CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 04 (01 e 02): 15-21, 2006 MAGNETOELETROQUÍMICA: VISUALIZAÇÃO DO EFEITO DA FORÇA MAGNÉTICA EM ÍONS – UM EXPERIMENTO DE BAIXO-CUSTO Levada, C. L.; Lautenschleguer, I. J.; Maceti, H. Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências / ISE – Uniararas I. INTRODUÇÃO Essa área do conhecimento, em geral, é designada por magnetohidrodinâmica [MHD], cujo objeto de estudo é o movimento de fluidos condutores submetidos à influência de campos eletromagnéticos. A MHD une conceitos da dinâmica dos fluidos e eletromagnetismo, isto é, a ação de campos eletromagnéticos sobre fluidos portadores de carga elétrica. Aplica-se, de modo particular, numa solução iônica, na qual a corrente elétrica é transportada por ı́ons, que se movem sob ação de um campo elétrico uniforme. A mobilidade iônica está associada com a ~ e da fem ε). Nessas condições, energia potencial elétrica (função da carga q, do campo elétrico E partı́culas no interior da solução terão trajetória retilı́nea. Entretanto, sob ação de um campo * ~ = q V × B, ~ magnético uniforme, a velocidade de migração dos ı́ons sofre ação de uma força, F que atua como resultante centrı́peta (Fcp = mV 2 R ), fazendo com que o escoamento das partı́culas adquira uma curvatura, tendendo a descrever um movimento circular uniforme (MCU). Este trabalho tem como objetivo apresentar uma experiência simples onde se possa observar o efeito da rotacionalidade da força magnética, através de um experimento de baixo-custo, facilmente reproduzido em escolas de ensino médio. 15 Levada, C. L. et alli CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 04, (01 e 02): II. 15-21, 2006 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA O inglês Michael Faraday (1791 - 1867) foi o pioneiro a testar a hipótese da indução magnética em fluidos com condutividade, ao tentar avaliar a velocidade de um rio, medindo a fem induzida (ε = BLv), pela ação do campo magnético, B, da terra sobre o fluxo de água, com velocidade v, considerado como portador de ı́ons, isto é, com alguma condutividade1 . Na literatura especializada surgem nomes de pioneiros como Maecker (1955), Zhigulev (1960) e Amson (1965), apud Maunssel e Missiato (1998), que reconhecem a grandeza e a importância dos intensos movimentos gerados pela ação de um campo magnético aplicado em cargas elétricas que se movimentam em fluidos. De acordo com o levantamento bibliográfico de Maunssel e Missiato (1998), o trabalho que realmente fornece um suporte teórico ao movimento dos fluidos impulsionados por uma fonte de corrente elétrica é devido a Shercliff (1970) que, entre inúmeros comentários e deduções, nos chama atenção para o fato de que “é a rotacionalidade da força magnética que determina o movimento do fluido”. Baseado nesses estudos e, principalmente na frase de Shercliff, procurou-se adaptar esse tema para práticas de ensino de ciências, com o objetivo de enfatizar o caráter da rotacionalidade da força magnética. III. A FORÇA DE LORENTZ Entendemos que a forma mais simples de obter uma corrente de ı́ons é por meio de uma eletrólise (reação de oxi-redução que é provocada pela corrente elétrica). Para completar a proposta, sugerimos a colocação de um imã sobre o qual a cuba eletrolı́tica deve ser apoiada. Na solução iônica, os portadores de carga [ı́ons positivos e negativos] se movem em sentidos opostos, sob ação de um campo elétrico uniforme. A velocidade desses ı́ons está associada com a energia potencial elétrica (Ep ) que é função da carga iônica e da força eletromotriz da fonte de tensão aplicada ( Ep = qε ). Essa energia potencial é transformada em energia cinética (Ep = EC ), através da relação qε = 12 mV 2 , onde m é a massa da partı́cula. Nessas condições, um feixe iônico no interior da solução apresentará uma trajetória aproximadamente retilı́nea. 1 HALLIDAY, D.; RESNICK, R. E KRANE, K. – Fı́sica 3 – 5a ed. – 2004 / LTC, p. 233 16 CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 04, (01 e 02): 15-21, 2006 