dispõe: "Art. 1Q Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País, 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada". Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, analisando a Carta Rogatória n. 8.279 proveniente da República da Argentina, em decisão proferida por seu Presidente em 4 de maio de 1998, ressaltou a "imprescindibilidade da promulgação e da publicação ... dos tratados celebrados pelo Brasil, '" sob pena de absoluta ineficácia jurídica desses atos internacionais no plano" interno brasileiro. Reservas e Emendas Da mesma forma que o Poder Executivo, o Congresso N acional também pode não estar de acordo com todo o conteúdo do trata(42) Teor do Decreto Legislativo n. 68, de 29 de agosto de 1992. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 70. (44) SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Revista (43) REZEK, dos Tribunais, 1. Francisco. 1990, p. 456. Tratados Internacionais 29 no Brasil e Integração do internacional. Assim, o Poder Legislativo também pode, por via de reserva, deixar de manifestar seu consentimento quanto aos dispositivos com os quais não concorde. O "projeto de decreto legislativo referente a atos internacionais" também está sujeito a emendas, conforme se constata dos Regimentos Internos das duas casas do Congresso Nacional: Câmara dos Deputados Seção IX Da Admissibilidade e da Apreciação das Matérias pelas Comissões ... Art. 57. No desenvolvimento dos seus trabalhos, as Comissões observarão as seguintes normas: ... IV - ao apreciar qualquer matéria, a Comissão poderá propor a sua adoção ou a sua rejeição total ou parcial, sugerir o seu arquivamento, formular projeto dela decorrente, dar-lhe substitutivo e apresentar emenda ou subemenda'"?'. Senado Federal CAPÍTULO IV Dos Projetos Referentes Atos Internacionais a ... Art. 376. O projeto de decreto legislativo referente a atos internacionais terá a seguinte tramitação: ... c) perante a comissão, nos cinco dias subseqüentes à distribuição de avulsos, poderão ser oferecidas emendasv'", Desta forma, constata-se que, "apesar das objeções de alguns juristas, o Congresso Nacional tem aprovado certos atos internacionais com reservas ou ernendas'v'". Como exemplo, temos "o caso do Acordo de Comércio e Pagamentos entre o Brasil e a Tchecoslováquia'v'", aprovado pelo Poder Legislativo com emendasv'?'. (45) Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Aprovado pela Resolução n. 17, de 1989, e alterado pelas Resoluções n. 1,3 e 10, de 1991; 22 e 24, de 1992; 25, 37 e 38, de 1993; e 57 e 58, de 1994. Brasília, Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados, 1994. (46) Regimento Interno do Senado Federal. Aprovado pela Resolução n. 18, de 1989, e alterado por resoluções posteriores. Brasília, Senado Federal, 1994. (47) MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz. O Poder de Celebrar Tratados. Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris Editor, 1995, p. 442. (48) MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz. O Poder de Celebrar Tratados. Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris Editor, 1995, p. 447. (49) "Vicente Marotta Rangel frisou a importância em distinguir as emendas das reservas aos tratados internacíonais. Enquanto aquelas pretendem a revisão ou reforma de determinadas cláusulas, estas visam a suspender-lhes a aplicação. Com muita acuidade, o referido jurista demonstrou que as emendas eventualmente incorporadas ao Decreto Legislativo não constituem, a rigor, emendas ao tratado internacional. Sérgio Mourão Corrêa Lima 30 2º Momento: Ratificação (Plano Internacional) Uma vez comunicada ao Presidente da República a aprovação do tratado internacional pelo Congresso Nacional, passa-se ao momento da Ratificação, "Como disse Basdevant .." 'a redação e assinatura de um acordo internacional são os atos por meio dos quais se expressa a vontade dos Estados contratantes; a ratificação é o ato pelo qual a vontade assim expressada é confirmada pela autoridade competente, com o propósito de dar-lhe força obrigatória'''(50) no âmbito internacional. É nesse momento que o Estado que está ratificando o tratado internacional passa a estar obrigado. A ratificação mostra-se, pois, como a segunda condição suspensiva. É que, caso não ratifique o que havia assinado, o Estado não se torna parte do tratado internacional mas, tão-somente, um terceiro não abarcado pelo vínculo obrigacional. Quanto à competência para a ratificação de tratados internacionais, novamente referimo-nos ao artigo 84, incisos VII e VIII, da Constituição Federal: As emendas inseridas nos decretos legislati vos valem, na verdade, como propostas ao tratado, encaminhadas ao Poder Executivo. de emenda A interposição de emendas pelo Congresso Nacional aos tratados deve ser utilizada extrema prudência e pode ou não representar uma recusa aos mesmos. com Implicará em recusa nos casos em que: I) outra parte contratante de tratado, bilateral ou multilateral, não aceitar a modificação; 2) embora o tratado contenha cláusula admitindo emenda ou revisão de seu próprio texto, a emenda sugerida pelo Congresso não se harmoniza com as hipóteses aceitas. Não implicará em recusa do tratado, que poderá ter seguimento, se: I) em sendo o tratado bilateral, houver concordância da outra parte contratante com a emenda proposta; 2) em sendo o tratado multilateral, houver concordância das demais partes contratantes; 3) em sendo o tratado multilateral e havendo discrepância de parte contratante, existirem cláusulas a propósito de emenda e modificação do tratado e a emenda proposta se harmonizar com as mesmas. Essa opinião foi manifestada por Vicente Marotta Rangel na qualidade de consultor jurídico Ministério das Relações Exteriores e já sob a égide da Constituição de 1988." MEDEIROS, gio Antônio Antõnio Paulo Cachapuz. O Poder de Celebrar Fabris Editor, 1995, p. 442. Tratados. Porto Alegre, do Sér- (50) "Como ha dicho Basdevant..., la redacción y firma de un acuerdo internacional son los actos por media de los cuales se expresa la voluntad de los Estados contratantes: la ratifieación es el aeto por el cual la voluntad así expresada es confirmada por la autoridad competente, con el propósito de darle fuerza obligatoria." I.c.J. Raports, apud ARÉCHAGA, Eduardo tomo I. Montevideo, fcu, 1996, p. 211. Jiménes de. Derecho Internacional Público, Tratados Internacionais no Brasil e Integração "Art. 84. Compete privativamente pública: 31 ao Presidente da Re- VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos; VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional". No Brasil, compete ao Presidente da República qualquer forma de relacionamento externo, compreendida também a ratificação dos tratados internacionais. "Basicamente, a ratificação se consuma pela comunicação formal à outra parte, ou ao depositário, do ânimo definitivo de ingressar no domínio jurídico do tratado. Não seria sensato que, nos tratados coletivos, o Estado devesse promover a ratificação perante cada um dos demais pactuantes. O que sucede nesse caso é o depósito do instrumento de ratificação, cuja notícia será dada aos interessados pelo depositário'v'". Dessa forma, no caso de tratados multilaterais, o Brasil envia uma nota diplomática ao Estado depositário, que normalmente é o país que sediou as negociações, e este cuidará de comunicar a ratificação brasileira aos demais Estados-partes. Cumpre questionar se poderia o Presidente da República deixar de ratificar um tratado internacional que tenha sido aprovado pelo Congresso Nacional brasileiro. Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros ensina que "a aprovação do Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo, não torna o tratado obrigatório, pois o Executivo tem a liberdade de ratificá-lo ou não, conforme julgar conveniente. São exemplos de atos internacionais submetidos ao Congresso Nacional, aprovados por este e, posteriormente, não ratificados pelo Governo, as Convenções sobre o Mar Territorial e a Zona Contígua, sobre Alto- Mar, sobre Pesca e Conservação dos Recursos Vivos do AltoMar e sobre a Plataforma Continental, concluídas em Genebra a 29 de abril de 1958, às quais o Legislativo deu seu assentimento em 1968"(52). (51) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional (52) MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz. Sérgio Antônio Fabris Editor, 1995, p. 469. Público. São Paulo, Saraiva, O Poder de Celebrar Tratados. 1995, p. 59/60. Porto Alegre, 32 Sérgio Mourão Corrêa Lima Entretanto, no Brasil, no caso de tratados internacionais "que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional", o teor do artigo 49 da Constituição Federal pode ensejar entendimento diverso. Diz o referido dispositivo: "Art. 49. É da competência exclusivado Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional". o termo "definitivamente" sugere que a aprovação por parte do Congresso Nacional vincule o Presidente da República. A apresentação de reservas, na hipótese dos tratados internacionais "que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional", deixa de ser facultativa para tornar-se obrigatória. Reservas O Poder Executivo, ao ratificar os tratados internacionais, deve comunicar suas próprias reservas, bem como as reservas e emendas apresentadas pelo Congresso Nacional, às demais partes contratantes. Dessa forma, o Presidente da República pode, também no momento da ratificação, formular reservas aos tratados internacionais.v" Quorum Entretanto, para que o tratado internacional passe a surtir efeitos no âmbito internacional, não basta a ratificação por qualquer número de Estados. É necessário que o quorum de ratificação tenha sido satisfeito, ou seja, que o número mínimo de Estados estabelecido no texto do tratado internacional o tenha ratificado. (53) "Artigo Formulação Um Estado pode, ao assinar, uma reserva, a não ser que: a) a reserva seja proibida ratificar, 19 de Reservas aceitar, aprovar um tratado, ou a ele aderir, formular pelo tratado; b) o tratado disponha que só possam ser formuladas não se inclui a reserva em pauta, ou c) nos casos que não sejam previstos objeto e a finalidade do tratado." nas alineas determinadas a e b, a reserva reservas, entre as quais seja incompatível com o TratadosInternacionaisno Brasil e Integração Atendidas as seguintes condições suspensivas, tratado no plano internacional tem início: 33 a vigência do • a aprovação (Plano Interno); • a ratificação • o atendimento (Plano Externo); e do quorum (Plano Externo). É que estariam afastados os obstáculos que, segundo o Professor Orlando Gomes, suspendem "o começo da execução do contrato". 22 Momento: Promulgação e Publicação (Plano Interno) Ultrapassada a fase da Aprovação, tanto a Ratificação quanto a Promulgação, constituem o segundo momento do procedimento de um tratado internacional. A Ratificação, se atendido o quorum, atribui vigência ao tratado no plano internacional. Já no plano interno brasileiro, o acordo internacional ganha vigência com a implementação da quarta condição suspensiva, qual seja, a publicação de Decreto promulgado pelo Presidente da República. José Afonso da Silva ensina que promulgação e publicação da lei "Não configuram atos de natureza legislativa. Rigorosamente, não integram o processo legislativo .... A promulgação não passa de mera comunicação, aos destinatários da lei, de que esta foi criada com determinado conteúdo. Neste sentido, pode-se dizer que é o meio de constatar a existência da lei; esta é perfeita antes de ser promulgada; a promulgação não faz a lei, mas os efeitos dela somente se produzem depois daquela. O ato de promulgação tem, assim, como conteúdo, a presunção de que a lei promulgada é válida, executória e potencialmente obrigatória. Mas, para que a lei se considere efetivamente promulgada, é necessário a publicação do ato, para ciência aos seus destinatários; não do ato de promulgação a seco, e sim com o texto promulgado. A lei só se torna eficaz (isto é, em condição de produzir seus efeitos) com a promulgação publicada. A promulgação é obrigatória. Cabe ao Presidente da República": SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1968, p. 455. 34 Sérgio Mourão Corrêa Lima "Art. 84 .... IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução">" Todos esses ensinamentos também se aplicam aos tratados internacionais. "No Brasil se promulgam, por decreto do presidente da República, todos os tratados que tenham feito objeto de aprovação congressional. ... O decreto de promulgação não constitui reclamo constitucional: ele é produto de uma praxe tão antiga quanto a Independência e os primeiros exercícios convencionais do Império. Cuida-se de um decreto, unicamente porque os atos do chefe de Estado costumam ter este nome .... Publica-os, pois, o órgão oficial, para que o tratado - cujo texto completo vai em anexo - se introduza na ordem legal, e opere desde o momento próprio"(55). Werter Faria leciona que "a vigência interna ... freqüentemente, se dá após já ter sido iniciada a vigência no plano externoP", Entretanto, nada impede que a vigência interna do texto do tratado preceda a vigência no âmbito internacional. Pode ocorrer, ainda, que o texto negociado, assinado e aprovado ganhe vigência no âmbito interno e nem sequer se transforme em um tratado. Isto se verifica quando o quorum de Estados ratificantes não é atendido e, conseqüentemente, não se forma o vínculo obrigacional. No caso da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, concluída em Montego Bay, o "Brasil, que ratificou a Convenção em dezembro de 1988, tratou de ajustar seu direito interno aos preceitos daquela antes mesmo da entrada em vigor -- e, pois, antes de encontrar-se obrigado no plano internacional.t'P" • Considerando que "no Brasil se promulgam, por decreto do presidente da Repúblíca, todos os tratados'Y"; (54) Constituição (55) REZEK, Federal brasileira 1. Francisco. de 1988, artigo 84, IV. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 84. (56) FARIA, Werter, Os Efeitos do Artigo 98 do Código Tributário Nacional de Integração do Mercosul. Brasília, Senado Federal, 1994, p. 64. e o Processo (57) REZEK, J. Francisco. Direito Internacional 1995, p. 306. (58) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. Público. São Paulo, Saraiva, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 84. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 35 • Considerando que, quando o Brasil apresentou o seu instrumento de ratificação, o quorum de sessenta Estados, necessário à vigência da Convenção de Montego Bay no âmbito internacional, ainda não havia sido satisfeito; • Considerando que o vínculo obrigacional somente se consolidou quando foi atingido o número de Estados e Organizações Internacionais estabelecido como quorum pela Convenção de Montego Bay; e • Considerando que em 1993, quando o texto negociado, assinado e aprovado pelo Congresso Nacional, ganhou vigência no Brasil, tratado ainda não existia, o texto da Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar ganhou vigência no Brasil através da Lei n. 8.617, de 4 de janeiro de 1993. Portanto, o texto de acordos internacionais que, apesar de aprovados pelo Congresso Nacional, ainda não constituam tratados são sancionados e promulgados pelo Presidente da República e postos em vigor no Brasil sobre a forma de Lei, devidamente publicada. Novamente constata-se a impropriedade da pretensão de conferir vigência interna aos tratados internacionais a partir da publicação do decreto legislativo do Presidente do Senado Federal. N o momento em que o Presidente da República é informado da aprovação do texto do tratado no Senado Federal, o Estado brasileiro nem sequer integra o vínculo obrigacional. Pode ser, ainda, que este nem venha a se implementar, caso o quorum de Estados ratificantes não seja atendido. Nessa hipótese, constata-se que o texto aprovado pode ganhar vigência sob a forma de Lei, depois de sancionado e promulgado pelo presidente da República e publicado. Assim, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.480-3, o Ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal proferiu decisão em que apresentou as seguintes considerações: "Todos sabemos que o decreto presidencial, que sucede a aprovação congressual do ato internacional e a troca dos respectivos instrumentos de ratificação, revela-se - enquanto momento culminante do processo de incorporação desse cito internacional ao sistema doméstico - manifestação essencial e insuprível, especialmente se considerarmos os três efeitos básicos que lhe são 36 Sérgio Mourão Corrêa Lima pertinentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno". Posteriormente, em decisão proferida em 4 de maio de 1998, na Carta Rogatória n. 8.279 da República Argentina, o Supremo Tribunal Federal reiterou o posicionamento anterior, demonstrando a impropriedade do entendimento daqueles que sustentam que a vigência interna dos tratados internacionais decorre do decreto do Presidente do Senado Federal: "O Protocolo de Medidas Cautelares ... embora aprovado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo n. 192/95), não se acha formalmente incorporado ao sistema de direito positivo interno vigente no Brasil, pois, a despeito de já ratificado (instrumento de ratificação depositado em 18/3/97), ainda não foi promulgado, mediante decreto, pelo Presidente da República". Estatura Hierárquica dos Tratados o "direito internacional é indiferente ao método eleito pelo Estado para promover a recepção da norma convencional por seu ordenamento jurídico. Importa-lhe tão-só que o tratado seja, de boafé, cumprido pelas partes'v'?'. Dessa forma, a outros Estados ou Organizações Internacionais que participem com o Brasil de um tratado interessa saber se ele está sendo cumprido. Caso não esteja, estaremos diante de um ilícito de Direito Internacional Público, o que potencialmente acarretará um conflito internacional. Este será resolvido mediante uma das formas de solução de controvérsias que se apresentam no plano internacional. Temos, como exemplo, o conflito a respeito das cotas de importação de veículos impostas pelo governo brasileiro. Vários Estados e Organizações Internacionais entendem que a imposição de cotas afronta tratados celebrados no âmbito da OMC - Organização Mundial do Comércio. Dentre as disposições internacionais ofendidas pela prática brasileira está o disposto nos artigos XI e XIII do GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, firmado em 1947: "ARTIGO XI 1) Nenhuma parte contratante instituirá ou manterá, para a importação de um produto originário do território de outra parte contratante, proibições ou restrições ... , quer a sua aplicação seja feita por meio de contingentes, de licenças de importação ou exportação, quer por outro qualquer processo". "ARTIGO XIII 1) Nenhuma proibição ou restrição será aplicada por uma parte contratante à importação de um produto originário do território de outra parte contratante ..." Pelo ilícito de Direito Internacional Público, vários Estados e a Organização Internacional, Comunidade Européia, se sentiram ofen(59) REZEK, J. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 83. 38 Sérgio Mourão Corrêa Lima didos e acionaram os mecanismos de solução de controvérsias previstos no âmbito da OMC - Organização Mundial do Comércio. Entretanto, também as pessoas físicas e jurídicas podem se voltar, no plano interno brasileiro, contra práticas das autoridade públicas que consistam em afrontas a tratados internacionais porque "os particulares, em nosso sistema jurídico, podem ser diretamente alcançados pelos dispositivos convencionais'v?'. É que, recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro, através do procedimento já referido, os tratados internacionais são normas indubitavelmente reconhecidas no Brasil. Apesar de acolher expressamente os tratados internacionais, a Constituição Federal de 1988 foi omissa em definir sua estatura hierárquica. Dessa forma, os práticos do Direito sentem certa dificuldade diante dos tratados internacionais. Jorge Fontoura denuncia que permanecemos "sem saber exatamente o que o tratado internacional significa no âmbito de nosso ordenamento jurídico, qual a sua hierarquia na proverbial 'pirâmide das leis', diante da claudicante e imprecisa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (no qual o Recurso Extraordinário n. 71.174, proveniente do Estado do Paraná e relatado pelo eminente Ministro Oswaldo Trigueiro, em 1971, continua fazendo as vezes de leading case) e mesmo diante do silêncio obsequioso da Constituição de 1988, claramente os tempos não são mais os mesmos'<"!'. Uma análise do artigo 102, IH, b, da Constituição Federal de 1988 faz entender que o Brasil não segue "o singular exemplo da Holanda, em cujo sistema jurídico o vértice da pirâmide normativa é destinado aos tratados internacionais, que, após aprovação pelo Parlamento, poderão em certos casos modificar preceitos constitucionais'v'". O artigo 102, I1I, b, assim dispõe: "Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (60) FARIA, Werter. Os Efeitos do Artigo 98 do Código Tributário Nacional de Integração do Mercosul. Brasília, Senado Federal, 1994, p. 24. (61) FONTOURA, Jorge. In ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul ra Juridico-Institucional. Curitiba, Juruá, 1996, p. 10. & União Européia e o Processo - Estrutu- (62) RAMOS, Rui Moura. In FARIA, Werter. Os Eleitos do Artigo 98 do Código Tributário Nacional e o Processo de Integração do Mercosul. Brasília, Senado Federal, 1994, p. 14. Tratados Internacionais 39 no Brasil e Integração 111 - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal". A possibilidade de declaração de inconstitucionalidade, por si só, demonstra que, no Brasil, os tratados internacionais têm estatura hierárquica inferior à Constituição Federal. Tanto o artigo l02, 11I, b, quanto o artigo 105, 11I, a, sugerem a equivalência hierárquica entre tratados e leis federais. Vejamos o que dispõe este último: "Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: 111 - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência". O Recurso Extraordinário n. 80.004 - SE, ainda sob a égide da Constituição anterior, repercute, ainda hoje, no estudo da estatura hierárquica do tratado internacional no Brasil. Sua ementa dizia: "Embora a Convenção de Genebra, que previu uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias, tenha aplicabilidade no direito brasileiro, não se sobrepõe ela às leis do País, disso decorrendo a constitucionalidade e conseqüente validade do Decreto-lei n. 427/1969, que instituiu o registro obrigatório da Nota Promissória em Repartição Fazendária, sob pena de nulidade do título"(63). Posteriormente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça vem se mantendo no mesmo sentido. Vejamos alguns exemplos: Supremo Tribunal Federal: " ... exame comparativo entre a regra estatal questionada e qualquer outra espécie jurídica de natureza infraconstitucio(63) Recurso Extraordinário n. 80.004 - SE (I º de junho de 1977). Sérgio Mourão Corrêa Lima 40 nal, como os atos internacionais - inclusive aqueles celebrados no âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT) - que já se acham incorporados ao direito positivo interno do Brasil, pois os Tratados concluídos pelo Estado Federal possuem, em nosso sistema normativo, o mesmo grau de autoridade e de eficácia das leis nacionais'v'". (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.347 - DF) Superior Tribunal de Justiça: "O Tratado Internacional situa-se formalmente no mesmo nível hierárquico da lei, a ela se equiparando. A prevalência de um ou outro regula-se pela sucessão no tempo"(65l. (Recurso Especial n. 0074376 - RJ) Werter Faria observa que, dessa forma, nosso sistema "estaria agrupado junto aos sistemas menos obsequiosos quanto ao direito internacional, que admitem apenas uma paridade entre as normas convencionais e a legislação comum estatal't''?', Assim, diante de conflito entre tratado internacional e outras normas internas brasileiras, devemos nos pautar pelos seguintes critérios sucessivos: Primeiro: Prevalece a norma hierarquicamente superior. Segundo: Havendo equivalência hierárquica, prevalece a norma posterior. Desta forma, temos: Tratado Internacional x Constituição Federal prevalece a Constituição Federal Tratado Internacional x Lei Federal prevalece a norma posterior (64) Ação Direta Celso Mello. (65) Recurso de Inconstitucionalidade Especial n. 0074376 - n. 1.347 - RJ, 1995, Relator: DF, Tribunal Min. Eduardo Pleno, Relator: Min. Ribeiro. (66) FARIA, Werter. Os Eleitos do Artigo 98 do Código Tributário Nacional de Integração do Mercosul. Brasília, Senado Federal, 1994, p. 28. e o Processo Tratados Internacionais no Brasil e Integração Tratado Internacional x Tratado Internacional x 41 prevalece o Tratado Internacional Lei Estadual ou Lei Municipal Atos Administrativos (Decretos, Portarias, Circulares) prevalece o Tratado Internacional Dessa forma, o Ministro Francisco Rezek já lecionava que "os tratados vigem com sua roupagem original de tratados, e nessa qualidade e sob exato titulo revogam direito anterior de produção interna"(67)de mesma hierarquia. Entretanto, as Leis Federais posteriores não revogam os tratados internacionais anteriores, mas, tão-somente, afastam a aplicação destes. Este foi o entendimento constante do "voto de Leitão de Abreu relativo ao RE 80.004, julgado pelo Supremo Tribunal Federal entre 1975 e 1977. Ao analisar o conflito entre tratado e lei federal, ainda sob o prisma da Ordem constitucional de 1969, preleciona: a lei posterior, em tal caso, não revoga em sentido técnico o tratado, senão lhe afasta a aplicação. A diferença está em que, se a lei revogasse o tratado, este não voltaria a aplicar-se, na parte revogada, pela revogação pura e simples da lei dita revogatória. Mas como, a meu juízo, a lei não revoga, mas simplesmente afasta, enquanto em vigor, as normas do tratado com ela incompatíveis, voltará ele a aplicar-se, se revogada a lei que impediu a aplicação das prescrições nele consubstanciadas'v'". Lei Federal: Lei Complementar e Lei Ordinária Dispondo sobre o processo legislativo brasileiro, ção Federal de 1988 traz: a Constitui- "Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: 11~ leis complementares; III ~ leis ordinárias". (67) REZEK, .r. Francisco. Direito dos Tratados. Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 383. (68) FARIA, Werter. Os Efeitos do Artigo 98 do Código Tributário Nacional de Integração do Mercosul. Brasília, Senado Federal, 1994, p. 28. e o Processo 42 Sérgio Mourão Corrêa Lima "Assim, '" a lei complementar é elaborada como lei ordinária'"?". Ambas têm, ainda, o mesmo âmbito de aplicação espacial, ou seja, vigoram em toda a República Federativa do Brasil. Portanto, caracterizam-se como espécies de lei federal. "As leis complementares .., caracterizam-se pelos assuntos que a Carta lhe reserva e pelo quorum de aprovação. Assim, aquelas matérias indicadas na Constituição como próprias de lei complementar não podem ser tratadas pelas leis ordinárias'V'". Dessa forma, o "campo de abrangência da lei ordinária é o residual ... Há matérias vedadas à lei ordinária: a primeira delas consiste naquelas reservadas à lei complementar'V". Constata-se, assim, que as leis complementares e as leis ordinárias são idênticas e têm "os mesmos ... órgão de emissão e ... âmbito de validade espacial ... [sendo] diferentes somente no quorum de votação ... e no conteúdo'<"! Temos assim: Lei Complementar órgão de emissão: Congresso Nacional âmbito de validade: República Federativa do Brasil quorum de votação: "maioria absoluta "(7) dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (50% + I dos membros) Lei Ordinária Congresso Nacional República Federativa do Brasil "maioria simples" dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, "presente a maioria absoluta de seus membros "(74) (50% + I dos presentes) (69) FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Saraiva, 1994, p. 185. (70) CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Didático. Belo Del Rey, 1996, p. 332. (71) CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Didático. Belo Del Rey, 1996, p. 334. (72) COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 Tributário. Forense, 1992, p. 118. (73) Constituição Federal de 1988: Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta. São Paulo, Horizonte, Horizonte, - Sistema (74) Constituição Federal de 1988: Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros. Tratados Internacionais 43 no Brasil e Integração conteúdo: Lei Complementar Lei Ordinária matéria estabelecida na Constituição matéria residual Tratado: Lei Complementar e Lei Ordinária Não há dúvidas de que o tratado internacional é "produzido em foro diverso das fontes legislativas domésticas" (75). Enquanto a lei federal é produzida pelo poder estatal que exerça as funções legislativas, o tratado é originário do plano internacional, precisamente, do acordo de vontades dos Estados e organizações internacionais. Entretanto, o trâmite dos tratados internacionais no Congresso Nacional não diverge significativamente daquele a que são submetidas as leis federais. "Tramita o projeto de ato internacional em ambas as Casas Legislativas, acompanhado de Mensagem Presidencial e Exposição de Motivos do Ministério das Relações Exteriores ... A matéria é discutida e votada, separadamente, primeiro na Câmara, depois no Senado. A aprovação do Congresso implica, nesse contexto, a aprovação de uma e outra das suas duas casas. Tanto a Câmara quanto o Senado possuem comissões especializadas ratione materiae, cujos estudos e pareceres precedem a votação em plenário. O exame do tratado internacional costuma envolver, numa e noutra das casas, pelo menos duas das respectivas comissões: a de relações exteriores e a de Constituição e justiça"?". Uma análise dos Deputados e decreto legislativo mite dos projetos mais apurada dos Regimentos Internos da Câmara do Senado Federal demonstra que "o projeto de referente a atos internacionais" tem o mesmo trâde lei. Quanto à importância dos Regimentos Internos das duas casas que integram o Congresso Nacional, Raul Machado Horta ensina que "a constitucionalização de normas regimentais não desqualifica (75) REZEK, 84/86. José Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, (76) FARIA, Werter. Os Efeitos do Artigo 98 do Código Tributário Nacional de Integração do Mercosul. Brasília, Senado Federal, 1994, p. 22. 1991, p. e o Processo 44 Sérgio Mourão Corrêa Lima a importância do Regimento Interno como fonte subsidiária do processo legislativo. No sistema político brasileiro, o Regimento Interno das duas Casas e o Regimento Comum do Congresso Nacional encerram as normas mais desenvolvidas do processo legislativo, complementando a Constituição'?'?". Além de não distinguir "o projeto de decreto legislativo referente a atos internacionais" do projeto de lei, quanto ao trâmite, os Regimentos Internos também não apresentam um quorum próprio para os tratados internacionais. Assim, temos que o quorum de aprovação do "projeto de decreto legislativo referente a atos internacionais" é o mesmo aplicável às leis federais. Isto implica a variação de quorum de acordo com a matéria. Assim, os tratados internacionais que abordem questões reservadas à lei complementar devem merecer aprovação congressional pela maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Diversamente, aqueles que versem sobre matéria atinente à lei ordinária devem contar com o voto da maioria dos presentes, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal. Cabe destacar, porém, que esta não tem sido a atitude do nosso órgão legislativo, que tem considerado aprovado todo e qualquer tipo de tratado internacional que tenha contado com o voto da maioria dos presentes, ainda que versando sobre matéria de lei complementar. Essa prática vem suscitando discussões judiciais recentes, como o episódio envolvendo a constitucionalidade da Convenção n. 158 celebrada no âmbito da OIT - Organização Internacional do Trabalho. É que esta convenção, apesar de versar sobre matéria atinente à lei complementar, foi aprovada pelo Congresso Nacional com quorum de lei ordinária. Vejamos trecho da decisão do Presidente do Supremo Tribunal Federal sobre essa questão, no pedido de liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade de n. 1.480-3, publicada no Diário da União em 2 de agosto de 1996: (77) HORTA, Raul Machado. p.531. Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte, Del Rey, Tratados Internacionais no Brasil e Integração 45 "ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DA CONVENÇÃO N. 158 DA OII Sustenta-se, na presente sede de controle normativo abstrato, que os arts. 4º a 10 da Convenção OII n. 158 qualificam-se como normas inconstitucionais ... sob o aspecto formal, porque esse ato internacional, mesmo já incorporado no sistema de direito positivo interno, não pode atuar como sucedâneo da lei complementar exigida pela Carta Política ... "(78). (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.480-3) Mais lógico seria que o Congresso Nacional brasileiro não só conferisse o mesmo trâmite da lei federal ao tratado internacional, mas também aplicasse ao "projeto de decreto legislativo referente a atos internacionais" o mesmo quorum diferenciado, conforme a matéria. Dessa forma, tratados internacionais teriam estatura hierárquica de lei federal, equivalendo à lei ordinária ou à lei complementar, de acordo com a matéria sobre a qual versasse. Este é o único entendimento compatível com uma interpretação analógica dos dispositivos constantes dos artigos 102, I1I, b, e 105, I1I, a: "Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: IH - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal". "Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: IH - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência". (78) Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.480-3, 1996. 46 Sérgio Mourão Corrêa Lima Tratados sobre Matéria Tributária No que tange às normas de natureza tributária, a questão mostrase um pouco mais controvertida, em razão do teor do artigo 98 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional: "Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha". Werter Faria sustenta que "A norma tributária de produção interna não tem força para modificar normas internacionais matéria. O preceito impõe que as últimas sejam respeitadas; mos: ' ... e serão observadas pela que lhes sobrevenha'Y", Não obstante, a jurisprudência "2. Os Decretos-leis, por sua hierarquia inferior, não têm o condão de alterar ou restringir os tratados e as convenções internacionais firmados pelo Brasil (art. 98 do CTN)"(HoI. (REO n. 100717 - BA) x sobre a reitera- não é pacífica: "O mandamento contido no artigo 98 do CTN não atribui ascendência às normas de direito internacional em detrimento do direito positivo interno, mas, ao revés, posiciona-as em nível idêntico, conferindo-lhes efeitos semelhantes'x"'. (REsp. N. 37065 - PR) Tratados sobre Direitos Humanos Também há que se fazer referência especial aos tratados internacionais que versam sobre direitos humanos. O artigo 5º da Constituição Federal nos apresenta um rol de direitos e garantias fundamentais. O § 2º deste artigo faz expressa referência a tratados nos seguintes termos: "Art. 5º ... (79) FARIA, Werter. Os EFeitos do Artigo 98 do Código Tributário Nacional de Integração do Mercosul. Brasília, Senado Federal, 1994, p. 66. (80) Tribunal Regional Federal Relator: Juiz Gomes da Silva. I ª Região, Remessa (81) Recurso - Especial n. 0037065 e o Processo Ex Officio n. 0100717 .- BA, 1990, PR, 1993, Relator: Min. Demócrito Reinaldo. Tratados Internacionais § 2º Os não excluem ela adotados, ca Federativa 47 no Brasil e Integração direitos e garantias expressos nesta Constituição outros decorrentes do regime e dos princípios por ou dos tratados internacionais em que a Repúblido Brasil seja parte". Interpretando esse dispositivo constitucional no que tange aos tratados internacionais, Fernando Luiz Ximenes Rocha sustenta que "os direitos garantidos nos tratados humanos em que a República Federativa do Brasil é parte recebe tratamento especial, inserindose no elenco dos direitos constitucionais fundamentais'Y". Tratados e a Função do Poder Judiciário O mais importante é que as pessoas físicas e jurídicas tomem ciência de que podem, no plano interno brasileiro, recorrer ao Poder Judiciário para fazer valer direitos constantes de Tratados Internacionais. Para tanto, espera-se do Poder Judiciário brasileiro mais atenção às questões envolvendo tratados internacionais, uma vez que "a função do Judiciário, por seu turno, tem feitio próprio: não lhe incumbe executar tratados, senão garantir, ante o caso concreto, que não se veja frustrado - pela administração governamental, pelos indivíduos - seu fiel cumprimentov". (82) ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. A incorporação dos Tratados e Convenções internacionais de Direitos Humanos no Direito Brasileiro. in Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 33, n. 130, abril/junho 1996, p. 81. (83) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 86. Supranacionalidade de Normas o Estado No plano dos Estados, o "poder '" exercido por um governo sobre população residente dentro do território do Estado'V" é concebido "como um sistema em que se conjugam um legislativo, um executivo e um judiciário, harmônicos e independentes entre si"(85). Trata-se da teoria da separação dos poderes, tal como vislumbrada por Montesquieu. Tanto o legislativo quanto o executivo e o judiciário referidos detêm como função básica a produção normativa. Hans Kelsen destaca que essa função consiste "tanto na produção de normas jurídicas gerais por via legislativa e consuetudinária como nas resoluções das autoridades administrativas'Y'", Aponta, ainda que "os tribunais aplicam as normas jurídicas gerais ao estabelecerem normas individuais, determinadas, quanto ao seu conteúdo, pelas normas jurídicas gerais'V", Assim, no âmbito dos Estados, pode-se concluir que: • a "legislação", a atividade do poder legislativo, consiste na produção de normas gerais, ou seja, as leis; • a "administração", a atividade do poder executivo, consiste na aplicação das leis mediante a produção de normas regulamentares, ou seja, de atos administrativos; e • a "jurisdição'v'", atividade do poder judiciário, consiste na interpretação das leis gerais através de normas individuais, ou seja, das decisões. (84) KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra, Armênio Amado, 1974, p. 389. (85) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos va, 1985, IIªed.,p.191. de Teoria Geral do Estado. São Paulo, Sarai- (86) KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra, Armênio Amado, 1974, p. 328. (87) KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra, Armênio Amado, 1974, p. 328. (88) Conforme ensinamentos do Prof. Aroldo Plínio Gonçalves, a legislação, a administração e a jurisdição são as três atividades que competem ao Estado - aula proferida no dia 10 de março de 1998, para os alunos do Doutorado, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 49 Tratados Internacionais no Brasil e Integração Temos, assim, a existência de três espécies diversas de normas: as leis, os atos administrativos e as decisões jurisdicionais. Essas três espécies de normas podem estar sujeitas à supranacionalidade. Supranacionalidade o Dicionário da Língua Portuguesa do termo supranacional: nos sugere o significado supranacional. [De supra + nacional.] Adj. 2 g. Diz-se daquilo que transcende o conceito de nação, do que é nacionalv?'. Dalmo de Abreu Dallari explica que nação é a "expressão do povo como unidade homogênea'V?'. Dessa forma, supranacionalidade consiste na imponibilidade de algo sobre determinado povo, como um todo, em razão de seu caráter "supra". Supranacionalidade Voluntária No plano interno dos Estados, as declarações unilaterais de vontade geram efeitos jurídicos. Washington de Barros Monteiro explica que "não são [os Contratos] apenas que geram obrigações. Também as declarações unilaterais de vontade têm a mesma virtude; nesse caso, não é a conjugação de vontades que dá origem ao vínculo obrigacional; ao inverso, nasce a obrigação da simples declaração de uma única vontade; esta, uma vez emitida, torna-se exigível ... , chegando ao conhecimento da pessoa determinada ou indeterminada, a quem é dirigida'"?", Francisco Rezek aponta que no plano internacional os atos unilaterais podem fazer nascer o direito, sendo, portanto, considerados fonte do Direito Internacional Público. Fundamenta, afirmando que "o ato normativo unilateralassim chamado por promanar da von(89) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986, p. 1632. (90) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos Saraiva, 1985, p. 71. (91) MONTEIRO, Washington Saraiva, 1962, p. 391. Novo Dicionário da Língua de Teoria Geral do Estado. de Barros. Curso de Direito Civil - II Portuguesa. ª ed. São Paulo, 22 Volume. São Paulo, Sérgio Mourão Corrêa Lima 50 tade de uma única soberania - pode casualmente voltar-se para o exterior, em seu objeto, habilitando-se à qualidade de fonte do direito internacional na medida em que possa ser invocado por outros Estados em abono de uma vindicação qualquer, ou como esteio da licitude de certo procedimento'v'", Dessa forma, nada impede que um Estado, unilateralmente, manifeste sua vontade no sentido de que as normas constantes dos tratados internacionais sejam imponíveis à sua população, como um todo. Esta manifestação unilateral de vontade por parte do Estado se manifesta através da lei fundamental de cada Estado. Transferência de Competências Trata-se, in casu, do instituto da transferência de competências. Dalmo de Abreu Dallari leciona o seguinte, no que tange à "Transferência constitucional de competências[:] Outra ocorrência, mais ou menos freqüente é a transferência de competências, por meio de reforma constitucional ou até da promulgação de novas Constituições'<?". Exemplificando o referido instituto, Gonzalo Aguirre Ramirez informa que "Foi a Constituição holandesa a única que tentou definir o caráter auto-executório das normas convencionais internacionais. Seu art. 93 ... dispõe a obrigatoriedade não condicionada - ou seja, sua aplicação imediata e direta ... dos tratados ... toda vez que ... 'possam obrigar aos particulares em virtude de seu conteúdo "'(94). É que, na Holanda, "o vértice da pirâmide normativa é destinado aos tratados internacionais, que ... poderão em certos casos mo(92) REZEK, 1. Francisco. Direito Intemacional (93) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos va, 1985, IIªed.,p.195. Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 141/142. de Teoria Geral do Estado. São Paulo, Sarai- (94) "Ha sido la Constitución holandesa la única que ha intentado superar esta dificultad y definir el carácter auto-ejecutorio de las normas convencionales internacionales. Su art. 93, según ya dijimos, dispone la obligatoriedad no condicionada -- o sea, su aplicación inmediata y dirccta - no só lo de los tratados sino también 'de las resoluciones de las instituciones internacionales' toda vez que unos y otras 'puedan obligar a los particulares cn virtud de su contenido "'. SOSA, Angel Landoni. Curso de Derecho cosur. Montevidco, fcu, 1997, p. 20. Procesal lnternacional y Comunitario dei Mer- Tratados Internacionais no Brasil e Integração 51 dificar preceitos constitucionais'"?", explica Werter Faria ("Artigos 60 e 63 da Constituição Holandesa'"?"). Dessa forma, pode o Estado, através de dispositivo constitucional interno, prever a supranacionalidade de tratados internacionais, no que tange a ele próprio. Ou seja, com relação a este Estado, o tratado tem caráter supranacional. Trata-se de supranacionalidade voluntária das normas de tratado internacional, implementada através do instituto da transferência de competências. Supranacionalidade das Normas de Tratados Internacionais Na hipótese, estamos abordando a supranacionalidade das normas constantes dos tratados internacionais. Estes certamente não se caracterizam como substitutivos de atos administrativos ou decisões judiciárias. Assim, os tratados internacionais caracterizam-se como normas que se prestam à mesma função exercida pelo Poder Legislativo. Concluímos, portanto, que a supranacionalidade das normas de tratados internacionais decorre da transferência voluntária de algumas das competências do poder legislativo do Estado. Por ora, cabe destacar que o instituto da transferência de competências não se confunde com aquele da delegação de poderes, que será abordado mais adiante. É que, para o exercício do poder, a Constituição institui órgãos que, como ensina Celso Ribeiro Bastos, "nada mais são que um feixe, um conjunto de competências .,. que incumbe aos seus agentes'v'". Dessa forma, a transferência, aos tratados internacionais, de algumas das competências de órgãos que integram os poderes dos Estados não se confunde com a delegação do próprio poder, conforme explicitaremos mais adiante. (95) FARIA, Werter. Os Efeitos do Artigo 98 do Código Tributário Nacional de Integração do Mercosul. Brasília, Senado Federal, 1994. p. 14. e o Processo (96) FARIA, Werter. Os Efeitos do Artigo 98 do Código Tributário Nacional de Integração do Mercosul . Brasília, Senado Federal, 1994, p. 14. e o Processo (97) BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Brasil. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 136. Ives Gandra. Comentários á Constituição do Organizações Internacionais o fenômeno organizacional adquire grande relevo no século XX, especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial. Calcula-se a existência, na atualidade, de aproximadamente trezentas e cinqüenta organizações internacionais, sendo uma centena delas de âmbito universal'v'". Essas centenas de Organizações Internacionais decorrem de acordos de vontades voltadas para um mesmo propósito. Estes acordos ou tratados podem ser celebrados por Estados e outras Organizações Internacionais. Ricardo Seitenfus, em seu magnífico Manual das Organizações Internacionais, leciona que estas podem ser definidas como "uma sociedade entre Estados, constituída através de um Tratado, com a finalidade de buscar interesses comuns através de uma permanente cooperação entre seus membros'"?", Entretanto, duas críticas podem ser apresentadas quanto a essa definição. Referem-se às partes e aos objetivos das organizações internacionais. Tal como acontece com as pessoas jurídicas nos planos internos dos Estados, as organizações internacionais podem figurar como parte de outra Organização Internacional. No Brasil, por exemplo, a empresa També Ltda., pessoa jurídica, e João, pessoa física, podem figurar como sócios da empresa Joambé Ltda. No plano internacional, as três Comunidades Européias, organizações internacionais, figuraram como parte na rodada de negociações do GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio"?", realizada no Uruguai em 1994. Consta da ata final das negociações: (98) JACQUÉ, Jean-Paul. In SEITENFUS, nais. Porto Alegre, Livraria do Advogado, (99) SEITENFUS, ria do Advogado, Ricardo. Manual 1997, p. 21. Ricardo. Manual das Organizações 1997, p. 27. (100) GATT significa General Agreement das Organizações Internacionais. on Tariffs and Trade. Internacio- Porto Alegre, Livra- Tratados Internacionais 53 no Brasil e Integração "Anexo ao Decreto 1.355, de 30 de dezembro de 1994. Ata Final em que se Incorporam os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais. 1. Tendo-se reunido com o objetivo de concluir a Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais, os representantes dos Governos e das Comunidades Européias, membros do Comitê de Negociações Comerciais, concordam que o Acordo de Estabelecimento da Organização Mundial do Comércio (denominado nesta Ata Final como 'Acordo Constitutivo da OMC'), as Declarações e Decisões Ministeriais e o Entendimento sobre os Compromissos em Serviços Financeiros, anexos à presente Ata, contêm os resultados de suas negociações e formam parte integral desta Ata Final". Cabe destacar que a União Européia, por não deter personalidade jurídica própria e, conseqüentemente, não se apresentar como uma organização internacional autônoma, não figurou como parte da Rodada Uruguai do GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio. É que a União Européia atualmente é formada pelo conjunto das três organizações internacionais criadas "pelo Tratado da CECA [Comunidade Econômica do Carvão e do Aço] e pelos Tratados CEE [Comunidade Econômica Européia] e CEEA [Comunidade Econômica de Energia Atômica - EURATOM]"(lOIJ. Bernard Rudden e Derrick Wyatt, da Universidade de Oxford, acrescentam que "o Tratado da Comunidade Econômica Européia ... foi afetado por modificações [instituídas pelo] ... Tratado da União Européia. Preliminarmente, percebe-se que o adjetivo 'econômico' foi excluído do nome da Comunidade [Econômica Européiaj'v'?". (101) "Desde otro aspecto, la subsistencia de las tres Comunidades europeas, juridicamente distintas y creadas en dos fases suecsivas, ha provocado algunas diferencias entre sus respectivos sistemas no obstante la gran similitud entre ellos. Por lo que se refiere a las cuestiones de forma, la denominación de los actos de las instituciones puede producir alguna confusión inicial por falta de coincidencia entre el Tratado del CECA, los Tratados CEE y CEEA y por la utilización de denominaciones preexistentes con un sentido distinto del habitual." DREYSIN DE KLOR, Adriana. El Mercosur - generador internacional privado. Buenos Aires, 1997, p. 2 11. de una nuevafuente de derecho (102) "We deal first with the changes, both in form and substance, to the EEC Treaty. Most of these are effected by amendments to that Treaty, but in a few cases articles are repealed and replaced by provisions ar the TEU. As a preliminary, we note that the adjective 54 Sérgio Mourão Corrêa Lima Assim, no âmbito europeu, três Organizações Internacionais integram a chamada União Européia. São elas, a Comunidade Européia do Carvão e do Aço, a Comunidade Econômica de Energia Atômica e a antiga Comunidade Econômica Européia, atual Comunidade Européia: UNIÃO EUROPÉIA CECA - Organização Internacional Comunidade Européia do Carvão e do Aço + CEEA - Organização Internacional Comunidade Econômica de Energia Atômica + Organização Internacional CE - Comunidade Européia Quanto à sua forma, a União Européia se assemelha a um consórcio de empresas que, segundo A. H. Boulton, é "a organização em que duas ou mais empresas cooperam de forma a agir como uma só entidade para um propósito específico'<"?'