Quanto mais, melhor
Para Lucas Medeiros, analista de governança corporativa para
a América Latina da consultoria norte-americana RiskMetrics,
a publicação dos ganhos individuais dos principais dirigentes de
companhias abertas é uma questão de transparência:
A separação entre os acionistas das companhias e seus administradores cria uma
“
potencial divergência de interesses entre mandantes (acionistas) e os mandatários
(administradores). Tal fenômeno será cada vez mais frequente no Brasil com a pulverização
do capital das companhias. Esse problema de agência (“agency problem”), como é
chamado, é fundamental ao estudo da governança corporativa. O que comumente
pensamos como melhores práticas de governança são, simplesmente, formas de minimizar
esse conflito. A adoção de práticas que seguem os princípios de transparência e prestação
de contas é importantíssima para que se reduza esse custo de agência.
”
Existem obstáculos que dificultam o acesso dos acionistas às informações sobre a
“
administração da companhia. É natural que haja obstáculos porque é necessário que se
mantenham certas informações de importância estratégica em sigilo. Isso, porém, tem
o efeito nocivo de limitar o nível de transparência e diminuir a habilidade do acionista
de administrar, mesmo que indiretamente, seus bens. Dadas as dificuldades intrínsecas
causadas pela separação entre acionistas e administradores, é essencial que as companhias
sejam o mais transparente possível para que os investidores possam requerer uma prestação
de contas por parte dos executivos. Diria então que a publicação da remuneração dos
administradores aproximaria o Brasil das melhores práticas de governança. Além disso,
como não creio que a publicação dessas informações prejudique a companhia, diria que
o acesso a essa informação deveria ser um direito básico do acionista.
”
A divulgação da remuneração individual dos administradores melhoraria a percepção
“
dos investidores estrangeiros a respeito da governança corporativa praticada no Brasil.
Afinal, muitos deles já estão acostumados a ter acesso a esse tipo de dados. Teoricamente,
isso poderia aumentar o interesse de investidores no mercado nacional e, consequentemente,
ampliar as alternativas de financiamento para empresas brasileiras.
”
Também permite que o acionista identifique certas características, ou até potenciais
“
problemas, com a estrutura de governança da companhia. Por exemplo, se existe uma
grande diferença entre a remuneração do diretor presidente e os demais diretores da
companhia, é provável que a companhia não esteja adequadamente preparada para
promover alguém para o cargo de diretor presidente, se isso se tornar necessário. A
divulgação da remuneração de cada administador da companhia poderia ajudar o acionista
a entender melhor quem, dentre os administradores, é o mais responsável pelos sucessos
e fracassos da companhia. Por exemplo, se o presidente do conselho de administração
ganha mais do que o diretor presidente, isso pode indicar que quem realmente manda
na companhia é o presidente do conselho, e não o diretor presidente. A divulgação da
remuneração individual dos administradores possibilita também que o acionista avalie
se a responsabilidade de cada administrador é compatível com sua remuneração. Por
exemplo, acionistas poderiam se perguntar se os conselheiros deveriam ganhar mais, por
causa do alto nível de remuneração entre os diretores. Ou também se perguntar até que
ponto um conselheiro classificado como independente deveria realmente ser considerado
independente. É claro que é difícil responder o quanto cada administrador deve ganhar,
mas, mesmo assim, o acionista deveria ter o direito de contemplar essas questões.
”
Essa ideia de que não existem respostas fáceis e claras para questões de governança
“
levanta uma das possíveis deficiências do relatório proposto pela CVM. Apesar do
Formulário de Referência conter um item em que as companhias devem “descrever” sua
política de remuneração, esse item deveria ser usado não só para descrever, mas também
justificar as políticas de remuneração. Isso permitiria aos acionistas avaliar se as práticas
de remuneração da companhia estão de acordo com os objetivos de sua política. Essa
justificativa seria talvez tão importante quanto a publicação de dados mais detalhados.
Em outras palavras, os números precisam ser contextualizados.
”
A publicação da remuneração individual de diretores nos Estados Unidos se tornou
“
comum no início dos anos 90, quando acionistas começaram a se preocupar com os
níveis de remuneração paga para altos executivos de companhias. O pensamento então
era que a maior transparência sobre a remuneração dos diretores ajudaria os acionistas
a monitorar e, quando necessário, conter aumentos salariais. Porém, o efeito acabou
sendo o inverso do que se esperava. O desejo por parte das companhias de sempre
oferecer uma remuneração acima da média acabou gradualmente puxando a remuneração
dos diretores para níveis ainda mais altos. No entanto, no contexto econômico atual
(pós-crise econômica mundial), é possível que haja pressão para que a remuneração dos
diretores seja mais baixa. Portanto, uma maior transparência da remuneração individual
dos administradores pode muito bem, especialmente no curto prazo, ter o efeito de
baixar os níveis de remuneração no Brasil.
”
A resistência contra a divulgação da remuneração individual de diretores na Alemanha
“
tem, provavelmente, a mesma fonte da que ocorre na França. A resistência tem uma
base universal, que é o desejo a privacidade, e uma base cultural, criada pelo forte
sentimento solidário ou espírito social que (ainda) existe entre a população de muitos
países europeus. Num contexto em que a importância do bem social é reforçada pela
cultura e pelas políticas do governo, a revelação de salários muito acima do normal, pode
ser constrangedora.
”
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