. "É, portanto, o agrupamento de sociedades, feito através de um contrato, com a finalidade de executar determinado ernpreendimento'v'?". Quanto aos objetivos, as Organizações Internacionais podem comportar outros propósitos mais amplos que a simples cooperação. Referimo-nos àquelas que têm por objetivo a integração. O Direito Internacional é de clareza cristalina. A compreensão de vários de seus conceitos não requer mais do que uma consulta ao Dicionário da Língua Portuguesa: 'economic' is dropped from lhe name of lhe Community, articles 7 and 8 becorne 6 and 7." that article 6 is excised, RUDDEN, Bernard e WYATT, Derrick. Press, 1994, p. 01. Laws. Oxford, Oxford University Basic Community and thal (103) "A consortium is 'an organization which is created when two or more companies operate so as to act as a single entity for a spccific and limited purpose'." BOULTON, de. London, A. H. In SCHMITTHOFF, Stevens, 1990, p. 343. (104) MARTINS, Fran. Comentários rense, 1978, p. 485. Clive M. The Law & Practice á Lei das Sociedades Anônimas. oflnternational Rio de Janeiro, coTraFo- Tratados Internacionais 55 no Brasil e Integração Cooperação Integração "cooperar. Vt.i. I. Operar ou obrar simultaneamente; trabalhar em comum; colaborar: cooperar para o bem público; cooperar em trabalhos de equipe. int. 2. Ajudar, auxiliar; colaborar'v'?", "integrar. Vt.d, I. Tornar inteiro: completar, inteirar, integralizar ... 3. Inteirar-se, completar-se ... 4. Juntarse, tornando-se parte integrante, reunir-se, incorporar-se ... "( 106) Portanto, constatamos a existência de Organizações Internacionais de cooperação e de integração. Estas têm objetivos bem mais amplos que aquelas. Não há dúvidas de que a colaboração intergovernamental, ou seja, entre Estados, é indubitavelmente bem menos expressiva que a integração destes. Celso Albuquerque Mello afirma que as Organizações Internacionais de integração "ainda são consideradas organizações internacionais, mas ao que tudo indica elas caminham para uma outra forma de associação de estados ainda desconhecida no DIP - Direito Internacional Público'v"?'. Podemos comparar a integração de Estados em uma Organização Internacional com o fenômeno da fusão de empresas. O artigo 228 da Lei das Sociedades Anônimas nos apresenta o conceito jurídico desse instituto. Trata-se da "operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações'<'?". Para o estudo desses novos fenômenos, "começa a aparecer um novo Direito, de elaboração plural entre os Estados'<'?". Trata-se do Direito de Integração. (lOS) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário tuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986, p. 472. Aurélio da Língua Por- (106) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário tuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 19R6, p. 955. Aurélio da Língua Por- (l07) MELLO, Celso D. de Albuquerque. neiro, Renovar, 1996, p. 113. (108) Lei n. 6.404, de 15 de dezembro Direito Internacional da Integração. Rio de Ja- de 1976, artigo 228. (109) BIDART, Adolfo Gelsi. In SOSA. Angel Landoni. Curso de Derecho Procesal Internacional y Comunitario dei Mercosur, Montevideo, fcu, 1997, p. 61. Direito Internacional Originário e Derivado Personalidade Originária x Personalidade Derivada Dissertando sobre a distinção entre as personalidades de Estados e das organizações internacionais, Felipe H. Paolillo aponta que "a diferença firma-se no fato de que os Estados são sujeitos originários e genuínos do sistema jurídico internacional, com plenitude de direitos e deveres; diversamente, as organizações internacionais são sujeitos criados pela vontade dos Estados para cumprir propósitos específicos, às quais somente se atribui capacidade necessária para cumprir ditos propósitos. Isto é assim porque enquanto a personalidade dos Estados repousa sobre a noção de soberania, a personalidade jurídica das organizações ínternacionais se baseia na noção de competência'""?'. Concluímos, portanto, que a personalidade internacional das Organizações deriva da personalidade originária dos Estados, na medida em que estes atribuem certas competências àquelas. Os tratados internacionais são os instrumentos por intermédio dos quais essas competências são atribuídas. Processo Decisório Dotada de capacidade para atender os propósitos de sua criação, a Organização Internacional passa a atuar efetivamente. "Em função do seu alcance e dos seus propósitos, a Organização Internacional pode ter estrutura mais ampla'"!'!' ou mais restrita. (lI O) "La diferencia radica en que los Estados son los sujetos originarias y genuinos del sitema juridico internacional, con la plenitud de los derechos y debcres; en cambio los organismos intcrnacionales son sujetos creados por la voluntad de los Estados para cumplir con propósitos específicos, a los que se les atribuye solamente la capacidad neccsaria para cumplir con dichos propósitos. Esta es asi porque mientras que la personalidad juridica de los Estados reposa sobre la noción de soberania, la personalidad jurídica de las organizaciones internacionales se basa cn la noción de cornpetencia." PAOLILLO, Felipe H. In ARÉCHAGA, Eduardo co, tomo 11. Montevideo, fcu, 1996, p. 34. Jiménes (lI I ) REZEK, 1. Francisco. Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 255. Direito Internacional de. Derecho Internacional Públi- Tratados Internacionais no Brasil e Integração 57 Francisco Rezek destaca que "dois órgãos, pelo menos, têm repontado como indispensáveis na estrutura de toda Organização Internacional, independentemente de seu alcance e finalidade: uma assembléia geral - onde todos os Estados-membros tenham voz e voto, em condições igualitárias, e que configure o centro de uma possível competência 'legislativa' da entidade - e uma secretaria, órgão de administração, de funcionamento perrnanente'<'!". Entretanto, nem sempre o órgão "que configur[a] o centro de uma possível competência 'legislativa'" recebe o nome de Assembléia Geral. No caso da Comunidade Européia, por exemplo, o órgão legislativo é denominado Conselho. Também não é sempre que "todos os Estados-membros [têm] voz e voto, em condições igualitárias". "O caso é bastante nítido na ordem econômica: assim o Conselho de Ministros das Comunidades Européias ... vota segundo um sistema ponderado que consagra a importância da contribuição de cada um"(I13). Também é possível que as competências legislativas sejam exercidas por mais de um órgão. No caso do Mercosul, por exemplo, a adoção de normas compete ao Conselho do Mercado Comum, ao Grupo Mercado Comum e à Comissão de Comércio do Mercosul. As noções mais elementares de teoria geral do Estado nos fazem recordar que "a função legislativa consiste na edição de regras ... "(l14). No âmbito das organizações internacionais, a produção de normas decorre de votação por parte de todos os membros, através de um sistema de tomada de decisões previamente definido pelo tratado constitutivo. Algo muito parecido acontece com as sociedades anônimas brasileiras, nas quais a "assembléia geral é a reunião dos acionistas convocada e instalada na forma da lei e dos estatutos, para deliberar sobre matéria de interesse social'<'!". Nas sociedades anônimas, no momento de constituição da empresa, os acionistas se reúnem e estabelecem, através de um Estatuto Social, as regras que vão reger a sociedade. A partir de então, as decisões passam a ser tomadas em consonância com as disposições estatutárias. (112) REZEK, p. 253/254. J. Francisco. (113) DUPUY, René-Jean. Direito Internacional O Direito Internacional. Público. São Paulo, Lisboa, Almedina, (114) SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional dos Tribunais, 1990, p. 95. Positivo. Saraiva, 1996, 1993, p. 116. São Paulo, Revista (115) CORRÊA LIMA, Osmar Brina. Curso de Direito Comercial - volume 2. Belo Horizonte, Del Rey, 1995, p. l Ol . Sérgio Mourão 58 Corrêa Lima o mesmo ocorre no plano internacional. No momento de constituição da Organização Internacional, os Estados-partes se reúnem em uma Conferência Diplomática Internacional e estabelecem, através de um tratado constitutivo, as regras que vão reger a organização. A partir de então, as decisões passam a ser tomadas em consonância com o método estabelecido no tratado. Há, entretanto, uma distinção marcante entre o processo decisório nos âmbitos de uma sociedade anônima e de uma Organização Internacional. Trata-se da questão da submissão da minoria à decisão. "De modo geral, as organizações internacionais contemporâneas não alcançaram ainda um estágio em que o princípio majoritário opere com vigor semelhante ao que se lhe atribui em assembléias regidas por direito interno (como as casas legislativas dos diversos países). Atuando em assembléia ou em conselho, numa Organização Internacional, o Estado soberano só se costuma sentir obrigado por quanto tenha sido decidido com seu voto favorável ... A submissão necessária da minoria não aparece, assim, como regra, mas como exceção, encontrável no quadro das Comunidades européias'v '". No caso do Mercosul não há que se falar em minoria em razão do dispositivo constante do artigo 37 do Protocolo de Ouro Preto: "Art. 37. As decisões dos órgãos do Mercosul serão tomadas por consenso e com a presença de todOS"(117). Adriana Dreysin de Klor esclarece que o conceito de consenso "deve distinguir-se da unanimidade já que segundo este mecanismo é necessária a conformidade expressa de todos os membros integrantes do corpo para que se possa tomar uma decisão. Quer dizer que todos devem estar presentes e votar da mesma forma. Diversamente, no consenso não é necessário que todos os membros votem, podem haver abstenções, sendo suficiente que não haja oposição contra a decisão a tomar"( 118). (116) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional (117) Protocolo de Ouro Preto celebrado de dezembro de 1994. (118) "Este neeesaria la pueda tomar En cambio, abstenciones, Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 255. entre Argentina, Brasil, Paraguai c Uruguai em 17 eoncepto debe distinguirse de la unanimidad ya que según este mecanismo es eonformidad expresa de todos los miembros integrantes deI euerpo para que se una decisión. Es decir que todos deben estar presentes y votar en igual forma. en el consenso no es necesario que todos los miembros voten, puede haber siendo suficiente que no haya oposición a la decisión a tomar;". DREYSIN DE KLOR, Adriana. El Mereosur ~. generador internacional privado. Buenos Aires, 1997, p. 78. de una nueva fuente de derccho Tratados Internacionais 59 no Brasil e Integração Direito Originário x Direito Derivado Vislumbramos, dessa forma, tanto no âmbito das Organizações Internacionais de cooperação quanto no campo daquelas de integração, duas espécies de normas. São elas originárias ou derivadas. As normas originárias são os tratados internacionais constitutivos das Organizações Internacionais, firmados pelos Estados-membros. Dispõem sobre a estrutura institucional, além de conterem as regras que vão reger as Organizações Internacionais a que se referem. "O tratado institutivo adquire assim um aspecto de norma constitucional a que as demais normas devem se subordinar'<'!", Comparando as alterações dos tratados internacionais constitutivos das Organizações Internacionais com as modificações das Constituições dos Estados, Ekmekdjian ensina que "os tratados internacionais que ... modificam as normas jurídicas fundamentais da comunidade, são algo similar às normas constitucionais dela"!"?'. As normas derivadas, por sua vez, são as decisões adotadas no âmbito da Organização Internacional. A título de exemplo, podemos analisar o ordenamento jurídico do Mercosul. "Dúvida não há de que o Tratado de Assunção, o Protocolo de Brasília, o Protocolo de Ouro Preto (direito originário), as decisões, resoluções e diretrizes (direito derivado) formam um ordenamento jurídico'<P!'. Cabe esclarecer que as decisões, as resoluções e as diretrizes são espécies de decisões (lato sensu) adotadas pelo Conselho do Mercado Comum, pelo Grupo Mercado Comum e pela Comissão de Comércio do Mercosul, respectivamente. Variantes Terminológicas Constatamos assim que também as decisões das organizações internacionais comportam variantes terminológicas. "Resoluções, recomendações, declarações, diretrizes: tais os títulos que usualmente (119) MELLO, Celso$D. de Albuquerque. neiro, Renovar, 1996, p. 101. Direito Internacional da Integração. (120) "Los tratados internacionales que crcan o modifican las estructuras mentales de la comunidad, son algo similar a las normas constitucionales EKMEKDJIAN, Miguel Ángel. tntroduccion Buenos Aires, Depalma, 1996. p. 79. 01 Derecho (121) ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia nal. Curitiba, Juruá, 1996, p. 98/99. Rio de Ja- juridicas de ella." funda- Comunit ario Latino americano. - Estrutura Juridico-Institucio- Sérgio Mourão Corrêa Lima 60 qualificam as decisões das Organizações râneas, variando o seu exato significado entidade de que se cuide"(122). Natureza Consensual Internacionais contempoe seus efeitos conforme a do Direito Derivado "Transparece, vez por outra, alguma dificuldade em estabelecer exata distinção entre as decisões das organizações internacionais e os tratados ... [No âmbito das organizações internacionais] - como nos demais setores do direito das gentes -, tudo repousa sobre o consentimento. Só que já não se trata de um consentimento ad hoc, voltado para a assunção do compromisso tópico, mas daquele outro, maior e prévio, externado à hora de se ditarem em comum, pela voz dos Estados fundadores, as regras do jogo organizacional'v-". Nesse ponto, as Organizações Internacionais não divergem das empresas. François Collart Dutilleul e Philippe Delebecque apontam que, "como [os demais] contratos, o contrato de empresa é um contrato consensual'<!"". Uma vez que as partes tenham manifestado suas vontades no momento de constituição da empresa, "o contrato de sociedade opera, na lição de Vivante, a transformação dos interesses individuais e divididos dos sócios em um único interesse coletivo, estabelecendose o ... interesse comum"(125). Produção do Direito Internacional Derivado Já verificamos que, no plano interno dos Estados, o "poder ... exercido por um governo sobre população residente dentro do território do Estado"(126), é concebido "como um sistema em que se conjugam um legislativo, um executivo e um judiciário, harmônicos e independentes entre si"(127). (122) REZEK, J. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 144. (123) REZEK, J. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 1451146. (124) "Cornme beaucoup de contrats, le contrat d' entrcprise est un contrat consensuel, synallagmatique, civil ou commercial, ou même mixte." DUTlLLEUL, François Collart e DELEBECQUE, Philippe. Contrats Civils et Commerciaux . Paris, Dalloz, 1991, p. 479. (125) SANTOS, Theophilo de Azeredo. Manual de Direito Comercial. Rio de Janeiro, Forense, 1970, p. 200. (126) KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra, Arménio Amado, 1974, p. 389. (127) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo, Saraiva, 1985, li ª ed., p. 191. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 61 No âmbito das Organizações Internacionais também se constata a existência de órgãos com funções legislativas, órgãos com funções executivas e órgãos com funções jurisdicionais. A ONU - Organização das Nações Unidas, por exemplo, tem a Assembléia Geral, o Conselho de Segurança e a Corte Internacional da Haia como seus órgãos com funções legislativas, executivas e judiciárias, respectivamente. Isso é o que ocorre em regra, uma vez que, também no âmbito interno dos Estados, não são raras as vezes em que um órgão que integra determinado poder exerce funções que, em regra, deveriam ser exercidas por órgão de outro poder. No caso do Brasil, os Conselhos de Contribuintes, tributária, apresentam-se como órgãos do Poder Executivo cem funções eminentemente jurisdicionais. Sua atividade em julgar recursos interpostos pelo contribuinte contra a de impostos. na esfera que exerconsiste cobrança Também na esfera do direito de concorrência, o CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica, órgão do Ministério da Justiça, apesar de órgão vinculado ao Poder Executivo, exerce funções jurisdicionais consubstanciadas na produção de uma decisão. Isso porque também já constatamos Estados: que, no plano interno dos • a "legislação", a atividade do poder legislativo, consiste na produção de normas gerais, ou seja, as leis; • a "administração", a atividade do poder executivo, consiste na aplicação das leis mediante a produção de normas regulamentares, ou seja, de atos administrativos; e • a "jurisdição't'P", atividade do poder judiciário, consiste na interpretação das leis gerais através de normas individuais, ou seja, das decisões. (128) Conforme ensinamentos do Prof. Aroldo Plínio Gonçalves, a legislação, a administração e a jurisdição são as três atividades que competem ao Estado - aula proferida no dia 10 de março de 1998, para os alunos do Doutorado, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Sérgio Mourão Corrêa Lima 62 Incorporação do Direito Internacional Plano Interno Brasileiro Derivado no "Os atos de todos os órgãos que possuem capacidade decisória surgem do consenso dos representantes dos Estados-Partes, tal como os Tratados internacionais, e como estes vinculam-nos, obrigam-nos a executá-los de boa-fé. As normas constantes das decisões '" não se inserem automaticamente nos seus ordenamentos jurídicos. Incorporam-se na medida em que, se for necessário, os Parlamentos nacionais as aprovem't'F". No Brasil é necessária a aprovação pelo Poder Legislativo. Tanto assim que o dispositivo constitucional exige manifestação favorável do Congresso Nacional não somente para os casos de tratados, mas para todo e qualquer ato internacional: "Art. 84. Compete privativamente pública: ao Presidente da Re- VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;" Assim, concluímos que o procedimento de incorporação das decisões de organizações internacionais no Brasil em nada difere daquele referente aos tratados. Órgão Jurisdicional Também em função do "princípio da autonomia da vontade", os Estados podem, no âmbito das Organizações Internacionais, deliberar livremente sobre a forma de solucionar as controvérsias que se apresentem. Essa deliberação pode implicar, inclusive, a criação de um órgão jurisdicional. Este, em observância ao consentimento das partes envolvidas, pode tomar a forma de um órgão arbitral ou judiciário. Francisco Resek, Juiz da Corte Internacional de Justiça, leciona que "da arbitragem diz-se, com acerto, que é um mecanismo jurisdicio(129) FARIA, Werter. Os Efeitos do Artigo 98 do Código Tributário de Integração do Mercosul. Brasília, Senado Federal, 1994, p. 50. Nacional e o Processo Tratados Internacionais no Brasil e Integração 63 nal não judiciário. Isso porque o foro arbitral [em regra] não tem perrnanência'V'?'. Uma vez "proferida a sentença, o árbitro se desincumbe do encargo jurisdícional'<P". "O produto final da arbitragem .., é uma decisão de índole jurisdicional, rigorosamente obrigatória'v'?". As decisões judiciárias são, "tal como as sentenças arbitrais, definitiva[ s] e obrigatória] s ]"(133). Não obstante, o método judiciário traz a permanência como caractér. (130) REZEK. 1. Francisco. Direito lnternacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 350. (131) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 354. (132) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 355. (133) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 364. Organizações Internacionais Supranacionais Dissertando sobre as Organizações Internacionais supranacionais, René-Jean Dupuy constata que, "contrariamente à análise '" das primeiras organizações internacionais, estas não são um simples quadro, aberto às discussões dos governos e à conclusão de acordos entre eles"(134). É que o fator supranacionalidade vem atribuir uma concepção diferenciada e dinâmica às Organizações Internacionais. Ordem Jurídica Supranacional Roberto Ruiz Diaz Labrano destaca que a supranacionalidade, "do ponto de vista jurídico, que é o que nos interessa, tem em princípio três enfoques possíveis, como ordem jurídica supranacional, como norma jurídica supranacional e como órgão ... supranacional, sem limitar a possibilidade de outras divisões'V'". Quanto às "normas jurídicas supranacionais", a elas já nos referimos anteriormente, quando abordamos a supranacionalidade de normas. Esta pode se manifestar através de um tratado, independendo da existência de uma Organização Internacional. A "ordem jurídica supranacional", por sua vez, requer uma estrutura organizacional. A razão é simples. Teremos agora, também, a supranacionalidade de órgãos que só existem no âmbito das organizações internacionais. Cabe lembrar que enquanto a supranacionalidade de normas pode ser implementada pelo instituto da transferência de competências, a supranacionalidade de órgãos se faz através da delegação de poderes. (134) DUPUY, Renê-Jean. O Direito Internacional. Lisboa, Almedina, 1993, p. 126. (135) "Desde un punto de vista jurídico, que es el que nos interesa, tiene en principio tres enfoques posibles, como orden jurídico supranacional, como norma jurídica supranacional y como órgano jurisdiccional supranacional, sin limítar la posibílidad de otras dívisiones". LABRANO, Roberto na, 1997, p. 160. Ruiz Diaz. In. Desafios dei Mercosur. Buenos Aires, Ciudad Argenti- Tratados Internacionais no Brasil e integração 65 Mencionamos anteriormente que, para o exercício do poder, a Constituição institui órgãos que, como ensina Celso Ribeiro Bastos, "nada mais são que um feixe, um conjunto de competências ... que incumbe aos seus agentes"(136). Assim, a transferência de algumas das competências de órgãos que integram os poderes dos Estados não se confunde com a delegação do próprio poder à Organização Internacional. No caso em tela o que se verifica é a delegação de poderes anteriormente exercidos pelos Estados aos órgãos da Organização Internacional, que se tornam supranacionais. Temos assim a supranacionalidade de órgãos. Conseqüentemente, verifica-se "o caráter obrigatório das decisões [ou normas] adotadas pelos órgãos da Organização Internacional supranacional ... [que implica que] estas decisões [ou normas] obriguem diretamente não só aos Estados mas também a seus nacionais'<"?'. Portanto, a "ordem jurídica supranacional" é aquela composta de órgãos supranacionais e normas supranacionais. Essas normas supranacionais provêm dos órgãos supranacionais, apresentando-se sob a forma de decisões normativas gerais ou jurisdicionais. As demais normas supranacionais estão consubstanciadas nos tratados. "ordem jurídica supranacional" = "órgão[sl jur-isdicionalis] supranaciona[is]" + "norma[s) jurídica[s] supranaciona[is)" = direito internacional originário + direito internacional \I tratados (136) BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Brasil. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 136. (137) "Iº) comunidad, derivado \I. decisões dos órgãos supranacionais Ives Gandra. Comentários El carácter obligatorio de las decisiones adoptadas aún para los Estados miembros que se hayan opuesto á Constituição por los órganos a su adopción. do de la 2º) El lIamado efecto directo, en cuyo mérito dichas decisiones obligan directamente no solo a los Estados sino también a sus nacionales, scan éstos pcrsonas físicas o jurídicas." RAMIREZ, Aguirre Ramirez. In ARÉCHAGA, Eduardo nal Público, tomo 11. Montevideo, fcu, 1996, p. 96. liménes de. Derecho Internacio- 66 Sérgio Mourão Supranacionalidade Legislativa, Jurisdicional Corrêa Lima e Executiva Considerando que o poder é concebido "como um sistema em que se conjugam um legislativo, um executivo e um '" [jurisdicional], harmônicos e independentes entre si"(l38); Considerando que o legislativo, o executivo e o jurisdicional referidos são compostos "de funções ... que ... são: ... legislativa[s], ... executiva[s] e ... jurisdiciona[is] "(139); e Considerando que, no âmbito dos Estados: • a "legislação", a atividade do poder legislativo, consiste na produção de normas gerais, ou seja, as leis; • a "administração", a atividade do poder executivo, consiste na aplicação das leis mediante a produção de normas regulamentares, ou seja, de atos administrativos; e • a "jurisdição'<"?', atividade do poder judiciário, consiste na interpretação das leis gerais através de normas individuais, ou seja, das decisões, constatamos a existência de três espécies diversas de normas: as leis, os atos administrativos e as decisões jurisdicionais. Essas três espécies de normas estão sujeitas à supranacionalidade, desde que constatada a delegação de poderes legislativo, executivo e judiciário exercidos pelos Estados-partes à Organização Internacional. Dessa forma, verifica-se tanto a supranacional idade dos órgãos legislativos, executivos e jurisdicionais quanto das leis, dos atos administrativos e das decisões jurisdicionais. Tudo depende da forma conforme se apresente a delegação de poderes à Organização Internacional. Aliás, em 1934, Hans Kelsen já afirmava que "por meio de tratado pode ser criada uma Organização Internacional a tal ponto centra(\38) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos va, \985, Ilª ed., p. 191. (139) CARVALHO, Kildare Del Rey, 1996, p. 90. Gonçalves. de Teoria Geral do Estado. Direito Constitucional Didático. São Paulo, SaraiBelo Horizonte, (140) Conforme ensinamentos do Prof. Aroldo Plinio Gonçalves. a legislação, a administração e a jurisdição são as três atividades que competem ao Estado - aula proferida no dia 10 de março de 1998, para os alunos do Doutorado, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 67 lizada que tenha ela própria caráter de Estado, por forma tal que os Estados contratantes que nela sejam incorporados percam o seu caráter de Estados. É, porém, uma questão de política a questão de saber até que ponto um governo estadual deve ou pode limitar a liberdade de ação do seu Estado através de tratados de Direito internacional't'"". No caso da Comunidade Européia, por exemplo, os poderes jurisdicionais delegados ao Tribunal de Justiça e ao Tribunal de Primeira Instância resultaram na supranacionalidade destes e, conseqüentemente, de suas decisões. Entretanto, para a delegação de poderes executivos à Organização Internacional, a tendência é que haja maior resistência por parte daqueles que exercem as funções executivas nos Estados. Adriana Dreysin de Klor explica que "a adoção de políticas unilaterais torna-se difícil à medida que se avança na integraçâo'v'''". Dessa forma, aquele que detinha a faculdade de conduzir unilateralmente a política no âmbito de seu Estado passa a se submeter a uma autoridade executiva superior. No âmbito do Mercosul, por exemplo, dificilmente os Presidentes dos quatro Estados-partes estariam dispostos a ver delegado à Organização Internacional o poder executivo que exercem. O que de fato estaria a ocorrer seria a transformação do Presidente de um Estado soberano em governador de um Estado-membro autônomo. Soberania A Constituição artigo 1Q: Federal brasileira consagra a soberania em seu "Art. 1Q A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Município e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania." (141) KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra, Arrnénio Amado, (142) "La adopción de políticas unilatcrales se torna dificultosa en la asociación económica, con la incorporación de nuevos interafianza el aspecto político." DREYSIN DE KLOR, Adriana. E/ Mercosur _ .. generador internacional privado. Buenos Aires, 1997, p. 14. 1974, p. 459. y a medida que se avanza países de la región, más de una nuevafuent e de d erech o 68 Sérgio Mourão Corrêa Lima "Lançando mão de noções elementares de teoria geral do Estado, recordamos o território, a comunidade nacional e o poder como sendo seus três elementos fundamentais'<v". "Fixando-se no poder, diz Kelsen que o poder do Estado [é] designado como poder de impéno'v'r". Haines nos ensina que "a lei fundamental que determina a maneira na qual o poder público deve ser exercido é que forma a constituição do Estado"CI45). José Afonso da Silva completa dizendo que, no Brasil, a Constituição "é a lei fundamental e suprema '" Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais"( 146). Não é sem razão que a lei fundamental está no ápice dos ordenamentos jurídicos dos Estados. É que "O poder político emana do povo e é exercido em nome dêle"(47). Dessa forma, o que se constata é a "delegação do poder constituinte aos representantes do pOVO"(148). Estes, que exercem o poder constituinte, agem em nome da vontade popular, estabelecendo o conjunto de normas fundamentais. "É quase de per si evidente que o chamado poder do Estado, que é exercido por um governo sobre população residente dentro do território do Estado'<"?', em conformidade com os ditames da lei fundamental, implica a soberania do Estado. (143) "Echando mano de nociones elementales de teoria general del Estado, recordamos cl territorio, la comunidad nacional y el poder como siendo sus tres elementos fundamentales." CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Entendimento manifesto no "VI Encuentro de Estudiantes de Derecho dei Mercosur " em Córdoba - Argentina nos dias 30 e 31 de julho e 1Q de agosto de 1997. (144) DALLARI. Dalmo de Abreu. Elementos lo, Saraiva, 1985, p. 71 de Teoria Geral do Estado. II ª ed. São Pau- (145) "the fundamentallaw which determines the manner in which the public authoriy be exercised, is what forrns the constitution of the State." HAINES, Charles Grave. In HORTA, Raul Machado. Belo Horizonte, Del Rey, 1995, p. 135. (146) SILVA, José Afonso da. Curso de Direito dos Tribunais, 1990, p. 95. Estudos Constitucional de Direito Positivo. is to Constitucional. São Paulo, Revista (147) "Art. 1Q - O Brasil é uma República. O poder político emana do povo e é exercido em nome dele e no interesse do seu bem-estar, da sua honra, da sua indepedência e da sua prosperidade." Constituição Brasileira de 10 de novembro (148) HORTA, Raul Machado. Rey, 1995, p. 26. (149) KELSEN, Estudos de 1937. de Direito Hans. Teoria Pura do Direito. Constitucional. Coimbra, Arménio Belo Horizonte, Amado, Del 1974, p. 389. Tratados Internacionais 69 no Brasil e Integração Dessa forma, Dalmo de Abreu Dallari conclui que "não há razão para o tratamento autônomo do poder, especialmente para considerá-lo desligado da soberania, que é um atributo do poder e, em última análise, da própria ordem juridica'<"?'. No que tange aos efeitos da soberania, novamente aparece a duplicidade de planos. Roque Carrazza leciona que, no plano interno, a soberania, "como qualidade jurídica do 'imperium' [implica] o efetivo predomínio [do Estado] sobre as pessoas que o compõem'<"!', No plano internacional, "a soberania, enquanto atributo de todos os Estados, implica a existência de uma estrita igualdade entre eles (Carta das Nações Unidas, art. 2º, § 1º)"(152). Soberania x Autonomia Raul Machado Horta, referindo-se às lições de João Mangabeira, "oferece definição compreensiva da autonomia como poder de uma coletividade para organizar, sem intervenção estranha, o seu governo e fixar as regras jurídicas, dentro de vínculo pré-traçado pelo órgão soberano'<'>". Constatamos que a distinção básica entre a soberania e a autonomia reside no termo plenitude. Tracemos um quadro comparativo: Soberania República Exemplo: Federativa Autonomia do Brasil Exemplo: Estado de Minas Gerais opera-se no âmbito de uma comunidade nacional opera-se no âmbito de uma coletividade Exemplo: brasileiros pleno exercício do poder Exemplo: mineiros poder exercido dentro dos limites pré-traçados pelo órgão soberano (150) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo, Saraiva, 1985, 11 ª ed., p. 98. (l5l) CARRAZZA, Roque. In BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 455. (152) BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 455. (153) HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte, Del Rey, 1995, p. 426. Sérgio Mourão Corrêa Lima 70 Dessa forma, "dizem-se autônomas as unidades agregadas sob a bandeira de todo Estado federal. Variam seus títulos oficiais províncias, estados, cantões, repúblicas - e varia, sobretudo, o grau de sua dependência da união a que pertencem'<'>", Parece conveniente frisar que "o grau de sua dependência" é "pré-traçado pelo órgão soberano", no caso do Brasil, pela da Constituição Federal. Antigos Caracteres da Soberania Em 1971, Dalmo de Abreu Dallari afirmava que, "quanto às características da soberania, praticamente a totalidade dos estudiosos a reconhece como una, indivisível, inalienável e imprescritível. Ela é una porque não se admite num mesmo Estado a convivência de duas soberanias ... não sendo concebível a convivência de mais de um poder superior no mesmo âmbito. É indivisível porque ... ela se aplica à universalidade dos fatos ocorridos no Estado, sendo inadmissível ... a existência separada de várias partes separadas da mesma soberania .... A soberania é inalienável, pois aquele que a detém desaparece quando ficar sem ela, seja o povo, a nação, ou o Estado. Finalmente, é imprescritível porque jamais seria verdadeiramente superior se tivesse prazo certo de duração. Todo poder soberano aspira a existir permanentemente e só desaparece quando forçado por uma vontade superior"(155). Delegação de Poderes "O continente europeu apresenta-nos o significado de uma palavra que somente agora vem merecendo um minuto de nossa atenção: Integração. Gradativamente passamos a tomar consciência de que não somos mais um pequeno todo, mas uma grande parte"(l56l. Dessa forma, não mais podemos admitir a "concepção de soberania absoluta, sem regras, não submetida às normas de Direito (154) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional (155) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos va, 1985, 11 ª ed., p. 71. Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 238/239. de Teoria Geral do Estado. São Paulo, Sarai- (156) CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Formas de Organização Mercadológica binação de Investimentos Estrangeiro e Interno. Belo Horizonte, 1997, p. 02. com com- Tratados Internacionais no Brasil e Integração Internacional" "e, conseqüentemente, quer arbitrariedade" (157). 71 como justificativa de qual- Assim, Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins(158) lecionam que a soberania nacional é aquela exercida pelo povo em sua totalidade. Desta forma, nada impede que o povo, diretamente, através de seus representantes ou de plebiscito, delibere a delegação de parte de seus poderes a uma Organização Internacional. Isso só se verifica porque o "Direito [Internacional] é voluntarista'v""'. "Recebida de início com muitas reservas e despertando forte resistência, a delegação de poderes, sobretudo a delegação de poder legislativo, foi aos poucos penetrando nas Constituições. Atualmente, ... admite-se como fato normal a delegação, exigindo-se apenas que seja limitada no tempo e quanto ao objeto. Os que ainda temem os efeitos da delegação não a recusam totalmente, sustentando, porém, que certas competências devem ser consideradas indelegáveis"( 160). Portanto, alguns poderes, que a princípio seriam dos Estados, podem ser voluntariamente delegados a uma Organização Internacional. ElizabethAccioly, citando Fausto de Quadros, ressalta o uso do termo delegação e não transferência. É que, enquanto "na transferência de poderes há uma alienação desses poderes da parte de quem até então era - e deixa de ser - seu titular, na delegação, a raiz, a titularidade nua dos poderes delegados conserva-se no órgão titular ou delegante'<"!', (157) "En esta misma obra y en otros trabajos (20) hemos expuesto los argumentos que nos conducen a rechazar la posibilidad de que la soberania, atributo jurídico, pueda concebi rse como desliagada de toda regra y, en consecuencias, como justificativo de cualquier arbitrariedad. Por las mismas razones tampoco compartimos la posición de los autores que vinculan los derechos y deberes de los Estados con una concepción de soberania absoluta, desarreglada, no sometida a las normas dei Derecho Internacional." VIGNALI, Heber Arbuet. In ARÉCHAGA, Eduardo Público, tomo 11. Montevideo, fcu, 1996, p. 96. (158) BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Brasil. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 427. (159) DUPUY, Rene-Jean. Ives Gandra. O Direito Internacional. (160) Inseridas em outro contexto, as considerações absolutamente aplicáveis à conjuntura atual. DALLARI, Dalmo de Abreu. 1985, II ª ed., p. 1941195. Elementos Jiménes de. Derecho Comentários Lisboa, Almedina, apresentadas de Teoria Geral do Estado. (161) QUADROS, Fausto de. In ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul trutura Jurídico-Institucional. Curitiba, Juruá, 1996, p. 118. Internacional à Constituição do 1993, p. 51. parecem, no entanto, Sào Paulo, & União Européia Saraiva, -- Es- Sérgio Mourão Corrêa Lima 72 No âmbito europeu, por exemplo, ocorreu a delegação de alguns dos poderes estatais para as três Organizações Internacionais que integram a União Européia, quais sejam, a CECA - Comunidade Européia do Carvão e do Aço, a CEEA - Comunidade Econômica de Energia Atômica e a CE - Comunidade Européia. "Ou seja, ao delegarem nas Comunidades seus poderes soberanos, os Estados aceitam, nas matérias a que aqueles poderes soberanos dizem respeito, o primado da ordem jurídica das Comunidades sobre os Direitos estaduais"{l62). Portanto, os Estados, em relação aos poderes delegados, passam a ser autônomos. Com relação àquela fatia de seus poderes, os Estados deixam de ser soberanos e a organização delegada passa a ser supranacional. À medida que os Estados delegam voluntariamente parte de seus poderes à Organização Internacional, aqueles reduzem suas soberanias, enquanto esta amplia o âmbito de sua supranacionalidade. Recepção de Poderes Retomando as noções elementares sobre Organizações Internacionais, René-Jean Dupuy nos faz recordar que, "uma vez criada, a organização tem vida própria: goza de certa autonomia em relação aos Estados't'"?'. Às Organizações Internacionais também se aplica a seguinte concepção atinente às pessoas jurídicas dos planos internos de cada Estado: "a pessoa jurídica tem personalidade distinta da de seus membros tuniversitas distat a singulis)"(l64). Conseqüentemente, para delegação de poderes dos Estados aos órgãos da Organização Internacional, esta também deve expressar sua vontade. Lembremo-nos que está no consentimento toda a base do sistema jurídico internacional. Assim, a delegação pressupõe a manifestação de vontade dos Estados no sentido de cederem parte de seus poderes. Mas também requer-se o consentimento das Organizações Internacionais no sentido de receber tais poderes. (162) QUADROS, Fausto de. Direito das Comunidades Público. Lisboa, Almedina, 1991, p. 420/421. (163) DUPUY, René-Jean. O Direito (164) MONTEIRO, Washington lo, Saraiva, 1962, p. 106. Internacional. de Barros. Européias e Direito Lisboa, Almedina, Curso de Direito Civi/- Internacional 1993, p. 126. Parte Geral. São Pau- Tratados Internacionais no Brasil e Integração 73 Trata-se, aqui, de um acordo entre: • as vontades dos Estados cedentes, manifestadas no momento em que adequaram suas leis fundamentais; e • a vontade da Organização cessionária, manifestada expressamente no texto de seu tratado constitutivo, de suas modificações, ou, ainda, através de entendimento jurisprudencial. Manifestação de Vontade dos Estados Adequação Interna A forma de os Estados manifestarem suas vontades é a adequação de suas leis fundamentais. "É nessa linha que se depara, na lei fundamental de certos países da União Européia, com a consagração de uma cláusula geral de transferência de poderes soberanos ou de autorização para delegação de tais poderes a organizações supranacionais'<'?". A Alemanha, por exemplo, na revisão de 1992, cuidou de tornar sua Constituição compatível com os propósitos integracionistas europeus. Seu artigo 23 passou a ter a seguinte redação: "A União Européia. 1. Para a edificação de uma Europa unida, a República Federal da Alemanha contribui para o desenvolvimento da União Européia que deverá respeitar os princípios da democracia, do Estado de direito, do Estado social e federativo com o princípio da subsidiariedade e que garante uma proteção dos direitos fundamentais substancialmente comparável à lei fundamental. Para este efeito, a Federação pode transferir direitos de soberania por uma lei aprovada pelo 'Bundesrat"'{l66l. Manifestação de Vontade da Organização Internacional De nada adianta que um Estado delegue poderes à Organização Internacional se esta não se dispuser a criar órgão e transferir (165) PITTA E CUNHA, Paulo de e RUIZ, Nuno. O Ordenamento Comunitário e o Direito Interno Português. Lisboa, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 55-11, julho, 1995, p. 342. (166) Conforme consta da obra da Professora Elizabeth Accioly: Mercosul & União Européia - Estrutura Jurídico-Institucional. Curitiba, Juruá, 1996, p. I 181119. 74 Sérgio Mourão Corrêa Lima a eles competências para exercerem as atribuições até então exercidas pelos órgãos dos Estados. Por exemplo, o fato de a Constituição alemã dizer que "a Federação pode transferir direitos de soberania" não significa que a Organização Internacional esteja disposta a receber tais poderes, criar órgãos e transferir competências a eles. No caso das Comunidades Européias, por exemplo, os poderes são recepcionados pelas Organizações Internacionais. No Mercosul, porém, O mesmo não ocorre: Vontade do Cessionário Comunidades Européias Mercosul x Tratado União Européia, art. 3º B: "A Comunidade atuará nos limites das atribuições que lhe são conferidas e dos objetivos que lhe são cometidos pelo presente Tratado". "No horizonte atual da União Européia vislumbramos ... , através dos artigos 177; e 189, 190 e 191 do Tratado da Comunidade Européia, a vontade desta em receber os poderes que lhe foram delegados pelos Estados mem bros "(1 671 . Protocolo de Ouro Preto, art. 2º: "são órgãos com capacidade decisória, de natureza intergovernamental, o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do Mercosul". "Note-se, entretanto, que tal dispositivo revela a ausência da supranacionalidade, ao definir expressamente sua natureza intergovernamental'<'?". É aconselhável que a recepção dos poderes por parte das Organizações Internacionais seja prevista de forma expressa e clara nos tratados. Assim, na falta de previsão nestes moldes, estar-se-á "deixando ... a decisão da questão à opinião ... da doutrina e da jurisprudência'v's", (167) "En el horizonte actual de la Unión Europea vislumbramos una sección de competencias por parte de los poderes estatales a esta organización internacional de integración. Vislumbramos aún, a través de los articulos 177, 189, 190 Y 191 deI Tratado de la Comunidad Europea, la voluntat de la Comunidad Europea en recibir las competencias cedidas por cada uno de los Estados miembros. La transferencia de cornpetencias por los Estados partes y la recepción de ellas por la organización internacional implicaron la supranacionalidad de la Comunidad Econórnica Europea." CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Entendimento manifesto no "VI Encuentro de Estudiuntes de Derecho dei Mercosur " em Córdoba ~ Argentina nos dias 30 e 31 de julho e I de agosto de 1997. º (168) ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul nal. Curitiba, Juruá, 1996, p. 63. & União Européia (169) PEREIRA, André Gonçalves; e QUADROS, cional Público, Almedina, Coimbra, 1997, p.116. ~ Estrutura Fausto de. Manual Jurídico-Instituciode Direito Interna- Tratados Internacionais 75 no Brasil e Integração É O caso da Comunidade Européia, onde a recepção de poderes "é de raiz pretoriana [pois] só implicitamente decorre de disposições do Tratado de Roma ... [uma vez que] não se encontra acolhid[ a] de modo expresso em qualquer preceito dos tratados.v"?" Assim, na Europa, mediante forte influência jurisprudencial, a delegação de poderes "pelos Estados partes e a recepção del [e] s pela Organização Internacional implicaram a supranacionalidade da Comunidade Européia." Princípios Característicos da Supranacionalidade de Normas "As normas supranacionais podem apresentar algumas características próprias. São elas: 1) [Aplicabilidade Direta:] As normas .,. [supranacionais] se incorporam automaticamente à ordem jurídica interna de cada um dos Estados-membros, sem necessidade de nenhuma norma de direito interno que as recepcione. 2) [Efeito Direto]: As normas .,. [supranacionais] têm capacidade para gerar direitos e obrigações para os cidadãos dos Estados-membros. 4) Supremacia [ou Primado]: As normas ... [supranacionais] têm hierarquia superior às normas de direito interno dos Estados-membros'v'?". (170) PEREIRA, André Gonçalves; e QUADROS, cional Público. AImedina, Coimbra, 1997, p.135. Fausto de. Manual de Direito Interna- (171) "EI derecho comunitario tiene varias características propias que lo distinguen de otras ramas del derecho: .. I) Aplicabilidad inmediata o automática: Las normas de derecho comunítarío se incorporan automátícamente al orden jurídíco interno de cada uno de los Estados miembros, sin necesidad de ninguna norma de derecho interno que las recepcione .... 2) Aplicabilidad directa: Las normas comunítarias tienen capacidad para generar derechos y oblígacíones para los ciudadanos de los Estados miembros .... 4) Supremacia: Las normas comunitarías tienen jerarquía superior a las normas deI derecho interno de los Estados miembros." EKMEKDJIAN, Miguel Ángel. Introducción ai Derecho Comunitario Latinoamericano. Buenos Aires, Depalma, 1996, p. 69172. 76 Sérgio Mourão Corrêa Lima Passamos à breve análise de cada um deles: • Princípio da Aplicabilidade Direta: Fausto de Quadros, referindo-se às Comunidades Européias, explica que, "ao delegarem nas Comunidades seus poderes soberanos, os Estados aceitam, nas matérias a que aqueles poderes soberanos dizem respeito, ... a ordem jurídica das Comunidades'?"?", Assim, não cabe mais falar em aprovação das normas internacionais no plano interno dos Estados-membros de uma Organização Internacional supranacional. O poder dos Estados para legislar sobre determinadas matérias foi delegado à Organização Internacional, que, conseqüentemente, se tornou supranacional. Dessa forma, as normas provêm do mesmo poder legislativo, embora exercido não mais pelos Estados, mas pela Organização Internacional. Temos, portanto, a desnecessidade de aprovação interna das normas internacionais e a conseqüente aplicabilidade imediata destas no plano interno dos Estados-membros da Organização Internacional supranacional. Um regulamento, ato decisório do Conselho da União Européia, por exemplo, não necessita de aprovação interna nos Estadospartes. Tem aplicabilidade imediata no território de cada um deles. • Princípio do Efeito Direto: Referindo-se ao processo de integração europeu, Ekmekdjian destaca que, "além de sua incorporação automática ao direito interno ... [dos Estados-membros], o direito comunitário reconhece a todos os seus habitantes a faculdade de exigirem perante seus juízes nacionais o reconhecimento dos direitos que lhes conferem os tratados, regulamentos, diretivas ou decisões comunitárias e a correlativa obrigação dos juízes nacionais de aplicá-los, qualquer que seja a legislação do país ao qual pertençam'<'?". (172) QUADROS, Fausto de. Direito das Comunidades Público. Lisboa, Almedina, 1991, p. 420/421. Européias e Direito Internacional (173) "Adernas de su incorporación automática al derecho interno de éstos, el derecho comunitario reconoce a todos sus habitantes la facultad de exigir ante sus jueces nacionales el reconocimiento de los derechos que les confieran los tratados, reglamentos, directivas o decisiones comunitarias y la correlativa obligación de los jueces nacionales de aplicarlos, cualquiera que sea la legislación deI pais ai cual pcrtenezca." EKMEKDJlAN, Miguel Buenos Aires, Depalma, Ángel. Introducción 1996, p. 70. ai Derecho Comunitario Latinoamericano. Tratados Internacionais 77 no Brasil e Integração Trata-se do efeito direto das normas originárias e derivadas de uma Organização Internacional sobre as pessoas físicas e jurídicas dos Estados-membros. Considerando que essas normas são imediatamente aplicáveis em cada um dos Estados-membros da Organização Internacional, também os juízes nacionais sujeitam-se ao chamado efeito direto. Assim, o "juiz nacional dos países-membros é, ao mesmo tempo, juiz comunitário'<'?". Isso porque deve julgar observando tanto as normas internas quanto as normas "supranacionais". Cumpre analisarmos a hipótese de um choque entre os conteúdos de uma norma interna e de uma norma de Organização Internacional supranacional. • Princípio da Supremacia ou do Primado: Também se referindo ao âmbito europeu, Paulo de Pitta e Cunha e Huno Ruiz lecionam que "tendo o primado [das normas comunitárias] como conseqüência a inaplicabilidade das normas nacionais contrárias ao direito comunitário, as autoridades e jurisdições nacionais devem abster-se de reconhecer a eficácia do direito nacional incompatível com o direito comunitário e de o aplicar, sendo indiferente que o direito nacional tenha sido publicado após a entrada em vigor do direito cornunitário'<'?". Assim, havendo confronto entre norma interna e norma de Organização Internacional supranacional, a primeira torna-se inaplicável, prevalecendo a última, ainda que a norma interna seja a Constituição do Estado-membro. Fausto de Quadros já salientara que "o primado supraconstitucional é uma exigência existencial do direito comunitário. Sem primado sobre a Constituição não há direito comunitário e não há Comunidade'<'?", (174) "Todo juez nacional EKMEKDJIAN, Miguel Buenos Aires, Depalma, de los países miembros Ángel. !ntroducción 1996, p. 72. es aI misrno tiernpo juez cornunitario." ai Derecho Comunitario Latino americano. (175) "Este principio tampoco surge de los tratados de las comunidades, sino que ha sido establecido por la jurisprudcncia dei Tribunal de Justicia de la Unión Europea. En el ya citado caso 'Costa c. Enel ', el Tribunal absoluta e incondicional dei derecho comunitario miernbros en los seguientes términos." EKMEKDJIAN, Miguel Buenos Aires, Depalma, Ángel. !ntroducción 1996, p. 72173. consagró el principio de la supremacia sobre el derecho interno de los Estados ai Derecho Comunitario (176) QUADROS, Fausto de. !n ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul trutura Juridico-Institucional. Curitiba, Juruá, 1996, p. 98. Latino americano. & União Européia - Es- 78 Sérgio Mourão Corrêa Lima "Em razão dos princípios consagrados da aplicabilidade direta das normas ... nos Estados-membros, do efeito direto destas normas sobre os particulares e da supremacia destas normas sobre as normas internas dos Estados, não compete aos juízes analisar a forma de internacionalização das normas. Cumpre a eles somente aplicá-las'v"" Podemos ilustrar os princípios seguinte exemplo: acima mencionados através do Um juiz francês, por exemplo, instado a decidir pendência entre um alemão e uma empresa francesa deve, no momento de julgar o caso, levar em consideração o ordenamento jurídico francês, que é composto pelas normas francesas e pelas normas da União Européia. Estas últimas: • devem ser consideradas assim que publicadas, do princípio da aplicação imediata; em razão • geram efeito direto tanto para o alemão quanto para a empresa francesa e, conseqüentemente, devem ser observadas pelo juiz francês; e • têm estatura hierárquica superior, logo o juiz francês deve privilegiá-las, em detrimento das normas francesas. A jurisprudência do Tribunal de Justiça, órgão judiciário da União Européia, é de inquestionável importância. Quanto aos princípios característicos da supranacionalidade na esfera das Organizações Internacionais de integração européias, a jurisprudência vem contribuindo da seguinte forma: • "a Corte de Luxemburgo constrói e prolata o princípio da primazia do Direito Comunitário. Com isso, consolida-se o entendimento de que normas internas posteriores não poderiam revogar o Direito Comunitário, originário ou derivado. Tratou-se do ... Acórdão Costa/Enel'V'", (177) "Devemos seíialar que en razón de los principios consagrados de la aplicabil idad directa de las normas comunitarias en los Estados miembros, el efecto directo de estas normas sobre los particulares y la supremacia de estas normas sobre las normas internas de los Estados, a los jueces de los Estados partes de la Unión Europea no lcs compete analizar la forma de internalización de las normas comunitárias. Cumple a e1los solamente aplicarlas." CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Entendimento manifesto no "VI Encuentro de Estudiantes de Derecho dei Mercosur " em Córdoba - Argentina nos dias 30 e 31 de julho e I Q de agosto de 1997. (178) FONTOURA, ções Internacionais. Jorge. In Advogado: Desafios Brasília, 1997, p. 58. e Perspectivas no Contexto das Rela- Tratados Internacionais no Brasil e Integração 79 • "Também é extremamente esc1arecedor[a] ... a decisão do TJCE, no [caso] Simmenthal, as. 106177, no qual sustentou que o Direito Comunitário, originário ou derivado, é imediatamente aplicável ao ordenamento jurídico interno dos Estadosmembros'<'?". • "a Corte de Luxemburgo realiz[ou] uma efetiva construção pretoriana do efeito direto. O ponto de partida, o caso Van Geend en Loos, estabaleceu a faculdade que os particulares têm de invocar o Direito Comunitário de qualquer natureza já perante suas jurisdições nacionais" (180). Propósito das Normas Supranacionais Já constatamos que as normas internacionais, sejam elas originárias ou derivadas, podem se apresentar supranacionais, caso tenha ocorrido a delegação de poderes dos Estados à Organização Internacional. Estas normas supranacionais, guintes propósitos: • harmonização; regra geral, apresentam os se- e • unificação. Aquelas que visam a harmonização são normas programáticas ou não auto-aplicáveis'!"!', "através das quais o legislador em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios'v'!". (179) "Tarnbién es sumamente clarificador en este sentido el fallo dei TJCE, en Simmenthal, as. 106177, en el cual sostuvo que el Derecho Comunitario, original o derivado es inmediatamente aplicable en el ordenamiento jurídico interno de los Estados micmbros." DREYSIN DE KLOR, Adriana. El Mercosur - generador internacional privado. Buenos Aires, 1997, p. 215. (180) FONTOURA, ções Internacionais. Jorge. In Advogado: Desafios Brasília, 1997, p. 60. de una nuevafuente e Perspectivas no Contexto (181) "not self-executing ou not self-enforcing, ou not self-acting; não auto-aplicáveis, não bastantes em si." SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade dos Tribunais, 1968, p. 67. das Normas (182) SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade vista dos Tribunais, 1968, p. 132. Constitucionais. de derecho das Rela- não auto-executáveis, São Paulo, das Normas Constitucionais. Revista São Paulo, Re- 80 Sérgio Mourão Corrêa Lima Os Estados-membros devem, "segundo os meios e as formas por eles consideradas mais adequados "(183), regulamentar a matéria em estrita consonância com os princípios traçados pela Organização Internacional através das normas supranacionais. Este procedimento não nos traz nenhuma estranheza, uma vez que o mesmo ocorre no Brasil no que tange, por exemplo, ao ICMS - imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços. A União traça os princípios gerais através da Constituição Federal e do Código Tributário Nacional. Os Estados federados, por sua vez, devem disciplinar o referido tributo em consonância aos ditames maiores. A unificação, por sua vez, requer normas supranacionais autoaplicáveis-'", Estas, "porque revestidas de plena eficácia jurídica [e] por regularem diretamente as matérias'v'" independem de qualquer procedimento dos Estados-partes da Organização Internacional. Desta tuição do margem a vergências forma, concluímos que "a unificação pressupõe a substiDireito nacional pelo Direito unificado que não deixa diferenças nacionais; enquanto na harmonização, as dinacionais podem subsistir". "Convenhamos que a harmonização e a unificação legislativa não só não se excluem mas tampouco são incompatíveis; há setores em que resulta conveniente uma unificação, V.g. para matérias básicas; ao contrário, a harmonização é apropriada para matérias periféricas, o que redunda em uma utilização complementar entre ambas"(186l. (183) CAMPOS, 283. João Mota de. Direito (184) "self-executing bastantes em si." ou self-enforcing, SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade dos Tribunais, 1968, p. 66. Comunitário -- ou self-acting; das Normas (185) SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade vista dos Tribunais, 1968, p. 66. f[ Volume. Lisboa, auto-executáveis, Constitucionais. das Normas FCG, 1994, p. auto-aplicáveis, São Paulo, Constitucionais. Revista São Paulo, Re- (186) "La unificación supone la sustitución del Derecho nacional por el Derecho unificado que no deja margen a diferencias naciona1es; mientras que cn la armonización, las divergencias nacionalcs pueden subsistir si no inciden negativamente cn el establecimiento y funcionamiento deI mercado común. Ahora b ien, convengamos en que la armonización y la unificación legislativa no sólo no se excluyen sino que tampoco son incornpatibles; hay sectores en los que resulta conveniente una unificación, v. g. para materias básicas; en cambio, la armonización es apropriada para rnaterias periféricas, lo que redunda en una utilización complementaria entre ambas y de Tratados Internacionais no Brasil e Integração 81 No âmbito da Comunidade Européia, por exemplo, os regulamentos e as diretivas são exemplos de normas internacionais supranacionais com propósitos de unificação e de harmonização, respectivamente. Caracteres Atuais da Soberania A idéia de soberania continua sendo a de "poder ... exercido por um governo sobre população residente dentro do territôrio'w"), em conformidade com os ditames da lei fundamental. Entretanto, seus caracteres já não mais são os mesmos. Podemos detectar as seguintes transformações nos caracteres da soberania: "una" "una porque não se admite num mesmo Estado a convivência de duas soberanias .. ' não sendo concebível a convivência de mais de um poder superior no mesmo âmbito". x convivência de poderes "o caráter obrigatório das decisões adotadas pelos órgãos da Organização Internacional supranacional" faz com que "estas decisões obriguem diretamente não só aos Estados mas também a seus nacionais'v'!". Conclusão: No âmbito interno dos Estados-partes de uma Organização Internacional supranacional podem conviver dois poderes distintos: o poder do Estado e os poderes delegados por este à Organização. cooperación de una con otra pera sobre todo, es necesario acudir a la armonización para completar la tarea de unificación que se realice." DREYSIN DE KLOR, Adriana. El Mercosur - generador privado. Buenos Aires, 1997, p. 186/187. de una nueva fuente de derecho internacional (187) KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra, Arménio Amado, 1974, p. 389. (188) "1°) EI carácter obligatorio de las decisiones adoptadas por los órganos de la comunidad, aún para los Estados miembros que se hayan opuesto a su adopción. 2 El llamado efecto directo, en cuyo mérito dichas decisiones obligan directamente no solo a los Estados sino también a sus nacionales, sean éstos personas fisicas o jurídicas." Q ) RAMIREZ, Aguirre Ramirez. In ARÉCHAGA, Eduardo Jiménes de. Derecho Internaciotomo 11.Montevideo, fcu, 1996, p. 96. nal Público, 82 Sérgio Mourão Corrêa Lima "indivisível" x "porque ... ela se aplica à universa!idade dos fatos ocorridos no Estado, sendo inadimissível ... a exis- tência de várias partes divisíveis "Do ponto de vista jurídico, que é o que nos interessa, têm em princípio três enfoques possíveis, como ordem jurídica supranacional, como norma separadas jurídica supranacional da mesma soberania". jurisdicional e como órgão supranacional, mitar a possibilidade sem li- de outras di- visões'v'". Conclusão: poderes O Estado pode delegar legislativos, executivos à Organização ou jurisdicionais. Internacional Teremos, supranacional assim, a redução gradual da soberania do Estado e proporcional aumento do âmbito de supranaciona!idade da organização. Podemos, ainda, constatar a delegação de parte de qualquer um dos três poderes. Por exemplo, o Estado pode delegar seu poder de legislar somente sobre matéria comercial à Organização Internacional. "inalienável" "pois aquele que a detém desaparece quando ficar sem ela, seja o povo, a nação, ou o Estado". delegável x "na transferência de poderes há uma alienação desses poderes da parte de quem até então era - e deixa de ser - seu titular, na delegação a raiz, a titulariedade nua dos poderes delegados conserva-se no órgão titular ou delegante'V?". Conclusão: Ao delegar poderes à Organização Internacional supranacional, o Estado não desaparece. Apenas deixa de ser soberano para se tornar autônomo "nas matérias a que aqueles poderes soberanos diz[iam] respeito". (189) "Desde un punto de vista jurídico, que es el que nos interesa, tiene en principio tres enfoques posibles, como orden jurídico supranacional, como norma jurídica supranacional y como órgano jurisdiccional supranacional, sin limitar la posibilidad de otras divisiones." LABRANO, na, 1997,p. Roberto 160. Ruiz Diaz. In Desafios dei Mercosur. Buenos Aires, Ciudad Argenti- (190) QUADROS, Fausto de. In ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul trutura Jurídico-Institucional. Curitiba, Juruá, 1996, p. 118. & União Européia - Es- Tratados Internacionais no Brasil e Integraçào "imprescritível" "porque jamais seria verdadeiramente superior se tivesse prazo certo de du ração. Todo poder soberano aspira a existir permanentemente e só desapa rece quando forçado por uma vontade superior". x 83 "prescritível" "O continente europeu apresenta-nos o significado de uma palavra que somente agora vem merecendo um minuto de nossa atenção: Integração. Gradativamente passamos a tomar consciência de que não somos mais um pequeno todo, mas uma grande partc'"!"!'. Conclusão: Os Estados não mais aspiram figurar como "um pequeno todo". Descobriram que podem, voluntariamente, ou seja, sem serem pressionados por uma vontade superior, delegar poderes a uma Organização Internacional supranacional para se tornarem "uma grande parte". (191) CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Formas de Organização Mercadológica binação de Investimentos Estrangeiro e Interno. Belo Horizonte, 1997, p. 02. com Com- Tratados e Decisões do Mercosul no Brasil Os tratados e decisões da Organização Internacional Mercosul vêm merecendo, no Brasil, o mesmo tratamento dos demais tratados e decisões das Organizações Internacionais. Isso porque não houve a delegação de poderes dos Estadosmembros ao Mercosul. Conseqüentemente, esta Organização Internacional não se tornou supranacional. Em razão de sua natureza consensual, dois são os requisitos para a implementação da delegação de poderes: • as vontades dos Estados-membros festada através de suas leis fundamentais; do Mercosul, mani- e • a vontade da Organização Internacional Mercosul, manifestada no texto de seu tratado constitutivo ou de suas modificações. Vontade dos Estados-Membros do Mercosul Gonzalo Aguirre Ramirez destaca que "as Constituições dos quatro países que integram o Mercosul contêm disposições referentes aos processos de integração, pelo menos no plano econômico. A Argentina, em sua reforma de 1994, avançou muito na questão, por intermédio do número 24 de seu artigo 75 ...". A Constituição paraguaia de 1992 também se colocou na boa linha - ainda que com menor audácia que a anterior - de acordo com o prescrito por seu artigo 145. Não saem, ao contrário, de enunciações programáticas a Constituição brasileira de 1988 (art. 4º) e a uruguaia de 1967 (art. 6º, inciso segundoj'"?'. (192) "Así las Constituciones de los cuatro paises que integran el Mercosur contienen disposiciones habitantes de los procesos de integración, por lo menos en el plano económico. Argentina, en su reforma de 1994, avanzó mucho en la cuestíón, por intermedio deI num. 24 de su art. 75 ... Tratados Internacionais no Brasil e Integração 85 Essas considerações demonstram que, enquanto as leis fundamentais da Argentina e do Paraguai já sofreram as modificações necessárias à delegação de poderes, as Constituições do Brasil e do Uruguai permanecem aparentemente inadequadas para essa finalidade. Vejamos os dispositivos constitucionais de cada um dos quatro Estados partes do Mercosul, no que tange a tratados internacionais e decisões das Organizações Internacionais: Constituição da Nação Argentina: "Art. 75 - Compete ao Congresso Nacional: 22. Aprovar ou rejeitar tratados concluidos com as demais nações e com as organizações internacionais e os acordos com a Santa Sé. Os tratados e acordos têm hierarquia superior às leis. A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; a Declaração Universal de Direitos Humanos; o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e seu Protocolo Facultativo; a Convenção sobre a Prevenção e a Sanção do Delito de Genocídio; a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial; a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes; a Convenção sobre os Direitos da Criança, nas condições de sua vigência, têm hierarquia constitucional, não derrogam artigo algum da primeira parte desta Constituição e devem entender-se complementares dos direitos e garantias por ela reconhecidos. 24. Aprovar tratados de integração que deleguem competências e jurisdição às organizações supraestatais em condições de reciprocidade e igualdade, e que respeitem a ordem democrática e os direitos humanos. As normas ditadas têm conseqüentemente hierarquia superior às leis. A aprovação desses tratados com Estados da América Latina requererá maioria absoluta da totalidade dos membros de cada Câmara ... "(193). a La Constitución paraguaya de 1992 también se colocá en la buena línea - aunque con menor audacia que la anterior - de acuerdo a lo prescripto por su art. 145. No salen, en cambio, de las enunciaciones programáticas, la Constitucíón brasileiia de 1988 (art. 4) y la uruguaya de 1967 (art. 6 inciso segundo)." RAMIREZ, Gonzalo Aguirre. In SOSA, Angel Landoni. Curso de Derecho Procesal Internacional y Comunitario dei Mercosur. Montevideo, [cu, 1997, p. 21. (193) Constituição da Nação Argentina: "Art. 75 - Corresponde aI Congreso Nacional: 22. Aprobar o desechar tratados conclui dos con las demás naciones y con las organizaciones internacionales y los concordatos con la Santa Sede. Los tratados y concordatos tienen jerarquia superior a las leyes. 86 Sérgio Mourão Corrêa Lima A expressão "em condições de reciprocidade e igualdade" parece trazer consigo a exigência de que os demais Estados-membros da Organização Internacional também adequem suas Constituições para a delegação de poderes. Constituição da República Federativa do Brasil: "Art. 4º Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. "Art. 5º § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. "Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional". Francisco RezeJ(I94), analisando o parágrafo único do artigo 4º da Constituição Federal de 1988, afirmou que o referido dispositivo pode compreender duas formas de interpretação. La Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre; la Declaración Universal de Derechos Humanos; el Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales; el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y su Protocolo Facultativo; la Convención sobre la Prevención y la Sanción dei Delito de Genocidio; la Convención Internacional sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación Racial; la Convención sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación contra la Mujer; la Convención contra la Tortura y otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes; la Convención sobre los Derechos dei Nino; en las condiciones de su vigencia, tienen jerarquia constitucional, no derogan artículo alguno de la primera parte de esta Constitución y deben entenderse complementarios de los derechos y garantias por ella reconocidos. 24. Aprobar tratados de integración que deleguen competencias y jurisdicción a organízaciones supraestatales en condiciones de reciprocidad e igualdad, y que respeten el orden democrático y los derechos humanos. Las normas dictadas en su consecuencia tienen jerarquia superior a las leyes. La aprobación de estos tratados con Estados de Latinoamérica ta de la totalidad de los miembros de cada Cámara. " requerirá la mayoría absolu- (194) REZEK, J. Francisco. Entendimento manifesto no "Encontro InternacionalQuestões Jurídicas no Processo de Integração do Mercosul" realizado no Superior Tribunal de Justiça em Brasília nos dias 27 a 29 de novembro de 1996. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 87 A primeira, mais conservadora, no sentido de que a referida norma, por ser programática, não admitiria a delegação de poderes. A segunda faria constatar a ausência de entraves à delegação de poderes, em uma realidade em que a integração não se mostra mais estranha. Dessa forma, poder-se-ia entender que o parágrafo único do artigo 4Q da Constituição Federal constituiria o autorizativo brasileiro para a delegação de poderes. Constituição "Artigo da República do Paraguai: 137. DA SUPREMACIA DA CONSTITUiÇÃO A lei suprema da República é a Constituição. Esta, os tratados, convênios e acordos internacionais aprovados e ratificados, as leis ditadas pelo Congresso e outras disposições jurídicas de inferior hierarquia, sancionadas, conseqüentemente integram o direito positivo nacional na ordem de prevalência enunciada." "Artigo 141. DOS TRATADOS INTERNACIONAIS Os tratados internacionais validamente celebrados, aprovados por lei do Congresso, e cujos instrumentos de ratificação tenham sido trocados ou depositados, tomam parte do ordenamento legal interno com a hierarquia que determina o artigo 137." "Artigo 145. DO ORDENAMENTO JURÍDICO SUPRANACIONAL A República do Paraguai, em condições de igualdade com outros Estados, admite um ordenamento jurídico supranacional que garanta a vigência dos direitos humanos, da paz, da justiça, da cooperação e do desenvolvimento, político, econômico, social e cultural. Ditas decisões só poderão ser adotadas por maioria absoluta de cada Câmara do Congresso" (195) (195) Constituição da República do Paraguai: "Artículo 137. DE LA SUPREMACÍA DE LA CONSTlTUCIÓN La ley suprema de la República es la Constitución. Esta, los tratados, convenios y acuerdos internacionales aprobados y ratificados, las leyes dictadas por el Congreso y otras disposiciones jurídicas de inferior jerarquia, sancionadas en consecuencia, integran el derecho positivo nacional en el orden de prelación enunciado". "Artículo 141. DE LOS TRATADOS INTERNACIONALES Los tratados internacionales validamente celebrados, aprobados por ley deI Congreso, y cuyos instrumentos de ratificación fueran canjeados o depositados, forman parte deI ordenarniento legal interno con la jerarquia que determina el artículo 137." "Artículo 145. DEL ORDEN JURÍDICO SUPRANACIONAL La República del Paraguay, en condiciones de igualdad con otros Estados, admite un orden jurídico supranacional que garantice la vigencia de los derechos humanos, de la paz, de la justicia, de la cooperación y dei desarrollo, en lo político, económico, social y cultural. Dichas decisiones sólo podrán adoptarse por mayoria absoluta de cada Cámara del Congreso." Sérgio Mourão Corrêa Lima 88 Também na Constituição do Paraguai constatamos a exigência de "igualdade" para que a delegação de poderes se manifeste. Constituição da República Oriental do Uruguai: "Artigo 6º. A República procurará a integração social e econômica dos Estados Latinoamericanos, especialmente no que se refere à defesa comum de seus produtos e matérias-primas .... " Artigo 85. - À Assembléia Geral compete: 7º) ... aprovar ou reprovar, por maioria absoluta de votos do total de componentes de cada Câmara, os tratados de paz, aliança, comércio e as convenções ou contratos de qualquer natureza que celebre o Poder Executivo com potências estrangeiras "(196) Tal como a norma do parágrafo único do artigo 4Q da Constituição Federal brasileira, a norma constante do artigo 6Q da Constituição do Uruguai comporta duas formas distintas de interpretação. Entretanto, ainda que se entenda que as leis fundamentais dos quatro Estados-membros do Mercosul estejam adequadas à delegação de poderes, falta a manifestação de vontade da Organização Internacional Mercosul no sentido de receber tais poderes. Vontade da Organização Internacional Mercosul O Mercosul, através de seus tratados constitutivos ou de suas modificações, não expressa sua vontade no sentido de recepcionar eventuais poderes delegados pelos Estados. (196) Constituição "Articulo da República Oriental do Uruguai 6º. La República procurará la integración social y económica de los Estados Latinoamericanos, especialmente en lo que se refiere a la defensa común de sus productos y materias primas. " "Artículo 85. - A la Asamb1ea General compete: 7º) ... aprobar o reprobar por mayoría absoluta de votos deI total de componentes de cada Cámara, los tratados de paz, alianza, comercio y las convenciones o contratos de cualquier naturaleza que celebre el Poder Ejecutivo con potencias extranjeras." Tratados Internacionais no Brasil e Integração Ao contrário, destaca: o Protocolo 89 de Ouro Preto, em seu artigo 2º, "Artigo 2º São órgãos com capacidade decisória, de natureza intergovernamental, o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do Mercosul". Elizabeth Accioly, comentando esse artigo, conclui "que tal dispositivo revela a ausência da supranacionalidade, ao definir expressamente [a] natureza intergovernamental"(197) de seus órgãos legislativos. Assim, "No Mercosul continua existindo a necessidade de internalizar os tratados e decisões adotadas. Portanto, os juízes dos Estados-membros devem, antes de aplicar as referidas normas, analisar a aplicabilidade e vigência destas no território de seus EstadoS"(198l.Para tanto devem analisar se a norma interna é superior ou inferior ao tratado internacional ou ato decisório adotado no âmbito do Mercosul. Caso detenham a mesma hierarquia, prevalece a posterior. (197) ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul nal. Curitiba, Juruá, 1996, p. 63. & União Européia - Estrutura Juridico-lnstitucio- (198) "En el Mercosur no tenemos supranacionalidad. De esta forma, continua existiendo la necesidad de internalizar los tratados y decisiones adaptadas. A partir de ahi, los jueces de los Estados miembros deven antes de aplicar dichas normas, analizar la aplicabilidad y vigencia de éstas, en el terreno de sus propios Estados." CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Entendimento manifesto no "V Foro dei Mercosur" Buenos Aires - República Argentina nos dias 1O a 12 de setembro de 1997. em Manifestações da Integração Apesar de guardarem certa relação entre si, a questão da supranacionalidade é distinta daquela relativa às manifestações da integração. É que as organizações internacionais, sejam elas de cooperação ou de integração, podem se apresentar supranacionais. Para tanto, requer-se apenas a delegação de poderes dos Estados-membros à Organização Internacional. No caso das organizações internacionais de integração, entretanto, a supranacionalidade pode parecer mais adequada em determinados momentos da "fusão", ou seja, do processo de integração. Osmar Brina Corrêa Lima ensina que "a fusão ... deve seguir um procedimento'v"?', O mesmo ocorre com o processo de integração de Estados no plano internacional. Tanto assim que a Professora Elizabeth Accioly afirma que, "do modelo de cooperação ao comunitário, temos várias fases de integração, nas quais os Estados que pretendem formar um grupo regional escolhem, a partir de seus interesses, o grau pretendido'<"?'. Para o estudo desses novos fenômenos, "começa a aparecer um novo Direito, de elaboração plural entre os Estados'V"!', Trata-se do Direito de Integração. No que tange a esse novo ramo, "constatamos a utilização das mesmas metodologias propostas pelo Direito Internacional Público ... Entretanto, apesar de os métodos serem os mesmos, não seria suficiente a utilização dos mesmos conceitos do Direito Internacional clássicoP?". (199) CORRÊA 1993, p. 28. LIMA, Osmar Brina. Incorporação (200) ACC10LY, Elizabeth. Mercosul nal. Curitiba, Juruá, 1996, p. 18. (201) "começa a aparecer de Empresas. & União Européia um novo Direito, de elaboração - Belo Horizonte, Estrutura Del Rey, Jurídico-Institucio- plural entre os Estados." BIDART, Adolfo Gelsi. In SOSA, Angel Landoni. Curso de Derecho Procesal nal y Comunitario dei Mercosur. Montevideo, fcu, 1997, p. 61. Internacio- (202) "Constatamos la utilización de las mísmas metodologías propuestas por el Derecho Internacional Público ... Entretanto, a pesar de que los métodos sean los mísmos, no seria suficiente la utilización de los mísmos conceptos dei Derecho Internacional clásico." Tratados Internacionais no Brasil e Integração 91 É que a integração se manifesta de várias formas. Temos, assim, o enfoque comercial, econômico, monetário, financeiro, administrativo, político, etc. Integração Comercial A "fusão" comercial geralmente é o primeiro passo a ser implementado pelas organizações internacionais de integração. Para compreendermos o significado da integração comercial necessariamente devemos analisar o âmbito de aplicação do Direito Comercial. Carvalho de Mendonça nos ensina que "o campo de aplicação do direito comercial é a matéria de comércio ou a matéria cornercialP?". Assim, entende-se por integração comercial a "fusão" de Estados no que tange ao comércio de bens e produtos. Àrea ou Zona de Livre Comércio Trata-se da criação de uma área ou zona onde bens e produtos circulam livremente. Impõe-se, portanto, a eliminação das diversas formas de restrições existentes. Podemos destacar as seguintes: - Restrições tarifárias Restrições não-tarifárias: • Qualitativas; • Quantitativas; e • Medidas de Efeito Equivalente Restrições tarifárias são aquelas implementadas por meio de tributos aduaneiros. Dessa forma, a Argentina não pode, por exemplo, cobrar imposto de importação sobre mercadoria brasileira, uma vez que o Mercosul apresenta-se atualmente como uma Organização Internacional de integração comercial. Da mesma forma, o Brasil não pode, através de cotas, limitar o número de veículos argentinos a serem importados. Essa medida seria classificada como uma restrição não-tarifária quantitativa. CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Entendimento manifesto no "VI Encuentro de Estudiantes de Derecho dei Mercosur " em Córdoba - Argentina nos dias 30 e 31 de julho e I de agosto de 1997. º (203) MENDONÇA, Carvalho de. In SANTOS, Theophilo Comercial. Rio de Janeiro, Forense, 1970, p. 42. de Azeredo. Manual de Direito 92 Sérgio Mourào Corrêa Lima Também não pode o Brasil restringir a importação de determinado tipo de mercadoria argentina, sob pena de estar configurada uma restrição qualitativa. Suponhamos, ainda, que o governo argentino implemente medida "não disponibilizando ou limitando as disponibilidades'V?? de meios para o pagamento das importações. Esta medida certamente enquadra-se como restritiva do comércio. É que o comerciante Uruguaio que esteja exportando para a Argentina ficará temeroso de não receber o valor correspondente às mercadorias que esteja vendendo. O importador Argentino, por sua vez, não disporá de meios eficientes para pagar o que esteja adquirindo, o que poderá lhe trazer implicações comerciais várias. Como resultado, inúmeras operações comerciais deixam de ocorrer. Desta forma, Manuel Carlos Lopes Porto informa que as "restrições aos pagamentos" podem figurar como medidas que, de forma equivalente, limitam o livre comércio. A partir da eliminação dessas formas de restrição, o comércio entre particulares dos Estados-partes da Organização Internacional de integração comercial passa a ser livre. Temos, assim, a integração comercial. É necessário salientar que a livre circulação somente abarca as mercadorias que ostentem certificado de origem de uma das partes da Organização Internacional de integração comercial. Produtos japoneses, por exemplo, ainda que provenientes do Brasil, podem sofrer restrições na Argentina. Para afastar qualquer limitação quanto à circulação, deve-se comprovar que os produtos são brasileiros através de documento denominado certificado de origem. Regime de Exceções A zona ou área de livre comércio poderá ser considerada perfeita caso se verifique a existência de regime de exceções. im- É que existem produtos de maior sensibilidade que, portanto, devem ser poupados temporariamente dos efeitos de um procedimento de liberalização do comércio. "Estes produtos excetuados são aqueles mais 'sensíveis' e formam o grupo dos que não podem ... [enfrentar] a concorrência dos produtos similares de outros países de modo imediato. É por isso que (204) PORTO, Manuel Carlos Lopes. medina, Coimbra, 1997, p. 119. Teoria da Integração e Politicas Comunitárias. Al- Tratados Internacionais no Brasil e Integração 93 os países tentam protegê-los transitoriamente pondo-os fora do alcance das tarifas aduaneiras ... de nível zero ... Do contrário, seriam eliminados do mercado porque ... [em um primeiro] momento ... não podem competir eficazmente com seus similares dos outros paises'V?". Assim, dentre as normas de integração, pode haver previsão de um regime de exceções, em que cada um dos Estados-membros da Organização Internacional pode elencar determinado número de produtos que poderão contar com restrições comerciais tarifárias ou nãotarifárias. A esse rol têm-se usualmente atribuído o nome de Lista de Exceções à zona ou área de livre comércio. União Aduaneira A integração comercial, entretanto, admite um estágio ainda mais desenvolvido. Trata-se da União Aduaneira, ou seja, a unificação gradativa de fronteiras e regras referentes ao comércio exterior. Dessa forma, "se um importador argentino paga 20% de imposto de importação para levar uma bicicleta proveniente dos Estados Unidos para a Argentina, um uruguaio pagará os mesmos 20% para importar a mesma bicicleta para o Uruguai'w?". É que sobre o referido produto vai incidir uma Alíquota ou Tarifa Externa Comum que tem aplicação em todos os Estados-partes. Trata-se da implementação de um regime uniforme de trocas para com terceiros países, ou seja, para com Estados que não sejam partes da Organização Internacional de integração comercial. Regime de Adequações Também a união aduaneira pode ser considerada imperfeita. Isso ocorre quando o regime uniforme de trocas com terceiros países comporta exceções. Trata-se do regime de adequação à Tarifa Externa Comum, em que se constata um "desgravamento tarifário ... de forma progressiva, ... linear e automática'V?". (205) LIPOVETZKY, Jaime César e LIPOVETZKY, para a Integração. São Paulo, LTr, 1994, p. 215. Daniel Andrés. Mercosul: Estratégias (206) CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Quadro Comparativo - Mercosul x União Européia. In Revista da Faculdade de Direito Milton Campos. Belo Horizonte, Del Rey, 1996, p.214. (207) LIPOVETZKY, Jaime César e LIPOVETZKY, para a Integração. São Paulo, LTr, 1994, p. 209. Daniel Andrés. Mercosul: Estratégias 94 Sérgio Mourão Corrêa Lima o Brasil, por exemplo, quando da instituição da União Aduaneira, se comprometeu a praticar a alíquota do Imposto de Importação para veículos no patamar de 20% estipulado pela Tarifa Externa Comum. Posteriormente, através do Decreto n. 1.391, de 10 de fevereiro de 1995, o governo brasileiro inseriu os veículos no sistema de adequação, elevando a alíquota do Imposto de Importação de 20% (vinte por cento) para 32% (trinta e dois por cento). Para tanto, comprometeu-se a uma redução gradual de dois pontos percentuais por ano, até total adequação à Tarifa Externa Comum. Pouco mais de um mês depois, sem consultar os demais Estados-membros do Mercosul, elevou a alíquota do Imposto de Importação dos veículos automotores de 32% (trinta e dois por cento) para 70% (setenta por cento), através do Decreto n. 1.427, de 29 de março de 1995. Inconformados, os outros Estados-partes reclamaram e, após uma nova rodada de negociações e concessões mútuas, permitiram que os veículos fossem inseridos no sistema das exceções. Cabe destacar que o sistema de exceção atinge a todos os produtos, mesmo aqueles provenientes dos países-membros da Organização Internacional de integração comercial. Constatamos, assim, que o Brasil pretendia, ao inserir os veículos no regime de exceção, proteger a indústria automotiva nacional inclusive contra as indústrias dos demais integrantes do Mercosul. O regime de adequação, por sua vez, somente atinge produtos provenientes de Estados não integrantes da Organização Internacional. Assim, conclui-se que, no primeiro momento, ao inserir os veículos no regime de adequação, o governo brasileiro pretendia tãosomente proteger a indústria nacional contra a indústria automotiva de Estados não partes do Mercosul. Regras de Concorrência A integração comercial também nos chama a atenção para o Direito de Concorrência. João Bosco Leopoldino da Fonseca explica que a "concorrência no mercado decorre de um conjunto de condições que permitem a todos os agentes do mercado correr à compra e venda de forma a que cada um possa alcançar seus objetivos sem ferir, desarrazoadamente, as metas pretendidas pelos dernais'V?". (208) LEOPOLDINO de Janeiro, Forense, DA FONSECA, 1995, p. 03. João Bosco. Lei de Proteção da Concorrência. Rio Tratados Internacionais 95 no Brasil e Integração A circulação de mercadorias livre de qualquer restrição traz consigo vários riscos, caso não haja uma preocupação em instituir regras comuns aos Estados-partes, que venham a coibir as práticas desleais de concorrência. Sofia Oliveira Pais destaca que os "principais inconvenientes ... no plano concorrencial residiriam na possível eliminação dos concorrentes existentes no mercado, na criação de obstáculos ao acesso de novas empresas ao mercado, bem como na possibilidade de limitarem a liberdade de escolha e de actuação dos consumidores, fornecedores e compradores'V?". Dessa forma, constata-se requer uma preocupação com missível que a circulação de utilizada de forma a prejudicar função de práticas abusivas. que mesmo a integração comercial já o Direito de Concorrência. Não é adprodutos sem qualquer restrição seja o processo produtivo e comercial em Assim, no âmbito europeu, foram estabelecidas ficas sobre essa matéria: regras especí- "Capítulo I As Regras de Concorrência Artigo 85º São ... proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência ... Artigo 86º É .., proibido, na medida em que tal seja susceptível de afectar o comércio entre os Estados-membros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante ... "(210). (209) PAIS, Sofia Oliveira. O Controlo das Concentrações de Empresas no Direito Comunitário da Concorrência. Coimbra, Almedina, 1996, p. 21. (210) Tratado da Comunidade Européia - Artigos 85º e 86º. 96 Sérgio Mourão Corrêa Lima Também no Mercosul a preocupação com a concorrência já se fez demonstrar através do Protocolo firmado em Fortaleza em 17 de dezembro de 1996. Este traz o seguinte: "Art. 4º Constituem infração às normas do presente protocolo, independentemente de culpa, os atos, individuais ou concertados, sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou efeito limitar, restringir, falsear ou distorcer a concorrência ou o acesso ao mercado ou que constituam abuso de posição dominante no mercado relevante de bens ou serviços no âmbito do Mercosul e que afetem o comércio entre os Estados Partcs'Y'", Direitos do Consumidor Também o Direito do Consumidor não pode ficar à margem da integração comercial. Com a livre circulação de mercadorias, é necessário que o consumidor esteja protegido, ainda que o produto adquirido provenha de outro Estado-membro da Organização Internacional. Dessa forma, parece conveniente que os Estados-partes não tardem em estabelecer regras comuns que assegurem a todos os consumidores os seus direitos. Essas regras não podem deixar de abordar a questão das marcas. A distinção de produtos é função primordial da marca. "Atualmente, todavia, o direito sobre a marca tem duplo aspecto: resguardar os direitos do produtor, e, ao mesmo passo, proteger os interesses do consumidor, tornando-se instituto ao mesmo tempo de interesse público e privado'Y!". A marca, portanto, tem a importante função de proteger o consumidor, uma vez que indica a procedência e assegura a qualidade da mercadoria que o mesmo está adquirindo. Também precisa, portanto, de uma proteção adequada dentro de um processo de integração comercial. No caso do Mercosul, já contamos com um protocolo em Matéria de Marcas, firmado em 15 de julho de 1996. Consta do preâmbulo deste acordo internacional o seguinte trecho: (211) Protocolo (212) REQUIÃO, 1984, p. 174. de Defesa da Concorrência Rubens, do Mercosul - Artigo 4º. Curso de Direito Comercial, vol. I. Editora Saraiva, São Paulo, Tratados Internacionais no Brasil e Integração 97 "Reconhecendo a necessidade de promover uma proteção efetiva e adequada aos direitos de propriedade intelectual em matéria de marcas, indicações de procedência e denominações de origem e de garantir que o exercício de tais direitos não represente em si mesmo uma barreira ao comércio legítimo ..."(213). Integração Econômica Para compreendermos o campo de atuação de uma Organização Internacional de integração econômica é necessária uma análise do objeto de estudo do Direito Econômico. "Antes de outras considerações, há que se verificar que o objeto do Direito ... é a relação humana, ou seja, é a relação que ocorre entre seres humanos'Y!", Assim, "o objeto do Direito" Econômico "é a relação humana", que traz consigo conotação econômica. João Bosco Leopoldino da Fonseca conclui, portanto, que "uma regra é de Direito Econômico, quando rege relações humanas propriamente econômicas'V'". Karl Marx explica que "os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, quais sejam as relações de produção que respondem a um certo estágio do desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto das relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade'v!". Assim, conclui-se que as relações humanas econômicas, que constituem o objeto de estudo do Direito Econômico, correspondem ao conjunto das relações de produção, ou seja, aquelas relações que se desenvolvem em torno dos fatores produtivos. "Estes são os recursos naturais ou matéria-prima, o trabalho, o capital'V!". (213) Protocolo de Harmonização de Normas sobre Propriedade Intelectual em Matéria Marcas, Indicações de Procedência e Denominações de Origem - Preãmbulo. de (214) LEOPOLDINO rense, 1997, p. O J. DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. Rio de Janeiro, Fo- (215) LEOPOLDINO rense, 1997, p. 13. DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. Rio de Janeiro, Fo- (216) MARX, Karl. In LEOPOLDINO Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 207. (217) SOUZA, 1980, p. 466. Washington Peluso DA FONSECA, Albino de. Direito João Bosco. Direito Econômico. Econômico. São Paulo, Saraiva, Sérgio Mourão Corrêa Lima 98 Dado o estágio atual do processo produtivo, a matéria-prima deixou de ser vista apenas como produto sem qualquer transformação, para ganhar a conotação de mercadoria. O fator trabalho é o "do trabalhador assalariado, que vende a sua força de trabalho'V!". Esse fator traz consigo todo o aspecto humano, uma vez que já não mais habitamos os tempos da escravidão. O trabalhador, responsável por transformar a matéria-prima não pode ser visto como uma máquina. Trata-se de um ser humano, que, como tal, está repleto de direitos. Dentre tais direitos, encontramos aquele de exercer trabalho remunerado. Aparece, então, o capital, terceiro dos fatores produtivos, como forma de remunerar o trabalho. Desta forma, constata-se que a integração econômica é aquela que engloba os três fatores produtivos, quais sejam: • a matéria-prima; • o trabalho; e • o capital. Mercado Comum As organizações internacionais de integração podem ter por objetivo a "fusão" de Estados no que tange aos fatores produtivos. Temos, então, um mercado único ou comum. Assim, enquanto a integração comercial se limita à livre circulação de mercadorias, a integração econômica abrange, também, pessoas, serviços e capitais. Desta forma, "um argentino poderá entrar e trabalhar no Paraguai sem qualquer restrição. Ainda, um uruguaio poderá remeter dinheiro para o Brasil livremente "(219), caso o Mercosul chegue a se transformar em uma Organização Internacional de integração econômica. Esse objetivo já constava do tratado firmado em Assunção em 26 de março de 1991: (218) SOUZA, 1980. p. 468. Washington Peluso Albino de. Direito Econômico. São Paulo, Saraiva, (719) CORRtA péia. In Revista p.214. LIMA, Sérgio Mourão. Quadro Comparativo - .. Mcrcosul x União Euroda Faculdade de Direito Milton Campos. Belo Horizonte, Del Rey, 1996, Tratados Internacionais no Brasil e Integração 99 "Considerando que a ampliação das atuais dimensões de seus mercados nacionais, através da integração, constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social; Tendo em conta a evolução dos acontecimentos internacionais, em especial a consolidação de grandes espaços econômicos, e a importância de lograr uma adequada inserção internacional para seus países; Expressando que este processo de integração constitui uma resposta adequada a tais acontecimentos; Reafirmando sua vontade política de deixar estabelecidas as bases para uma união cada vez mais estreita entre seus povos, com a finalidade de alcançar os objetivos supramencionados; Acordam: Capítulo I Propósitos, Princípios e Instrumentos Artigo 1 Os Estados Partes decidem constituir um Mercado Comum, ... , e que se denominará 'Mercado Comum do Sul' (Mercosul) "(220). Apesar do expresso propósito de se transformar em uma Organização Internacional de integração econômica, o lapso de tempo que nos separa de 1991 ainda não foi o suficiente para que o Mercosul galgasse o estágio de Mercado Comum. No âmbito europeu, o Tratado de Roma, firmado em 25 de março de 1957, já trazia a previsão para a implementação de um Mercado Comum no dia 1 de janeiro de 1994. Desde esta data, vem se implementando a previsão constante do Título IH do tratado constitutivo, que assim dispõe: º "Título m A LIVRE CIRCULAÇÃO DE PESSOAS, DE SERVIÇOS E DE CAPITAIS"(221) (220) Tratado de Assunção (221) Tratado da Comunidade de 26 de março de 1991 _.- Preâmbulo Européia. e Artigo lQ. Sérgio Mourão Corrêa Lima 100 Cabe destacar que "no processo de integração europeu sempre se mostrou presente a intenção de promover a melhoria das condições de vida e de emprego no âmbito da Comunidade'Y'", A grande preocupação européia com o ser humano em muito supera, em importância, os outros dois fatores produtivos. Rui Manoel Moura Ramos assinala que "um dos objetivos da União, tal como surgem enumerados no artigo B do Tratado, é 'o reforço da defesa dos direitos e dos interesses dos nacionais dos Estados-Membros, mediante a instituição de uma cidadania da União "'(223). o Tratado de Maastricht define como "cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-membro"(224l, garantindo àquele "que residir num outro Estado-membro ... o direito de voto e de elegibilidade nas eleições autárquicas e européias't'P", Direito de Integração x Direito Comunitário o Direito de Integração é o ramo do Direito voltado para o estudo dos processos de integração. Dentre estes encontra-se aquele em curso no continente europeu. Entretanto, o Direito de Integração europeu tem sido designado por Direito Comunitáno'P'", uma vez que, desde 1993, os europeus já vêm vivenciando efetivamente uma comunidade. Dessa forma o Direito Comunitário nada mais é que o "direito de integração em nível comunitário'V'", ou seja, no âmbito de integração econômica. (222) ZOMIGNANI, Cassius MarceIlus. In CASELLA, Paulo Borba. Contratos cionais e Direito Econômico no Mercosul. São Paulo, LTr, 1996, p. 795. (223) MOURA RAMOS, nais e Direito Econômico (224) Art. 8º, 1 - Tratado Rui Manoel. In CASELLA, Paulo Borba. Contratos no Mercosul. São Paulo, LTr, 1996, p. 660. da Comunidade (225) ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul nal. Curitiba, Juruá, 1996, p. 41. Interna- Internacio- Européia. & União Européia - Estrutura Jurídico-Institucio- (226) MIDON, Mario A. R. Entendimento manifesto no "Encontro de fundação da ECSA - European Community Studies Association - Brasil" realizado em Blumenau nos dias 13 e 14 de outubro de 1997. (227) ACCIOLY, Elizabeth. In Advogado: Desafios e Perspectivas no Contexto das Relações Internacionais. Brasilia, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, 1997, p.42. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 101 Integração Monetária Para compreendermos o campo de atuação de uma Organização Internacional de integração monetária, é necessária uma abordagem preliminar das funções da moeda e dos Bancos Centrais dos diversos países. Nelson Lobo de Barros aponta as duas principais moeda: • "meio de troca, facilitando funções da as ... transaç[ões]"; e • "medida de valor, unidade abstrata de conta, em razão da qual o preço, ou seja, o valor expresso em termos de dinheiro, pode ser medido e por meio do qual duas ou mais utilidades podem ser comparadas't'v". Desde a época dos impérios, "o direito de cunhagem [de moedas] passou a ser monopolizado pelos" (229) Estados. "É certo ... que as políticas monetárias adotadas ... [pelos Estados] têm profunda influência sobre as trocas internacionais. Se um Estado desvaloriza a própria moeda relativamente à moeda de um outro país, consegue tornar mais caras as mercadorias daquele país e relativamente mais baratas as suas, de tal sorte a incrementar a exportação destas e a desestimular a importação daquelas'<"?', A título de exemplo, temos: determinado produto tem preço final de R$ 10,00 (dez reais). Portanto, um comprador estrangeiro, com US$ 100,00 (cem dólares) compra 10 unidades. Caso o Brasil venha a desvalorizar o real em 100% (cem por cento) em relação ao dólar, com os mesmos US$ 100,00 (cem dólares), o comprador estrangeiro vai conseguir comprar produtos que correspondam a R$ 200,00 (duzentos reais), ou seja, 20 unidades. Assim, o vendedor brasileiro vende mais e recebe mais reais. O comprador estrangeiro compra mais, gastando os mesmos US$ 100,00 (cem dólares). (228) BARROS, 1980, p. 15. Nelson Lobo de. Moeda, Crédito, Bancos e Ciclos. São Paulo, Piratininga, (229) BARROS, 1980, p. 13. Nelson Lobo de. Moeda, Crédito, Bancos e Ciclos. São Paulo, Piratininga, (230) LEOPOLDINO rense, 1997, p. 127. DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. Rio de Janeiro, Fo- 102 Sérgio Mourão Corrêa Lima US$ 1,00 = R$1,00 preço da unidade em real (R$): R$IO,OO (dez reais) preço da unidade em dólar (US$): US$ 10,00 (dez dólares) US$ 1,00 = R$1,50 preço da unidade em real (R$): R$10,00 (dez reais) preço da unidade em dólar (US$): US$ 5,00 (cinco dólares) Em última análise: • o comprador estrangeiro pagava US$ 10,00 (dez dólares) por unidade; • o comprador estrangeiro passou a pagar US$ 5,00 (cinco dólares) por unidade; • o comprador estrangeiro deixa de comprar de vendedores em outros países para comprar de empresas brasileiras; • vendedores de outros Estados perdem mercado para os brasileiros em razão da desvalorização do real. "A política monetária torna-se, assim, uma arma nas mãos do Estado'<?!'. Para discipliná-la, faz-se necessária a instituição de "um órgão central, orientando, disciplinando, fiscalizando a estrutura e funcionamento't'ê'" das atividades relacionadas à moeda. "À medida que os anos correm, mais se acentua e se impõe a presença dessa instituição orientadora .... É um Banco, não apenas governamental, mas nacional, de caráter público e finalidades sociais"(233).Trata-se do Banco Central do Estado. Este caracteriza-se,"destarte, pelas elevadas funções de que foi investido, ou seja, responsável direto na esfera monetário-creditícia de seu país. Deve, assim, zelar pela satisfatória circulação interna e externa da moeda que emite"(234). (231) LEOPOLDINO rense, 1997, p. 127. DA FONSECA, Joào Bosco. Direito Econômico. Rio de Janeiro, Fo- (232) BARROS, 1980, p. 22. Nelson Lobo de. Moeda, Crédito, Bancos e Ciclos. São Paulo, Piratininga, (233) BARROS, 1980, p. 339. Nelson Lobo de. Moeda, Crédito, Bancos e Ciclos. São Paulo, Piratininga, (234) BARROS. 1980, p. 339. Nelson Lobo de. Moeda, Crédito, Bancos e Ciclos. São Paulo. Piratininga, Tratados Internacionais no Brasil e Integração Política Monetária Comum - 103 Moeda Única Como o processo de integração visa àfusão dos Estados-membros, parece conveniente que estes não utilizem sua política[s] monetária[s] como arma dirigida aos demais países partes da Organização Internacional de integração. Dessa forma, a integração monetária, basicamente, não dispensará: • uma moeda única; e • um Banco Central comum aos Estados-membros. Entretanto, a implementação desses dois fatores não é simples. Depende de uma série de antecedentes cuidadosamente estudados e programados. No âmbito da União Européia, por exemplo, inúmeros dispositivos a esse respeito constam do Título VI do Tratado da Comunidade Européia. Dentre esses antecedentes destaca-se o seguinte: "Capítulo 11 A POLÍTICA MONETÁRIA Artigo I ü5º 1. O objetivo primordial do SEBC [Sistema Europeu de Bancos Centrais] é a manutenção da estabilidade dos preços. 2. As atribuições - a definição munidade; fundamentais cometidas ao SEBC são: e execução da política monetária da Co- - a realização de operações cambiais compatíveis com o disposto no artigo 1Ü9º; - a detenção e gestão de reservas cambiais oficiais dos Estados-membros; - a promoção pagamentos. do bom funcionamento dos sistemas de 104 Sérgio Mourão Corrêa Lima Artigo 1ü6º 1. O SEBC [Sistema Europeu de Bancos Centrais] é constituído pelo BCE [Banco Central Europeu] e pelos bancos centrais nacionais'V'". Integração Financeira Inicialmente, cumpre distinguir a atividade financeira do Estado daquela praticada por particulares, principalmente pessoas jurídicas. Quanto a esta última, cumpre destacar que está diretamente relacionada com a integração econômica. É que, para a implementação da livre circulação de capitais, fazem-se necessárias medidas no sentido de aproximar as práticas atinentes aos mercados financeiros dos Estados-membros. Dessa forma, a integração financeira que será abordada nesse tópico refere-se somente à atividade financeira do Estado. Assim, para compreendermos o campo de atuação de uma Organização Internacional de integração financeira, é necessária uma análise do objeto de estudo do Direito Financeiro. Rui Barbosa Nogueira destaca que "a finalidade fundamental do Estado é a realização do bem comum". "Para a realização desse bem comum ... tem o Estado de desenvolver atividades múltiplas que no conjunto se chamam atividade estatal." "A atividade estatal é tão ampla e complexa que, além de ser no seu conjunto estudada especulativamente pela Teoria Geral do Estado e organicamente disciplinada pelo Direito Constitucional, ela é desdobrada em vários setores da atividade e cada setor é ainda objeto de estudo de ciências particulares." "O Direito Financeiro ... visa disciplinar, normativamente, a atividade financeira do Estado"(236). Assim, Pereira de Barros "definia o Direito Financeiro como sendo 'aquele que compreende regras por que se deve dirigir a administração [pública] ... , no que é relativo à Receita e Despesa do Estado ..."(237). (235) Tratado da Comunidade (236) NOGUEIRA, 01/03. Européia Rui Barbosa. - Artigos I 05º e 106º. Curso de Direito Tributário. (237) PEREIRA BARROS. In DEODATO, Paulo, Saraiva, 1957, p. 33. Alberto. Manual São Paulo, Saraiva, de Ciência 1993, p. das Finanças. São Tratados Internacionais o Direito no Brasil e Integração 105 Financeiro se desdobra em duas partes: • A primeira, relativa à receita, ou seja, à obtenção de recursos pelo Estado. • A segunda, referente à despesa, ou seja, à aplicação dos recursos obtidos pelo Estado. "A tributação ou forma de obtenção da receita tributária foi ... , aos poucos, sendo disciplinada"(238) pelo Direito Tributário que é o "que efetivamente contém e trata da grande problemática entre fisco e contribuinte que dimana do fenômeno financeiro da receita tributária'<"?'. As despesas do Estado, por sua vez, vêm merecendo a atenção dos estudiosos do Direito Administrativo, principalmente aqueles que se dedicam a munir as autoridades públicas de subsídios jurídicos para fazer aprovar suas contas, em atenção aos ditames dos orçamentos. É que, nos "Estados democráticos, o orçamento é considerado o ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política ... do país"(240). A receita obtida pelo Estado mediante os mecanismos tributários e a aplicação desses recursos conforme o orçamento guardam estrita relação com a intervenção do Estado na economia. E que "o Estado ... edita normas de conteúdo financeiro ou fiscal através das quais impulsiona medidas de fomento ou dissuasão. Concedendo benefícios fiscais ou impondo cargas tributárias mais ou menos pesadas, o Estado estimula determinadas atividades econômicas ou desestimula outras'<"!', (238) NOGUEIRA, p. 05. Rui Barbosa. (239) NOGUEIRA, 18119. Rui Barbosa. (240) BALEEIRO, Aliomar. rense, 1958, p. 680. (241) LEOPOLDINO rense, 1997, p. 242. Curso de Direito Tributário. Curso de Direito Tributário. Uma Introdução DA FONSECA, á Ciência João Bosco. São Paulo, Saraiva, São Paulo, Saraiva, das Finanças. Direito Econômico. 1993, 1993, p. Rio de Janeiro, Fo- Rio de Janeiro, Fo- 106 Sérgio Mourão Corrêa Lima Política Financeira Comum Em um processo de integração, a multiplicidade de políticas financeiras certamente dificultaria uma concorrência justa entre empresas sediadas em Estados diversos. Assim, uma empresa sediada em país com carga tributária mais pesada indubitavelmente teria dificuldades em competir com outra sediada em Estado onde a carga tributária seja menor. A título de exemplo, temos: A empresa brasileira Usimac S.A. e a montadora argentina Elfa S.A. são produtoras de veículos. Incluindo todas as despesas com matéria-prima, mão-de-obra e demais despesas operacionais, ambas gastam o correspodente a US$ 5.000,00 (cinco mil dólares americanos) para produzir veículos equivalentes em qualidade. Assim, as duas empresas teriam condições de competir lealmente no mercado. Entretanto, caso as cargas tributárias argentina e brasileira sejam diferentes, as condições da competição deixam de ser justas: preço de custo: margem de lucro: subtotal: carga tributária total: preço final ao consumidor: Argentina Brasil US$ 5.000,00 US$ 5.000,00 10% 10% US$ 5.500,00 US$ 5.500,00 30% (US$ 1.650,00) 50% (US$ 2.750,00) US$ 7.150,00 US$ 8.250,00 Dessa forma, os dois automóveis, equivalentes em qualidade, certamente não estarão competindo de forma justa no mercado. Constata-se, pois, que a integração financeira consiste em um processo longo e complexo. Trata-se da instituição de uma política financeira comum a todos os Estados-partes, onde a receita arrecadada é aplicada em observância aos ditames do orçamento da Organização Internacional de integração financeira. "A idéia de orçamento, quer de um Estado, quer de uma Organização Internacional ... [consiste em] 'uma previsão da receita e despesa de um determinado sujeito durante um período '" dado'''(242). (242) FERRAZ, Luciano de Araújo. O Controle Externo e o Direito da Integração. Tese aprovada no XIX Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil, realizado no Rio de Janeiro nos dias 21 a 24 de outubro de 1997. p. 36. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 107 "O Orçamento ... pode assim ser definido como a autorização política para cobrar receitas e efectuar despesas durante um certo periodo, em regra anual, a qual condiciona toda a actividade da Administração do ano financeiro'V''". Para garantir a boa gestão financeira parece adequado o exame da legalidade e da regularidade das receitas e despesas'Y?". Esta fiscalização vem usualmente sendo desempenhada por Tribunais de Contas, cuja fiscalização, baseia-se em documentos e, caso seja necessário, podem ser feitas inspeções in loco junto das outras instituições e nos Estados-membros. A fiscalização nestes é feita em colaboração com as instituições de fiscalização nacionais ou, se estas não tiverem competência para tal, com os serviços nacionais competentes'Y'", Seguridade Social Cabe destacar que, dentre as receitas e despesas do Estado, figuram aquelas referentes à seguridade social, que "compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos"(246). No caso do Brasil, por exemplo, as diretrizes para a obtenção de receita e o custeio das despesas constam de previsão constitucional. A receita provém de "toda a sociedadeP'", enquanto as despesas devem observar o "orçamento da seguridade social"(248). Portanto, a integração financeira também abrange a seguridade social, até mesmo por uma questão de justiça social. Suponhamos que um uruguaio, depois de trabalhar por vários anos em seu pais, contribuindo regularmente para o custeio da segu(243) FRANCO, Antônio L. de Souza. In FERRAZ, Luciano de Araújo. O Controle Externo e o Direito da Integração. Tese aprovada no XIX Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil, realizado no Rio de Janeiro nos dias 2 I a 24 de outubro de 1997, p. 36. (244) Tratado da Comunidade Européia: "Artigo 188º-C 2. O Tribunal de Contas examina a legalidade e a regularidade das receitas e despesas e garante a boa gestão financeira". (245) FERRAZ, Luciano de Araújo. O Controle Externo e o Direito da Integração. Tese aprovada no XIX Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil, realizado no Rio de Janeiro nos dias 21 a 24 de outubro de 1997, p. 50. (246) SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1990, p. 698. (247) Constituição Federal de 1988 - Artigo 195, caput. (248) Constituição Federal de 1988 - Artigo 165, § 5º, Il l. 108 Sérgio Mourão Corrêa Lima ridade social, tenha se mudado para o Paraguai. Neste Estado, o uruguaio também trabalhou por muito tempo, tendo igualmente contribuído para o sistema de seguridade social paraguaio. É injusto que o uruguaio não possa gozar dos benefícios de uma aposentadoria em razão de os sistemas de seguridade dos Estados não admitirem para cômputo o tempo trabalhado no outro país. Para afastar a ocorrência desses fatos a integração financeira mostra-se absolutamente necessária. No âmbito do Mercosul, essa questão não preocupa, porque ainda não estamos vivenciando um Mercado Comum, onde nacionais de um Estado-membro possam trabalhar sem restrições nos demais. Na esfera européia, apesar "do número e da diversidade de medidas adotadas ... , ainda há muito o que se fazer. Com ... a assinatura do Tratado da União Européia, associada à vontade de vários autores comunitários, surge a tendência de se atribuir às novas etapas da integração uma dimensão social, que certamente passará pela harmonização da seguridade social"(249). Integração Administrativa Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que a administração pública, objeto de estudo do direito administrativo lato sensu, compreende: "a) em sentido subjetivo: as pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos que exercem a função administrativa; b) em sentido objetivo: a atividade administrativa exercida por aqueles entes" (250). Assim, para que se entenda o âmbito dessa manifestação de integração, é conveniente que se saiba que "a atividade administrativa compreend[e] arrecadação e aplicação de tributos"(251) para "o fomento, a polícia administrativa e o serviço público"(252). (249) ZOMIGNANI, Cassius Marcellus. In CASELLA, Paulo Borba. Contratos cionais e Direito Econômico no Mercosul. São Paulo, LTr, 1996, p. 804. Atlas, São Paulo, 1996, p. 53. (250) DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. (251) OLIVEIRA, Fernando Andrade de. In DI PIETRO, Administrativo, Atlas, São Paulo, 1996, p. 52. (252) DI PIETRO, 54 e 55. Maria Sylvia Zanella. Interna- Maria Direito Administrativo. Sylvia Zanella. Atlas, São Paulo, Direito 1996, p. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 109 Conforme já constatamos, "o Direito Financeiro [é] ... 'aquele que compreende regras por que se deve dirigir a administração [pública] ... , no que é relativo à Receita e Despesa do Estado ... '(253). Também já foi constatado que "no caso da Administração Pública, a vontade decorre da lei que fixa a finalidade a ser perseguida pelo administrador'<"? . Entretanto, a lei não rege apenas a atividade financeira do Estado, mas também a atividade administrativa consistente no fomento, na polícia administrativa e no serviço público. Assim, sob a denominação de integração administrativa, abarcaremos somente estas três atividades, excluídas "a arrecadação e aplicação de tributos", referidas na integração financeira. "O fomento abrange a atividade administrativa de incentivo à iniciativa privada, [através de] ... subvenções, ... financiamento[ s], favores fiscais ... [e] desapropriações. A polícia administrativa compreende toda atividade de execução das chamadas limitações administrativas, que são restrições impostas por lei ao exercício de direitos individuais em benefício do interesse coletivo. Compreende medidas de polícia, como ordens, notificações, licenças, autorizações, fiscalização e sanções. Serviço público é toda atividade que a Administração Pública executa, direta ou indiretamente, para satisfazer a necessidade coletiva, sob regime jurídico preponderantemente público. Abrange atividades que, por sua essencialidade ou relevância para a coletividade, foram assumidas pelo Estado, com ou sem exclusividade'V>". Exercida de forma desigual por Estados-membros de uma Organização Internacional de integração, a atividade administrativa que ostente qualquer uma destas três formas pode implicar desequilíbrio. No caso da prestação dos serviços públicos, por exemplo, a forma e a amplitude de atuação da administração dos Estados-partes de uma Organização Internacional pode implicar sérias assimetrias (253) PEREIRA BARROS. In DEODATO, Paulo, Saraiva, 1957, p. 33. (254) DI PIETRO, Alberto. Manual de Ciência das Finanças. São Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Atlas, São Paulo, 1996, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo Atlas, São Paulo, 1996, p.48. (255) DI PIETRO, p. 54 e 55. Sérgio Mourão Corrêa Lima 110 sociais. O tratamento isonômico não se faz sentir, por exemplo, entre habitantes de um Estado que oferece serviços educacionais e assistência médica de forma adequada e gratuita, em relação a outro que não os disponibiliza para a população. No âmbito da integração administrativa, a problemática atinente aos serviços públicos não se restringe àqueles prestados pela admi- nistração dos Estados, mas também às hipóteses em que se transfere "a terceiros a execução de serviço público'v'". Isto porque a tendência é no sentido de os Estados protegerem as pessoas jurídicas nacionais ou de capital nacional no que tange à transferência da prestação de serviços públicos que lhes competia. Não são raros os editais anunciando procedimentos licitatórios nos quais as pessoas jurídicas estrangeiras ou de capital estrangeiro são preteridas em detrimento das pessoas jurídicas nacionais ou de capital nacional. O Ministério das Comunicações brasileiro, por exemplo, fez publicar no dia 5 de novembro de 1996, minuta de edital de concorrência para exploração de serviços de telefonia móvel celular da banda B. Os itens 3.1 e 3.2 do referido edital trouxeram: "3.1. Será admitida a participação na licitação de pessoas jurídicas, que tenham pelo menos 51 % (cinqüenta e um por cento) de seu capital votante pertencente, direta ou indiretamente, a brasileiros, ressalvado o estabelecido no subitem 3.2. 3.2. No caso de pessoas jurídicas reunidas em consórcio, observar-se-á na constituição do consórcio, a exigência de que no futuro capital da empresa a ser constituída, pelo menos 51 % (cinqüenta e um por cento) do seu capital votante pertencerá, direta ou indiretamente, a brasileiros, conforme termo de compromisso de constituição do consórcio a ser apresentado nos Documentos de Habilitação." É certo que este tratamento discriminatório implementado pela administração pública brasileira abrange as pessoas jurídicas argentinas, paraguaias e uruguaias, bem como os consórcios dos quais estas façam parte. (256) DI PIETRO, p. 241. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Atlas, São Paulo, [996, Tratados Internacionais no Brasil e Integração III Por se estar diante de "regime jurídico predominantemente público">"; somente através de uma aproximação das políticas que norteiam a administração pública dos Estados poder-se-ia afastar a referida prática discriminatória. Esta aproximação pode tomar a forma de integração administrativa no âmbito de uma Organização Internacional. Também a prática do fomento, atividade administrativa de incentivo à iniciativa privada, pode merecer aproximação em sede de Organização Internacional de integração. É o caso da política agrícola comum implementada na União Européia. Política Agrícola Comum É fato que uma subvenção, um financiamento ou um favor fiscal concedido pelo governo francês aos produtores agrícolas franceses coloca-os em vantagem em relação aos agricultores de outros Estados que não adotem a mesma prática administrativa de fomento, por exemplo. Assim, para que se evite distorções no setor agrícola dos Estados-membros de uma Organização Internacional, pode-se adotar uma política agrícola comum. No âmbito da Comunidade Européia, por exemplo, tratou-se "de incentivar os agricultores europeus a produzir de acordo com os mesmos padrões de qualidade, mas ... tendo igualmente em conta a necessidade ... de apoio financeiro comunitário'w-". Ou seja, o fomento passa a ser conduzido pela própria Comunidade Européia, tendo por objetivo um maior equilíbrio entre os produtores agrícolas dos Estados-membros. Desta forma, Maria EduardaAzevedo relata que a política agrícola comum, "hoje, começa ... a afirmar-se como uma peça-chave da política agrícola da Comunidade no que concerne à consecução do projecto comunitário para benefício da agricultura e dos agricultores europeus, esperando-se que a inflexão de posições experimentada se mantenha e reforce">"; (257) Dl PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. (258) AZEVEDO, p. 104. Maria Eduarda. A Política Agrícola (259) AZEVEDO, p. 83. Maria Eduarda. A Política Agrícola Atlas, São Paulo, 1996, p. 54. Comum. Almedina, Coimbra, 1996, Comum. Almedina, Coimbra, 1996, ]]2 Sérgio Mourão Corrêa Lima A integração administrativa está, portanto, nitidamente atrelada à política e, conseqüentemente, à vontade daqueles que exercem a administração pública. Integração Política A Política é marcada, "segundo Duverger, [por] um conjunto de instituições ... que, em determinado momento, funcionam em dado país, em cuja base se acha o fenômeno essencial da autoridade'<"?'. Assim, a forma de "escolha dos governantes, [a] estrutura ... [do governo e a] limitação [do poder] dos governantes'v?!' são fatores nitidamente atrelados à política. Uma Organização Internacional de integração política é marcada pela inserção dos sistemas políticos dos Estados-membros dentro de uma sistemática política maior e comum. Conseqüentemente, há que se definir também no âmbito da Organização Internacional de integração política: • a forma de escolha dos governantes; • a estrutura do governo; e • a limitação do poder dos governantes. Esta definição abarca, necessariamente, uma análise da experiência dos Estados no que tange aos "sistemas de governo (presidencialismo, parlamentarismo, etc.), ... [à] forma de Estado (unitário e federal) e de governo (república, monarquia), mostrando [ainda] a síntese integradora das instituições'<v" envolvidas. Obviamente, vários dos conceitos aplicáveis aos Estados, já demasiadamente discutidos, podem ser aproveitados também para as Organizações Internacionais. (260) SILVA, José Afonso Paulo, 1997, p. 124. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros, São (261) SILVA, José Afonso Paulo, 1997, p. 124. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros, São (262) SILVA, José Afonso Paulo, 1997, p. 125. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros, São lI3 Tratados Internacionais no Brasil e Integração Organização Internacional Federal Se, conforme nos ensina Raul Machado Horta, "o conhecimento das formas de Estado conduz ao Estado Federal, que é uma das manifestações na área [da] tipologia política'V'?', também pode conduzir à Organização Internacional federal. No âmbito da União Européia, por exemplo, esta é, ao menos aparentemente, a idéia que se está perseguindo. Isto porque "começou a adquirir relevo a figura dos ... [entes] federais que receberam a incumbência de promover o desenvolvimento de determinadas regiões, inaugurando os ensaios embrionários do federalismo cooperativo'v>". Além disso, o federalismo certamente funciona "como fator de coesão nacional e de harmonização de tendências culturais diversificadas'Vs", Adequando os estudos atinentes ao Estado federal à esfera internacional, podemos constatar que "a construção normativa [da Organização Internacional federal] pressupõe a adoção de determinados princípios, técnicas e de instrumentos operacionais que podemos condensar na seguinte relação, recolhendo os subsídios da contribuição doutrinária ... dominante'V'<': • a decisão, constante de tratado internacional, criadora da Organização Internacional Federal e de suas partes, a Federação ou União, e os Estados-Membros; • a repartição de competências tados- Membros; entre a Federação e os Es- • o poder de auto-organização constitucional dos EstadosMembros, atribuindo-lhes autonomia constitucional; • a intervenção federal, instrumento para restabelecer o equilíbrio federativo, em casos constitucionalmente definidos; (263) HORTA, Raul Machado. te, 1995, p. 345. Estudos de Direito Constitucional. Del Rey, Belo Horizon- (264) BOSON, Gerson de Brito Mello. In Revista do Instituto Gerais - número 2, Inédita, Belo Horizonte, 1996, p. 118. dos Advogados de Minas (265) BOSON, Gerson de Brito Mello. In Revista do Instituto Gerais - número 2, Inédita, Belo Horizonte, J 996, p. 116. dos Advogados de Minas (266) HORTA, Raul Machado. te, 1995, p. 346. Estudos de Direito Constitucional. Del Rey, Belo Horizon- 114 Sérgio Mourão Corrêa Lima • a existência no Poder Judiciário Federal de um Supremo Tribunal ou Corte Suprema, para interpretar e proteger as normas federais, ditadas pela Organização Internacional federal, sejam elas originárias ou derivadas. Destaca-se, portanto, o papel fundamental desempenhado pelos tratados internacionais constitutivos das Organizações Internacionais, em contrapartida àquele exercido pelas Constituições dos Estados. "O Estado Federal é uma criação jurídico-política e pressupõe na sua origem a existência da Constituição Federal, para instituí10"(267), O mesmo ocorre no âmbito das Organizações Internacionais federais, onde o tratado internacional pel da Constituição dos Estados. constitutivo tem o mesmo pa- Enquanto "assegurar a coexistência entre [os] múltiplos ordenamentos, o da Federação, que é central, e o dos Estados-Membros, que são parciais, é a função da Constituição Federal"(268), um dos propósitos do tratado internacional constitutivo da Organização Internacional federal é conciliar a sua existência e a de seus Estadospartes. Destaca-se, também, a relevante contribuição dos órgãos judiciários federais, no sentido de atender à "necessidade de um sistema ... capaz de assegurar a uniformidade de interpretação e da apreciação da validade'V?" do Direito federal, originário ou derivado. No âmbito da União Européia, por exemplo, "o que poria em causa a unidade de interpretação ou apreciação de validade seriam as posições divergentes dos tribunais ... dos Estados-membros, ... mas essa divergência não ocorrerá dada a obrigatoriedade [destes enviarem as questões] ... ao Tribunal Comunitário'<"?', Alguns Estados federais, como a República Federativa do Brasil, dispõem de dois órgãos judiciários federais: um deles, o Supre(267) HORTA, Raul Machado. te, 1995, p. 346. Estudos de Direito Constitucional. Del Rey, Belo Horizon- (268) HORTA, Raul Machado. te, 1995, p. 346. Estudos de Direito Constitucional. Del Rey, Belo Horizon- (269) CAMPOS, p. 435. João Mota de. Direito Comunitário ~ JJ volume. EC.a., Lisboa, 1994, (270) CAMPOS, p.439. João Mota de. Direito Comunitário - JJ volume. Ec.a., Lisboa, 1994, Tratados Internacionais no Brasil e Integração 115 mo Tribunal Federal, lida com matéria constitucional, enquanto outro, o Superior Tribunal de Justiça, cuida da legislação federal infraconstitucional. Da mesma forma, em sede de uma Organização Internacional de integração, nada impede que estejam previstos dois órgãos jurisdicionais: um para lidar com o Direito de integração originário (tratado internacional constitutivo da Organização Internacional); outro, para cuidar do Direito de integração derivado (decisões adotadas no âmbito da Organização Internacional). Entretanto, mais importante que o número de órgãos jurisdicionais federais, é a existência de regras processuais eficazes, que assegurem o acesso à prestação jurisdicional federal eficiente e dinâmica a todos os cidadãos dos Estados-membros. Flexibilidade do Processo de Integração Forma e Cronologia A integração não segue um processo rigidamente definido. Sua seqüência é livremente estipulada pelos Estados-membros da Organização Internacional de integração, em atenção ao "princípio da autonomia da vontade", aplicável aos tratados internacionais. Dessa maneira, compete às partes estabelecer a forma e a cronologia de implementação dos objetivos traçados para o processo de integração nos tratados constitutivos das organizações internacionais. É bem verdade que todas as manifestações da integração guardam uma estreita relação entre si. Isso porque "as ciências não são isoladas, mas compõem um conjunto de formas ou métodos para abranger todos os aspectos do conhecimento e alcançar a verdade'<" I). Adriana Dreysin de Klor destaca a conveniência de uma integração que abarque as "políticas trabalhistas, educacionais, de saúde, de seguridade social e de segurança nacional, não só de política fiscal ou de investimentos'V'". Até o presente momento, o processo de integração europeu apresenta-se plenamente exitoso por várias razões. Dentre elas, temos: • não se limita ao âmbito comercial; • conseqüentemente, traz preocupação com o ser humano; e • pauta-se pela gradualidade e prudência. A gradualidade e prudência do processo europeu afastou precipitações, permitindo o desenvolvimento gradativo da integração, (271) NOGUEIRA, p.04. Rui Barbosa. Curso de Direito Tributário. São Paulo, Saraiva, 1993, (272) "Un esquema integrado que se precie de lograr los objetivos de una asociación regional requiere avanzar hacia una uniformización de politicas laborales, educacionales, de salud, de seguridad social y de seguridad nacional, no sólo de politicas tarifarias o de inversiones." DREYSIN DE KLOR, Adriana. El Mercosur - generador internacional privado. Buenos Aires, 1997, p. 26. de una nueva fuente de derecho Tratados Internacionais no Brasil e Integração JI7 através de períodos preparatórios que antecedem o momento de implementação efetiva dos diferentes aspectos da integração. O quadro abaixo demonstra de forma sucinta o processo de integração vivenciado na Europa: Tratado de Roma - 1957 \! preparação para a integração comercial \! Ato Único Europeu - 1986 (implementação definitiva da integração comercial) \! preparação para a integração econômica \! Tratado de Maastricht - 1992 (implementação definitiva da integração econômica) \! preparação para a integração monetária \! Tratado de Amsterdã - 1997 \! preparação para a integração \! monetária Cabe destacar, porém, que a União Européia já traz algumas manifestações singelas de integração financeira, administrativa e política. Aliás, a integração monetária tem um cronograma criteriosamente estabelecido, em função de todos os fatores necessários à sua implementação: ª I Fase: I Julho 1990 Liberalização total dos movimentos de capitais, reforço da cooperação entre os bancos centrais e reforço da coordenação das políticas macroeconômicas. \! 2ª Fase: I Janeiro 1994 Criação do Instituto Monetário Europeu (IM E), coordenação das políticas monetárias nacionais, independência dos bancos centrais nacionais e supervisão das políticas econômicas nacionais. 2 e 3 Maio 1998 (data importante) Determinação dos países que adotarão a moeda européia e designação dos membros do comitê executivo do futuro Banco Central Europeu (BCE). \! 3ª Fase: I Janeiro 1999 Taxas de conversão irrevogavelmente fixadas, efetiva criação do Banco Central Europeu (BCE) e criação do Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC). 118 Sérgio Mourão Corrêa Lima o EURO passa a existir como moeda escritural, passando a haver possibilidade de se realizar operações financeiras em EUROS(273) \I 4ª Fase: I Janeiro 2002. Introdução das moedas e das notas em EUROS. Esta fase terá a duração de seis meses e é marcada pela circulação simultânea do EURO e das moedas dos Estados-membros da União Monetária. Até 1 de Julho de 2002, as moedas dos Estados-membros da União Monetária serão retiradas de circulação e o EURO será a única moeda em curso dentro da União Monetária.F'" No âmbito do Mercosul, o exemplo europeu foi seguido quanto à gradualidade. Também o nosso processo integracionista vem sendo estabelecido através de períodos preparatórios que antecedem o momento de implementação efetiva dos diferentes aspectos da integração. Entretanto, o mesmo não se pode dizer sobre a prudência. É que, j á no Tratado de Assunção de 26 de março de 1991, foi prevista a implementação da integração econômica em 1994: "Capítulo I PROPÓSITOS, PRINCÍPIOS E INSTRUMENTOS Artigo 1 "Os Estados-Partes decidem constituir um Mercado Comum, que deverá estar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se denominará 'Mercado Comum do Sul'(MERCOSUL)"(275). O lapso de três anos não foi suficiente nem mesmo para a plena implantação da integração comercial. A partir de então, com mais prudência, o cronograma foi reestabelecido em bases mais adequadas: (273) CUNHA, Paulo de Pitta. In PEREIRA, André Gonçalves; CUNHA, Paulo de Pitta e; MIRANDA, Jorge; SOUSA, Marcelo Rebelo de; QUADROS, Fausto de; FERREIRA, Eduardo da Paz; AZEVEDO, Maria Eduarda; RUIZ, Nuno; DUARTE, Maria Luísa; SANTOS, Luís Máximo dos; CALHEIROS, José Maria; MARTINS, Ana Maria Guerra; MOREIRA, Teresa; e MORAIS, Luís Silva. Em torno da Revisão do Tratado da União Européia. Almedina, Lisboa, 1997, p. 18 e 19. (274) CUNHA, Paulo de Pitta. In PEREIRA, André Gonçalves; CUNHA, Paulo de Pitta e; MIRANDA, Jorge; SOUSA, Marcelo Rebelo de; QUADROS, Fausto de; FERREIRA, Eduardo da Paz; AZEVEDO, Maria Eduarda; RUIZ, Nuno; DUARTE, Maria Luisa; SANTOS, Luís Máximo dos; CALHEIROS, José Maria; MARTINS, Ana Maria Guerra; MOREIRA, Teresa; e MORAIS, Luís Silva. Em torno da Revisão do Tratado da União Européia. Almedina, Lisboa, 1997, p. 18 e 19. (275) Tratado de Assunção de 26 de março de 1991 - Artigo I º. Tratados Internacionais no Brasil e Integração Tratado de Assunção 119 - 1991 \I preparação para a integração comercial e econômica \I (não foi possível Protocolo de Ouro Preto - 1994 a implementação da integração comercial e econômica) \I nova preparação para a integração comercial plena \I Dessa forma, constata-se que os processos de integração não estão submetidos a regras procedimentais. Todas as manifestações de integração podem, até mesmo, verificar-se simultaneamente. Entretanto, não há registro de qualquer processo de integração bem sucedido que se tenha implementado nessas bases. O que se tem verificado é uma evolução gradativa da integração de acordo com o grau de comprometimento definido pelos próprios Estados no momento de exprimirem suas vontades. Diante desses objetivos previamente alinhavados, o processo se desenvolve. A título de exemplo temos: Processo de Integração Objetivo já estabelecido Mercosul (Mercado Comum do Sul) integração econômica: mercado comumv"?' Situação atual integração comercial: área de livre comércio imperfeita e união aduaneira imperfeitav?" (276) "El documento de Ouro preto no deja espacio para dudar sobre la voluntad de continuar con el objetivo establecido por el Tratado de Asunción de conformar un mercado común a pesar de no haberse concretado la asociación económiea según el modelo inicialmente proyectado." DREYSIN DE KLOR, Adriana. El Mercosur -- generador internacional privado. Buenos Aires, 1997, p. 80. de una nueva fuente de derecho (277) "Nos animamos a afirmar que estar anelados en esta circunstancia sui generis de asociación de libre comercio imperfecta y de unión aduanera imperfecta, es una etapa intermedia hacia la conformación de un sistema integrado que constituya verdaderamente un mercado común." DREYSIN DE KLOR, Adriana. El Mercosur - generador internacional privado. Buenos Aires, 1997, p. 80. de una nueva fuente de derecho 120 Sérgio Mourão Corrêa Lima Processo de Integração Objetivo já estabelecido Situação atual Nafta (Área de Livre Comércio da América do Norte) integração comercial: área de livre comércio'ê"? com união aduaneira para alguns setores integração comercial: área de livre comércio imperfeita com união aduaneira para alguns setores União Européia (Comunidade Européia, CECA e EURATOM) integração econômica, e monetária integração econômica Implementação da Supranacionalidade A opção dos Estados quanto à efetivação de seus processos de integração não se restringe à forma e cronologia, mas se coaduna com a escolha do momento e da maneira de implementação da supranacionalidade. Assim, compete aos Estados envolvidos nos processos de integração a verificação do momento mais conveniente à delegação de poderes à Organização Internacional. No âmbito de uma Organização Internacional onde se constate uma integração bastante desenvolvida, parece óbvio que "seus órgãos não podem ... carecer ... de supranacionalidade "(279). É de se destacar que a fusão política é forma bastante desenvolvida de integração. Não obstante, ela pode ser sentida de maneira menos ou mais evidente, de acordo com a opção dos Estados-partes, manifesta através do tratado constitutivo da Organização Internacional. O federalismo certamente é um estágio bastante avançado de integração política que, portanto, parece não prescindir da delegação de poderes políticos dos Estados-partes à Organização lnterna(278) "Como ejemplo cabe citar el NAFTA." de un modelo que se plantea DREYSIN DE KLüR, internacional privado. Adriana. EI Mercosur - generador Buenos Aires, 1997, p. 81. (279) "Sus órganos no pueden continuar carecer hoy de supranacionalidad." DREYSIN DE KLüR, internacional privado. siendo como Asociación de una nueva fuente gubernamentales, Adriana. EI Mercosur -- generador Buenos Aires, 1997, p. 173. de Libre Comercio e1 esquema de una nuevafuente de derecho no puede de derecho Tratados Internacionais no Brasil e Integração I2I cional. Quanto a estes poderes políticos, os Estados-membros tornam-se autônomos e a Organização Internacional ganha supranacionalidade. É evidente que a referida delegação de poderes não dispensa muita prudência. Tanto a Organização Internacional deve estar preparada para receber tais poderes, quanto os Estados-membros devem estar afastados da idéia de arrependimento futuro. Aliás, a tendência dos Estados é resistir ao máximo à delegação de seus poderes, pelo menos no que tange a determinados aspectos. Na União Européia, por exemplo, Paulo de Pitta e Cunha relata que "os Estados, com o objetivo de preservar a soberania fiscal, mostraram-se avessos ao envolvimento em aproximações em matéria de tributos. Enquanto na esfera monetária, pode-se dizer que a soberania foi transferida do nível nacional [Estados-membros] para o nível central [Organização Internacionalj'"?', o mesmo não aconteceu no que tange à matéria fiscal, onde a falta de sacrifício dos Estados criaram um vácuo, na medida em que os poderes financeiros gerais não foram delegados à autoridade central. A introdução da supranacionalidade financeira européia ser o elemento principal de um estágio avançado em integração. não se deve esperar que esta idéia se materialize em um futuro ximo, devido à relutância dos Estados-membros em delegar poderes em matéria de tributos'V"! pode Mas próseus (280) Destaca-se, neste ponto, a independência que se pretende dar ao Banco Central Europeu (BCE), bem como a também independência que os Bancos Centrais Nacionais vêm ganhando em relação aos seus Estados-membros. (281) "The ide a of global harmonization was abandoned, as the States, for the sake of preserving tax sovereignty, had show their unwillingness to be involved in approximation of tax rates ans taxes bases. While, in the case ofmonetary policy, it can be said that sovereignty is transferred from the national levei to the centre, the same does not happen in regard to fiscal policy, where the sacrifice of freedom by the States creates a police vacuum, as no global budgetary powers are granted to central authorities. The introduction of a supranational European corporation tax could be a central element of such advanced step in .. integration. But the idea cannot be expected to materialize in foreseeablefuture, due to the reluctance ofthe member States to surrender their tax powers. 122 Sérgio Mourão Corrêa Lima Dessa forma, não há que se esperar que as Organizações Internacionais tornem-se supranacionais em um piscar de olhos. Temos, sim, um processo longo de conquista de poderes anteriormente exercidos pelos Estados-partes, que somente se concretiza após muito debate e reflexão't'". Somente assim, os países estarão aptos a definir as matérias e as esferas de poder que serão objeto de delegação à Organização Internacional. O mais importante, porém, é que os Estados estejam conscien- tes do caminho escolhido para que, mais adiante, não se deparem com uma integração sinônima de exploração. E a tendência é a de que todos os processos de integração que não tenham a finalidade de "melhorar as condições de vida de seus habitantes" passem a ter essa meta. "Para ascender a um verdadeiro estágio de integração deve-se concentrar nas pessoas; então haverá esperanças de que o projeto inicial ... se converta em um empreendimento verdadeiramente integral"(2831. In the pure logic of the development of the integration process, union is reached, further tax coordination is to be expected," CUNHA, realizado once the levei of monetary Paulo de Pitta e. Entendimento manifesto no "Colloque em Coimbra e Lisboa nos dias 1 a 4 de julho de 1998. L'Euro et Le Monde ". (282) "Na realidade, o que marca um salto fundamental, a passagem de um estágio para outro completamente diferente, é o lançamento da união monetária: a política monetária é centralizada, criam-se órgãos supranacionais com poder decisivo nesta matéria, a moeda única substitui as moedas nacionais. Tudo isto são aspectos completamente inéditos, que bem merecem reflexão." CUNHA, Paulo de Pitta. In PEREIRA, André Gonçalves; CUNHA, Paulo de Pitta e; MIRANDA, Jorge; SOUSA, Marcelo Rebelo de; QUADROS, Fausto de; FERREIRA, Eduardo da Paz; AZEVEDO, Maria Eduarda; RUIZ, Nuno; DUARTE, Maria Luisa; SANTOS, Luís Máximo dos; CALHEIROS, José Maria; MARTINS, Ana Maria Guerra; MOREIRA, Teresa; e MORAIS, Luís Silva. Em torno da Revisão do Tratado da União Européia. Almedína, Lisboa, 1997, p. 18 e 19. (283) "Para arribar a un verdadero estadio de integración tienen que hacerse cargo los pueblos; entonces hay esperanzas de que el proyecto inicial - económico y político - se convíerta en un emprendimíento verdaderamente integral." DREYSIN DE KLOR, Adriana. EI Mercosur -- generador internacional privado. Buenos Aires, 1997, p. 26. de tina nuevafuent e de derecho Globalização x Regionalismo Toda a sistemática dos tratados e das Organizações Internacionais está atualmente voltada para dois fenômenos característicos da nova ordem mundial: Globalização e Regionalização. O significado desses dois termos parece sugerir que tais fenômenos não guardam nenhuma relação entre si: global, adj. 2 gên. Tomado em globo, por inteiro; integral; total(284). regional, adj. 2 gên. Respeitante a uma região; locaW85). De fato, os fenômenos da globalização e da regionalização decorrem de necessidades distintas. Porém, manifestas em um mesmo contexto. Trata-se do período pós-guerra. "Era preciso recomeçar, pois quem ganhou a guerra não estava menos destruído do que quem perdeu; foram cinco anos de luta"(286). O continente europeu, depois de suportar diretamente todos os efeitos da guerra, constatou que seus parques industriais apresentavamse totalmente arrazados. Por outro lado a produção industrial americana estava em plena expansão. É que a destruição das indústrias européias aumentou substancialmente a demanda de produtos americanos no período da guerra. Temos assim duas realidades fáticas manifestas em um mesmo contexto. Essas realidades fazem surgir necessidades diferentes. Enquanto os Estados Unidos da América necessitavam de mercado consumidor para a avalanche de mercadorias produzidas por suas in(284) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Pequeno Dicionário sa. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967, p. 604. (285) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário. teira, 1977, p. 1036. (286) ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul nal. Curitiba, Juruá, 1996, p. 32. & União Européia da Língua Portugue- Rio de Janeiro, Nova Fron- - Estrutura Jurídico-Institucio- 124 Sérgio Mourão Corrêa Lima dústrias, os Estados europeus necessitavam reconstruir aquilo que a guerra destruíra. Essa reconstrução requeria a integração dos Estados europeus. As necessidades encontraram como resposta comum "o interesse dos Estados Unidos em ajudar e assistir financeiramente a reconstrução da Europa ocidental através do Plano Marshall [idealizado e levado a efeito pelo governo norte-americano]; e as atividades da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD)"(287), responsável por direcionar a grande quantidade de capital transferida para o continente europeu a título de empréstimos. Esses recursos certamente voltariam para os Estados Unidos da América. Inicialmente, aplicados na compra de produtos americanos, uma vez que a produção européia do pós-guerra encontravase em patamares mínimos. Posteriormente, acrescidos de juros, como forma de quitar o financiamento, que obviamente não se confunde com doação. Dessa forma, os fenômenos da globalização e da regionalização, idealizados anteriormente mas jamais manifestos de forma tão expressiva, aparecem como marcas da nova ordem mundial. De um lado, "o Governo dos Estados Unidos ... gerenciava a realização de uma conferência mundial de comérciov!", ou seja, um processo de globalização comercial, cujo objetivo é a gradativa eliminação das barreiras ao comércio internacional. De outro lado, os Estados europeus iniciam uma aproximação que, apesar de trazer objetos meramente comerciais no início, apresentava propósitos verdadeiramente econômicos, uma vez que "no processo de integração europeu sempre se mostrou presente a intenção de promover a melhoria das condições de vida e de emprego'<"?', (287) "El interés estadounidense de ayudar y asistir financeramente la reconstrucción Europa Occidental por la via dcl Plan Marshall y las actividades de la Organización Cooperación y Desarrollo Económico (OCDE) se inspiraron en los propósitos políticos levantar un muro de contención al expansionismo soviético en Europa y de reforzar frente aliado en el escenario mundial." MAGARINOS, Gustavo. Comercio e Integración. Montevideo, fcu, 1994, p. 84. (288) "En las postrimerías de la Segunda Guerra Mundial, el Gobierno gestionaba la realización de una conferencia mundial de comercio." LACARTE MURÓ, Julio A. Ronda Uruguay Mundial. Montevideo, fcu, 1994, p. 09. deI GATT - de de de el estadounidense La Globalización ya dei Comercio (289) ZOMIGNANI, Cassius Marcellus. In CASELLA, Paulo Borba. Contratos cionais e Direito Econômico no Mercosul. São Paulo, LTr, 1996, p. 795. Interna- Tratados Internacionais no Brasil e Integração 125 A tentativa de implementação do processo de globalização comercial expressava-se através do tratado internacional denominado GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Cornércio-"?'. Atualmente, esse tratado internacional teve suas regras abarcadas pela Organização Mundial do Comércio. O processo de integração europeu, por sua vez, teve a CECA - Comunidade Européia do Carvão e do Aço como seu primeiro experimento. Hoje consiste na União Européia, composta pelas organizações internacionais CECA - Comunidade Européia do Carvão e do Aço, CEEA - Comunidade Econômica de Energia Atômica e a antiga CEE - Comunidade Econômica Européia, atual CE Comunidade Européia. Fazendo desenvolver a denominada nova ordem mundial, outros processos de integração com propósitos econômicos começam a surgir a partir do exemplo europeu. É o caso do Mercosul. Outras tentativas de regionalismo comercial também começam a aparecer. A proposta de criação da ALCA - Área de Livre Comércio das Américas, por exemplo, mostra-se como uma nova proposta norte-americana de cunho eminentemente comercial. Não tem portanto o alcance econômico que o Mercosul traz como proposta. Dessa forma, não se pode confundir globalização comercial com globalização econômica, porque somente nessa última é que o fator humano merece a devida atenção. E seria demasiada pretensão afirmar que atualmente as condições de vida estão se globalizando, ou seja, tornando-se harmônicas em todo o mundo. Também a expressão bloco econômico deve ser utilizada com cautela porque poucos são os blocos, ou seja, as organizações internacionais que têm a integração econômica como propósito. Temos assim: Globalização (M ultilateralismo: participação individualizada) • Giobalização • Globalização Regionalização (Regionalismo: participação em bloco) • • • • (290) GATT significa General Agreement Comercial; Econômica; Blocos Comerciais; Blocos Econômicos; Blocos Monetários; etc. on Tari[[s and Trade. 126 Sérgio Mourão Corrêa Lima Constatam-se, pois, duas possibilidades dos no cenário internacional: de atuação dos Esta- • a negociação em blocos regionais, ou seja, entre organizações internacionais de integração; ou • a negociação multilateral, individualmente. tendo como partes os Estados E os Estados já têm feito as suas opções. Apesar de figurarem como partes da Organização Mundial do Comércio, que tem por objetivo a globalização do comércio, os países já começam a se postar em blocos regionais, sejam eles comerciais, econômicos, monetários, financeiros, etc. Assim, Julio Lacarte Muró informa que na Rodada Uruguai do GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, quando foi criada a OMC - Organização Mundial do Comércio, as "conclusões obtidas ... demonstram inequivocamente a intenção dos participantes de que a OMC e o regionalismo possam coexistir sem que se levantem conflitos traumáticos entre eles. Não poderia ser de outra maneira, pois a maioria dos países intervenientes nas negociações pertencem a algum mecanismo de integração regional ... com tipos distintos .... [Em] sua integração, os países em desenvolvimento vão criando a competitividade de sua indústria, incipiente, ao submeter seus produtores à concorrência dos provedores regionais. Assim, se aproximam gradualmente do nível de competitividade que exige o mercado mundial'<"!', (291) Las negociaciones convenidas en la Ronda demuestran inequívocamente la intención de los participantes de que la üMC y el regionalismo puedan coexistir sin que se planteen conflictos traumáticos entre ellos. No hubiera podido ser de otra manera, puesto que la mayoria de los paises intervinientes en las negociaciones pertenecen a algún mecanismo de integración regiona1. Dificilmente podrian imainarse un esquema más variado, con opciones de distinto tipo. En esta etapa de su integración, los países en desarrollo van creando la competitividad de su industria, incipiente, al someter los productores a la concurrencia de los proveedores zonales. Así, se aproximan gradualmente aI nivel de competencia que exige el mercado mundial." LACARTE MURÓ, Julio A. Ronda Uruguay dei GATT cio Mundial. Montevideo, fcu, 1994, p. 365/366. La Gtob alizacián dei Comer- Tratados Internacionais no Brasil e Integração 127 E esta é a beleza do momento atual. Temos em mãos a possibilidade de escolhermos o nosso destino. Enquanto, em outros momentos, vários Estados apenas se curvavam aos fatos e à realidade, hoje eles podem alinhavar o seu futuro. E no momento de optarem, certamente deverão levar em conta que nada fará sentido se o beneficiário de toda essa movimentação internacional não for o ser humanov?", Nesse sentido, o ex-Presidente da República Federativa do Brasil, Itamar Franco, em aula magna proferida na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, salientou que "podemos e devemos visualizar um mundo integrado, cooperativo, generoso, onde todos tenham acesso aos bens materiais e espirituais que a humanidade conquistou. Para isto, é preciso inovar, mudar de rumo, estabelecer novas regras de convivência e de mútuo respeito. É certo que as peculiaridades do tempo presente não autorizam uma solução fundada em padrões passados. Mas tampouco recomendam que se continue a perfilhar um caminho que inevitavelmente levará ao caos social"(293). (292) CIURO CALDANI, Miguel Angel. Entendimento manifesto no "Encontro de fundação da ECSA - European Community Studies Association - Brasil" realizado em Blumenau nos dias 13 e 14 de outubro de 1997. (293) Aula Inaugural proferida pelo Exmo. Sr. Itamar Franco, ex-Presidente e Embaixador do Brasil na üEA - Organização dos Estados Americanos, no dia 12 de março de 1998, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Estudo do Caso I: O GATT -Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio o GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade) 1947 Com o final da Segunda Guerra Mundial, conforme mencionado anteriormente, a produção industrial americana estava em plena expansão em função da massiva destruição das indústrias européias durante o período de batalhas. Dessa forma, os Estados Unidos da América necessitavam de mercado consumidor para a avalanche de mercadorias produzidas por suas indústrias. Porém, não parecia oportuno que seus produtos enfrentassem barreiras ao adentrarem o território de outros Estados. Assim, soava bastante conveniente aos Estados Unidos da América que toda e qualquer espécie de barreira ao comércio internacional fosse eliminada. Dessa forma, os produtos norte-americanos circulariam livremente mundo afora. Assim, os Estados Unidos da América lideram um processo de globalização comercial, cujo objetivo é a gradativa eliminação das barreiras ao comércio internacional no intuito de ver instituída uma área ou zona de livre comércio mundial. Dado a uma certa resistência por parte do Senado americano em admitir aquilo que seria uma Organização Internacional do Comércio, ao Poder Executivo americano somente restou a possibilidade de levar adiante a sua proposta através de um tratado internacional. Trata-se do GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comérciov?? . Tendo iniciado sua vigência com um número restrito de Estados, o "GATT é um tratado multilateral hoje subscrito por ... países que, juntos, representam mais de quatro quintos do comércio mundial'Y"", (294) GATT significa General Agreement (295) GOYOS JR., Durval de Noronha. Paulo, Observador Legal, 1995, p. 11. on Tariffs and Trade. A DMe e os Tratados da Rodada Uruguai. São Tratados Internacionais no Brasil e Integração 129 Ricardo Seitenfus destaca que atualmente o referido "acordo comercial multilateral" se apresenta como "um fórum de negociação comercial onde ... procura-se aproximar posições entre EstadosPartes"(296). Esta aproximação, de cunho meramente comercial, se faz através de gradativa eliminação das barreiras tarifárias e não-tarifárias aplicadas pelos Estados aos produtos provenientes de outros Estados-Partes do tratado. Barreiras ao Comércio Internacional Já constatamos que as restrições ao comércio internacional apresentam-se, em regra, através das seguintes modalidades: - Restrições tarifárias - Restrições não-tarifárias: • Qualitativas; • Quantitativas; e • Medidas de Efeito Equivalente. Dispositivos do GATT No intuito de promover a intensificação do comércio internacional com conseqüente eliminação gradativa das referidas barreiras ou restrições, o GATT apresenta dispositivos diversos. Ricardo Seitenfus menciona os principais dispositivos do acordo: • "O artigo primeiro ... determina que 'qualquer vantagem, favor, privilégio ou imunidade concedida por uma Parte contratante a um produto originário de outro país ou destinado a ele, será concedida imediata e incondicionalmente a todo produto similar originário dos territórios de todas as demais Partes contratantes ou a elas destinado'. [Cláusula da Nação mais favorecida] (296) SEITENFUS, Ricardo. Manual das gado Editora, Porto Alegre, 1997, p. 155. Organizações Internacionais. Livraria do Advo- 130 Sérgio Mourão Corrêa Lima • O tratamento em matéria tributária e fiscal dos produtos importados entre as Partes contratantes deve ser o mesmo concedido aos produtos internos ... [Princípio da Igualdade] • Finalmente, não será tolerada qualquer restrição ... [não-tarifária] à entrada de produtos das Partes contratantes no território dos signatários"!"?'. [Eliminação das restrições não-tarifárias] Hely Lopes Meirelles acrescenta que: • "para a importação o GAII assegura favores aduaneiros aos produtos constantes das listas individuais de cada Nação Pactuante'V?". [Limitação de alíquotas instituída em lista] Constata-se, tem em: assim, que as principais regras do GATT consis- • Cláusula da Nação mais Favorecida: "Artigo I 1. Qualquer vantagem, favor, privilégio, ou imunidade concedida por uma parte contratante a um produto originário de outro país ou a ele destinado será, imediata e incondicionalmente, extensiva a todos os produtos similares originários dos territórios de qualquer outra parte contratante ou a eles destinados. Esta disposição refere-se aos direitos aduaneiros e às imposições de qualquer espécie que incidem sobre as importações ou exportações ou que são aplicadas por ocasião das importações ou exportações, assim como às que incidem sobre as transferências internacionais de fundos destinados ao pagamento de importações ou exportações .00"(299}. (297) SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações gado Editora, Porto Alegre, 1997, p. 155/156. Internacionais. Livraria do Advo- (298) MEIRELLES, Hely Lopes. Estudo sobre o GATT. Revista de Direito Público, vo\. I, julho/setembro, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1967, p. 64. Ano I, (299) GATT-- Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio ~ Artigo I. In SANTOS, Luis Máximo dos; MORAIS, Luis; e RICARDO, Fernando Pereira. Textos ~ Relações Económicas Internacionais. Associação Académica da Faculdade de Lisboa, Lisboa, 1997, p. 49/50. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 131 • Princípio da Igualdade: "Artigo III 2. Os produtos do território de qualquer parte contratante, importados do território de qualquer outra parte contratante, não estarão sujeitos, direta ou indiretamente, a impostos ou outras imposições internas, qualquer que seja sua espécie, superiores aos aplicados, directa ou indirectamente, aos produtos nacionais similares. Além disso, nenhuma parte contratante aplicará, por outra forma, impostos ou outras imposições internas aos produtos importados ou nacionais de maneira contrária aos princípios enunciados no parágrafo 1"(300) . • Eliminação das restrições não-tarifárias: "Artigo XI 1) Nenhuma parte contratante instituirá ou manterá, para a importação de um produto originário do território de outra parte contratante, ou na exportação ou venda para a exportação de um produto destinado ao território de outra parte contratante, quaisquer proibições ou restrições que não sejam direitos aduaneiros, impostos ou outras imposições, quer a sua aplicação seja feita por meio de contingentes, de licenças de importação ou exportação, quer por outro qualquer processo'<"" . • Limitação de alíquotas instituída em lista: "Artigo II Cada parte contratante concederá ao comércio das outras partes contratantes um tratamento não menos favorável que o previsto na parte apropriada da correspondente lista anexa a este AcordoP?". (300) GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio -- Artigo 1II. In SANTOS, Luís Máximo dos; MORAIS, Luís; e RICARDO, Fernando Pereira. Textos - Relações Economicas Internacionais. Associação Académica da Faculdade de Lisboa, Lisboa, 1997, p. 52. (301) GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio -- Artigo XI. In SANTOS, Luís Máximo dos; MORAIS, Luís; e RICARDO, Fernando Pereira. Textos -- Relações Económicas Internacionais. Associação Académica da Faculdade de Lisboa, Lisboa, 1997, p. 66. (302) GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - Artigo 11. In SANTOS, Luís Máximo dos; MORAIS, Luís; e RICARDO, Fernando Pereira. Textos - Relações Econômicas Internacionais. Associação Académica da Faculdade de Lisboa, Lisboa, 1997, p. 49. 132 Sérgio Mourão Corrêa Lima A Cláusula da Nação mais Favorecida A cláusula da Nação mais favorecida não está contida somente no GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, figurando como dispositivo integrante de outros tratados internacionais. Hildebrando Accioly explica que, "por meio [desta cláusula], cada contratante promete ao outro, ou outros, que os tratará como trata ou venha a tratar 'a nação mais favorecida', isto é, a nação por ele mais favorecida na matéria sobre a qual verse o acordo'P''". A título de exemplo, temos: Alemanha e Brasil celebram um tratado internacional em que: • a Alemanha se compromete a cobrar Imposto de Importação com incidência de alíquota de, no máximo, 5% (cinco por cento) sobre automóveis venientes do Brasil; • o Brasil se compromete cia de alíquota de, no máximo, nientes da Alemanha; e • a cláusula pro- a cobrar Imposto de Importação com incidên5% (cinco por cento) sobre automóveis prove- da Nação mais favorecida está prevista. \! Posteriormente, o Brasil celebra um tratado com o Japão em que: • o Japão se compromete a cobrar Imposto de Importação com incidência de alíquota de, no máximo, 3% (três por cento) sobre automóveis provenientes do Brasil; e • o Brasil se compromete a cobrar Imposto de Importação com incidência de alíquota de, no máximo, 3% (três por cento) sobre automóveis provenientes do Japão. No caso em tela, o Japão é Nação mais favorecida que a Alemanha. Como o primeiro tratado prevê a Cláusula da Nação Mais Favorecida, a maior vantagem oferecida ao Japão se estende aos automóveis alemães. Assim, o Brasil somente poderá cobrar Imposto de Importação com incidência de alíquota de, no máximo, 3% (três por cento) também dos automóveis alemães. Portanto, "em virtude da cláusula [da Nação mais favorecida, a Alemanha] '" adquiri[u] o direito de reclamar para si, direitos ou vantagens estipulados em tratados de que diretamente não participa'<'?", (303) ACC\OLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional 10,1991, p. 131/132. Público. Saraiva, São Pau- (304) ACC\OLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional lo, 1991, p. 131/132. Público. Saraiva, São Pau- Tratados Internacionais no Brasil e Integração 133 A cláusula da Nação mais favorecida terá por objeto, portanto, "garantir a cada contratante um tratamento tão favorável quanto aquele que se dispensar a terceiros Estados .... O mecanismo da cláusula da nação mais favorecida cria, assim, uma igualdade ou nivelação na maneira com que os Estados são distinguidos, estabelecendo um mínimo de discrirninação'<v". Cabe destacar, ainda, que em função do princípio da autonomia da vontade, que norteia a formação dos tratados internacionais, a claúsula da Nação mais favorecida pode merecer as mais diversas redações. Refletirá, dessa forma, a vontade precisa dos Estados envolvidos, quanto à forma de extensão das maiores vantagens futuras às partes do tratado internacional anterior. Assim, os tratados internacionais que apresentam a cláusula da nação mais favorecida podem, até mesmo, estabelecer exceções a ela. É o caso do GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio. Exceção à Cláusula da Nação mais Favorecida A exceção à cláusula da nação mais favorecida consta do artigo XXIV do GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, que dispõe: "Artigo XXIV 5.... as disposições deste Acordo não constituirão obstáculo ao estabelecimento, entre os territórios das partes contratantes, de uma união aduaneira ou de uma zona de comércio livre, ou à adopção de um acordo provisório necessário para o estabelecimento de uma união aduaneira ou de uma zona de comércio livre, ... "(306). (305) "Tiene por objeto garantir a cada contratante un trato tan favorable como aquél que se dispensa a los Estados terceros ... EI mecanismo de la cláusula de la nación más favorecida crea asi una igualdad o nivelación en la manera en que se tratan los Estados, establece un mínimo de díscriminación y un máximo de generalízación de los favores concedidos a otros." ARÉCHAGA, Eduardo Jiménez de. Derecho Internacional Cultura Universitaria, Montevideo, 1996, p. 236/237. Público, tomo I. Fundación de (306) GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - Artigo 11. In SANTOS, Luís Máximo dos; MORAIS, Luís; e RICARDO, Fernando Pereira. Textos - Relações Económicas Internacionais. Associação Académica da Faculdade de Lisboa, Lisboa, 1997. p. 49. Sérgio Mourão Corrêa Lima 134 Constata-se, portanto, que a cláusula da nação mais favorecida não será aplicada no caso de maiores vantagens atribuídas a outros Estados pelos Estados-Partes, em função da participação destes em zonas de livre comércio e uniões aduaneiras. Por esta razão, Ricardo Seitenfus destaca que "os sistemas de preferência do BENELUX, Commonwealth, União Européia e Mercosul são previstos no artigo XXIV"(307), consistindo, portanto, em exceções à cláusula da nação mais favorecida prevista no GATT. Dessa forma, constatamos que caso não houvesse a previsão de exceção à cláusula da nação mais favorecida, todas as vantagens que o Brasil conferiu à Argentina em função do Mercosul automaticamente se estenderiam a todos os demais Estados-Partes do GATI. Entretanto, como há a previsão de exceção para zonas de livre comércio e união aduaneira, as vantagens oferecidas pelo Brasil à Argentina não se estenderam às demais partes do GATT. Vejamos o seguinte quadro comparativo: Cláusula da Nação mais Favorecida sem previsão de exceção Brasil é parte do GATT (Cláusula da Nação mais favorecida) \! Brasil celebra o tratado posterior que implementou uma zona de livre comércio para com Argentina, Paraguai e Uruguai \! Maior vantagem atribuída à Argentina, Paraguai e Uruguai se estende às demais partes do GATT o Princípio Cláusula da Nação mais Favorecida com previsão de exceção Brasil é parte do GATT (Cláusula da Nação mais favorecida) \! Brasil celebra o tratado posterior que X implementou uma zona de livre comércio para com Argentina, Paraguai e Uruguai. (Exceção à cláusula da Nação mais favorecida) \! Maior vantagem atribuída à Argentina, Paraguai e Uruguai não se estende às demais partes do GATT da Igualdade A igualdade é um princípio geral do Direito amplamente reconhecido na sistemática jurídica dos mais diversos países. Pinto Fer(307) SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações gado Editora, Porto Alegre, 1997, p. 1551l56. Internacionais. Livraria do Advo- Tratados Internacionais no Brasil e Integração 135 reira ensina que "na sociedade contemporânea, o princípio foi assimilado pela quase totalidade das Constituições" (308). Porém, não são as constituições as únicas a acolher o princípio da igualdade. Também os tratados tendem a acolhê-lo. "No GATT, [por exemplo, consta] o princípio da igualdade entre as partes contratantes" (309). Na esfera deste acordo multilateral, a igualdade consiste na vedação à discriminação dos produtos dos Estados-Partes, como forma de permitir uma concorrência justa entre as mercadorias de diversos países, sem que a procedência seja fator prejudicial ou de favorecimento destas. Dessa forma, a igualdade pode-se apresentar de duas formas: • Igualdade tratado; e entre produtos de outros Estados-Partes do • igualdade entre o produto nacional e o produto de outros Estados-Partes do tratado. Como exemplo, temos: • O Brasil não pode conferir tratamento mais benéfico a uma bicicleta portuguesa em detrimento de outra japonesa; e • o Brasil não pode conferir tratamento mais benéfico a uma bicicleta brasileira em detrimento de outra japonesa. Eliminação das Restrições Não-Tarifárias Conforme constatado, o GATT também veda "quaisquer proibições ou restrições ... , quer a sua aplicação seja feita por meio de contingentes, de licenças de importação ou exportação, quer por outro (308) FERREIRA, Pinto. Princípios Gerais do Direito Constitucional edição, Saraiva, São Paulo, 1962, p. 488. Moderno. (309) "En cambio, en el GATT se mantiene el principio Contratantes, y esta situación no variará con la üMC." de la igualdad LACARTE MURÓ, Julio A. Ronda Uruguay dei GATT Mundial. Montevideo, fcu, Iª edição, 1994, p. 93. La Globalización VaI. lI, 4ª entre las Partes dei Comercio Sérgio Mourão Corrêa Lima 136 qualquer processo'V'?'. Assim, constata-se que os Estados-Membros "deverão ... [eliminar] as barreiras alfandegárias e as medidas de proteção de mercados"!"!', Portanto, em regra não se admite que um Estado estabeleça cotas de importação aos produtos dos demais Estados, como forma de implementar um contingenciamento na importação, por exemplo. Porém, a eliminação das restrições não-tarifárias não consiste somente nas limitações quantitativas ou qualitativas. Manuel Carlos Lopes Porto informa que também as "restrições aos pagamentos" podem figurar como medidas que, de forma equivalente, limitam o comércio internacional. Também são, portanto, desautorizadas pelo GATI. Dessa forma, não podem as autoridades de qualquer EstadoParte, restringir os pagamentos internacionais aos produtos provenientes dos demais Estados-Partes do GATT, "não disponibilizando ou limitando as disponibilidades'rv'" de meios para que os pagamentos sejam implementados. Limitação de Alíquotas Instituída em Lista o artigo 11do GATT faz menção a uma lista elaborada por cada um dos Estados-Partes. Nesta, os países devem estabelecer os "favores aduaneiros" com os quais estarão comprometidos e, portanto, estes lhes podem ser exigidos. Assim, quanto aos produtos provenientes dos demais EstadosPartes do GATT, não podem as autoridades de qualquer Estado-Parte, implementar cobrança ou apresentar exigência que extrapole os limites e favores estabelecidos em sua lista. A lista do Brasil, por exemplo, é a de número 11I. Dela, consta um rol de produtos e as alíquotas máximas, do imposto sobre a importação, que podem incidir sobre cada uma das mercadorias arroladas. (310) GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - Artigo XI. In SANTOS, Luís Máximo dos; MORAIS, Luís; e RICARDO, Fernando Pereira. Textos - Relações Económicas Internacionais. Associação Académica da Faculdade de Lisboa, Lisboa, 1997, p. 66. (311) SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações gado Editora, Porto Alegre, 1997, p. 155. (312) PORTO, Manuel Carlos Lopes. Almedina, Coimbra, 1997, p. 119. Teoria Internacionais. da Integração Livraria e Políticas do Advo- Comunitárias. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 137 Assim, não pode a autoridade fiscal brasileira exigir do importador de produtos provenientes dos demais Estados-Partes do GATT, o pagamento de imposto de importação com incidência de alíquota superior àquela estabelecida como máxima na lista IH do Brasil. É que a referida listagem, que segue em anexo ao tratado internacional, é parte integrante deste. E, considerando que o GATT foi negociado, assinado, referendado pelo Congresso Nacional, ratificado, promulgado e publicado, não há dúvidas de que sua eficácia "não é menor que a das leis internas'Y'". Vigência no Brasil Como o Brasil figura como parte do GATT, Hely Lopes Meirelles, informa que "tal Acõrdo foi põsto em vigência no território nacional pela Lei n. 313, de 30 de junho de 1948, e Decretos ns. 31.307 e 32.600, respectivamente, de 25 de agôsto de 1952 e 17 de abril de 1953"(314). As Rodadas de Negociação Deste 1948, ano em que o GATT entrou em vigor no Brasil, apesar de permanecerem inalteradas as quatro regras fundamentais anteriormente mencionadas, algumas modificações e acréscimos decorreram de outras sete rodadas de negociações. São elas, "Annecy (1949), Torquay (1951), Genebra (1956, 196061 e 1964-67), Tóquio (1973-79) e Uruguai (1986-1994)"(315). Os tratados internacionais contendo o produto final de cada uma das rodadas de negociações incorporaram-se ao ordenamento jurídico brasileiro da mesma forma que os demais tratados internacionais. Há que se destacar a importância das várias rodadas de negociações. Manuel Carlos Lopes Porto informa que "no Uruguai Round, o oitavo ... realizado, conseguiram-se progressos assinaláveis. Havia sido (313) REZEK, José Francisco. Direito Internacional ção, São Paulo, Saraiva, 1991, p. 86. Público - Curso Elementar. 2" edi- (314) MEIRELLES, Hely Lopes. Estudo sobre o GATT. Revista de Direito Público, Ano I, vol. I, julho/setembro, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1967, p. 64. (315) SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações gado Editora, Porto Alegre, 1997, p. 157. Internacionais. Livraria do Advo- Sérgio Mourão Corrêa Lima 138 muito grande o relevo ... [das rodadas] anteriores, tendo o volume do comércio subido de 10 [bilhões] ... no round de Genebra (1947) para 155 [bilhões] '" no round de Tóquio (1973-9), com o número de países-membros a elevar-se de 23 para 99. Mas foi um grande progresso que o Uruguai Round tenha .., [elevado] o comércio para [um bilhão] de dólares e o número de [Estados] participantes para 117"(316). A OMC - Organização Mundial do Comércio A Rodada Uruguai do GAII, "encerrada com o Acordo de Marrakech em 1994"(317), é a mais recente. Naquela oportunidade, os Estados que tomaram parte na rodada de negociações decidiram criar a OMC - Organização Mundial do Comércio que encamparia o GAII e viria "a ser uma instituição especializada e autônoma das Nações Unidas'<'!", "Importa notar que o acordo que institui a aMC não é, juridicamente, um acordo que suceda ao GATT de 1947, um acordo que lhe substitua. a acordo que institui a aMC incorpora no chamado GATT de 1994 todo o acervo jurídico do GATT de 1947, mas os dois acordos não se confundem, antes mantendo a sua plena autonomia jurídica'<"?'. Assim, o "acordo sobre a aMC [do GATT 1947, porém] ampliada. ... abarca a mesma temática a acúmulo de trabalhos realizados no curso das etapas finais da Rodada Uruguai e a demora experimentada para alcançar os acordos finais com respeito a muitos temas, impediu o cumprimento da delicada tarefa de identificar com absoluta precisão jurídica aquelas (316) PORTO, Manuel Carlos Lopes. Almedina, Coimbra, 1997, p. 467. Teoria da Integração e Políticas Comunitárias. (317) SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações gado Editora, Porto Alegre, 1997, p. 159. Internacionais. Livraria do Advo- (318) SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações gado Editora, Porto Alegre, 1997, p. 159. Internacionais. Livraria do Advo- (319) PEREIRA, André Gonçalves; CUNHA, Paulo de Pitta e; MIRANDA, Jorge; SOUSA, Marcelo Rebelo de; QUADROS, Fausto de; FERREIRA, Eduardo da Paz; AZEVEDO, Maria Eduarda; RUIZ, Nuno; DUARTE, Maria Luísa; SANTOS, Luís Máximo dos; CALHEIROS, José Maria; MARTINS, Ana Maria Guerra; MOREIRA, Teresa; e MORAIS, Luis Silva. Em Torno do Tratado da União Européia, Coimbra, Almedina, 1997, p. 171. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 139 disposições do GAII 1947 que estão superadas pela Rodada Uruguai e que não figuram na OMt". Por isso, o GAII 1947 foi agregado por referência, recorrendo-se a uma cláusula de incorporação ... Se antecipa que, no momento próprio, se publicará uma versão apurada do Acordo sobre a aMC e de seus anexos (em particular GAII 1947 e GAII 1994). [Assim,] o Acordo sobre a aMC é um instrumento cuja finalidade é a de abarcar e ordenar os múltiplos acordos substantivos que se herdam do GAII 1947 e os que nascem a partir da Rodada Uruguai, fixando as claúsu1as necessárias para harmonizar e regular o conjunto"(320). Verificamos, dessa forma, que através da Rodada Uruguai, os Estados que tomaram parte nas negociações decidiram: (320) "Si bien en el Acuerdo sobre la OMC se expresa que es 'legalmente distinto' aI GATT y que no constituye un acuerdo sucesor del mismo, cabe destacar que abarca la misma temática, ampliada. La OMC incorpora el GATT bajo la forma en que exista el día en que aquella entre en vigor, denominándolo 'GATT 1947', Y según el Artículo XVI deberá guiarse por la decisiones, los procedimientos y las prácticas usuales utilizadas por las partes contratantes dei GATT 1947 Y por los órganos establecidos dentro de su marco (se define el GATT 1947 en el Anexo IA deI Acuerdo sobre la OMC). Los miembros de la OMC podrán optar entre seguir formando parte del GATT 1947, o de retirarse del mismo. Debe tenerse presente que las concesiones de apertura de mercados negociadas durante la Ronda Uruguay no se incorporan aI GATT 1947. EI cúmulo de los trabajos realizados en el curso de las etapas finales de la Ronda Uruguay y la tardanza experimentada en alcanzar los acuerdos finales com respecto a muchos temas, impidió cumplir la delicada tarea de identificar con absoluta precisión jurídica aquelias disposiciones dei GATT 1947 que quedan superadas por la Ronda Uruguay y que no figuran en la OMC. Por lo tanto, el GATT 1947 fue agregado por referencia, recurriéndose a una cláusula de incorporación. Obviamente, toda la información pertinente está contenida en los instrumentos anexos aI Acta Final, pero debe ser leida com detención. Se anti cipa que, en su momento, se publicará una versión depurada del Acuerdo sobre la OMC y de sus anexos (en particular GATT 1947 Y GATT 1994). EI Acuerdo sobre la OMC es un instrumento cuya finalidad es la de abarcar y ordenar los múltiples acuerdos sustantivos que se heredan deI GATT 1947 Y los que nacen a partir de la Ronda Uruguay, fijando las claúsulas necesarias para armonizar y regular el conjunto. El párrafo 4 deI Artículo 11 establece que el texto deI GATT que figura el Anexo IA (i.e., GATT 1994) es juridicamente distinto aI GATT que fue suscrito el 30 de octubre de 1947, tal como fue posteriormente rectificado, enmendado o modificado (i.e., GATT 1947). Como se comentara anteriormente, lo esencial es que el GATT 1947 com los cambios que le fueron incorporados en el curso de Ronda y los que pucdan resolver las partes contratantes entre la fecha de la firma deI Acta Final en Marrakech y el momento en el que entre en vigor el Acuerdo sobre la OMC, se convierte en el GATT 1994." LACARTE MURÓ, Julio A. Ronda Uruguay de! GATT Mundial. Montevideo, fcu, I ª edição, 1994, p. 209/210. - La G!obalizacián de! Comercio 140 Sérgio Mourão Corrêa Lima • estabelecer algumas regras novas no âmbito do GAII, que receberam o nome de GAII 1994, tendo revogado as disposições em contrário do GAII 1947 e suas outras seis rodadas posteriores'V"; • constituir a OMC - Organização Mundial do Comércio; • que a OMC encamparia o GATI. Temos, assim, como resultado da Rodada Uruguai, o seguinte modelo: OMC - Organização Mundial do Comércio "GATT 1947" + alterações introduzidas pelo "GATT 1994" + Outros Órgãos Especializados Cabe destacar que, conforme já constatado, as disposições normativas chamadas de "GAII 1994" não fizeram expressa disposição quanto às regras do "GAII 1947" que estariam sendo revogadas. Não obstante, pode-se afirmar com segurança que permaneceram inalteradas as quatro regras fundamentais anteriormente mencionadas: • Cláusula da Nação mais favorecida; • Princípio da Igualdade; • Eliminação das restrições não-tarifárias; e • Limitação de alíquotas instituída em lista. Vigência no Brasil Como o Brasil figura como Estado-Membro da OMC, há que se fazer referência aos dispositivos normativos através do qual a Rodada Uruguai ganhou vigência em território nacional. (321) "A regra lex posterior derogat priori tem plena eficácia, ainda no caso em que todas as partes no tratado anterior o são também no posterior, agora ao lado de outras mais." REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 100. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 141 Trata-se do Decreto n. 1.355, de 30 de dezembro de 1994, publicado no dia 31 de dezembro de 1994. o GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade) 1994 Dentre as modificações introduzidas pelo GATT 1994, estão as alterações da lista nacional de cada um dos Estados-Membros. É que, através das rodadas de negociações, os Estados-Partes gradativamente tornam mais substanciais os "favores aduaneiros" concedidos aos demais Estados-Partes. Já constatáramos que a lista do Brasil é a de número III. Dela, consta um rol de produtos e as alíquotas máximas, do imposto sobre a importação, que podem incidir sobre cada uma das mercadorias arroladas. Também já fora constatado que como a referida listagem, que segue em anexo ao tratado internacional, é parte integrante deste, sua eficácia "não é menor que a das leis internas"(322). Manifestando-se sobre a limitação de alíquota do imposto de importação, estabelecida através da lista brasileira no GATT (lista III), o Tribunal Federal de Recursos decidiu: "EMENTA - Mercadorias importadas de país signatário do GATT, para as quais se convencionou, entre as partes contratantes, a alíquota de 15%, nos termos do Decreto n. 83.070179. - Majoração dessa alíquota para 45%, via de ato declaratório do Coordenador do Sistema de Tributação. - Ilegalidade. RELATÓRIO Toledo do Brasil Indústria de Balanças Ltda. impetrou mandado de segurança contra ato do Delegado da Receita Federal em Santo André - SP, que lhe exigiu diferença de tributos. (322) REZEK, José Francisco. Direito Internacional ção, São Paulo, Saraiva, 1991, p. 86. Público - Curso Elementar. 2~ edi- 142 Sérgio Mourão Corrêa Lima Alegou que importou dos Estados Unidos da América ... bens sujeitos ao imposto de importação à alíquota reduzida de 15%, em razão das concessões tarifárias resultantes das negociações, encerradas em 7.12.78, com os países signatários do GATT e constantes da lista IH, promulgada pelo Decreto n. 83.070, de 23.1. 79; a autoridade entendeu que a alíquota correta seria de 45%, apoiada em determinação do Ato Declaratório Normativo CST n. 26, de 26.10.79, ... [estando a mercadoria importada sujeita] à alíquota majorada pelo Decreto n. 1.421/75; VOTO A ilustrada Subprocuradoria Geral da República, em parecer do Sr. João Leoni Taveira, aprovado pelo Dr. José Arnaldo Gonçalves de Oliveira, assim opinou sobre a controvérsia (fls. 80/81): ' ... A questão se resolve pela análise da hierarquia das normas jurídicas. A impetrante importou mercadorias de países signatários do GATT, as quais foram objeto de negociação, tendo sido para elas, através do Decreto 83.070/79, fixada a alíquota de 15% . ... Para pretender que a alíquota seja de 45% invocou o impetrado o Ato Declaratório CST n. 26/79. Claro que esse Ato poderia explicitar o Decreto 83.070/ 79, mas nunca contrariá-lo, pois aí, pelo princípio da hierarquia das normas, seria inócuo . ... Assim, somos pelo improvimento do recurso.' Adotando os fundamentos do parecer transcrito, nego provimento à apelação e confirmo a sentença rernetida'Y-". Verifica-se, portanto, que o antigo Tribunal Federal de Recursos, amparado em parecer da Procuradoria Geral da República, entendeu que a autoridade fiscal brasileira não pode exigir do impor(323) Apelação em Mandado Antônio Torreão Braz. de Segurança n. 93.506, Reg. 2306875 - SP, 1984, ReI. Min. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 143 tador de produtos provenientes dos demais Estados-Partes do GAII, o pagamento de imposto de importação com incidência de alíquota superior àquela estabelecida como máxima na lista III do Brasil. Dessa forma, o Poder Judiciário brasileiro vem cumprir sua "função [de] garantir, ante o caso concreto, que [o tratado] não se veja frustrado'W", mesmo porque, no âmbito interno brasileiro, em geral, ele situa-se formalmente no mesmo nível hierárquico da lei, a ela se equiparando'<'>', Porém, no caso em tela, o tratado internacional está dispondo sobre normas de natureza tributária. Assim, conforme já fora apontado, a questão mostra-se controversa, em razão do teor do artigo 98 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional: "Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha." Este dispositivo do Código Tributário Nacional vem causando divergência doutrinária e jurisprudencial a respeito da hierarquia das normas de natureza tributária, contidas em tratados internacionais: "2. Os Decretos-leis, por sua hierarquia inferior, não tem o condão de alterar ou restringir os tratados e as convenções internacionais firmados pelo Brasil (art. 98 do CTN)"(326). (REO n. 100717 - BA) x "O mandamento contido no artigo 98 do CTN não atribui ascendência às normas de direito internacional em detrimento do direito positivo interno, mas, ao revés, posiciona-as em nível idêntico, conferindo-lhe efeitos semelhantes't'V", (REsp. n. 37065 - PR) O acórdão transcrito foi proferido pelo Tribunal Federal de Recursos ainda sob a égide da Constituição anterior. Por esta razão, poder-se-ia sustentar que o contexto delineado pela Constituição Federal de 1988 seria distinto em função do teor de seu artigo 153, I, § 1º, que assim dispõe: (324) REZEK, 1. Francisco. (325) Recurso Especial Direito Internacional (326) Tribunal Regional Federal 1990, Rei Juiz Gomes da Silva. (327) Recurso Especial Público. n. 74376, ReI. Min. Eduardo I ª Região, - n. 0037065 - São Paulo, Saraiva, 1996, p. 86. Ribeiro. Remessa Ex Officio PR, 1993, ReI. Min, Demócrito n. 0100717 Reinaldo. - BA, 144 Sérgio Mourão Corrêa Lima "Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I- importação de produtos estrangeiros; § 10 É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, 11, IV e V " Diante do dispositivo constitucional, não há dúvidas de que o Poder Executivo pode alterar as alíquotas do imposto de importação. Entretanto, deve obrigatoriamente observar as condições e os limites legais. As Condições e os Limites Estabelecidos em Lei Já constatáramos que o artigo 98 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional tem o seguinte teor: "Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha." Portanto, não há dúvidas de que o Poder Executivo só poderá alterar as alíquotas do imposto de importação, em estrita observância ao estabelecido nos tratados internacionais que estejam em vigor no território nacional. Assim, e considerando que através de sua lista nacional, de número 111, o Brasil havia se comprometido a praticar "a alíquota de 15%."; considerando que a referida lista consistia em anexo a tratado que ganhou vigência no território nacionar' através do "Decreto 83.070/ 79"; e considerando que a eficácia dos tratados internacionais "não é menor que a das leis internas'<?", (328) REZEK, José Francisco. Direito Internacional ção, São Paulo, Saraiva, 1991, p. 86. Público - no Brasil Curso Elementar. 2ª edi- Tratados Internacionais no Brasil e Integração 145 pode-se afirmar que, sob os auspícios da Constituição Federal de 1988, a medida adotada pela autoridade fiscal brasileira seria, além de ilegal, inconstitucional. A inconstitucionalidade decorreria: • da afronta à determinação constitucional condições e aos limites estabelecidos em lei. de respeito às E, a ilegalidade decorreria: • da afronta à condição imposta pelo artigo 98 do Código Tributário Nacional; e • da inobservância ao limite estabelecido no GATT, cuja eficácia no Brasil "não é menor que a das leis internas'<"?'. Assim, pode-se concluir que a decisão proferida pelo antigo Tribunal Federal de Recursos em 1984 é absolutamente compatível com o tratamento atribuído à matéria pela Constituição Federal de 1988. (329) REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público - Curso Elementar. 2~ edição, São Paulo, Saraiva, 1991, p. 86. Estudo do Caso 11: O Protocolo de Las Leiías Elementos dos Estados Voltamos a recordar "o território, a comunidade nacional e o poder como sendo ... [os] três elementos fundamentais'P'?' do Estado. Recordamos, ainda, que esse poder é concebido "como um sistema em que se conjugam um legislativo, um executivo e um judiciário, harmônicos e independentes entre si"(331).Trata-se da teoria da separação dos poderes, tal como vislumbrada por Montesquieu. No âmbito dos Estados, em regra: • cabe ao poder legislativo a produção de normas gerais, ou sej a, as leis; • cabe ao poder judiciário a interpretação das normas gerais através de normas individuais, ou seja, as decisões judiciárias; e • cabe ao poder executivo a aplicação das normas gerais e individuais, mediante, se necessário, a produção de atos administrativos. Em última análise, pode-se concluir exemplo: que, na Argentina, por • cabe ao poder legislativo argentino a produção das normas gerais, ou seja, as leis argentinas que vão vincular a população que se encontre em território argentino; (330) "Echando mano de nociones elementales de teoria general deI Estado, recordamos el territorio, la comunidad nacional y el poder como siendo sus tres elementos fundamentales." CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Entendimento manifesto no "VI Encuentro de Estudiantes de Derecho dei Mercosur " em Córdoba - Argentina nos dias 30 e 31 de julho e I º de agosto de 1997. (331) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos va, 1985, Ilªed.,p.191. de Teoria Geral do Estado. São Paulo, Sarai- 147 Tratados Internacionais no Brasil e Integração • cabe ao poder judiciário argentino a interpretação das normas gerais, ou seja, as leis argentinas, através das normas individuais, ou seja, as decisões judiciais argentinas que vinculam pessoas que se encontrem em território argentino; e • cabe ao poder executivo argentino a aplicação das normas gerais e individuais argentinas no território argentino. o Poder Judiciário e a Soberania Dalmo de Abreu Dallari salienta que "não há razão para o tratamento autônomo do poder, especialmente para considerá-lo desligado da soberania, que é um atributo do poder e, em última análise, da própria ordem juridica'<?", Dessa forma, recordamos também que "o chamado poder do Estado, que é exercido por um governo sobre população residente dentro do território do Estado"(333), implica a soberania do Estado. Podemos abordar os efeitos da soberania sob dois prismas diversos: Roque Carrazza leciona que, no plano interno, a soberania, "como qualidade jurídica do 'imperium' [implica] o efetivo predomínio [do Estado] sobre as pessoas que o compõem'v'>". Assim, temos o efetivo predomínio das decisões judiciais de determinado Estado sobre as pessoas que se encontram em seu território. No plano internacional, "A soberania, enquanto atributo de todos os Estados, implica a existência de uma estrita igualdade entre eles (Carta das Nações Unidas, art. 2º, § I º)"(335i.Dessa forma, "nenhum Estado está obrigado a reconhecer no seu território uma sentença proferida por juiz ou tribunal estrangeiro'<v", (332) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos va. 1985, 11 ed., p. 98. ª (333) KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. de Teoria Geral do Estado. Coimbra, Armênio Amado, (334) CARRAZZA, Roque. In BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, tários à Constituição do Brasil. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 455. (335) BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Brasil. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 455. (336) RECHSTEINER, 1996, p. 195. Beat Walter. Direito Ives Gandra. Internacional São Paulo, Sarai- Comentários Privado. 1974, p. 389. Ives Gandra. Comen- á Constituição São Paulo, do Saraiva, 148 Sérgio Mourão Corrêa Lima Assim, Jaime Greif destaca que "a sentença habitualmente é concebida como ... um ato de soberania e tem seu alcance limitado ou restringido ao âmbito espacial, ou ao território do Estado dentro do qual é emitida'<P". Esta é a regra. Entretanto, os Estados podem se comprometer a conferir força executória às sentenças estrangeiras em seu território. É que, "sis- tema jurídico autônomo, onde se ordenam as relações entre Estados soberanos, o direito internacional público - ou direito das gentes - repousa sobre o consentimenco'v'". Dessa forma, os Estados podem consentir, principalmente através de tratados internacionais, no sentido de que as sentenças estrangeiras tenham força executória em seu território. Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, por exemplo, concluíram tratado internacional que contém o seguinte dispositivo: "Artigo 20 As sentenças e os laudos arbitrais ... terão eficácia extraterritorial nos Estados-Partes ..."(339). (337) "Como sabemos, la sentencia habitualmente es concebida como la expresión de la soberania, como un acto de soberania y tiene su alcance limitado o restringido aI ámbito espacial, o ai territorio del Estado dentro deI cual es emitida." GREIF, Jaime. In SOSA, Angel Landoni. Curso de Derecho Comunitario dei Mercosur. Montevideo, fcu, 1997, p. 177. (338) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. Procesal Internacional São Paulo, Saraiva, y 1995, p. 03. (339) Protocolo de Las Lefias de 27 de junho de 1992 (promulgado pelo Decreto n. 2.067, de 12 de novembro de 1996, publicado no 'Diário Oficial da União de 13 de novembro de 1996): "Artigo 19 O pedido de reconhecimento e execução autoridades jurisdicionais será tramitado Autoridade Central. Artigo de sentenças e de laudos arbitrais por parte das por via de cartas rogatórias e por intermédio da 20 As sentenças e os laudos arbitrais a que se refere o artigo anterior terão eficácia torial nos Estados-Partes quando reunirem as seguintes condições: a) que venham revestidos das formalidades dos autênticos no Estado de origem; externas necessárias extraterri- para que sejam considera- b) que estejam, assim como todos os documentos anexos necessários, devidamente traduzidos para o idioma oficial do Estado em que se solicita seu reconhecimento e execução; c) que emanem de um órgão jurisdicional ou arbitral Estado requerido sobre jurisdição internacional; competente, segundo as normas d) que a parte contra a qual se pretende executar a decisão tenha sido devidamente tenha garantido o exercício de seu direito de defesa; do citada e Tratados Internacionais 149 no Brasil e Integração Trata-se do Protocolo de Las Lefías, No âmbito do Mercosul, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai concluíram em Las Lenãs, no dia 27 de junho de 1992, protocolo que veio a ser incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto Executivo n. 2.067, de 12 de novembro de 1996. Esse tratado internacional tem por objeto a "cooperação sistência jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhista ministrativa" entre os Estados-membros do Mercosul. e ase ad- Nadia de Araujo destaca que as normas constantes do Protocolo de Las Lefias "não são apenas normas de cooperação interjurisdicional, mas normas propriamente processuais, com repercussão sobre o direito processual interno"(340) dos quatro Estados. Decisão (lato sensu): Sentença e Despacho Amaral Santos destaca que "as atividades do juiz, no desenvolvimento da relação processual, se manifestam especialmente por meio de atos decisórios - despachos e sentenças'<"!'. Enquanto a "sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo'P?', "são despachos todos os demais atos do juiz praticados no processoP'". Exequatur (lato sensu) o exequatur (lato sensu) consiste na ordem de cumprimento, por parte de um Estado, à decisão judicial estrangeira. Trata-se do "execute-se", conferido a uma decisão judicial proveniente de Estado diverso. e) que a decisão tenha força de coisa julgada e/ou executória f) que claramente não contrariem os princípios solicita seu reconhecimento e/ou execução. Os requisitos das alíneas 'a', 'c', sentença ou do laudo arbitra!." 'd', no Estado em que foi ditada; de ordem pública 'e' e 'f' devem estar contidos (340) ARAUJO, Nadia de. Solução de Controvérsias no Mercosul. gentina n. 6.052, Buenos Aires, 27 de agosto de 1997, p. 5. (341) SANTOS, Amara!. In THEODORO JÚNIOR, sual Civil. Rio de Janeiro, Forense, 1993, p. 224. (342) Código de Processo Civil - Artigo 162, § I Q. (343) Código de Processo Civil - Artigo 162, § 3Q• Humberto. do Estado em que se na cópia autêntica In Jurisprudência Curso de Direito da Ar- Proces- Sérgio Mourão 150 o exequatur Corrêa Lima (lato sensu), em regra, manifesta-se de duas formas: • homologação de sentença estrangeira; e • exequatur (stricto sensu) de outras decisões judiciais sem caráter executório. Homologação de Sentença Estrangeira Referindo-se à questão da homologação de sentenças estrangeiras, Hermes Marcelo Huck leciona que "em inglês é usada a palavra 'enforcement', nitidamente vinculada à efetividade extraterritorial da sentença, enquanto no Brasil os termos são escalonados na ordem de 'reconhecimento', 'homologação' e 'execução'. Reconhecimento e execução são conceitos distintos, quando aplicados em função de sentença estrangeira. Reconhecimento implica aceitação da sentença provinda de jurisdição estrangeira, sem entretanto executá-la. Já a execução será conseqüência de um requerimento a juiz nacional, que não só reconhece na decisão estrangeira efeitos de uma sentença judicial, mas possibilita a extensão desses no foro. [Assim, a] homologação é conceito de natureza processual, referindo-se a um procedimento específico e necessário à obtenção de condições de execução para a sentença estrangeira'v''". Temos, portanto: mero reconhecimento da sentença estrangeira V procedimento de homologação de sentença estrangeira \I sentença estrangeira com força executória Os Estados podem livremente conferir à sentença estrangeira, três tratamentos diferentes: • O Estado não homologa, mas apenas reconhece a sentença estrangeira, "exigindo do interessado que promova nova (344) HUCK, Hermes va, 1994, p. 17/18. Marcelo. Sentença Estrangeira e Lex Mercatoria. São Paulo, Sarai- Tratados Internacionais 151 no Brasil e Integração ação, juntando a decisão anterior como documento comprobatório da existência de seu direito"(345). o A sentença estrangeira adquire força executória depois de submetida ao procedimento de homologação de sentença estrangeira no Estado de destino. o A sentença estrangeira detém força executória sem necessidade de submissão a procedimento de homologação de sentença estrangeira. Normalmente isso ocorre quando há tratado internacional envolvendo o Estado onde a sentença foi proferida e o Estado onde se pretende executá-la. Exequatur (stricto sensu) O exequatur (stricto sensu) corresponde "à determinação oriunda [de um Estado] para que se cumpra carta rogatória citatória ou notificatória estrangeira. A carta rogatória, em si, não pode ter qualquer efeito executório, ... visando tão-somente ordenar o processo de conhecimento que se promove no exterior e que depende de providência processual que só pode ser realizada [no Estado rogado] "(346). Temos, portanto: decisão estrangeira sem efeito executório que não pode ser cumprida \I exequatur (stricto sensu) \I decisão estrangeira sem efeito executório pode ser cumprida Homologação de Sentença Estrangeira x Exequatur (stricto sensu) No Brasil, a Constituição Federal de 1988 trouxe o seguinte: "Art. 84. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (345) ROCHA, 1986, p. 165. Osíris. Curso de Direito Internacional (346) HUCK, Hermes Marcelo. Sentença Estrangeira va, 1994, p. 35. Privado. Rio de Janeiro, Forense, e Lex Mercatoriu . Sào Paulo, Sarai- Sérgio Mourão Corrêa Lima 152 I - processar e julgar, originariamente: h) a homologação das sentenças estrangeiras e a concessão do exequatur às cartas rogatórias, que podem ser conferidas pelo regimento interno a seu Presidente". Portanto, o exequatur (stricto sensu) de "carta rogatória (citatória ou probatória) e a homologação de Sentença Estrangeira são dois fatos que [também] o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal distingue claramente, tratando-os em capítulos separados. Esta se encontra no capítulo 11 do título VIII, regendo-a os artigos 215 a 224; aquela no capítulo III do mesmo título, regendo-a os artigos 225 a 229"(347). Assim, enquanto o processo de homologação se presta a permitir a execução da sentença estrangeira no Brasil, a "carta rogatória é a solicitação da autoridade judiciária estrangeira para a autoridade judiciária brasileira .." tendo por objeto a realização de um ato processual relativo a um pleito. A carta pode ter por escopo a citação, intimação, notificação, inquirição, exames etc."(348). Entretanto, compete aos Juízes Federais tanto a execução de sentenças estrangeiras homologadas quanto o cumprimento das cartas rogatórias que tenham merecido o exequatur (stricto sensu) do Supremo Tribunal Federal: "Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: x - ...a execução de carta rogatória, após o exequatur, e de sentença estrangeira, após a homologação ...". o Procedimento o procedimento de Homologação de Sentença Estrangeira a que a sentença estrangeira deve ser submetido para surtir efeitos no Brasil pode ser representado pelo seguinte organogramav'?': (347) Embargos na Carta Rogatória n. 3.481, RTJ, 103:536. In HUCK, Hermes Sentença Estrangeira e Lex Mercatoria, São Paulo, Saraiva, 1994, p. 39. Marcelo. (348) Embargos na Carta Rogatória n. 3.481, RTJ, 103:536. In HUCK, Hermes Sentença Estrangeira e Lex Mercatoria. São Paulo, Saraiva, 1994, p. 39. Marcelo. (349) Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal - Artigos 215 a 224: "Art. 215. A sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia homologação pelo Supremo Tribunal Federal. ou por seu Presidente. Tratados Internacionais no Brasil e Integração Petição apresentada ao STF pelo interessado 153 contendo a sentença estrangeira \I determina manda "que Presidente do STF: ... emende ou complete [a petição] no prazo sob pena de indeferimento" ou o requerido para, em quinze dias, contestar o pedido". o requerente dez dias, "citar de \I "Apresentada a contestação, será admitida réplica em cinco dias". \I Presidente do STF abre vista ao Procurador-Geral da República \I Presidente do STF concede estrangeira (Da decisão ou denega o pedido de homologação de sentença cabe Agravo Regimental para o Pleno do STF) \I Execução da sentença estrangeira pelo Juiz Federal ª de 1 Instãnciav"? Art. 216. Não será homologada sentença que ofenda a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. Art. 217. Constituem requisitos indispensáveis á homologação da sentença estrangeira: I - haver sido proferida por juiz competente; 11 - terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; 111- ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias á execução no lugar em que foi proferida; IV - estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução oficial. Art. 218. A homologação será requerida pela parte interessada, devendo a petição inicial conter as indicações constantes da lei processual, e ser instruida com a certidão ou cópia autêntica do texto integral da sentença estrangeira e com outros documentos indispensáveis, devidamente traduzidos e autenticados. Art. 219. Se a petição inicial não preencher os requisitos exigidos no artigo anterior ou apresentar defeitos ou irregularidades que dificultem o julgamento, o Presidente mandará que o requerente a emende ou complete, no prazo de dez dias, sob pena de indeferimento. Parágrafo único. Se o requerente não promover, no prazo marcado, mediante intimação ao advogado, ato ou diligência que lhe for determinado no curso do processo, será este julgado extinto pelo Presidente ou pelo Plenário, conforme o caso. Art. 220. Autuados a petição e os documentos, o Presidente mandará citar o requerido para, em quinze dias, contestar o pedido. § I º O requerido será citado por oficial de justiça, se domiciliado no Brasil, expedindo-se, para isso, carta de ordem; se domiciliado no estrangeiro, pela forma estabelecida na lei do País, expedindo-se carta rogatória. § 2º Certificado pelo oficial de justiça ou afirmado, em qualquer caso, pelo requerente, que o citando se encontra em lugar ignorado, incerto ou inacessível, a citação far-se-á mediante edital. Art. 221. A contestação somente poderá versar sobre a autenticidade dos documentos, a inteligência da sentença e da observância dos requisitos indicados nos artigos 217 e 218. º § I Revelou notificado. incapaz o requerido, dar-se-lhe-á curador especial que será pessoalmente Sérgio Mourão Corrêa Lima 154 o Procedimento de Exequatur (stricto sensu) o procedimento a que a carta rogatória de caráter não executório deve ser submetido para surtir efeitos no Brasil pode ser representado pelo seguinte organograma-"!': carta rogatória apresentada ao STF por via diplomática \! Presidente do STF: determina a intimação do "interessado residente no país" e abre vista ao Procurador-Geral da República para impugnar o cumprimento da carta rogatória. \! Presidente do STF concede ou denega o exequatur (stricto sensu) (Da decisão cabe Agravo Regimental para o Pleno do STF) \! Cumprimento da carta rogatória por Juiz Federal de 1ª Instânciav-" carta rogatória apresentada ao STF pelo interessado \! § 2º Apresentada a contestação, será admitida réplica em cinco dias. § 3º Transcorrido o prazo da contestação ou da réplica, oficiará o Procurador-Geral no prazo de dez dias. Art. 222. Se o requerido, o curador especial ou o Procurador-Geral não impugnarem o pedido de homologação, sobre ele decidirá o Presidente. Parágrafo único. Da decisão do Presidente que negar homologação cabe agravo regimental. Art. 223. Havendo impugnação à homologação, o processo será distribuído para julgamento pelo Plenário. Parágrafo único. Caberão ao Relator os demais atos relativos ao andamento e à instrução do processo e o pedido de dia para julgamento. Art. 224. A execução far-se-á por carta de sentença, no juízo competente, observadas as regras estabelecidas para a execução de julgado nacional da mesma natureza". (350) Constituição (351) Regimento Federal Interno "Art. 225. Compete Juízos ou Tribunais de 1988 do Supremo ao Presidente estrangeiros. Artigo Tribunal do Tribunal Art. 226. Recebida a rogatória, o interessado prazo de cinco dias, impugná-Ia. º § I Findo este prazo, abrir-se-á cumprimento da rogatória. 109, X. Federal conceder residente Parágrafo único. o exequatur, Da concessão seguir-se-á ou denegação 225 a 229: às cartas rogatórias no país será intimado, vista ao Procurador-Geral, § 2º A impugnação só será admitida se a rogatória ordem pública, ou se lhe faltar autenticidade. Art. 227. Concedido ser cumprida. Artigos exequatur podendo, no que também poderá impugnar atentar contra a soberania a remessa de da rogatória do exequatur nacional o ou a ao juizo no qual deva cabe agravo regimental. Tratados Internacionais 155 no Brasil e Integração A Constituição Federal de 1988 e o Protocolo de Las Lenãs O protocolo firmado entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, em Las Lenãs, no dia 27 de junho de 1992, estabeleceu a eficácia, no Brasil, das sentenças argentinas, paraguaias e uruguaias. Entretanto, a Constituição Federal de 1988 estabelece literalmente a necessidade de homologação de sentenças estrangeiras pelo Supremo Tribunal Federal. Vejamos: Constituição Federal de ] 988 "Art. 84. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: ... I - processar e julgar, originariamente: h) a homologação das sentenças estrangeiras e a concessão do exequatur às cartas rogatórias, que podem ser conferidas pelo regimento interno a seu Presidente". A Interpretação Protocolo de Las Leiias "Artigo 19 O pedido de reconhecimento c execução de sentenças e de laudos arbitrais por parte das autoridades jurisdicionais será tramitado por via de cartas rogatórias e por intermédio da Autoridade Central. Artigo 20 As sentenças e os laudos arbitrais a que se refere o artigo anterior terão eficácia extraterritorial nos Estados-Partes ...". do Supremo Tribunal Federal Ao Supremo Tribunal Federal tanto compete a "guarda da Constituição" quanto "a homologação das sentenças estrangeiras e a concessão do exequatur às cartas rogatórias" conforme se constata do artigo 84 da Constituição Federal de 1988. Assim, através do Agravo Regimental n. 7.618-8 - República Argentina, o pleno do Supremo Tribunal Federal examinou a aplicabilidade do Protocolo de Las Lefias diante da Constituição Federal brasileira. Vejamos o teor da decisão unânime, que teve como relator o Ministro Sepúlveda Pertence: Art. 228. No cumprimento da carta rogatória cabem embargos relativos a quaisquer atos que lhe sejam referentes, opostos no prazo de dez dias por qualquer interessado ou pelo Ministério Público local, e que serão julgados pelo Presidente, após audiência do Procurador-Geral. Parágrafo único. Da decisão que julgar os embargos cabe agravo regimental. Art. 229. Cumprida a rogatória, será devolvida ao Supremo Tribunal Federal, no prazo de dez dias, e por este remetida, em igual prazo, por via diplomática, ao Juizo ou Tribunal de origem". (352) Constituição Federal de 1988 ~ Artigo 109, X. 156 Sérgio Mourão Corrêa Lima "Há, porém, no tratado, uma inovação, que não se pode reduzir a nada ou quase nada: é a que determina que tramite 'por via de cartas rogatórias' o pedido de 'reconhecimento a execução de sentenças e laudos arbitrais' quando emanadas da autoridade judiciária competente do Estado de origem. Com efeito, ao exigir a homologação, como requisito da eficácia no foro da decisão estrangeira e ao confiá-la à competência originária do Supremo Tribunal, o ordenamento brasileiro nada dispôs sobre o procedimento do reconhecimento exigido e, portanto, não impediu que a lei - ou o tratado - lhe reservassem o mesmo rito das cartas rogatórias. Como é sabido, além da iniciativa - que, na rogatória, é da autoridade judiciária do foro de origem, ao passo que, na homologação da sentença, é da parte interessada - distingue os dois procedimentos a maior simplicidade da carta rogatória, particularmente no ponto em que nela o contraditório eventual não precede à decisão - como sucede com a contestação do requerido, para tanto citado, ao pedido de homologação (RISTF, art. 220) - mas lhe é posterior, mediante agravo regimental de sua concessão ou embargos ao seu cumprimento (RISTF, arts. 227 e 228). Estou em que - aplicado o rito das cartas rogatórias ao reconhecimento de sentença estrangeira oriunda dos Estados Partes do Protocolo de Las Lefias, em atenção ao que nele expressamente se prescreve - a posposição ao exequatur da oportunidade de impugná-lo não afronta o princípio constitucional do contraditório: a esse basta, como sucede na rogatória, que da impugnação possa resultar a revogação do decidido'P?'. Constata-se, portanto, que a Suprema Corte brasileira procurou compatibilizar a determinação constante do tratado internacional firmado no âmbito do Mercosul, com o mandamento constitucional.P>" (353) Agravo Regimental abril de 1997). em Carta Rogatória (354) Decisão do Presidente do Supremo Tribunal RS - Julgamento: 30 de dezembro de 1997: n. 7.618-8 - República Argentina Federal nos autos da Reclamação (3 de n. 717/ DESPACHO: Trata-se de reclamação formulada contra ato do Juiz de Direito da Comarca de Santana do Livramento/RS, que, havendo alegadamcnte concedido exequatur a carta rogatória que lhe foi encaminhada diretamente por magistrado estrangeiro (Juiz de Rivera, Uruguai), teria usurpado a competência monocrática do Presidente do Supremo Tribunal Federal, em cujas atribuições se inclui o poder de determinar a execução, em território brasileiro, de providências constantes de comissões rogatórias dirigidas ao Poder Judiciá- Tratados Internacionais no Brasil e Integração 157 A decisão, em última análise, afastou da homologação, pelo Supremo Tribunal Federal, as sentenças provenientes dos EstadosPartes do Mercosul, submetendo-as ao procedimento de exequatur (stricto sensu), que somente vinha sendo aplicável às cartas rogatórias para implementação "de providência processual" que não contenha "qualquer efeito executório". rio do Brasil. Consta que o magistrado estadual gaúcho teria invocado, como fundamento juridico supostamente autorizador de sua decisão, o Protocolo de Las Leiias. Com o Protocolo de Las Leiias ~ unicamente aplicável às relações interjurisdicionais entre os Estados subscritores do Tratado de Assunção e integrantes do MERCOSUL ~ tornou-se possível, mediante simples carta rogatória, promover a homologação e execução, em nosso Pais, de sentenças proferidas pelos órgãos judícíários da Argentina, Paraguai e Uruguai. Essa simplificação procedimental, contudo, não teve o condão de afastar a intervenção processual do Presidente do Supremo Tribunal Federal, a cujo juizo de de libação continuam sujeitas as cartas rogatórias passivas expedidas com fundamento no Protocolo de Las Leiias. Mais do que isso, a própria concessão de exequatur ~ ainda que com fundamento no Protocolo de Las Leiias - não dispensa e nem afasta a necessária intervenção do Presidente do Supremo Tribunal Federal, com exclusão, por efeito de expressa regra constitucional de competência, de quaisquer outros magistrados brasileiros. Estudo do Caso 111: Monismo e Dualismo Já constatamos que, no âmbito dos Estados, cabe ao poder judiciário a interpretação das normas gerais através das decisões judiciárias. A esta atividade dá-se o nome de "jurisdição'<'-". Humberto Theodoro Júnior alerta, entretanto, que "não basta ao Estado assumir o monopólio da Justiça através da jurisdição. É intuitivo que deva cuidar para que a missão de fazer justiça seja realizada da melhor maneira possível, evitando sentenças tardias ou providências inócuas, que fatalmente redundariam no descrédito e, em muitos casos, na inutilidade da própria justiça"(356). Assim, entre as decisões judiciais, encontram-se as medidas cautelares que "estão compreendidas dentro dos fins primordiais da jurisdição'<"?' e que têm por finalidade afastar "os efeitos lesivos, de caráter irreparável, que possam advir da dilação ou demora processual"(358) . No âmbito do Mercosul, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai concluíram em Ouro Preto, no dia 16 de dezembro de 1994, protocolo que somente veio a ser incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto Executivo n. 2.626, de 14 de junho de 1998. Este tratado internacional tem por objeto a regulamentação do "cumprimento de medidas cautelares destinadas a impedir a irrepa(355) Conforme ensinamentos do Prol'. Aroldo Plínio Gonçalves, a legislação, a administração e a jurisdição são as três atividades que competem ao Estado - aula proferida no dia 10 de março de 1998, para os alunos do Doutorado, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. (356) THEODORO JÚNIOR, Humberto. ria de Direito, 1993, p. 55/56. Processo Cautelar. (357) PODETTI, Ramiro. Apud THEODORO JÚNIOR, Paulo, Edição Universitária de Direito, 1993, p. 55/56. São Paulo, Edição Universitá- Humberto. Processo Cautelar. São (358) MARQUES, José Frederico. In CORRÊA, Antônio. MercosulSoluções de Conflitos pelos Juízes Brasileiros. Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris, 1997, p. 201. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 159 rabilidade de um dano em relação às pessoas, bens e obrigações de dar, de fazer ou de não fazer"(359) entre os Estados-Membros do Mercosul. Forma de Transmissão das Medidas Cautelares entre os Estados-Partes do Mercosul De acordo com o artigo 19 do referido Protocolo, o provimento judicial cautelar poderá ser transmitido entre os Poderes Judiciários dos Estados-Membros do Mercosul, através de carta rogatória, de duas formas: • "pela via diplomática ou consular, por intermédio da Autoridade Central"; ou • através "das partes interessadas'<"?', o Objetivo do Protocolo de Medidas Cautelares Em última análise, o Protocolo de Medidas Cautelares tem por objetivo conferir eficácia extraterritorial nos Estados-Partes do Mer(359) Protocolo de Ouro Preto, de 16 de dezembro (promulgado pelo Decreto n. 2.626, de 14 de junho da União, de 16 de junho de 1998): "Artigo de 1994 de 1998, publicado no Diário Oficial I O presente Protocolo tem por objeto regulamentar entre os Estados-Partes do Tratado Assunção, o cumprimento de medidas cautelares destinadas a impedir a irreparabilidade um dano em relação às pessoas, bens e obrigações de dar, de fazer ou de não fazer. de de Artigo 2 A medida cautelar poderá ser solicitada em processos ordinários, de execução, especiais ou extraordinários, de natureza civil, comercial, trabalhista e em processos penais, quanto à reparação civil." (360) Protocolo de Ouro Preto, de 16 de dezembro de 1994 (promulgado pelo Decreto n. 2.626, de 14 de junho de 1998, publicado da União, de 16 de junho de 1998): "Artigo no Diário Oficial 19 A carta rogatória relativa ao cumprimento diplomática ou consular, por intermédio interessadas. de uma medida cautelar será transmitida pela via da respectiva Autoridade Central ou das partes Quando a transmissão seja efetuada pela via diplomática ou consular, das autoridades centrais, não se exigirá o requisito da legalização. ou por intermédio Quando a carta rogatória for encaminhada por intermédio da parte interessada, deverá ser legalizada perante os agentes diplomáticos ou consulares do Estado requerido, salvo se, entre os Estados requerente e requerido, haja sido suprido o requisito da legalização ou substituido por outra formalidade ..." Sérgio Mourão Corrêa Lima 160 cosul, às medidas cautelares proferidas pelos Poderes Judiciários da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai. É o que se constata do artigo 4 do referido tratado: "Art. 4 As autoridades jurisdicionais dos Estados-Partes do Tratado de Assunção darão cumprimento às medidas cautelares decretadas por Juízes ou Tribunais de outros Estados-Partes, competentes na esfera internacional, adotando as providências necessárias, de acordo com a lei do lugar onde estejam situados os bens ou residam as pessoas objeto da medida." Legislação Aplicável às Medidas Cautelares Em atenção ao seu objeto, o Protocolo, nos seus artigos 5 e 6, veio regulamentar o cumprimento das medidas cautelares, mediante a determinação do Poder Judiciário competente e o estabelecimento da legislação aplicável, no que tange à admissão e à execução destas. Assim temos: Execução Admissão "Artigo 5 A admissibilidade da medida cautelar será regulamentada pelas leis e julgada pelos Juízes ou Tribunais do Estado requerente." Exequatur "Artigo 6 A execução da medida cautelar e sua contracautela ou respectiva garantia, serão processadas pelos Juízes ou Tribunais do Estado requerido, segundo suas leis." (stricto sensu) No caso do Brasil, a Constituição Federal de 1988 impôs, para fins de recepção de cartas rogatórias estrangeiras, o exequatur (stricto sensu). Trata-se do dispositivo contido no já referido artigo 84, I, alínea h: "Art. 84. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: Tratados Internacionais 161 no Brasil e Integração h) a homologação das sentenças estrangeiras e a concessão do exequatur às cartas rogatórias, que podem ser conferidas pelo regimento interno a seu Presidente;" Em consonância com o disposto no Protocolo de Medidas Cautelares, o Poder Judiciário argentino encaminhou carta rogatória ao Supremo Tribunal Federal, Autoridade Central brasileira. Submetida à análise do Presidente da suprema corte brasileira(361J, Ministro Celso Mello, a Carta Rogatória n. 8.279, contendo provimento cautelar expedido pelo Poder Judiciário argentino, mereceu apreciação no dia 4 de maio de 1998. É importante destacar que, nesta data, de acordo com o entendimento do Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Protocolo de Medidas Cautelares ainda não havia se incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, o que somente ocorreu no dia 14 de junho de 1998, com a publicação do Decreto Executivo n. 2.626. É o que se constata da seguinte ementa: "MERCOSUL. Protocolo de Medidas Cautelares (Ouro Preto/MG). Ato de direito internacional público. Convenção ainda não incorporada ao direito interno brasileiro. Procedimento constitucional de incorporação dos atos internacionais que ainda não se concluiu. O Protocolo de Medidas Cautelares adotado pelo Conselho do Mercado Comum (MERCOSUL), por ocasião de sua VII Reunião, realizada em Ouro Preto/MG, em dezembro de 1994, embora aprovado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo n. 192/95), não se acha formalmente incorporado ao sistema de direito positivo interno vigente no Brasil, pois, a despeito de já ratificado (instrumento de ratificação depositado em 18.3.97), ainda não foi promulgado, mediante decreto, pelo Presidente da República. Considerações doutrinárias e jurisprudenciais em torno da questão da executoriedade das convenções ou tratados internacionais no âmbito do direito interno brasileiro. Precedentes: RT] 58/70, ReI. Min. Oswaldo Trigueiro, ADI n. 1A80-DF, ReI. Min. Celso de Mello." (361) Regimento Interno "Art. 225. Compete Juízos ou Tribunais do Supremo Tribunal ao Presidente estrangeiros". do Tribunal Federal conceder Artigo 225: exequatur às cartas rogatórias de 162 Sérgio Mourão Corrêa Lima Constata-se, portanto, que a Suprema Corte brasileira, no caso em tela, deixou de aplicar o Protocolo de Medidas Cautelares, por entender que o procedimento de incorporação dos tratados internacionais no Brasil somente se conclui mediante a publicação de Decreto Executivo promulgado pelo Presidente da República: Trata-se de carta rogatória expedida pela Justiça da República da Argentina com a finalidade de viabilizar a efetivação, em território brasileiro, de atos de caráter executório (fls. 6). A douta Procuradoria-Geral da República, ao opinar pela concessão do exequatur,fundamentou-se na existência do Protocolo de Medidas Cautelares celebrado, no âmbito do MERCOSUL, pelos Governos da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai. Em seu parecer, o Ministério Público Federal enfatizou que "O objeto da carta encontra respaldo no Protocolo de Medidas Cautelares firmado entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, que prevê a possibilidade de cumprimento de medidas cautelares destinadas a impedir a irreparabilidade de um dano em relação à pessoas, bens e obrigações de dar, fazer e não fazer, desde que atendidos os requisitos do art. 21 da mesma Convenção, o que ocorre no presente caso" (fls. 52/53). Não obstante as valiosas ponderações expendidas pela Procuradoria-Geral da República, entendo incabível a concessão de exequatur na espécie destes autos, eis que as diligências rogadas pela Justiça argentina revestem-se de nítido caráter executório. Essa particular característica da medida judicial ora solicitada na presente carta rogatória basta, por si só, para inviabilizar a pretendida concessão de exequatur, no que concerne à efetivação dos atos de índole executória. É que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em tema de cartas rogatórias passivas, tem, invariavelmente, repelido a possibilidade jurídica de concessão do exequatur para efeito de realização, em território brasileiro, de diligências de natureza executória: "Sempre se entendeu que as cartas rogatórias executórias são insuscetíveis de cumprimento no Brasil. É preciso notar, porém, que o caráter executório de uma ro- Tratados Internacionais no Brasil e Integração 163 gatória se há de aferir, não pela natureza da demanda que lhe dá origem, mas pela finalidade que a anima, traduzida na realização, no Brasil, de atos de constrição judicial inerentes à execução forçada." (RTJ 72/659-667, 664, ReI. Min. Oswaldo Trigueiro - trecho do voto do Min. Xavier de Albuquerque grifei) "( ...) constitui princípio fundamental do direito brasileiro sobre rogatórias o de que nestas não se pode pleitear medida executória de sentença estrangeira que não haja sido homologada pela Justiça do Brasil." (RTJ93/5l7, 519, ReI. Min. Antonio Neder - grifei) "A Carta Rogatória é a solicitação de autoridade judiciária estrangeira para autoridade judiciária brasileira, ou vice-versa, tendo por objeto a realização de um ato processual relativo a um pleito. A carta pode ter por escopo a citação, intimação, notificação, inquirição, exames, etc. '" Na tradição do direito brasileiro, inspirada no princípio da cooperação judiciária internacional, sempre se acolheu a Carta Rogatória com a finalidade de citação ou inquirição. Isto já vem do Aviso n. 1, de 1Q de outubro de 1847, contanto que fosse desprovida de caráter executivo ( ...) ( ... ) Ora, a jurisprudência desta Corte é pacífica em conceder exequatur à Carta Rogatória de intimação, porque ela não requer a prática de qualquer ato de execução." (RTJ 103/536, 541, ReI. pio acórdão Min. Alfredo Buzaid - grifei) Essa orientação jurisprudencialreiterada em outros julgamentos do Supremo Tribunal Federal (CR 5.715 - CR 6.958) - encontra apoio em autorizado magistério doutrinário, que, na análise do tema, e na perspectiva do sistema jurídico brasileiro, adverte que as cartas rogatórias passivas não podem revestir-se de eficácia executória (Hermes Marcelo Huck, "Sentença Estrangeira e Lex Mercatoria", p. 35/39, item n. 6,1994, Sérgio Mourão Corrêa Lima 164 Saraiva; Wilson de Souza Campos Batalha, "Tratado de Direito Internacional Privado", vol, 11/408-409, 2ª ed., 1977, RT; Amilcar de Castro, "Direito Internacional Privado", p. 585-586, item n. 334, 4ª ed., 1987, Forense; Agustinho Fernandes Dias da Silva, "Direito Processual Internacional", p. 170, item n. 179, 1971, Rio de Janeiro; Haroldo Valladão, "Direito Internacional Privado", vol. 1II/176, 1978, Freitas Bastos; Oscar Tenorio, "Direito Internacional Privado", vol. lI/370, item n. 1.216, 11 ª ed., 1976, Freitas Bastos; Maria Helena Diniz, "Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada", p. 304, item n. 6, 1994, Saraiva, v.g.). Vê-se, portanto, que constitui característica fundamental do sistema normativo brasileiro a pré-exclusão de qualquer atividade de índole executória em tema de cartas rogatórias passivas (vale dizer, aquelas expedidas por Tribunais estrangeiros e dirigidas ao Supremo Tribunal Federal), pois, em tal hipótese, impor-se-á a necessária e prévia homologação da respectiva decisão estrangeira, a efetivar-se em procedimento específico a ser instaurado, no âmbito desta Corte, nos termos do CPC (arts. 483 e 484) e do RISTF (arts. 215 a 224). Em regra, as cartas rogatórias encaminhadas à Justiça brasileira somente devem ter por objeto a prática de simples ato de informação ou de comunicação processual, ausente, desse procedimento, qualquer conotação de índole executória, cabendo relembrar, por necessário, a plena admissibilidade, em tema de rogatórias passivas, da realização, no Brasil, de medidas cientificatórias em geral (intimação, notificação ou citação), consoante expressamente autorizado pelo magistério jurisprudencial prevalecente no âmbito desta Suprema Corte (RTJ 52/ 299 - RTJ 87/402 - RTJ 95/38 - RTJ 95/518 - RTJ 98/47 - RTJ 103/536 - RTJ 110/55). Não constitui demasia enfatizar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se no sentido de considerar insuscetíveis de cumprimento, no Brasil, as cartas rogatórias passivas revestidas de caráter executório, ressalvadas, unicamente, aquelas expedidas com fundamento em atos ou convenções internacionais de cooperação interjurisdicional (CR 7.899, ReI. Min. Celso de Mello - CR 7.618 (AgRg), ReI. Min. Se- Tratados Internacionais no Brasil e Integração púlveda Pertence - CR 7.914, ReI. Min. Celso de Mello 8.168, ReI. Min. Celso de Mello, v.g.). 165 CR No caso ora em análise, observo, como precedentemente já enfatizado, que as diligências solicitadas pela Justiça rogante revestem-se de caráter executório. Sendo insuscetível de cumprimento, em nosso País, mediante simples procedimento rogatório, a diligência em questão, revela-se inviável, no caso, a concessão do pretendido exequatur. Nem se alegue, para justificar a pretendida concessão de exequatur, que as diligências rogadas - embora de caráter executório - encontrariam fundamento em convenção internacional consubstanciada no Protocolo de Medidas Cautelares aprovado pelo Conselho do Mercado Comum (MERCOSUL), por ocasião de sua VII Reunião, realizada em Ouro Preto/MG, nos dias 16 e 17 de dezembro de 1994. É que esse ato de direito internacional público muito embora aprovado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo n. 192/95, não se achaformalmente incorporado ao sistema de direito positivo interno vigente no Brasil, pois, a despeito de já ratificado (instrumento de ratificação depositado em 18.3.97), ainda não foi promulgado, mediante decreto do Presidente da República. Na realidade, o Protocolo de Medidas Cautelares (MERCOSUL) ~ que se qualifica como típica Convenção Internacional ~ não se incorporou definitivamente à ordem jurídica doméstica do Estado brasileiro, eis que ainda não se concluiu o procedimento constitucional de sua recepção pelo sistema normativo brasileiro. A questão da executoriedade dos tratados internacionais no âmbito do direito interno - analisado esse tema na perspectiva do tema constitucional brasileiro, tal como resultou debatido no julgamento da ADI n. 1.480-DF, ReI. Min. Celso de Mello - supõe a prévia incorporação desses atos de direito internacional público ao plano da ordem normativa doméstica. Não obstante a controvérsia doutrinária em torno do monismo e do dualismo tenha sido qualificada por Charles 166 Sérgio Mourão Corrêa Lima Rousseau ("Droit International Public Approfondi ", p. 3/16, 1958, Dalloz, Paris), no plano do direito internacional público, como mera "discussion d' école ", torna-se necessário reconhecer que o mecanismo de recepção, tal como disciplinado pela Carta Política brasileira, constitui a mais eloqüente atestação de que a norma internacional não dispõe, por autoridade própria, de exeqüibilidade e de operatividade imediatas no âmbito interno, pois, para tornar-se eficaz e aplicável na esfera doméstica do Estado brasileiro, depende, essencialmente, de um processo de integração normativa que se acha delineado, em seus aspectos básicos, na própria Constituição da República. Daí a precisa observação de João Grandino Rodas ("Tratados Internacionais", p. 17, item n. 8, 1991, RT): "E corolário da teoria dualista a necessidade de, através de alguma formalidade, transportar o conteúdo normativo dos tratados para o Direito interno, para que estes, embora já existentes no plano internacional, possam ter validade e executoriedade no território nacional. Consoante o monismo, não será necessária a realização de qualquer ato pertinente ao Direito interno após a ratificação. Grande parte dos Estados, seguindo a concepção dualista nesse pormenor, prescreve sejam os tratados já ratificados incorporados à legislação interna através da promulgação ou simples publicação." (gr~rei) Não obstante tais considerações, impende destacar que o tema concernente à definição do momento a partir do qual as normas internacionais tornam-se vinculantes no plano interno excede, em nosso sistema jurídico, à mera discussão acadêmica em torno dos princípios que regem o monismo e o dualismo, pois cabe à Constituição da República - e a esta, somente disciplinar a questão pertinente à vigência doméstica dos tratados internacionais. Sob tal perspectiva, o sistema constitucional brasileiro - que não exige a edição de lei para efeito de incorporação do ato internacional ao direito interno (visão dualista extremada) - satisfaz-se, para efeito de executoriedade doméstica dos tratados internacionais, com a adoção de iter procedimental que compreende a aprovação congressional e a promulgação executiva do texto convencional (visão dualista moderada). Tratados Internacionais no Brasil e Integração 167 Uma coisa, porém é absolutamente inquestionável sob o nosso modelo constitucional: a ratificação - que se qualifica como típico ato de direito internacional público - não basta, por si só, para promover a automática incorporação do tratado ao sistema de direito positivo interno. É que, para esse específico efeito, impõe-se a coalescência das vontades autônomas do Congresso Nacional e do Presidente da República, cujas deliberações individuais - embora necessárias - não se revelam suficientes para, isoladamente, gerarem a integração do texto convencional à ordem interna, tal como adverte José Francisco Rezek ("Direito Internacional Público", p. 69, item n. 34, 5ª ed., 1995, Saraiva). Desse modo, e para além da controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas, impõe-se reconhecer que, em nosso sistema normativo, é na Constituição da República que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao ordenamento doméstico brasileiro. Para esse efeito, a Lei Fundamental da República qualifica-se como a sedes materiae que se mostra essencial à identificação do procedimento estatal concernente à definição do momento a partir do qual as normas constantes de tratados internacionais passam a vigorar, com força executória, no plano do sistema jurídico nacional. O exame da Carta Política promulgada em 1988 permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - da competência para promulgá-los mediante decreto. A própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao analisar a questão pertinente à inserção dos atos internacionais no âmbito do direito positivo interno brasileiro, destacou - na perspectiva da disciplina constitucional que rege esse processo de recepção - que, "Aprovada essa Convenção pelo Congresso Sérgio Mourão Corrêa Lima 168 Nacional, e regularmente promulgada, suas normas têm aplicação imediata, inclusive naquilo em que modificarem a legislação interna" (RTJ 58170, ReI. Min. Oswaldo Trigueiro). Esse entendimento jurisprudencial veio a ser confirmado e reiterado nojulgamento daADln. 1.480-DF, Rei. Min. Celso de Mello, ocasião em que se enfatizou, uma vez mais, que o decreto presidencial, que sucede à aprovação congressual do ato internacional e à troca dos respectivos instrumentos de ratificação, revela-se - enquanto momento culminante do processo de incorporação desse ato internacional ao sistema jurídico doméstico - manifestação essencial e insuprimivel, especialmente se considerados os três efeitos básicos que lhe são pertinentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Lapidar, sob essa perspectiva, a decisão proferida pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que, bem apreciando a questão da integração dos tratados internacionais ao nosso direito interno - e refletindo o próprio magistério da doutrina (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "Comentários à Constituição Brasileira de 1988", vol. 2/21,1992, Saraiva)-, acentuou: " ... No direito brasileiro, dá a Constituição Federal competência privativa ao Presidente da República para celebrar tratados e convenções internacionais ad referendum do Congresso Nacional (...) Por outro lado, tem o Congresso Nacional competência exclusiva para resolver definitivamente sobre tratados e convenções celebrados com os Estados estrangeiros, pelo Presidente da República (... ). Assim, celebrado o tratado ou convenção por representante do Poder Executivo, aprovado pelo Congresso Nacional e promulgado pelo Presidente da República com a publicação do texto em português no órgão de imprensa oficial, tem-se como integrada a norma da convenção internacional no direito interno." (grifei) (Revista de Jurisprudência Des. Paulo Boeckel Velloso) do TJRS, vol, 4/193, ReI. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 169 o eminente Ministro Francisco Rezek, hoje Juiz da Corte Internacional de Justiça, em Haia, ao discorrer sobre esse tema em valiosíssima obra monográfica ("Direito dos Tratados", p. 384/386, itens ns. 321 e 322, 1984, Forense), ressalta a imprescindibilidade da promulgação e da publicação, por ordem presidencial, dos tratados celebrados pelo Brasil (desde que já definitivamente aprovados pelo Congresso Nacional), sob pena de absoluta ineficácia jurídica desses atos internacionais no plano doméstico: "O ordenamento jurídico, nesta república, é integralmente ostensivo. Tudo quanto o compõe - resulte de produção legislativa internacional ou doméstica - presume publicidade oficial e vestibular. Um tratado regularmente concluído depende dessa publicidade para integrar o acervo normativo nacional, habilitando-se ao cumprimento por particulares e governantes, e à garantia de vigência pelo Judiciário. No Brasil se promulgam, por decreto do Presidente da República, todos os tratados que tenham feito objeto de aprovação congressionaI. Cuida-se de um decreto, unicamente porque os atos do Chefe de Estado costumam ter esse nome. (...). Vale aquele como ato de publicidade da existência do tratado, norma jurídica de vigência atual ou iminente. Publica-os, pois, o órgão oficial, para que o tratado - cujo texto completo vai em anexo - se introduza na ordem legal, e opere desde o momento próprio." (grifei). Vê-se, portanto, que a aprovação congressual e a promulgação executiva atuam, nessa condição, como pressupostos indispensáveis da própria aplicabilidade, no plano normativo interno, da convenção internacional celebrada pelo Brasil (Celso D. de Albuquerque Mello, "Curso de Direito Internacional PÚblico", vol. 1/125, itens 89 e 90, 4ª ed., 1974, Freitas Bastos; Hildebrando Accioly, "Tratado de Direito Internacional PÚblico", vol, 11577 e 601-603, itens 904 e 933-935, 2ª ed., 1956, RJ). 170 Sérgio Mourão Corrêa Lima Torna-se irrecusável admitir, portanto, que o Protocolo de Medidas Cautelares celebrado no âmbito do MERCOSUL ainda não se acha formalmente incorporado ao sistema de direito positivo interno do Brasil, razão pela qual não pode ele ser invocado, no plano doméstico, como fundamento de concessão' do exequatur, em tema de cartas rogatórias com efeito executório. Cumpre assinalar, finalmente, que os atos internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se no mesmo plano de validade e eficácia das normas infraconstitucionais. Essa visão do tema foi prestigiada em decisão profe- rida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 80.004-SE (RTJ 83/809, ReI. pio acórdão Min. Cunha Peixoto), quando se consagrou, entre nós, a tese - até hoje prevalecente na jurisprudência da Corte (e recentemente reiterada no julgamento da ADI n. 1.480-DF, ReI. Min. Celso de Mello) - de que existe, entre tratados internacionais e leis internas brasileiras, de caráter ordinário, mera relação de paridade normativa. A normatividade emergente dos tratados internacionais, dentro do sistema jurídico brasileiro, por isso mesmo, permite situar esses atos de direito internacional público, no que concerne à hierarquia das fontes, no mesmo plano e no mesmo grau de eficácia em que se posicionam as leis internas (José Alfredo Borges, in Revista de Direito Tributário, vol. 27/28, p. 170-173; Francisco Campos, in RDA 47/452; Antonio Roberto Sampaio Doria, "Da Lei Tributária no Tempo", p. 41, 1968; Geraldo Ataliba, "Apontamentos de Ciência das Finanças, Direito Financeiro e Tributário", p. 110, 1969, RT; Irineu Strenger, "Curso de Direito Internacional Privado", p. 1081112, 1978, Forense; José Francisco Rezek, "Direito dos Tratados", p. 470/ 475, itens 393-395, 1984, Forense, v.g.). A eventual precedência dos atos internacionais sobre as normas infraconstitucionais de direito interno somente ocorrerá - presente o contexto de eventual situação de antinomia com o ordenamento doméstico -, não em virtude de uma inexistente primazia hierárquica, mas, sempre, em face da aplicação do critério cronológico (lex posterior derrogat priori) ou, Tratados Internacionais no Brasil e Integração I7I quando cabível, do critério da especialidade RTJ 100/1030 - RT 554/434). (RTJ 70/333 - De qualquer maneira, impõe-se aguardar, no caso ora em análise, a definitiva incorporação, ao sistema de direito positivo interno brasileiro, do Protocolo de Medidas Cautelares aprovado no âmbito do MERCOSUL, sem o que esse ato de direito internacional público não poderá ser aplicado, no âmbito doméstico, pelas autoridades nacionais. Assim sendo, e tendo em consideração as razões expostas, nego exequatur à presente carta rogatória. Devolva-se, por via diplomática, gatória, à Justiça rogante. Publique-se. Brasília, 4 de maio de a presente comissão ro- 1998"(362). As Teorias MODistas e Dualistas A decisão acima transcrita volta-se a um tema já bastante discutido entre aqueles que se dedicam ao estudo do Direito Internacional Público. "A Academia de Direito Internacional da Haia foi o cenário de onde os primeiros expositores deste tema desenvolveram suas posições antagônicas. Triepel, em 1923, expôs a denominada 'doutrina dualista', seguido, três anos depois por Kelsen, que fundamentou a 'doutrina monista'. A partir daí, a doutrina, com tantos matizes quantos autores, foi desenvolvendo uma ou outra orientação. Simplificando, os termos da polêmica são os seguintes. Existe por um lado o direito internacional e por outro, o direito interno de cada Estado. Trata-se de determinar se ambos direitos compõem ordens jurídicas distintas ou se, ao contrário, ambos integram uma mesma e única ordem jurídica" (363). (362) Carta Rogatória n. 8.279 - República Argentina (4 de maio de 1998). (363) "La Academia de Derecho Internacional de La Haya fue e1 escenario desde donde los primeros expositores de este tema desarrollaron sus posiciones antagónicas. Triepel, en 1923, expuso la denominada 'doctrina dualista', seguido, tres anos después por Kelsen quien fundamentó la 'doctrina monista'. A partir de allí, la doctrina, con tantos matices como autores, fue desarrollando una u otra orientación. Simplificando, los términos de la polémica son los siguientes. Existe por un lado el derecho internacional y por otro, el derecho interno de cada Estado. Se trata de determinar si Sérgio Mourão Corrêa Lima 172 Com base nos ensinamentos de Jean Michel Arrigui, podemos ilustrar as teorias monistas e dualistas com o seguinte quadro: "Dualismo "Monisrno Para os autores dualistas, o direito internacional e o direito interno formam duas Os autores afiliados ao monismo partem de um ponto comum a todos eles: ... um único conjunto no qual estariam incluídos as distintas ordens e entre as quais haveria relações de subordinação. [Assim, os] monistas deverão precisar qual será a relação ordens jurídicas ... distintas hierárquica entre as normas do direito interno e as normas do direito internacional. X monismo com primazia do monismo com paridade entre o direito interno direito interno e o direito internacional Os ... dualistas deverão então, determinar como se vinculam ambas as ordens."(364) monismo com primazia do direito internacional o direito interno o direito interno o direito internacional está subor- e o direito inter- está subordinado di nado ao direito nacional estariam ao direito internainterno, e teríamos incluídos em uma cional, e teríamos o monismo com então o monismo ordem superior - o direito primazia do dicom primazia do reito internadireito interno; natural-; cional.T"?' ambos derechos son órdenes jurídicos distintos o si, por el contrario, ambos integran un mismo y único orden jurídico los partidarios de la primera opción --- dualistas - deberán entonces, determinar cómo se vinculan ambos órdcnes; los partidarios de la segunda opción - monistas - deberán precisar cuál será la relacíón jerárquica entre las normas deI dcrecho interno y las normas del derecho internacional." ARRIGUI, Jean Michel. In ARÉCHAGA, Eduardo Jiménes de. Derecho Internacional PÚblico, tomo 1. Montevideo, fcu, 1996, p. 335. (364) "Dualismo Para los autores dualistas, el derecho internacional y el derccho interno conforman dos órdenes jurídicos iguales, independi entes y separados. Ambos órdenes, según ensefiaban Tr iepel y Anzilotti, regulan relaciones juridicas distintas ..." "Los partidarios de la primera opción - dualistas - debcrán entonces, determinar cómo se vinculan ambos órdcnes;" ARRIGUI, Jean Michel. In ARÉCHAGA, Eduardo Jiménes de. Derecho Internacional PÚblico, tomo 1. Montevideo, fcu, 1996, p. 335. (365) "Monismo Los autores afiliados al monismo parten de un punto común a todos ellos: la unidad del conjunto de normas jurídicas. Existiría, para ellos, un único conjunto en el cual estarían inclui dos los distintos órdenes y entre los cuales habría relaciones de subordinación. Así es posible proponer tres alternativas: el derecho internacional está subordinado al derecho interno, y tendríamos entonces el monismo con primada del derecho interno; el derecho interno y el derecho internacional estarían inclui dos en un orden superior - el Tratados Internacionais no Brasil e Integração 173 Suscitando uma outra hipótese, Fausto de Quadros afirma que ainda se poderia cogitar de "o Estado recusa[r] em absoluto a vigência do Direito Internacional na ordem interna"(366). Entretanto, após desenvolver substancial trabalho de Direito constitucional comparado, informou não conhecer "nenhuma Constituição moderna que expressamente recuse a vigência na ordem interna ao Direito Internacional. Informa, ainda, que "um rápido exame das soluções de alguns Estados permitirá reconhecer que, embora através de uma diversidade de fórmulas, é geral a aplicação do Direito Internacional nas Ordens Jurídicas internas'<''?'. Finalmente, destaca que "a tendência no moderno Direito Constitucional é '" [exigir a] aprovação pelo órgão legislativo'V''". Efeitos Práticos do Monismo e do Dualismo É fato que o Monismo e o Dualismo têm sido abordados pela doutrina de forma bastante teórica. Assim, conforme mencionou o Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, esta questão foi tratada por Charles Rousseau como mera discussion d'école. Não obstante, o Monismo e o Dualismo podem merecer um enfoque bem mais pragmático. É que, neste caso, não são as teorias que se impõem à prática, mas a realidade fática que reflete a opção por uma ou outra teoria. Assim, não são os "dualistas [que] deverão ... determinar como se vinculam ambas as ordens" jurídicas interna e internacional, como sugere Jean Michel Arrigui. Tampouco, são os "monistas [que] deverão precisar qual será a relação hierárquica entre as normas do direito interno e as normas do direito internacional." derecho natural ~ ; o el derecho interno está subordinado al derecho internacional, y tendríamos el monismo con primacía deI derecho internacional." ARRIGUI, Jean Michel. In ARÉCHAGA, Eduardo Jiruénes de. Derecho Internacional Público, tomo I. Montcvideo, fcu, 1996, p. 337. (366) PEREIRA, André Gonçalves; cioi.al Público. Coimbra, Almedina, e QUADROS, 1997, p. 94. Fausto de. Manual de Direito Interna- (367) PEREIRA, André Gonçalves; e QUADROS, Fausto de. Manual cional Público. Coimbra, Almedina, 1997, p. 95/97. de Direito Interna- (368) PEREIRA, André Gonçalves; cional Público. Coimbra, Almedina, de Direito Interna- e QUADROS, 1997, p. 96. Fausto de. Manual 174 Sérgio Mourão Corrêa Lima Estas determinações dependem, sim, da vontade dos Estados, refletida em suas Constituições'>". Esta também é a conclusão a que chegou o Ministro Celso de Mello, quando afirmou: " ... torna-se necessário reconhecer que o mecanismo de recepção, tal como disciplinado pela Carta Política brasileira, constitui a mais eloqüente atestação de que a norma internacional não dispõe, por autoridade própria, de exeqüibilidade e de operatividade imediatas no âmbito interno, pois, para tornar-se eficaz e aplicável na esfera doméstica do Estado brasileiro, depende, essencialmente, de um processo de integra- ção normativa que se acha delineado, em seus aspectos básicos, na própria Constituição da República'F'" Aplicabilidade Direta e Primazia de Normas Sob a égide do Direito de Integração, o Monismo e o Dualismo voltam a ganhar destaque, ostentando as denominações de aplicabilidade direta e primado das normas internacionais: Aplicabilidade Monismo "Consoante o monismo não será necessária a realização de qualquer ato pertinente ao Direito interno'<"!', x Direta As normas ... [supranacionais] se incorporam automaticamente à ordem jurídica interna de cada um dos Estados-Membros, sem necessidade de nenhuma norma de direito interno que as recepcione. (369) "Se, porém, os Estados não adoptarem essa orientação 'comunitarista'ou 'comunitária' do primado e insistirem numa sua visão 'constitucional' ou 'constitucionalista' (também chamada 'internacionalista', porque se reconduz à necessidade de expressa previsão constitucional da vigência do Direito Comunitário, tal como é exigido para o demais Direito Internacional), ou seja, numa perspectiva do primado partindo do Direito Constitucional dos Estados-Membros (o que, no estado atual da integração, tem sido a posição de quase todos esses Estados), entendemos que a melhor forma de uma Constituição estadual legitimar a limitação da soberania resultante para o respectivo Estado da sua adesão às Comunidades Européias, e, portanto, todos os seus corolários, entre os quais o primado do Direito Comunitário, consiste em ela incluir uma cláusula geral de limitação da soberania estadual, ou, diferentemente, uma autorização geral ao Estado para a delegação de poderes soberanos mediante acto do Parlamento". PEREIRA, André Público. Coimbra, Gonçalves; Almedina, (370) Carta Rogatória e QUADROS, 1997, p. 131. n. 8.279 - (371) RODAS, João Grandino. maio de 1998). República Fausto de. Manual Argentina In Carta Rogatória de Direito Internacional (4 de maio de 1998). n. 8.279 - República Argentina (4 de Tratados Internacionais no Brasil e Integração 175 Com o nome de Monismo ou aplicabilidade direta, o que se constata é a desnecessidade de aprovação interna das normas internacionais e a conseqüente aplicabilidade imediata destas no plano interno dos Estados. Primazia Primado " ... o direito interno está subordinado ao direito internacional, e teríamos o monismo com primazia do direi to internacional'w?". x As normas .,. [supranacionais] têm hierarquia superior às normas de direito interno dos Estados-Membros"(373). Nem mesmo em termos morfológicos, a primazia diverge do primado. Ambos refletem que, em caso de confronto entre uma norma interna e uma norma internacional, prevalecerá a segunda. Assim, Fausto de Quadros conclui que "o primado do Direito Comunitário, .,. é um produto avançado do monismo com primado do Direito Internacional'x'?". Sob a roupagem de Monismo com primado do Direito Internacional, o que se sustenta é a supranacionalidade de normas. Aliás, este já era o espírito desta teoria que tinha Hans Kelsen como seu maior expoente. Este, que já fazia de suas afirmativas um dado do futuro, ensinava que "por meio de tratado pode ser criada uma Organização Internacional a tal ponto centralizada que tenha ela própria caráter de Estado, por forma tal que os Estados contratantes que (372) ARRIGUI, Jean Michel. In ARÉCHAGA, Eduardo nal Público, tomo I. Montevideo, fcu, 1996, p. 337. (373) "EI derecho comunitario otras ramas dei derecho: .. I) Aplicabilidad inmediata tiene varias características Jiménes de. Derecho propias Internacio- que lo distinguen de o automática: Las normas de derecho comunitario se incorporan automáticamente ai orden juridico interno de cada uno de los Estados miembros, sin necesidad de ninguna norma de derecho interno que las recepcione .... 2) Aplicabilidad directa: Las normas comunitarias tienen capacidad ciudadanos de los Estados miembros ... , para generar derechos y obligaciones para los 4) Supremacia: Las normas comunitarias Estados miembros." EKMEKDJIAN, Miguel Buenos Aires, Depalma, tienen jerarquia superior Ángel. Introducción 1996, p. 69172. (374) PEREIRA, André Gonçalves; cional Público. Coimbra, Almedina, a las normas dei derecho ai Derecho e QUADROS, 1997, p. 90. Comunitario Fausto de. Manual interno de los Latinoamericano. de Direito Interna- 176 Sérgio Mourão Corrêa Lima nela sejam incorporados percam o seu caráter de Estados. É, porém, uma questão de política a questão de saber até que ponto um governo estadual deve ou pode limitar a liberdade de ação do seu Estado através de tratados de Direito Internacional'w'v, Cabe mencionar que os Estados podem estabelecer que apenas os tratados internacionais provenientes de determinadas fontes contem com as características da supranacionalidade de normas, como a aplicabilidade direta e o primado. Assim, através da Constituição, os Estados estariam a conferir às normas constantes de um tratado internacional, independente de aprovação pelo órgão legislativo, "vigência interna de um grupo de normas internacionais identificadas" pela sua procedênciav'". No âmbito europeu, por exemplo, o Tribunal de Justiça, através do "caso Costa/ENEL" destacou que, "diferentemente dos vulgares tratados internacionais, o Tratado CEE instituiu uma ordem jurídica própriav"?' marcada pela supranacionalidade das normas comunitárias. Esta previsão de supranacionalidade normativa também pode se referir aos tratados internacionais relativos a certas matérias. Assim, "as normas internacionais respeitantes a essas matérias vigoram ... na ordem jurídica interna independentemente de"(378}aprovação pelo congresso nacional. Dessa forma, podem conviver em um mesmo Estado, por exemplo, tratados internacionais de natureza comercial que gozem de aplicabilidade direta e primazia, e outros de natureza financeira que não tragam qualquer elemento característico da supranacionalidade. Conclui-se, portanto, que esta previsão diferenciada de tratamento dos acordos internacionais por parte da Constituição dos Estados "resulta da adopção cumulativa de concepções monistas e dualistas quanto às relações entre o Direito Internacional e o Direito internc'<'?". (375) KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra, Armênio Amado, 1974, p. 459. (376) PEREIRA, André Gonçalves; cional Público. Coimbra, Almcdina, e QUADROS, 1997, p. 95. Fausto de. Manual de Direito Interna- (377) PEREIRA, André Gonçalves; cional Público. Coimbra, Almcdina, c QUADROS, Fausto de. Manual 1997, p. 126/127. de Direito Interna- Fausto de. Manual de Direito Interna- c QUADROS, Fausto de. Manual 1997, p. 95/97. de Direito Interna- (378) PEREIRA, André Gonçalves; c QUADROS, cional Público. Coimbra, A1medina, 1997, p. 95. (379) PEREIRA, André Gonçalves; cional Público. Coimbra, Almcdina, Tratados Internacionais no Brasil e Integração 177 Construção Jurisprudencial Nem sempre o texto constitucional é claro e objetivo, comportando, às vezes, diferentes entendimentos pelo Supremo Tribunal Federal que tem como função primordial, a interpretação da Constituição brasileira. Assim, é fato que a análise de questões atinentes aos tratados internacionais também vem merecendo gradativa construção pela "via jurisprudencial". E entre os dispositivos constitucionais a serem interpretados, encontram-se os já referidos parágrafo único do artigo 4º, e inciso VIII do artigo 84: "Art. 4º Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. "Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; " Conforme já se constatou o parágrafo único do artigo 4º pode compreender, pelo menos, duas formas de interpretação. A primeira, no sentido de que esta norma, por ser programática, não estaria a dispensar os tratados firmados no âmbito do Mercosul, do referendo congressional previsto no artigo 84, inciso VIII da Constituição Federal. Também é possível o entendimento de que o parágrafo único do artigo 4º da Constituição Federal, por abordar apenas os tratados internacionais de integração, constitua regra mais específica. Neste sentido estaria a dispensar os tratados firmados no âmbito do Mercosul, de referendo por parte do Congresso Nacional. Estaríamos diante de uma substancial diferença no tratamento dos acordos internacionais, em função da procedência, o que 178 Sérgio Mourão Corrêa Lima faria constatar "a adopção cumulativa de concepções monistas e dualistas quanto às relações entre o Direito Internacional e o Direito interno"(380). No que tange aos tratados atinentes ao Mercosul, teríamos uma concepção monista ou supranacional. Quanto aos demais acordos internacionais, verificar-se-ia o dualismo, ou seja, a inexistência características da supranacional idade de normas. Assim, no âmbito do Mercosul é um dever jurídico a questão de trilharmos o caminho que talvez nos leve à supranacionalidade, ainda que, por hora, tenhamos que aguardar a definitiva incorporação, aos sistemas jurídicos internos dos Estados-Partes, dos tratados que representem significativa, mas gradativa, aproximação entre Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. O Supremo Tribunal Federal, no caso do Protocolo de Medidas Cautelares, optou pela prudência em detrimento da celeridade. Preferiu aguardar a incorporação do tratado ao ordenamento jurídico brasileiro ao invés de instituir uma supranacionalidade para a qual não sabemos se estamos aptos. Aliás, a decisão do Presidente do Supremo Tribunal Federal em nada destoa dos "princípios de gradualidade, flexibilidade e equilíbrio" constantes do preâmbulo do Tratado de Assunção. Está, também, em plena consonância com o teor do artigo 42 do Protocolo de Ouro Preto sobre a estrutura institucional do Mercosul que assim dispõe: "Artigo 42 As normas emanadas dos órgãos do MERCOSUL previstos no Artigo 2 deste Protocolo terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país." E, conforme nos informa Nadia de Araujoê"', o Protocolo de Medidas Cautelares consiste na decisão do Conselho do Mercado Comum de n. 27 de 1994. (380) PEREIRA, André Gonçalves; Almedina, cional Público, Coimbra, e QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Interna1997, p. 95/97. (381) ARAUJO, Nadia de; MARQUES, Frederico V Magalhães; Código do Mercosul, Rio de Janeiro, Renovar, 1998, p. 137. e REIS, Márcio Monteiro. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 179 Finalmente, cabe informar que depois de 4 de maio de 1998, data em que foi proferida, no caso em tela, a decisão do Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Protocolo de Medidas Cautelares foi internalizado no Brasil através do Decreto Executivo n. 2.626, datado de 14 de junho de 1998 e publicado em 16 de junho do mesmo ano. Bibliografia ACCrOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia cional. Curitiba, Juruá, 1996. ACcrOLY, Hildebrando. ro, IBGE, 1956. _______ va, 1988. Tratado de Direito Internacional . Tratado de Direito Internacional ALVES, Jorge de Jesus Ferreira. Legislação bra, Coimbra Editora, 1992. _______ Editora, Estrutura Jurídico-Institu- . Os Advogados 1989. Público. Rio de Janei- Público. São Paulo, Sarai- de Contencioso na Comunidade Comunitário. Européia. ARÉCHAGA, Eduardo Jiménes de. Derecho Internacional fcu, 1996. Coimbra, Público, CoimCoimbra Montevideo, ARNAUD, Vicente Guillermo. 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Ser- Anexo I: Tratado de Assunção TRATADO DE ASSUNÇÃO (Decreto Executivo n. 350, de 21 de novembro de 1991) Tratado para a Constituição de um mercado comum entre a República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai. A República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, doravante denominadas "Estados-Partes"; Considerando que a ampliação das atuais dimensões de seus mercados nacionais, através da integração, constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social; Entendendo que esse objetivo deve ser alcançado mediante o aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis, a preservação do meio ambiente, o melhoramento das interconexões físicas, a coordenação de políticas macroeconômicas da complementação dos diferentes setores da economia, com base nos princípios de gradualidade, flexibilidade e equilíbrio; Tendo em conta a evolução dos acontecimentos internacionais, em especial a consolidação de grandes espaços econômicos, e a importância de lograr uma adequada inserção internacional para seus países; Expressando que este processo de integração constitui uma resposta adequada a tais acontecimentos; Conscientes de que o presente Tratado deve ser considerado como um novo avanço no esforço tendente ao desenvolvimento progressivo da integração da América Latina, conforme o objetivo do Tratado de Montevidéu de 1980; Convencidos da necessidade de promover o desenvolvimento científico e tecnológico dos Estados-Partes e de modernizar suas economias para ampliar a oferta e a qualidade dos bens de serviços disponíveis, a fim de melhorar as condições de vida de seus habitantes; Reafirmando sua vontade política de deixar estabelecidas as bases para uma união cada vez mais estreita entre seus povos, com a finalidade de alcançar os objetivos supramencionados; Acordam: CAPÍTULO I- Propósitos, Princípios e Instrumentos Artigo I Os Estados-Partes decidem constituir um Mercado Comum, que deverá estar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se denominará "Mercado Comum do Sul" (MERCOSUL). Sérgio Mourão Corrêa Lima 188 Este Mercado Comum implica: A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições nãotarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente; O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais, regionais e internacionais; A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os EstadosPartes - de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem -, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados-Partes; e O compromisso dos Estados-Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração. Artigo 2 O Mercado Comum estará fundado ções entre os Estados-Partes. na reciprocidade de direitos e obriga- Artigo 3 Durante o período de transição, que se estenderá desde a entrada em vigor do presente Tratado até 31 de dezembro de 1994, e a fim de facilitar a constituição do Mercado Comum, os Estados-Partes adotam um Regime Geral de Origem, um Sistema de Solução de Controvérsias e Cláusulas de Salvaguarda, que constam como Anexos lI, IIl, e IV ao presente Tratado. Artigo 4 Nas relações com terceiros países, os Estados-Partes assegurarão condições eqüitativas de comércio. Para tal fim, aplicarão suas legislações nacionais para inibir importações cujos preços estejam influenciados por subsídios, dumping ou qualquer outra prática desleal. Paralelamente, os Estados-Partes coordenarão suas respectivas políticas nacionais com o objetivo de elaborar normas comuns sobre concorrência comercial. Artigo 5 Durante o período de transição, ção do Mercado Comum são: os principais instrumentos para a constitui- a) Um Programa de Liberação Comercial, que consistirá em reduções tarifárias progressivas, lineares e automáticas, acompanhadas da eliminação de restrições não-tarifárias ou medidas de efeito equivalente, assim como de outras restrições ao comércio entre os Estados-Partes, para chegar a 31 de dezembro de 1994 com tarifa zero, sem barreiras não-tarifárias sobre a totalidade do universo tarifário (Anexo 1); Tratados Internacionais no Brasil e Integração 189 b) A coordenação de políticas macroeconômicas que se realizará gradualmente e de forma convergente com os programas de desgravação tarifária e eliminação de restrições não-tarifárias, indicados na letra anterior; c) Uma tarifa externa comum, que incentive a competitividade Estados-Partes; externa dos d) A adoção de acordos setoriais, com o fim de otimizar a utilização lidade dos fatores de produção e alcançar escalas operativas eficientes. e mobi- Artigo 6 Os Estados-Partes reconhecem diferenças pontuais de ritmo para a República do Paraguai e para a República Oriental do Uruguai, que constam no Programa de Liberação Comercial (ANEXO I). Artigo 7 Em matéria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos originários do território de um Estado-Parte gozarão, nos outros Estados Partes, do mesmo tratamento que se aplique ao produto nacional. Artigo 8 Os Estados-Partes se comprometem a preservar os compromissos assumidos até a data de celebração do presente Tratado, inclusive os Acordos firmados no âmbito da Associação Latino-Americana de Integração, e a coordenar suas posições nas negociações comerciais externas que empreendem durante o período de transição. Para tanto: a) Evitarão afetar os interesses dos Estados-Partes ciais que realizem entre si até 31 de dezembro de 1994; nas negociações comer- b) Evitarão afetar os interesses dos demais Estados-Partes ou os objetivos do Mercado Comum nos Acordos que celebrarem com outros países-membros da Associação Latino-Americana de Integração durante o período de transição; c) Realizarão consultas entre si sempre que negociem esquemas amplos de desgravação tarifária, tendentes à formação de zonas de livre comércio com os demais países-membros da Associação Latino-Americana de Integração; d) Estenderão automaticamente aos demais Estados-Partes qualquer vantagem, favor, franquia, imunidade ou privilégio que concedam a um produto originário de ou destinado a terceiros países não membros da Associação Latino-Americana de Integração. CAPÍTULO 11- Estrutura Orgânica Artigo 9 A administração e execução do presente Tratado e dos Acordos específicos e decisões que se adotem no quadro jurídico que o mesmo estabelece durante o período de transição estarão a cargo dos seguintes órgãos: Sérgio Mourão Corrêa Lima 190 a) Conselho do Mercado Comum; b) Grupo Mercado Comum. Artigo lO O Conselho é o órgão superior do Mercado Comum, correspondendo-lhe a condução política do mesmo e a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos e prazos estabelecidos para a constituição definitiva do Mercado Comum. Artigo 11 O Conselho estará integrado pelos Ministros de Relações Exteriores e os Ministros de Economia dos Estados-Partes. Reunir-se-á quantas vezes estime oportuno, e, pelo menos uma vez ao ano, o fará com a participação dos Presidentes dos Estados-Partes. Artigo 12 A Presidência do Conselho se exercerá por rotação dos Estados-Partes e em ordem alfabética, por períodos de seis meses. As reuniões do Conselho serão coordenadas pelo Ministro de Relações Exteriores e poderão ser convidados a delas participar outros Ministros ou autoridades de nível ministerial. Artigo 13 O Grupo Mercado Comum é o órgão executivo do Mercado Comum e será coordenado pelos Ministérios das Relações Exteriores. O Grupo Mercado Comum terá faculdade de iniciativa, suas funções serão as seguintes: - velar pelo cumprimento do Tratado; - tomar as providências necessárias ao cumprimento das decisões adotadas pelo Conselho; - propor medidas concretas tendentes à aplicação do Programa de Liberação Comercial, à coordenação de políticas macroeconômicas e à negociação de Acordos frente a terceiros; - fixar programas de trabalho que assegurem avanços para o estabelecimento do Mercado Comum. O Grupo Mercado Comum poderá constituir os Subgrupos de Trabalho que forem necessários para o cumprimento de seus objetivos. Contará inicialmente com os Subgrupos mencionados no Anexo V O Grupo Mercado Comum estabelecerá seu regime interno no prazo de 60 dias a partir de sua instalação. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 191 Artigo 14 O Grupo Mercado Comum estará integrado por quatro membros titulares e quatro membros alternos por país, que representem os seguintes órgãos públicos: - Ministério das Relações Exteriores; - Ministério da Economia ou seus equivalentes cio exterior e/ou coordenação econômica); - (áreas de indústria, comér- Banco Central. Ao elaborar e propor medidas concretas no desenvolvimento de seus trabalhos, até 31 de dezembro de 1994, o Grupo Mercado Comum poderá convocar, quando julgar conveniente, representantes de outros órgãos da Administração PÚblica e do setor privado. Artigo 15 O Grupo Mercado Comum contará com uma Secretaria Administrativa cujas principais funções consistirão na guarda de documentos e comunicações de atividades do mesmo. Terá sua sede na cidade de Montevidéu. Artigo 16 Durante o período de transição, as decisões do Conselho do Mercado Comum e do Grupo Mercado Comum serão tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados-Partes. Artigo 17 Os idiomas oficiais do Mercado Comum serão o português e o espanhol e a versão oficial dos documentos de trabalho será a do idioma do país sede de cada reunião. Artigo 18 Antes do estabelecimento do Mercado Comum, a 31 de dezembro de 1994, os Estados-Partes convocarão uma reunião extraordinária com o objetivo de determinar a estrutura institucional definitiva dos órgãos de administração do Mercado Comum, assim como as atribuições específicas de cada um deles e seu sistema de tomada de decisões. CAPÍTULO 1II - Vigência Artigo 19 O presente Tratado terá duração indefinida e entrará em vigor 30 dias após a data do depósito do terceiro instrumento de ratificação. Os instrumentos de ratificação serão depositados ante o Governo da República do Paraguai, que comunicará a data do depósito aos Governos dos demais Estados-Partes. Sérgio Mourão Corrêa Lima 192 o Governo da República do Paraguai notificará ao Governo de cada um dos demais Estados-Partes a data de entrada em vigor do presente Tratado. CAPÍTULO IV - Adesão Artigo 20 O presente Tratado estará aberto à adesão, mediante negociação, dos demais países-membros da Associação Latino-Americana de Integração, cujas solicitações poderão ser examinadas cia deste Tratado. Não obstante, poderão pelos Estados-Partes ser consideradas depois de cinco anos de vigên- antes do referido prazo as solicita- ções apresentadas por países-membros da Associação Latino-Americana de Integração que não façam parte de esquemas de integração sub-regional ou de uma associação extra-regional. A aprovação das solicitações será objeto de decisão unânime dos Estados- Partes. CAPÍTULO V - Denúncia Artigo 21 O Estado-Parte que desejar desvincular-se do presente Tratado deverá comunicar essa intenção aos demais Estados-Partes de maneira expressa e formal, efetuando no prazo de sessenta (60) dias a entrega do documento de denúncia ao Ministério das Relações Exteriores da República do Paraguai, que o distribuirá aos demais Estados-Partes. Artigo 22 Formalizada a denúncia, cessarão para o Estado denunciante os direitos e obrigações que correspondam a sua condição de Estado-Parte, mantendo-se os referentes ao programa de liberação do presente Tratado e outros aspectos que os Estados-Partes, juntos com o Estado denunciante, acordem no prazo de sessenta (60) dias após a formalização da denúncia. Esses direitos e obrigações do Estado denunciante continuarão em vigor por um período de dois (2) anos a partir da data da mencionada formalização. CAPÍTULO VI - Disposições Gerais Artigo 23 O presente Tratado se chamará "Tratado de Assunção". Artigo 24 Com o objetivo de facilitar a implementação do Mercado Comum, estabelecer-se-á uma Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL. Os Poderes Executivos dos Estados-Partes manterão seus respectivos Poderes Legislativos informados sobre a evolução do Mercado Comum objeto do presente Tratado. Feito na cidade de Assunção, aos 26 dias do mês de março de mil novecentos e noventa e um, em um original, nos idiomas português e espanhol, sendo Tratados Internacionais no Brasil e Integração 193 ambos os textos igualmente autênticos. O Governo da República do Paraguai será o depositário do presente Tratado e enviará cópia devidamente autenticada do mesmo aos Governos dos demais Estados-Partes signatários e aderentes. Anexo I ~ Programa de Liberação Comercial Artigo 1 Os Estados-Partes acordam eliminar, o mais tardar a 31 de dezembro 1994, os gravames e demais restrições aplicadas ao seu comércio recíproco. de No que se refere às Listas de Exceções apresentadas pela República do Paraguai e pela República Oriental do Uruguai, o prazo para sua eliminação se estenderá até 31 de dezembro de 1995, nos termos do art. 7 do presente Anexo. Artigo 2 Para efeito do disposto no Artigo anterior, se entenderá: a) por "gravames", os direitos aduaneiros e quaisquer outras medidas de efeito equivalente, sejam de caráter fiscal, monetário, cambial ou de qualquer natureza, que incidam sobre o comércio exterior. Não estão compreendidas neste conceito taxas e medidas análogas quando respondam ao custo aproximado dos serviços prestados; e b) por "restrições", qualquer medida de caráter administrativo, financeiro, cambial ou de qualquer natureza, mediante a qual um Estado-Parte impeça ou dificulte, por decisão unilateral, o comércio recíproco. Não estão compreendidas no mencionado conceito as medidas adotadas em virtude das situações previstas no art. 50 do Tratado de Montevidéu de 1980. Artigo 3 A partir da data de entrada em vigor do Tratado, os Estados-Partes iniciarão um programa de desgravação progressivo, linear e automático, que beneficiará os produtos compreendidos no universo tarifário, classificados em conformidade com a nomenclatura tarifária utilizada pela Associação Latino-Americana de Integração, de acordo com o cronograma que se estabelece a seguir: DATA PERCENTUAL DE DESGRAVAÇÃO 30/0611991 47 3011211991 54 30/0611992 61 3011211992 68 30/0611993 75 30/1211993 82 30/0611994 89 3011211994 100 194 Sérgio Mourão Corrêa Lima As preferências serão aplicadas sobre a tarifa vigente no momento de sua aplicação e consistem em uma redução percentual dos gravames mais favoráveis aplicados à importação dos produtos procedentes de terceiros países não membros da Associação Latino-Americana de Integração. No caso de algum dos Estados-Partes terceiros países, o cronograma estabelecido tarifário vigente a 1Q de janeiro de 1991. Se se reduzirem maticamente elevar essa tarifa para a importação de continuará a ser aplicado sobre o nível as tarifas, a preferência correspondente será aplicada auto- sobre a nova tarifa na data de entrada em vigência da mesma. Para tal efeito, os Estados-Partes intercambiarão entre si e remeterão à As- sociação Latino-Americana de Integração, dentro de trinta dias a partir da entrada em vigor do Tratado, cópias atualizadas de suas tarifas aduaneiras, assim como das vigentes em 1Q de janeiro de 1991. Artigo 4 As preferências negociadas nos Acordos de Alcance Parcial, celebrados no marco da Associação Latino-Americana de Integração pelos Estados Partes entre si, serão aprofundadas dentro do presente Programa de Desgravação de acordo com o seguinte cronograma: DATA / PERCENTUAL 31.12.90 00 a 40 41 a 45 46 a 50 51 a 55 56 a 60 61 a 65 66 a 70 71 a 75 76 a 80 81 a 85 86 a 90 91 a 95 96 a 100 DE DESGRAVAÇÃÜ 30.06.91 30.12.91 47 52 57 61 67 71 75 80 85 89 95 100 54 59 64 67 74 77 80 85 90 93 100 30.06.92 61 66 71 73 81 83 85 90 95 97 31.12.92 30.06.93 31.12.93 30.06.94 31.12.94 68 73 78 79 88 89 90 95 100 100 75 80 85 86 95 96 95 100 82 87 92 93 100 100 100 89 94 100 100 100 100 Estas desgravações se aplicarão exclusivamente no âmbito dos respectivos Acordos de Alcance Parcial, não beneficiando os demais integrantes do Mercado Comum, e não alcançarão os produtos incluídos nas respectivas Listas de Exceções. Artigo 5 Sem prejuízo do mecanismo descrito nos Artigos 3 e 4, os Estados-Partes poderão aprofundar adicionalmente as preferências, mediante negociações a efetuarem-se no âmbito dos Acordos previstos no Tratado de Montevidéu de 1980. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 195 Artigo 6 Estarão excluídos do cronograma de desgravação a que se referem os Artigos 3 e 4 do presente Anexo os produtos compreendidos nas Listas de Exceções apresentadas por cada um dos Estados-Partes com as seguintes quantidades de itens NALADI: República Argentina 394 República Federativa do Brasil 324 República do Paraguai 439 República Oriental do Uruguai 960 Artigo 7 As Listas de Exceções serão reduzidas no vencimento rio de acordo com o cronograma que se detalha a seguir: de cada ano calendá- a) Para a República Argentina e a República Federativa do Brasil na razão de vinte por cento (20%) anuais dos itens que a compõem, redução que se aplica desde 3 I de dezembro de 1990; b) Para a República do Paraguai e para a República redução se fará na razão de: - Oriental do Uruguai, a 10% na data de entrada em vigor do Tratado, - 10% em 31 de dezembro - 20% em 3 I de dezembro de 1991, de 1992, - 20% em 3 I de dezembro de 1993, - 20% em 3 I de dezembro de 1994; - 20% em 31 de dezembro de 1995. Artigo 8 As Listas de Exceções incorporadas nos Apêndices primeira redução contemplada no Artigo anterior. I, 11, III e IV incluem a Artigo 9 Os produtos que forem retirados das Listas de Exceções nos termos previstos no art. 7 se beneficiarão automaticamente das preferências que resultem do Programa de Desgravação estabelecido no art. 3 do presente Anexo com, pelo menos, o percentual de desgravação mínimo previsto na data em que se opere sua retirada dessas Listas. Artigo 10 Os Estados-Partes somente poderão aplicar até 3 I de dezembro de 1994, aos produtos compreendidos no programa de desgravação, as restrições não-tarifárias expressamente declaradas nas Notas Complementares ao Acordo de Complementação que os Estados-Partes celebrem no marco do Tratado de Montevidéu de 1980. Sérgio Mourão Corrêa Lima 196 A 31 de dezembro nadas todas as restrições de 1994 e no âmbito do Mercado Comum, ficarão eliminão-tarifárias. Artigo 11 A fim de assegurar o cumprimento do cronograma de desgravação estabelecido nos Artigos 3 e 4, assim como o Estabelecimento do Mercado Comum, os Estados-Partes coordenarão as políticas macroeconômicas e as setoriais que se acordem, a que se refere o Tratado para a Constituição do Mercado Comum, começando por aquelas relacionadas aos fluxos de comércio e à configuração dos setores produtivos dos Estados-Partes. Artigo As normas contidas no presente 12 Anexo não se aplicarão aos Acordos de Alcance Parcial, de Complementação Econômica ns. 1,2, 13 e 14, nem aos comerciais e agropecuários, subscritos no âmbito do Tratado de Montevidéu de 1980, os quais se regerão exclusivamente pelas disposições neles estabelecidas. Anexo 11CAPÍTULO 1- Regime Geral de Origem Regime Geral de Qualificação de Origem Artigo 1 Serão considerados originários dos Estados- Partes: a) Os produtos elaborados integralmente no território quando em sua elaboração forem utilizados exclusivamente dos Estados-Partes; de qualquer um deles, materiais originários b) Os produtos compreendidos nos capítulos ou posições da Nomenclatura Tarifária da Associação Latino-Americana de Integração que se identificam no Anexo I da Resolução 78 do Comitê de Representantes da citada Associação, pelo simples fato de serem produzidos em seus respectivos territórios. Considerar-se-ão produzidos no território de um Estado-Parte: i) Os produtos dos reinos mineral, vegetal ou animal, incluindo os da caça e da pesca, extraídos, colhidos ou apanhados, nascidos c criados em seu território ou em suas Águas Territoriais ou Zona Econômica Exclusiva; ii) Os produtos do mar extraídos fora de suas Águas Territoriais e Zona Econômica Exclusiva por barcos de sua bandeira ou arrendados por empresas estabelecidas em seu território; e iii) Os produtos que resultem de operações ou processos efetuados em seu território pelos quais adquiram a forma final em que serão comercializados, exceto quando esses processos ou operações consistam somente em simples montagens ou ensamblagens, embalagem, fracionamento em lotes ou volumes, seleção e classificação, marcação, composição de sortimentos de mercadorias ou outras operações ou processos equivalentes; c) Os produtos em cuja elaboração se utilizem materiais não originários dos Estados-Partes, quando resultem de um processo de transformação, realizado no território de algum deles, que lhes confira uma nova individualidade, caracteriza- Tratados Internacionais no Brasil e Integração 197 da pelo fato de estarem classificados na Nomenclatura Aduaneira da Associação Latino-Americana de Integração em posição diferente à dos mencionados materiais, exceto nos casos em que os Estados-Partes determinem que, ademais, se cumpra com o requisito previsto no art. 2 do presente Anexo. Não obstante, não serão considerados originários os produtos resultantes de operações ou processos efetuados no território de um Estado-Parte pelos quais adquiram a forma final em que serão comercializados, quando nessas operações ou processos forem utilizados exclusivamente materiais ou insumos não originários de seus respectivos países e consistam apenas em montagens ou ensamblagens, fracionamento em lotes ou volumes, seleção, classificação, marcação, composição de sortimentos de mercadorias ou outras operações ou processos semelhantes; d) Até 3 I de dezembro de 1994, os produtos resultantes de operações de ensamblagem e montagem realizadas no território de um Estado-Parte utilizando materiais originários dos Estados-Partes e de terceiros países, quando o valor dos materiais originários não for inferior a 40% do valor FOB de exportação do produto final; e e) Os produtos que, além de serem produzidos em seu território, cumpram com os requisitos específicos estabelecidos no Anexo 2 da Resolução 78 do Comitê de Representantes da Associação Latino-Americana de Integração. Artigo 2 Nos casos em que o requisito estabelecido na letra "c" do artigo I ser cumprido porque o processo de transformação operado não implica de posição na nomenclatura, bastará que o valor CIF porto de destino ou marítimo dos materiais de terceiros países não exceda a 50 (cinqüenta) do valor FOB de exportação das mercadorias de que se trata. não possa mudança CIF porto por cento Na ponderação dos materiais originários de terceiros países para os Estados-Partes sem litoral marítimo, ter-se-ão em conta, como porto de destino, os depósitos e zonas francas concedidos pelos demais Estados-Partes, quando os materiais chegarem por via marítima. Artigo 3 Os Estados-Partes poderão estabelecer, de comum acordo, requisitos específicos de origem, que prevalecerão sobre os critérios gerais de qualificação. Artigo 4 Na determinação dos requisitos específicos de origem a que se refere o art. 3, assim como na revisão dos que tiverem sido estabelecidos, os Estados-Partes tomarão como base, individual ou conjuntamente, os seguintes elementos: I. Materiais e outros insumos empregados na produção: a) Matérias-primas: i) Matéria-prima essencial; e ii) Matérias-primas preponderante principais. ou que confira ao produto sua característica Sérgio Mourão Corrêa Lima 198 b) Parte ou peças: i) Parte ou peça que confira ao produto sua característica ii) Partes ou peças principais; iii) Percentual essencial; e das partes ou peças em relação ao peso tota!. c) Outros insumos. lI. Processo de transformação ou elaboração utilizado. Ill. Proporção máxima do valor dos materiais importados de terceiros países em relação ao valor total do produto, que resulte do procedimento de valorização acordado em cada caso. Artigo 5 Em casos excepcionais, quando os requisitos específicos não puderem ser cumpridos porque ocorrem problemas circunstanciais de abastecimento: disponibilidade, especificações técnicas, prazo de entrega e preço, tendo em conta o disposto no art. 4 do Tratado, poderão ser utilizados materiais não originários dos Estados- Partes. Dada a situação prevista no parágrafo anterior, o país exportador emitirá o certificado correspondente informando ao Estado-Parte importador e ao Grupo Mercado Comum, acompanhando os antecedentes e constâncias que justifiquem a expedição do referido documento. Caso se produza uma contínua reiteração desses casos, o Estado-Parte exportador ou o Estado-Parte importador comunicará esta situação ao Grupo Mercado Comum, para fins de revisão do requisito específico. Este Artigo não compreende os produtos que resultem de operações de ensamblagem ou montagem, e será aplicável até a entrada em vigor da Tarifa Externa Comum para os produtos objeto de requisitos específicos de origem e seus materiais ou insumos. Artigo 6 Qualquer dos Estados-Partes poderá solicitar a revisão dos requisitos de origem estabelecidos de conformidade com o art. 1. Em sua solicitação, deverá propor e fundamentar os requisitos aplicáveis ao produto ou produtos de que se trate. Artigo 7 Para fins do cumprimento dos requisitos de origem, os materiais e outros insumos, originários do território de qualquer dos Estados-Partes, incorporados por um Estado-Parte na elaboração de determinado produto, serão considerados originários do território deste último. Artigo 8 o critério de máxima utilização de materiais ou outros insumos originários dos Estados-Partes não poderá ser considerado para fixar requisitos que impliquem a imposição de materiais ou outros insumos dos referidos Estados-Partes, Tratados Internacionais no Brasil e Integração 199 quando, a juízo dos mesmos, estes não cumpram condições adequadas de abastecimento, qualidade e preço, ou que não se adaptem aos processos industriais ou tecnologias aplicadas. Artigo 9 Para que as mercadorias originárias se beneficiem dos tratamentos preferenciais, as mesmas deverão ter sido expedidas diretamente do país exportador ao país importador. Para tal fim, se considera expedição direta: a) As mercadorias transportadas não participante do Tratado. sem passar pelo território de algum país b) As mercadorias transportadas em trânsito por um ou mais países não participantes, com ou sem transbordo ou armazenamento temporário, sob a vigilância de autoridade alfandegária competente em tais países, sempre que: i) o trânsito estiver justificado por razões geográficas relativas a requerimentos do transporte; ii) não estiverem destinadas ao comércio, ou por considerações uso ou emprego no país de trân- sito, e iii) não sofram, durante o transporte e depósito, nenhuma operação distinta às de carga e descarga ou manuseio para mantê-Ias em boas condições ou assegurar sua conservação. Artigo 10 Para os efeitos do presente Regime Geral se entenderá: a) que os produtos procedentes das zonas francas situadas nos limites geográficos de qualquer dos Estados-Partes deverão cumprir os requisitos previstos no presente Regime Geral; b) que a expressão "materiais" compreende as matérias-primas, os produtos intermediários e as partes e peças utilizadas na elaboração das mercadorias. CAPÍTULO II - Declaração, Certificação e Comprovação Artigo 11 Para que a importação dos produtos originários dos Estados-Partes possa beneficiar-se das reduções de gravames e restrições outorgadas entre si, na documentação correspondente às exportações de tais produtos deverá constar uma declaração que certifique o cumprimento dos requisitos de origem estabelecidos de acordo com o disposto no Capítulo anterior. Artigo 12 A declaração a que se refere o Artigo precedente será expedida pelo produto final ou pelo exportador da mercadoria, e certificada por uma repartição oficial ou entidade de classe com personalidade jurídica, credenciada pelo Governo do Estado-Parte exportador. Sérgio Mourão Corrêa Lima 200 Ao credenciar entidades de classe, os Estados-Partes velarão para que se trate de organizações que atuem com jurisdição nacional, podendo delegar atribuições a entidades regionais ou locais, conservando sempre a responsabilidade direta pela veracidade das certificações que forem expedidas. Os Estados-Partes se comprometem, no prazo de 90 dias a partir da entrada em vigor do Tratado, a estabelecer um regime harmonizado de sanções administrativas para casos de falsidade nos certificados, sem prejuízo das ações penais correspondentes. Artigo 13 Os certificados prazo de validade de de origem emitidos 180 para os fins do presente Tratado terão dias, a contar da data de sua expedição. Artigo Em todos os casos, se utilizará 14 o formulário-padrão que figura anexo ao Acordo 25 do Comitê de Representantes da Associação Latino-Americana de Integração, enquanto não entrar em vigor outro formulário aprovado pelos Estados-Partes. Artigo 15 Os Estados-Partes comunicarão à Associação Latino-Americana de Integração a relação das repartições oficiais e entidades de classe credenciadas a expedir a certificação a que se refere o Artigo anterior, com o registro e fac-símile das assinaturas autorizadas. Artigo 16 uma não fato para Sempre que um Estado-Parte considerar que os certificados emitidos por repartição oficial ou entidade de classe credenciada de outro Estado-Parte se ajustam às disposições contidas no presente Regime Geral, comunicará o ao outro Estado-Parte para que este adote as medidas que estime necessárias solucionar os problemas apresentados. Em nenhum caso o país importador deterá o trâmite de importação dos produtos amparados nos certificados a que se refere o parágrafo anterior, mas poderá, além de solicitar as informações adicionais que correspondam às autoridades governamentais do país exportador, adotar as medidas que considere necessárias para resguardar o interesse fiscal. Artigo 17 Para fins de um controle posterior, as cópias dos certificados e os documentos respectivos deverão ser conservados durante dois anos a partir de sua emissão. Artigo 18 As disposições do presente Regime Geral e as modificações que lhe forem introduzidas não afetarão as mercadorias embarcadas na data de sua adoção. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 201 Artigo 19 As normas contidas no presente Anexo não se aplicam aos Acordos de Alcance Parcial, de Complementação Econômica n. I, 2, 13, e 14 nem aos comerciais e agropecuários subscritos no âmbito do Tratado de Montevidéu de 1980, os quais se regerão exclusivamente pelas disposições neles estabelecidas. Anexo III - Solução de Controvérsias I. As controvérsias que possam surgir entre os Estados-Partes como conseqüência de aplicação do Tratado serão resolvidas mediante negociações diretas. No caso de não lograrem uma solução, trovérsia à consideração do Grupo Mercado formulará no lapso de sessenta (60) dias as para a solução do diferendo. Para tal fim, o belecer ou convocar painéis de especialistas de contar com assessoramento técnico. os Estados-Partes submeterão a conComum que, após avaliar a situação, recomendações pertinentes às Partes Grupo Mercado Comum poderá estaou grupos de peritos com o objetivo Se no âmbito do Grupo Mercado Comum tampouco for alcançada uma solução, a controvérsia será elevada ao Conselho do Mercado Comum para que este adote as recomendações pertinentes. 2. Dentro de cento e vinte (120) dias a partir da entrada em vigor do Tratado, o Grupo Mercado Comum elevará aos Governos dos Estados-Partes uma proposta de Sistema de Solução de Controvérsias, que vigerá durante o período de transição. 3. Até 31 de dezembro de 1994, os Estados-Partes adotarão Permanente de Solução de Controvérsias para o Mercado Comum. Anexo IV - Cláusulas um Sistema de Salvaguarda Artigo I Cada Estado- Parte poderá aplicar, até 31 de dezembro de 1994, cláusulas de salvaguarda à importação dos produtos que se beneficiem do Programa de Liberação Comercial estabelecido no âmbito do Tratado. Os Estados-Partes acordam que somente deverão recorrer ao presente Regime em casos excepcionais. Artigo 2 Se as importações de determinado produto causarem dano ou ameaça de dano grave a seu mercado, como conseqüência de um sensível aumento, em um curto período, das importações desse produto provenientes dos outros EstadosPartes, o país importador solicitará ao Grupo Mercado Comum a realização de consultas com vistas a eliminar essa situação. O pedido do país importador estará acompanhado menorizada dos fatos, razões e justificativas do mesmo. de uma declaração por- 202 Sérgio Mourão Corrêa Lima o Grupo Mercado Comum deverá iniciar as consultas no prazo máximo de dez (10) dias corridos a partir da apresentação do pedido do país importador e deverá concluí-las, havendo tomado uma decisão a respeito, dentro de vinte (20) dias corridos após seu início. Artigo 3 A determinação do dano ou ameaça de dano grave no sentido do presente Regime será analisada por cada país, levando em conta a evolução, entre outros, dos seguintes aspectos relacionados com o produto em questão: a) Nível de produção b) e capacidade utilizada; Nível de emprego; c) Participação no mercado; d) Nível de comércio entre as Partes envolvidas ou participantes e) Desempenho das importações e exportações de consultas; com relação a terceiros países. Nenhum dos fatores acima mencionados constitui, por si só, um critério decisivo para a determinação do dano ou ameaça de dano grave. Não serão considerados, na determinação do dano ou ameaça de dano grave, fatores tais como as mudanças tecnológicas ou mudanças nas preferências dos consumidores em favor de produtos similares e/ou diretamente competitivos dentro do mesmo setor. A aplicação da cláusula de salvaguarda dependerá, em cada país, da aprovação final da seção nacional do Grupo Mercado Comum. Artigo 4 Com o objetivo de não interromper as correntes de comércio que tiverem sido geradas, o país importador negociará uma quota para a importação do produto objeto de salvaguarda, que se regerá pelas mesmas preferências e demais condições estabelecidas no Programa de Liberação Comercial. A mencionada quota será negociada com o Estado-Parte de onde se originam as importações, durante o período de consulta a que se refere o art. 2. Vencido o prazo da consulta e não havendo acordo, o país importador que se considerar afetado poderá fixar uma quota, que será mantida pelo prazo de um ano. Em nenhum caso a quota fixada unilateralmente pelo país importador será menor que a média dos volumes físicos importados nos últimos três anos calendário. Artigo 5 As cláusulas de salvaguarda terão um ano de duração e poderão ser prorrogadas por um novo período anual e consecutivo, aplicando-se-lhes os termos e condições estabelecidas no presente Anexo. Estas medidas apenas poderão ser adotadas uma vez para cada produto. Em nenhum caso a aplicação além de 31 de dezembro de 1994. de cláusulas de salvaguarda poderá estender-se Tratados Internacionais no Brasil e Integração 203 Artigo 6 A aplicação das cláusulas de salvaguarda não afetará as mercadorias embarcadas na data de sua adoção, as quais serão computadas na quota prevista no art. 4. Artigo 7 Durante o período de transição, no caso de algum Estado Parte se considerar afetado por graves dificuldades em suas atividades econômicas, solicitará ao Grupo Mercado Comum a realização de consultas, a fim de que se tomem as medidas corretivas que forem necessárias. O Grupo Mercado Comum, dentro dos prazos estabelecidos no art. 2 do presente Anexo, avaliará a situação e se pronunciará sobre as medidas a serem adotadas, em função das circunstâncias. Anexo V - Subgrupos de Trabalho do Grupo Mercado Comum O Grupo Mercado Comum, para fins de coordenação das políticas macroeconômicas e setoriais, constituirá, no prazo de 30 dias após sua instalação de trabalho: Subgrupo 1: Assuntos Subgrupo 2: Assuntos Aduaneiros Comerciais Subgrupo 3: Normas Técnicas Subgrupo 4: Política Fiscal e Monetária Subgrupo 5: Transporte Terrestre Subgrupo 6: Transporte Marítimo Subgrupo 7: Política Industrial Subgrupo 8: Política Agrícola Subgrupo 9: Política Energética Subgrupo 10: Coordenação Relacionadas com o Comércio e Tecnológica de Políticas Macroeconômicas Anexo 11: Protocolo de Ouro Preto (sobre Estrutura Institucional) PROTOCOLO DE OURO PRETO (Decreto Executivo n. 1.901, de 9 de maio de 1996) Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção sobre a Estrutura Institucional do MERCOSUL. A República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, doravante denominadas "EstadosPartes"; Em cumprimento março de 1991; ao disposto no artigo 18 do Tratado de Assunção, de 26 de Conscientes da importância dos avanços alcançados e da implementação união aduaneira como etapa para a construção do mercado comum; da Reafirmando os princípios e objetivos do Tratado de Assunção e atentos para a necessidade de uma consideração especial para países e regiões menos desenvolvidos do MERCOSUL às mudanças ocorridas; Reconhecendo o destacado durante o período de transição; trabalho desenvolvido pelos órgãos existentes Acordam: CAPÍTULO I- Estrutura do Mercosul Artigo I A estrutura III III IV VVI - institucional O Conselho do Mercosul contará com os seguintes do Mercado O Grupo Mercado Comum (CMC); Comum (GMC); A Comissão de Comércio do Mercosul A Comissão Parlamentar Conjunta O Foro Consultivo A Secretaria órgãos: Econômico-Social Administrativa (CeM); (CPC); (FCES); do Mercosul (SAM). Parágrafo único. Poderão ser criados, nos termos do presente Protocolo, os órgãos auxiliares que se fizerem necessários à consecução dos objetivos do processo de integração. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 205 Artigo 2 São órgãos com capacidade decisória, de natureza intergovernamental, o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do Mercosul. SEÇÃO I - Do Conselho do Mercado Comum Artigo 3 O Conselho do Mercado Comum é o órgão superior do Mercosul ao qual incumbe a condução política do processo de integração e a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo Tratado de Assunção e para lograr a constituição final do mercado comum. Artigo 4 O Conselho do Mercado Comum será integrado pelos Ministros das Relações Exteriores e pelos Ministros da Economia, ou seus equivalentes, dos Estados-Partes. Artigo 5 A Presidência do Conselho do Mercado Comum será exercida por rotação dos Estados-Partes, em ordem alfabética, pelo período de seis meses. Artigo 6 O Conselho do Mercado Comum reunir-se-á quantas vezes estime oportuno, devendo fazê-lo pelo menos uma vez por semestre com a participação dos Presidentes dos Estados-Partes. Artigo 7 As reuniões do Conselho do Mercado Comum serão coordenadas pelos Ministérios das Relações Exteriores e poderão ser convidados a delas participar outros Ministros ou autoridades de nível ministerial. Artigo 8 São funções e atribuições do Conselho do Mercado Comum: I - velar pelo cumprimento do Tratado de Assunção, dos acordos firmados em seu âmbito; II - formular mercado comum; III - políticas de seus Protocolos e promover as ações necessárias exercer a titularidade da personalidade jurídica à conformação e do do Mercosul; IV - negociar e firmar acordos em nome do Mercosul com terceiros países, grupos de países e organizações internacionais. Estas funções podem ser delegadas ao Grupo Mercado Comum por mandato expresso, nas condições estipuladas no inciso VII do art.14; 206 Sérgio Mourão Corrêa Lima vMercado manifestar-se Comum; sobre as propostas VI - criar reuniões de ministros sejam remetidos pelas mesmas; VII tingui-los; que lhe sejam elevadas pelo Grupo e pronunciar-se criar órgãos que estime pertinentes, sobre os acordos que lhe assim como modificá-los ou ex- VIII - esclarecer, quando estime necessário, o conteúdo e o alcance de suas Decisões; IX - designar o Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul; X - adotar Decisões em matéria financeira e orçamentária; XI - homologar o Regimento Interno do Grupo Mercado Comum. Artigo 9 o Conselho do Mercado Comum manifestar-se-á serão obrigatórias para os Estados-Partes. SEÇÃO II - Do Grupo Mercado mediante Decisões as quais Comum Artigo 10 O Grupo Mercado Comum é o órgão executivo do Mercosul. Artigo 11 O Grupo Mercado Comum será integrado por quatro membros titulares e quatro membros alternos por país, designados pelos respectivos Governos, dentre os quais devem constar necessariamente representantes dos Ministérios das Relações Exteriores, dos Ministérios da Economia (ou equivalentes) e dos Bancos Centrais. O Grupo Mercado Comum será coordenado pelos Ministérios das Relações Exteriores. Artigo 12 Ao elaborar e propor medidas concretas no desenvolvimento de seus trabalhos, o Grupo Mercado Comum poderá convocar, quando julgar conveniente, representantes de outros órgãos da Administração Pública ou da estrutura institucional do Mercosul. Artigo 13 O Grupo Mercado Comum reunir-se-á de forma ordinária ou extraordinária, quantas vezes se fizerem necessárias, nas condições estipuladas por seu Regimento Interno. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 207 Artigo 14 São funções e atribuições do Grupo Mercado Comum: I - velar, nos limites de suas competências, pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e dos Acordos firmados em seu âmbito; 11- propor projetos de Decisão ao Conselho do Mercado Comum; III - tomar as medidas necessárias pelo Conselho do Mercado Comum; IV - fixar programas mento do mercado comum; ao cumprimento das Decisões adotadas de trabalho que assegurem avanços para o estabeleci- V - criar, modificar ou extinguir órgãos tais como subgrupos reuniões especializadas, para o cumprimento de seus objetivos; de trabalho e VI - manifestar-se sobre as propostas ou recomendações que lhe forem submetidas pelos demais órgãos do Mercosul no âmbito de suas competências; VII - negociar com a participação de representantes de todos os EstadosPartes, por delegação expressa do Conselho do Mercado Comum e dentro dos limites estabelecidos em mandatos específicos concedidos para este fim, acordos em nome do Mercosul com terceiros países, grupos de países e organismos internacionais. O Grupo Mercado Comum, quando dispuser de mandato para tal fim, procederá à assinatura dos mencionados acordos. O Grupo Mercado Comum, quando autorizado pelo Conselho do Mercado Comum, poderá delegar os referidos poderes à Comissão de Comércio do Mercosul; VIII - aprovar o orçamento e a prestação de contas anual apresentada Secretaria Administrativa do Mercosul; IX orientações adotar resoluções em matéria financeira e orçamentária, emanadas do Conselho do Mercado Comum; X- submeter pela com base nas ao Conselho do Mercado Comum seu Regimento Interno; XI - organizar as reuniões do Conselho do Mercado Comum e preparar os relatórios e estudos que este lhe solicitar; XII - eleger o Diretor da Secretaria Administrativa XIII - supervisionar do Mercosul; as atividades da Secretaria Administrativa XIV - homologar os Regimentos Foro Consultivo Econômico-Social. Internos da Comissão do Mercosul; de Comércio e do Artigo 15 O Grupo Mercado Comum manifestar-se-á serão obrigatórias para os Estados-Partes. SEÇÃO III - mediante Resoluções, as quais Da Comissão de Comércio do MERCOSUL Artigo 16 À Comissão de Comércio do Mercosul, órgão encarregado de assistir o Grupo Mercado Comum, compete velar pela aplicação dos instrumentos de polí- 208 Sérgio Mourão Corrêa Lima tica comercial comum acordados pelos Estados-Partes para o funcionamento da união aduaneira, bem como acompanhar e revisar os temas e matérias relacionados com as políticas comerciais comuns, com o comércio intra-Mercosul e com terceiros países. Artigo A Comissão de Comércio 17 do Mercosul será integrada titulares e quatro membros alternos por Estado-Parte nistérios das Relações Exteriores. Artigo A Comissão de Comércio mês ou sempre que solicitado Estados-Partes. São funções e atribuições I - velar pela aplicação intra-Mercosul e com terceiros comércio; pelos Mi- 18 do Mercosul reunir-se-á pelo Grupo Mercado Artigo por quatro membros e será coordenada pelo menos uma vez Comum ou por qualquer por dos 19 da Comissão de Comércio do Mercosul: dos instrumentos comuns de política comercial países, organismos internacionais e acordos de II - considerar e pronunciar-se sobre as solicitações apresentadas pelos Estados-Partes com respeito à aplicação e ao cumprimento da tarifa externa comum e dos demais instrumentos de política comercial comum; III - acompanhar mum nos Estados-Partes; a aplicação dos instrumentos de política IV - analisar a evolução dos instrumentos de política para o funcionamento da união aduaneira e formular propostas po Mercado Comum; comercial co- comercial comum a respeito ao Gru- V - tomar as decisões vinculadas à administração e à aplicação da tarifa externa comum e dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados-Partes; VI - informar ao Grupo Mercado Comum sobre a evolução e a aplicação dos instrumentos de política comercial comum, sobre o trâmite das solicitações recebidas e sobre as decisões adotadas a respeito delas; VII - propor ao Grupo Mercado Comum novas normas ou modificações normas existentes referentes à matéria comercial e aduaneira do Mercosul; às VIII - propor a revisão das alíquotas tarifárias de itens específicos da tarifa externa comum, inclusive para contemplar casos referentes a novas atividades produtivas no âmbito do Mercosul; IX - estabelecer os comitês técnicos necessários ao adequado cumprimento de suas funções, bem como dirigir e supervisionar as atividades dos mesmos; Tratados Internacionais no Brasil e Integração x- à política comercial comum que lhe desempenhar as tarefas vinculadas solicite o Grupo Mercado Comum; XI - adotar o Regimento mum para sua homologação. 209 Interno, que submeterá ao Grupo Mercado Co- Artigo 20 A Comissão de Comércio do Mercosul manifestar-se-á mediante ou Propostas. As Diretrizes serão obrigatórias para os Estados-Partes. Diretrizes Artigo 21 Além das funções e atribuições estabelecidas nos artigos 16 e 19 do presente Protocolo, caberá à Comissão de Comércio do Mercosul considerar reclamações apresentadas pelas Seções Nacionais da Comissão de Comércio do Mercosul, originadas pelos Estados-Partes ou demandas de particulares - pessoas físicas ou jurídicas -, relacionadas com as situações previstas nos artigos I ou 25 do Protocolo de Brasília, quando estiverem em sua área de competência. § I º O exame das referidas reclamações no âmbito da Comissão de Comércio do Mercosul; não obstará a ação do Estado-Parte que efetuou a reclamação ao amparo do Protocolo de Brasília para Solução de Controvérsias. § 2º As reclamações originadas nos casos estabelecidos no presente obedecerão o procedimento previsto no anexo deste Protocolo. SEÇÃO IV - Da Comissão Parlamentar artigo Conjunta Artigo 22 A Comissão Parlamentar Conjunta é o órgão representativo dos Estados-Partes no âmbito do Mercosul. dos Parlamentos Artigo 23 A Comissão Parlamentar Conjunta será integrada por igual número de parlamentares representantes dos Estados-Partes. Artigo 24 Os integrantes da Comissão Parlamentar Conjunta serão designados pelos respectivos Parlamentares nacionais, de acordo com seus procedimentos internos. Artigo 25 A Comissão Parlamentar Conjunta procurará acelerar os procedimentos internos correspondentes nos Estados-Partes para a pronta entrada em vigor das normas emanadas dos órgãos do MERCOSUL previstos no art. 2 deste Protocolo. Da mesma forma, coadjuvará na harmonização de legislações, tal como requerido pelo avanço do processo de integração. 210 Sérgio Mourão Corrêa Lima Quando necessário, o Conselho do Mercado Comum solicitará Parlamentar Conjunta o exame de temas prioritários. à Comissão Artigo 26 A Comissão Parlamentar Conjunta encaminhará, por intermédio Mercado Comum, Recomendações ao Conselho do Mercado Comum. 27 Artigo A Comissão Parlamentar SEÇÃO V - Conjunta do Grupo adotará o seu Regime Interno. Do Foro Consultivo Econômico-Social Artigo 28 o Foro Consultivo Econômico-Social é o órgão de representação dos setores econômicos e sociais e será integrado por igual número de representantes de cada Estado-Parte. Artigo 29 O Foro Consultivo Econômico-Social terá função consultiva se-á mediante Recomendações no Grupo Mercado Comum. e manifestar- Artigo 30 O Foro Consultivo Econômico-Social Grupo Mercado Comum, para homologação. SEÇÃO VI - Da Secretaria submeterá Administrativa seu Regimento Interno ao do MERCOSUL Artigo 31 O Mercosul contará com uma Secretaria Administrativa como órgão de apoio operacional. A Secretaria Administrativa do Mercosul será responsável pela prestação de serviço aos demais órgãos do Mercosul e terá sede permanente na cidade de Montevidéu. Artigo 32 A Secretaria vidades: Administrativa do Mercosul desempenhará as seguintes ati- I - servir como arquivo oficial da documentação do Mercosul; 11 - realizar a publicação e a difusão das decisões adotadas no âmbito do Mercosul. Nesse contexto, lhe corresponderá: i) realizar, em coordenação como os Estados-Partes, as traduções autênticas para os idiomas espanhol e português de todas as decisões adotadas pelos órgãos da estrutura institucionais do Mercosul, conforme previsto no art. 39; ii) editar o Boletim Oficial do Mercosul; Tratados Internacionais no Brasil e Integração 211 III - organizar os aspectos logísticos das reuniões do Conselho do Mercado Comum, do Grupo Mercado Comum e da Comissão do Comércio do Mercosul e, dentro de suas possibilidades, dos demais órgãos do Mercosul, quando as mesmas forem realizadas em sua sede permanente. No que se refere às reuniões realizadas fora de sua sede permanente, a Secretaria Administrativa do Mercosul fornecerá apoio ao Estado que sediar o evento; IV - informar regularmente os Estados-Partes sobre as medidas implementadas por cada país para incorporar em seu ordenamento jurídico as normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no art. 2 deste Protocolo; Vsempenhar zembrode registrar as listas nacionais dos árbitros e especialistas, bem como deoutras tarefas determinadas pelo Protocolo de Brasília, de 17 de de1991; VI - desempenhar as tarefas que lhe sejam solicitadas pelo Conselho Mercado Comum, pelo Grupo Mercado Comum e pela Comissão do Comércio do do Mercosul; VII - elaborar seu projeto de orçamento e uma vez aprovado pelo Grupo Mercado Comum, praticar todos os atos necessários à sua correta execução; VIII - apresentar anualmente ao Grupo Mercado Comum a sua prestação de contas, bem como relatório sobre suas atividades. Artigo 33 A Secretaria Administrativa do Mercosul estará a cargo de um Diretor, o qual será nacional de um dos Estados-Partes. Será eleito pelo Grupo Mercado Comum, em bases rotativas prévia consulta aos Estados-Partes, e designado pelo Conselho do Mercado Comum. Terá mandato de dois anos, vedada a reeleição. CAPíTULO II - Personalidade Jurídica Artigo 34 O Mercosul terá personalidade jurídica de Direito Internacional. Artigo 35 O Mercosul poderá, no uso de suas atribuições, praticar todos os atos necessários à realização de seus objetivos, em especial contratar, adquirir ou alienar bens móveis e imóveis, comparecer em juízo, conservar fundos e fazer transferências. Artigo 36 O Mercosul celebrará CAPíTULO acordos de sede. III - Sistema de Tomada de Decisões Artigo 37 As decisões dos órgãos do Mercosul presença de todos os Estados-Partes. serão tomadas por consenso e com a Sérgio Mourão Corrêa Lima 212 CAPÍTULO IV - Aplicação Interna das Normas Emanadas Orgãos do MERCOSUL dos Artigo 38 Os Estados-Partes comprometem-se a adotar todas as medidas necessárias para assegurar, em seus respectivos territórios, o cumprimento das normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no art. 2 deste Protocolo. Parágrafo do Mercosul único. Os Estados-Partes as medidas adotadas informarão à Secretaria Administrativa para esse fim. Artigo 39 Serão publicados no Boletim Oficial do Mercosul, em sua íntegra, nos idiomas espanhol e português, o teor das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum, das Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul e dos Laudos Arbitrais de solução de controvérsias, bem como de quaisquer atos aos quais o Conselho do Mercado Comum ou o Grupo Mercado Comum entendam necessário atribuir publicidade oficial. Artigo 40 A fim de garantir a vigência simultânea nos Estados-Partes das normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no art. 2 deste Protocolo, deverá ser observado o seguinte procedimento: i) uma vez aprovada a norma, os Estados-Partes adotarão as medidas necessárias para a sua incorporação ao ordenamento jurídico nacional e comunicarão as mesmas à Secretaria Administrativa do Mercosul; ii) quando todos os Estados-Partes tiverem informado sua incorporação aos respectivos ordenamentos jurídicos internos, a Secretaria Administrativa do Mercosul comunicará o fato a cada Estado-Parte; iii) as normas entrarão em vigor simultaneamente nos Estados-Partes 30 dias após a data da comunicação efetuada pela Secretaria Administrativa do Mercosul, nos termos do item anterior. Com esse objetivo, os Estados-Partes, dentro do prazo acima, darão publicidade do início da vigência das referidas normas por intermédio de seus respectivos diários oficiais. CAPÍTULO V- Fontes Jurídicas do MERCOSUL Artigo 41 As fontes jurídicas do Mercosul são: I - O tratado de Assunção, complementares; seus protocolos 11 tocolos; no âmbito do Tratado de Assunção os acordos celebrados e os instrumentos adicionais ou e seus pro- 111- as Decisões do Conselho do Mercado Comum, as Resoluções do Grupo Mercado Comum e as Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul, adotadas desde a entrada em vigor do Tratado de Assunção. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 213 Artigo 42 As normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no ar!. 2 deste Protocolo terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país. CAPÍTULO VI - Sistema de Solução de Controvérsias Artigo 43 As controvérsias que surgirem entre os Estados-Partes sobre a interpretação, a aplicação ou o não-cumprimento das disposições contidas no Tratado de Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo, bem como das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum e das Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul, serão submetidas aos procedimentos de solução estabelecidos no Protocolo de Brasília, de 17 de dezembro de 1991. Parágrafo único. Ficam também incorporadas aos Artigos 19 e 25 do Protocolo de Brasília as Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul. Artigo 44 Antes de culminar Estados-Partes efetuarão do Mercosul, com vistas do Anexo III do Tratado o processo de convergência da tarifa externa comum, os uma revisão do atual sistema de solução de controvérsias à adoção do sistema permanente a que se refere o item 3 de Assunção e o art. 34 do Protocolo de Brasília. CAPÍTULO VII - Orçamento Artigo 45 A Secretaria Administrativa do Mercosul contará com orçamento para cobrir seus gastos de funcionamento e aqueles que determine o Grupo Mercado Comum. Tal orçamento será financiado, em partes iguais, por contribuições dos Estados-Partes. CAPÍTULO VIII - Idiomas Artigo 46 Os idiomas oficiais do Mercosul A versão oficial dos documentos de cada reunião. CAPÍTULO são o espanhol e o português. de trabalho será a do idioma do país sede IX - Revisão Artigo 47 Os Estados-Partes convocarão, quando julgarem oportuno, conferência diplomática com o objetivo de revisar a estrutura institucional do Mercosul estabelecida pelo presente Protocolo, assim como as atribuições específicas de cada um de seus órgãos. Sérgio Mourão Corrêa Lima 214 CAPÍTULO X- Vigência Artigo 48 O presente Protocolo, parte integrante do Tratado de Assunção, terá duração indefinida e entrará em vigor 30 dias após a data do depósito do terceiro instrumento de ratificação. O presente Protocolo e seus instrumentos de ratificação serão depositados ante o Governo da República do Paraguai. Artigo 49 O Governo da República do Paraguai notificará aos Governos dos demais Estados-Partes a data do depósito dos instrumentos de ratificação e da entrada em vigor do presente Protocolo. Artigo 50 Em matéria de adesão ou denúncia, regerão como um todo, para o presente Protocolo, as normas estabelecidas pelo Tratado de Assunção. A adesão ou denúncia ao Tratado de Assunção ou ao presente Protocolo significam "ipso iure", a adesão ou denúncia ao presente Protocolo e ao Tratado de Assunção. CAPÍTULO XI - Disposição Transitória Artigo 51 A estrutura institucional prevista no Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991, assim como seus órgãos, será mantida até a data de entrada em vigor do presente Protocolo. CAPÍTULO XII - Disposições Gerais Artigo 52 O presente Protocolo chamar-se-á "Protocolo de Ouro Preto". Artigo 53 Ficam revogadas todas as disposições do Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991, que conflitem com os termos do presente Protocolo e com o teor das Decisões aprovadas pelo Conselho do Mercado Comum, durante o periodo de transição. Feito na cidade de Ouro Preto, República Federativa do Brasil, aos dezessete dias do mês de dezembro de mil novecentos e noventa e quatro, em um original, nos idiomas português e espanhol, sendo ambos os textos igualmente autênticos. O Governo da República do Paraguai enviará cópia devidamente autenticada do presente Protocolo aos Governos dos demais Estados-Partes. Anexo - Procedimento Geral para Reclamações Perante a Comissão Comércio do MERCOSUL de Artigo 1 As reclamações apresentadas pelas Seções Nacionais da Comissão de Comércio do Mercosul, originadas pelos Estados-Partes ou em reclamações de particulares Tratados Internacionais no Brasil e Integração 215 - pessoas físicas ou jurídicas - de acordo com o previsto no art. 21 do Protocolo de Ouro Preto, observarão o procedimento estabelecido no presente Anexo. Artigo 2 O Estado-Parte reclamante apresentará sua reclamação perante a Presidência Pro- Tempore da Comissão de Comércio do Mercosul, a qual tomará as providências necessárias para a incorporação do tema na agenda da primeira reunião subseqüente da Comissão de Comércio do Mercosul, respeitado o prazo mínimo de uma semana de antecedência. Se não for adotada decisão na referida reunião, a Comissão de Comércio do Mercosul remeterá os antecedentes, sem outro procedimento, a um Comitê Técnico. Artigo 3 O Comitê Técnico preparará e encaminhará à Comissão de Comércio do Mercosul, no prazo máximo de 30 dias corridos, um parecer conjunto sobre a matéria. Esse parecer, bem como as conclusões dos especialistas integrantes do Comitê Técnico, quando não for adotado parecer, serão levados em consideração pela Comissão de Comércio do Mercosul, quando esta decidir sobre a reclamação. Artigo 4 A Comissão de Comércio do Mercosul decidirá sobre a questão em sua primeira reunião ordinária posterior ao recebimento do parecer conjunto ou, na sua ausência, as conclusões dos especialistas, podendo também ser convocada uma reunião extraordinária com essa finalidade. Artigo 5 Se não for alcançado o consenso na primeira reunião mencionada no art. 4, a Comissão de Comércio do Mercosul encaminhará ao Grupo Mercado Comum as diferentes alternativas propostas, assim como o parecer conjunto ou as conclusões dos especialistas do Comitê Técnico, a fim de que seja tomada uma decisão sobre a matéria. O Grupo Mercado Comum pronunciar-se-á a respeito no prazo de trinta (30) dias corridos, contados do recebimento, pela Presidência Pro- Tempore, das propostas encaminhadas pela Comissão de Comércio do Mercosul. Artigo 6 Se houver consenso quanto à procedência da reclamação, o Estado-Parte reclamado deverá tomar as medidas aprovadas na Comissão de Comércio do Mercosul ou no Grupo Mercado Comum. Em cada caso, a Comissão de Comércio do Mercosul ou, posteriormente, o Grupo Mercado Comum determinarão prazo razoável para a implementação dessas medidas. Decorrido tal prazo sem que o Estado reclamado tenha observado o disposto na decisão alcançada, seja na Comissão de Comércio do Mercosul ou no Grupo Mercado Comum, o Estado reclamante poderá recorrer diretamente ao procedimento previsto no Capítulo IV do Protocolo de Brasília. Sérgio Mourão Corrêa Lima 216 Artigo 7 Se não posteriormente, var, no prazo mante poderá Protocolo de Mercosul. for alcançado consenso na Comissão de Comércio do Mercosul e, no Grupo Mercado Comum, ou se o Estado reclamado não obserprevisto no art. 6, o disposto na decisão alcançada, o Estado reclarecorrer diretamente ao procedimento previsto no Capítulo IV do Brasília, fato que será comunicado à Secretaria Administrativa do O Tribunal Arbitral, antes da emissão de seu Laudo, deverá, se assim solicitar o Estado reclamante, manifestar-se, no prazo de até quinze (15) dias após sua constituição, sobre as medidas provisórias que considere apropriadas, nas condições estipuladas pelo art. 18 do Protocolo de Brasília. Anexo 111: Protocolo de Las Leiias PROTOCOLO (Decreto Executivo DE LAS LENAS n. 2.067, de 19 de abril de 1995) Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, concluído pelos Governos da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai, em Las Lefías, em 27 de junho de 1992. Os Governos da República Argentina, da República Federativa do Brasil, da República do Paraguai e da República Oriental do Uruguai, Considerando que o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), previsto no Tratado de Assunção, assinado em 26 de março de 1991, implica o compromisso dos Estados-Partes de harmonizar suas legislações nas matérias pertinentes para obter o fortalecimento do processo de integração; Desejosos de promover e intensificar a cooperação jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa, a fim de assim contribuir para o desenvolvimento de suas relações de integração com base nos princípios do respeito à soberania nacional e à igualdade de direitos e interesses recíprocos; Convencidos de que este Protocolo contribuirá para o tratamento eqüitativo dos cidadãos e residentes permanentes dos Estados-Partes do Tratado de Assunção e lhes facilitará o livre acesso à jurisdição nos referidos Estados para a defesa de seus direitos e interesses; Conscientes da importância de que se reveste, para o processo de integração dos Estados-Partes, a adoção de instrumentos comuns que consolidem a segurança jurídica e tenham como finalidade atingir os objetivos do Tratado de Assunção, Acordam: CAPÍTULO I- Cooperação e Assistência Jurisdicional Artigo I Os Estados-Partes comprometem-se a prestar assistência mútua e ampla cooperação jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa. A assistência jurisdicional se estenderá aos procedimentos administrativos em que se admitam recursos perante os tribunais. CAPÍTULO II - Autoridades Centrais Artigo 2 Para os efeitos do presente Protocolo, cada Estado-Parte indicará uma Autoridade Central encarregada de receber e dar andamento às petições de assistên- Sérgio Mourão Corrêa Lima 218 cia jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa. Para tanto, as Autoridades Centrais se comunicarão diretamente entre si, permitindo a intervenção de outras autoridades respectivamente competentes, sempre que seja necessário. Os Estados-Partes, ao depositarem os instrumentos de ratificação do presente Protocolo, comunicarão essa providência ao Governo depositário, o qual dela dará conhecimento aos demais Estados-Partes. A Autoridade Central poderá ser substituída em qualquer momento, devendo o Estado-Parte comunicar o fato, no mais breve prazo possível, ao Governo depositário do presente Protocolo, para que dê conhecimento aos demais EstadosPartes da substituição efetuada. CAPÍTULO III - Igualdade no Tratamento Processual Artigo 3 Os cidadãos e os residentes permanentes de um dos Estados-Partes gozarão, nas mesmas condições dos cidadãos e residentes permanentes do outro Estado-Parte, do livre acesso à jurisdição desse Estado para a defesa de seus direitos e interesses. O parágrafo das ou registradas anterior aplicar-se-á às pessoas jurídicas constituídas, conforme as leis de qualquer dos Estados-Partes. autoriza- Artigo 4 Nenhuma caução ou depósito, qualquer que seja sua denominação, poderá ser imposto em razão da qualidade de cidadão ou residente permanente de outro Estado-Parte. O parágrafo precedente se aplicará às pessoas jurídicas constituídas, zadas ou registradas conforme as leis de qualquer dos Estados-Partes. CAPÍTULO IV - Cooperação em Atividades autori- de Simples Trâmite e Probatórias Artigo 5 Cada Estado-Parte deverá enviar às autoridades jurisdicionais do outro Estado, segundo o previsto no art. 2, carta rogatória em matéria civil, comercial, trabalhista ou administrativa, quando tenha por objeto: a) diligências com prazo definido, b) recebimento de simples trâmite, tais como citações, notificações ou outras semelhantes; ou obtenção intimações, citações de provas. Artigo 6 As cartas rogatórias a) denominação deverão conter: e domicílio do órgão jurisdicional requerente; b) individualização do expediente, com especificação do juízo e do nome e domicílio das partes; do objeto e natureza Tratados Internacionais no Brasil e Integração c) cópia da petição inicial e transcrição da carta rogatória; d) nome e domicílio se houver; do procurador 219 da decisão que ordena a expedição da parte solicitante e) indicação do objeto da carta rogatória, destinatário da medida; f) informação cumpri-la; no Estado requerido, com o nome e o domicílio do sobre o prazo de que dispõe a pessoa afetada pela medida para g) descrição das formas ou procedimentos prir-se a cooperação solicitada; h) qualquer outra informação especiais com que haverá de cum- que facilite o cumprimento da carta rogatória. Artigo 7 No caso de ser solicitado também conter: a) descrição o recebimento de provas, a carta rogatória do assunto que facilite a diligência b) nome e domicílio devam intervir; de testemunhas c) texto dos interrogatórios deverá probatória; ou outras pessoas ou instituições e documentos que necessários. Artigo 8 A carta rogatória deverá ser cumprida de ofício pela autoridade jurisdicional competente do Estado requerido, e somente poderá denegar-se quando a medida solicitada, por sua natureza, atente contra os princípios de ordem pública do Estado requerido. O referido cumprimento não implicará ternacional do juiz do qual emana. o reconhecimento da jurisdição in- Artigo 9 A autoridade jurisdicional requerida terá competência para conhecer das que sejam suscitadas quando do cumprimento da diligência solicitada. Caso a autoridade jurisdicional requerida se declare incompetente ceder à tramitação da carta rogatória, remeterá de ofício os documentos cedentes do caso à autoridade jurisdicional competente do seu Estado. para proe os ante- Artigo la As cartas rogatórias e os documentos que as acompanham deverão redigirse no idioma da autoridade requerente e serão acompanhadas de uma tradução para o idioma da autoridade requerida. 220 Sérgio Mourão Corrêa Lima Artigo Ii A autoridade querente, informar fim de permitir que tivos representantes legislação da Parte requerida poderá, atendendo a solicitação da autoridade reo lugar e a data em que a medida solicitada será cumprida, a a autoridade requerente, as partes interessadas ou seus respecpossam comparecer e exercer as faculdades autorizadas pela requerida. A referida comunicação deverá efetuar-se, com a devida antecedência, intermédio das Autoridades Centrais dos Estados-Partes. Artigo por 12 A autoridade jurisdicional encarregada do cumprimento de uma carta rogatória aplicará sua lei interna no que se refere aos procedimentos. Não obstante, a carta rogatória poderá ter, mediante pedido da autoridade requerente, tramitação especial, admitindo-se o cumprimento de formalidades adicionais na diligência da carta rogatória, sempre que isso não seja incompatível com a ordem pública do Estado requerido. O cumprimento da carta rogatória deverá efetuar-se Artigo sem demora. 13 Ao diligenciar a carta rogatória, a autoridade requerida aplicará os meios processuais coercitivos previstos na sua legislação interna, nos casos e na medida em que deva fazê-lo para cumprir uma carta precatória das autoridades de seu próprio Estado, ou um pedido apresentado com o mesmo fim por uma parte interessada. Artigo 14 Os documentos que comprovem o cumprimento mitidos por intermédio das Autoridades Centrais. da carta rogatória serão trans- Quando a carta rogatória não tiver sido cumprida integralmente ou em parte, este fato e as razões do não-cumprimento deverão ser comunicados de imediato à autoridade requerente, utilizando-se o meio assinalado no parágrafo anterior. Artigo 15 O cumprimento da carta rogatória não poderá acarretar reembolso de nenhum tipo de despesa, exceto quando sejam solicitados meios probatórios que ocasionem custos especiais, ou sejam designados peritos para intervir na diligência. Em tais casos, deverão ser registrados no texto da carta rogatória os dados da pessoa que, no Estado requerido, procederá ao pagamento das despesas e honorários devidos. Artigo 16 Quando os dados relativos ao domicílio do destinatário da ação ou da pessoa citada forem incompletos ou inexatos, a autoridade requerida deverá esgotar Tratados Internacionais no Brasil e Integração 221 todos os meios para atender ao pedido. Para tanto, poderá também solicitar ao Estado requerente os dados complementares que permitam a identificação e a localização da referida pessoa. Artigo 17 Os trâmites pertinentes para o cumprimento da carta rogatória não exigirão necessariamente a intervenção da parte solicitante, devendo ser praticados de ofício pela autoridade jurisdicional competente do Estado requerido. CAPÍTULO V- Reconhecimento e Execução de Sentenças de Laudos Arbitrais e Artigo 18 As disposições do presente Capítulo serão aplicáveis ao reconhecimento eà execução das sentenças e dos laudos arbitrais pronunciados nas jurisdições dos Estados-Partes em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa, e serão igualmente aplicáveis às sentenças em matéria de reparação de danos e restituição de bens. Artigo 19 O pedido de reconhecimento e execução de sentenças e de laudos arbitrais por parte das autoridades jurisdicionais será tramitado por via de cartas rogatórias e por intermédio da Autoridade Central. Artigo 20 As sentenças e os laudos arbitrais a que se refere o artigo anterior terão eficácia extraterritorial nos Estados-Partes quando reunirem as seguintes condições: a) que venham revestidos das formalidades externas sejam considerados autênticos no Estado de origem; necessárias para que b) que estejam, assim como os documentos anexos necessários, devidamente traduzidos para o idioma oficial do Estado em que se solicita seu reconhecimento e execução; c) que emanem de um órgão jurisdicional as normas do Estado requerido sobre jurisdição ou arbitral competente, internacional; segundo d) que a parte contra a qual se pretende executar a decisão tenha sido devidamente citada e tenha garantido o exercício de seu direito de defesa; e) que a decisão tenha força de coisa julgada e/ou executória que foi ditada; no Estado em f) que claramente não contrariem os princípios de ordem pública do Estado em que se solicita seu reconhecimento e/ou execução. Os requisitos das alíneas "a", "c", "d", "e" e "f" devem estar contidos cópia autêntica da sentença ou do laudo arbitral. na 222 Sérgio Mourão Corrêa Lima Artigo 21 A parte que, em juízo, invoque uma sentença ou um laudo arbitral de um dos Estados-Partes deverá apresentar cópia autêntica da sentença ou do laudo arbitral com os requisitos do artigo precedente. Artigo 22 Quando se tratar de uma sentença ou de um laudo arbitral entre as mesmas partes, fundamentado nos mesmos fatos, e que tenha o mesmo objeto de outro processo judicial ou arbitral no Estado requerido, seu reconhecimento e sua executoriedade dependerão de que a decisão não seja incompatível com outro pronunciamento anterior ou simultâneo proferido no Estado requerido. à execução, quando se entre as mesmas partes, fundamentado nos mes- Do mesmo modo não se reconhecerá houver iniciado um procedimento nem se procederá mos fatos e sobre o mesmo objeto, perante qualquer autoridade jurisdicional da Parte requerida, anteriormente à apresentação da demanda perante a autoridade jurisdicional que teria pronunciado a decisão da qual haja solicitação de reconhecimento. Artigo 23 Se uma sentença ou um laudo arbitral não puder ter eficácia em sua totalidade, a autoridade jurisdicional competente do Estado requerido poderá admitir sua eficácia parcial mediante pedido da parte interessada. Artigo 24 Os procedimentos, inclusive a competência dos respectivos órgãos jurisdicionais, para fins de reconhecimento e execução das sentenças ou dos laudos arbitrais, serão regidos pela lei do Estado requerido. CAPÍTULO VI - Dos Instrumentos Públicos e Outros Documentos Artigo 25 Os instrumentos públicos emanados de um Estado-Parte terão no outro a mesma força probatória que seus próprios instrumentos públicos. Artigo 26 Os documentos emanados de autoridades jurisdicionais ou outras autoridades de um dos Estados-Partes, assim como as escrituras públicas e os documentos que certifiquem a validade, a data e veracidade da assinatura ou a conformidade com o original, e que sejam tramitados por intermédio da Autoridade Central, ficam isentos de toda legalização, certificação ou formalidade análoga quando devam ser apresentados no território do outro Estado-Parte. Artigo 27 Cada Estado-Parte remeterá, por intermédio da Autoridade Central, a pedido de outro Estado-Parte e para fins exclusivamente públicos, os traslados ou certidões dos assentos dos registros de estado civil, sem nenhum custo. Tratados Internacionais no Brasil e Integração CAPÍTULO VII - Informação 223 do Direito Estrangeiro Artigo 28 As Autoridades Centrais dos Estados-Partes fornecer-se-ão mutuamente, a título de cooperação judicial, e desde que não se oponham às disposições de sua ordem pública, informações em matéria civil, comercial, trabalhista, administrativa e de direito internacional privado, sem despesa alguma. Artigo 29 A informação a que se refere o artigo anterior poderá também ser prestada perante a jurisdição do outro Estado, por meio de documentos fornecidos pelas autoridades diplomáticas ou consulares do Estado-Parte de cujo direito se trata. Artigo 3D O Estado que fornecer as informações sobre o sentido do alcance legal de seu direito não será responsável pela opinião emitida, nem estará obrigado a aplicar seu direito, segundo a resposta fornecida. O Estado que receber as citadas informações não estará obrigado a aplicar, ou fazer aplicar, o direito estrangeiro segundo o conteúdo da resposta recebida. CAPÍTULO VIII - Consultas e Solução de Controvérsias Artigo 31 As Autoridades Centrais dos Estados-Partes realizarão consultas nas oportunidades que lhes sejam mutuamente convenientes com a finalidade de facilitar a aplicação do presente Protocolo. Artigo 32 Os Estados-Partes numa controvérsia sobre a interpretação, a aplicação ou o não-cumprimento das disposições deste Protocolo, procurarão resolvê-Ia mediante negociações diplomáticas diretas. Se, mediante tais negociações, não se chegar a um acordo ou se tal controvérsia for solucionada apenas parcialmente, aplicar-se-ão os procedimentos previstos no Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias quando este entrar em vigor e enquanto não for adotado um Sistema Permanente de Solução de Controvérsias para o Mercado Comum do Sul. CAPÍTULO IX - Disposições Finais Artigo 33 O presente Protocolo, parte integrante do Tratado de Assunção, entrará em vigor trinta (30) dias após a data de depósito do segundo instrumento de ratificação, e será aplicado provisoriamente a partir da data de sua assinatura. 224 Sérgio Mourão Corrêa Lima Artigo 34 A adesão por parte de um Estado ao Tratado de Assunção implicará, "ipso iure", a adesão ao presente Protocolo. Artigo 35 o presente Protocolo não restringirá as disposições das convenções que anteriormente tiverem sido assinadas sobre a mesma matéria entre os Estados-Partes, desde que não o contradigam. Artigo 36 O Governo da República do Paraguai será o depositário do presente Proto- colo e dos instrumentos de ratificação, e enviará cópias devidamente autenticadas dos mesmos aos Governos dos demais Estados-Partes. Da mesma maneira, o Governo da República do Paraguai notificará aos Governos dos outros Estados-Partes a data da entrada em vigor deste Protocolo e a data de depósito dos instrumentos de ratificação. Anexo IV Protocolo de Ouro Preto (sobre Medidas Cautelares) PROTOCOLO (Decreto Executivo DE MEDIDAS CAUTELARES n. 2.626, de 14 de junho de 1998) Os Governos da República Argentina, da República Federativa do Brasil, da República do Paraguai e da República Oriental do Uruguai, doravante denominados "Estados-Partes"; Considerando que o Tratado de Assunção, firmado em 26 de março de 1991, estabelece o compromisso dos Estados-Partes de harmonizar suas legislações nas áreas pertinentes; Reafirmando a vontade dos Estados-Partes de acordar comuns para o fortalecimento do processo de integração; soluções jurídicas Convencidos da importância e da necessidade de oferecer ao setor privado dos Estados-Partes, um quadro de segurança jurídica que garanta soluções justas às controvérsias privadas e torne viável a cooperação cautelar entre os EstadosPartes do Tratado de Assunção; Acordam: OBJETO DO PROTOCOLO Artigo 1 O presente Protocolo tem por objeto regulamentar entre os Estados-Partes do Tratado de Assunção, o cumprimento de medidas cautelares destinadas a impedir a irreparabilidade de um dano em relação às pessoas, bens e obrigação de dar, de fazer ou de não fazer. Artigo 2 A medida cautelar poderá ser solicitada em processos ordinários, de execução, especiais ou extraordinários, de natureza civil, comercial, trabalhista e em processos penais, quanto à reparação civil. Artigo 3 Admitir-se-ão medidas cautelares preparatórias, incidentais de uma ação principal e as que garantam a execução de uma sentença. Sérgio Mourão Corrêa Lima 226 ÂMBITO DE APLICAÇÃO Artigo 4 As autoridades jurisdicionais dos Estados-Partes do Tratado de Assunção darão cumprimento às medidas cautelares decretadas por Juízes ou Tribunais de outros Estados-Partes, competentes na esfera internacional, adotando as providências necessárias, de acordo com a lei do lugar onde estejam situados os bens ou residam as pessoas objeto da medida. LEI APLICÁVEL Artigo 5 A admissibilidade da medida cautelar será regulada pelas leis e julgada pelos Juízes ou Tribunais do Estado requerente. Artigo 6 A execução da medida cautelar e sua contracautela ou respectiva garantia, serão processadas pelos Juízes ou Tribunais do Estado requerido, segundo suas leis. Artigo 7 Serão também Estado requerido: regidas pelas leis e julgadas pelos Juízes ou Tribunais a) as modificações que no curso do processo, se justificarem to cumprimento e, se for o caso, sua redução ou sua substituição; b) as sanções em decorrência c) as questões relativas da litigância do para seu corre- de má-fé; a domínio e demais direitos reais. Artigo 8 O Juiz ou Tribunal do Estado requerido poderá recusar cumprimento ou, se for o caso, determinar o levantamento da medida, quando verificada sua absoluta improcedência, nos termos deste Protocolo. OPOSiÇÃO Artigo 9 O presumido devedor da obrigação ou terceiros interessados que se consideram prejudicados, poderão opor-se à medida perante a autoridade judicial requerida. Sem prejuízo da manutenção da medida cautelar, dita autoridade restituirá o procedimento ao Juiz ou Tribunal de origem, para que decida sobre a oposição segundo suas leis, com exceção do disposto na alínea c do artigo 7. Tratados Internacionais no Brasil e Integração AUTONOMIA 227 DA COOPERAÇÃO CAUTELAR Artigo lO O cumprimento de uma medida cautelar pela autoridade jurisdicional requerida não implica o compromisso de reconhecimento ou execução da sentença definitiva estrangeira proferida no processo principal. COOPERAÇÃO CAUTELAR NA EXECUÇÃO DA SENTENÇA Artigo II O Juiz ou Tribunal, a quem for solicitado o cumprimento de uma sentença estrangeira, poderá determinar as medidas cautelares garantidoras da execução, de conformidade com as suas leis. MEDIDAS CAUTELARES EM MATÉRIA DE MENORES Artigo 12 Quando a medida cautelar se referir à custódia de menores, o Juiz ou Tribunal do Estado requerido poderá limitar o alcance da medida exclusivamente ao seu território, a espera da decisão do Juiz ou Tribunal do processo principal. INTERPOSIÇÃO DA DEMANDA NO PROCESSO PRINCIPAL Artigo 13 A interposição da demanda no processo principal, fora do prazo previsto na legislação do Estado requerente, produzirá a plena ineficácia da medida cautelar preparatória concedida. OBRIGAÇÃO DE INFORMAR Artigo 14 O Juiz ou Tribunal do Estado requerente comunicará ao Estado requerido: a) ao transmitir a rogatória, o prazo - contado a partir da efetivação da medida cautelar - dentro do qual o pedido da ação principal deverá ser apresentado ou interposto; b) o mais breve possível, a data da apresentação, demanda no processo principal. ou a não apresentação da Artigo 15 O Juiz ou Tribunal do Estado requerido comunicará, imediatamente, ao Estado requerente, a data em que foi dado cumprimento à medida cautelar solicitada, ou as razões pelas quais deixou de ser cumprida. 228 Sérgio Mourão Corrêa Lima COOPERAÇÃO INTERNA Artigo 16 Se a autoridade jurisdicional requerida se julgar incompetente para proceder o trâmite da carta rogatória, transmitirá de ofício os documentos e antecedentes do caso à autoridade jurisdicional competente do seu Estado. ORDEM PÚBLICA Artigo 17 A autoridade jurisdicional do Estado requerido poderá recusar o cumprimento de uma carta rogatória referente a medidas cautelares, quando estas sejam manifestamente contrárias a sua ordem pública. MEIO EMPREGADO PARA A FORMULAÇÃO Artigo DO PEDIDO 18 A solicitação de medidas cautelares será formulada através de "exhortos"ou cartas rogatórias, termos equivalentes para os fins do presente Protocolo. TRANSMISSÃO DE DILIGENCIAMENTO Artigo 19 A carta rogatória relativa ao cumprimento de uma medida cautelar será transmitida pela via diplomática ou consular, por intermédio da respectiva Autoridade Central das partes interessadas. Quando a transmissão seja efetuada pela via diplomática ou consular, ou por intermédio das autoridades centrais, não exigirá o requisito da legalização. Quando a carta rogatória for encaminhada por intermédio da parte interessada, deverá ser legalizada perante os agentes diplomáticos ou consulares do Estado requerido, salvo se, entre os Estados requerente e requerido, haja sido, suprimido o requisito da legalização ou substituido por outra formalidade. Os Juízes ou Tribunais das zonas fronteiriças dos Estados-Partes poderão transmitir-se, de forma direta, ou "exhortos" ou cartas rogatórias previstos neste Protocolo, sem necessidade de legalização. Não será aplicado no cumprimento das medidas cautelares homologatório das sentenças estrangeiras. AUTORIDADE o procedimento CENTRAL Artigo 20 Cada Estado-Parte designará uma Autoridade Central encarregada ber e transmitir as solicitações de cooperação cautelar. de rece- 229 Tratados Internacionais no Brasil e Integração DOCUMENTOS E INFORMAÇÕES Artigo 21 As cartas rogatórias a) a identificação e o domicílio do Juiz ou Tribunal que determinou b) cópia autenticada se houver; c) documentação conterão: a ordem; da petição da medida cautelar, e da demanda principal, que fundamentem d) ordem fundamentada a petição; que determine a medida cautelar; e) informação acerca das normas que estabeleçam algum procedimento pecial que autoridade jurisdicional requeira ou solicite que se observe; e es- f) indicação da pessoa que no Estado requerido deverá arcar com os gastos e custas judiciais devidas, salvos as exceções previstas no artigo 25. Será facultativo à autoridade do Estado requerido dar tramitação à carta rogatória que careça de indicação acerca da pessoa que deva atender às despesas e custas, quando ocorrerem. As cartas rogatórias e os documentos que as acompanham deverão estar revestidos das formalidades externas necessárias para serem considerados autênticos no Estado de onde procedam. A medida cautelar será cumprida, a não ser que lhe faltem requisitos, documentos ou informações consideradas fundamentais, que tornem inadmissível sua procedência. Nesta hipótese, o Juiz ou Tribunal requerido comunicar-se-á imediatamente com o requerente, para que, com urgência, sejam sanados os referidos defeitos. Artigo 22 Quando as circunstâncias do caso o justifiquem, de acordo com a apreciação do Juiz ou Tribunal requerente, a rogatória informará acerca da existência e do domicílio das defensorias de ofício competentes. TRADUÇÃO Artigo 23 As cartas rogatórias e os documentos que as acompanham deverão ser redigidos no idioma do Estado requerente e serão acompanhados de uma tradução no idioma do Estado requerido. CUSTAS E DESPESAS Artigo 24 As custas judiciais e demais solicitante da medida cautelar. despesas serão responsabilidade da parte 230 Sérgio Mourão Corrêa Lima Artigo 25 Ficam executadas das obrigações estabelecidas no artigo anterior, as medidas cautelares requeridas em matéria de alimentos provisionais, localização e restituição de menores, e aquelas que solicitem as pessoas que, no Estado requerente, tenham obtido o benefício das justiça gratuita. DAS DISPOSIÇÕES FINAIS Artigo 26 Este protocolo não restringirá a aplicação de disposições mais favoráveis para a cooperação contidas em outras Convenções sobre medidas cautelares que estejam em vigor com caráter bilateral ou multilateral entre os Estados-Partes. Artigo 27 As controvérsias que surgirem entre os Estados-partes em decorrência da aplicação, interpretação ou descumprimento das disposições contidas no presente Protocolo serão resolvidas mediante as negociações diplomáticas diretas. Se, mediante tais negociações, não se alcançar acordo ou se a controvérsia só for solucionada parcialmente, aplicar-se-ão os procedimentos previstos no Sistema de Soluções de Controvérsias vigente entre os Estados-Partes do Tratado de Assunção. Artigo 28 Os Estados-Partes ao depositar o instrumento de ratificação ao presente Protocolo comunicarão a designação da Autoridade Central ao Governo depositário, o qual será de conhecimento aos demais Estados-Partes. Artigo 29 O presente Protocolo, parte integrante do Tratado de Assunção, será submetido aos procedimentos constitucionais de aprovação de cada Estado-Parte e entrará em vigor trinta (30) dias depois do depósito do segundo instrumento de ratificação, com relação aos dois primeiros Estados-Partes que o ratifiquem. Para os demais signatários, entrará em vigor no trigésimo dia posterior ao depósito do respectivo instrumento de ratificação. Artigo 30 A adesão por parte de um Estado ao Tratado de Assunção implicará de pleno direito a adesão ao presente Protocolo. Artigo 31 O Governo da República do Paraguai será depositário do presente Protocolo e dos instrumentos de ratificação e enviará cópias devidamente autenticadas dos mesmos aos Governos dos demais Estados-Partes. Tratados Internacionais no Brasil e Integração 231 Outrossim, o Governo da República do Paraguai notificará aos Governos dos demais Estados-Partes da data de entrada em vigor do presente Protocolo e a data do depósito dos instrumentos de ratificação. Feito na cidade de Ouro Preto, em 16 de dezembro de mil novecentos e noventa e quatro, em um original, nos idiomas português e espanhol, sendo ambos os textos igualmente autênticos.