Magnetoeletroquı́mica ... Na presença de um campo magnético, as cargas em movimento sofrem a ação de outra força, ~ = qV ~ × B. ~ Nesse caso, o deslocamento das partı́culas adquire a magnética, expressa por F uma curvatura, tendendo ao movimento circular uniforme, visto que a força defletora, de origem magnética, atua como resultante centrı́peta. Se, ao invés de uma partı́cula, considerarmos o fluido condutor, é conveniente utilizarmos os conceitos de densidade de corrente, ~j , (corrente por unidade de área) e densidade de força, f~, (força por unidade de volume). Isto posto, a força de Lorentz pode ser escrita como: ~. f~ = ~j × B (1) A grandeza ~j pode ser obtida por meio da relação ~ , ~j = ρV ~ a velocidade do fluido. sendo ρ a densidade volumétrica de carga e V IV. MATERIAIS E MÉTODOS O material utilizado consistiu-se de: • 1 fonte de tensão contı́nua LABO 30V–1,5A • 1 béquer de 1000 ml • 1 tripé • 2 rolhas de borracha • 1 eletrodo de zinco • 1 eletrodo de cobre • 1 solução 0,68 g/l de HCl • 1 imã em forma de ferradura (extraı́do de uma válvula magnetron) • 2 conectores elétricos (tipo jacaré) 17 (2) Levada, C. L. et alli CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 04, (01 e 02): 15-21, 2006 • 1 tubo de corante (amarelo ou vermelho). Prepara-se a solução aquosa acidulada de 0,68 g/l de HCl, na qual são inseridos o eletrodo de zinco (Zn) e o eletrodo de cobre (Cu) conectados a uma fonte de tensão contı́nua, através dos conectores tipo jacaré. Para efetuar essa conexão foram utilizadas duas rolhas de borracha como suporte aos eletrodos. Em seguida, coloca-se essa célula adequadamente apoiada sobre o ~ fique perpendicular à base tripé e, debaixo desse, o imã, de forma que o campo magnético (B) do béquer e cada pólo do ı́mã (em forma de ferradura) fique paralelo aos eletrodos, conforme a ilustração indicada na figura 1. Nesta configuração é possı́vel verificar as semi-equações da reação. + − HCl(aq) H(aq) + Cl(aq) Zn0 → Zn2+ + 2e− (0xi) 2H+ + 2e− → H2 (red) onde o zinco é oxidado, formando ı́on zinco (Zn2+ ) e 2 e− . Fig. 1: Montagem de uma experiência simples capaz de permitir a visualização de vórtices. Ao ligarmos a fonte de tensão com cerca de 20 V, cria-se um vórtice na solução que é melhor visualizado ao colocarmos algumas gotas de corante na solução (Figura 2). 18 CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 04, (01 e 02): 15-21, 2006 Magnetoeletroquı́mica ... Fig. 2: Visualização dos vórtices gerados após se acionar a fonte de tensão. Tanto a corrente de cátions quanto a corrente de ânions influenciam no movimento global das cargas no fluido (Figura 3). Fig. 3: Esquema de Funcionamento do dispositivo MHD. 19 Levada, C. L. et alli CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 04, (01 e 02): V. 15-21, 2006 CONCLUSÃO A observação da vorticidade no escoamento do fluido ionizado caracteriza a ação da força magnética como força defletora entre os ı́ons, como previsto na teoria. Esta maneira de enfocar o efeito nos parece mais simples e de maior praticidade quando comparada com outras propostas do gênero. Experiências minuciosas, talvez possibilitem a avaliação dos parâmetros fı́sicos envolvidos no fenômeno, tais como, a velocidade de migração dos ı́ons, o raio de curvatura, bem como a massa das partı́culas ionizadas. Ademais, trata-se de um experimento de natureza interdisciplinar, indicado para as áreas de fı́sica geral, ensino de fı́sica e quı́mica. Realizando-se a eletrólise dessa maneira, isto é, submetendo-se o conjunto a um campo magnético fixo, percebe-se a formação de vórtices próximos ao eletrodo de cobre, espalhandose para o interior da solução, girando no sentido anti-horário, o que foi perfeitamente visualizado – figura 2 - com auxı́lio de um corante [o eletrodo de cobre foi negativamente polarizado]. Um vórtice muito intenso foi produzido pela ação de um campo magnético da ordem de 0,5 tesla sobre uma solução condutora de água salgada [água do mar], onde a tensão usada foi da ordem de 40 volts e corrente aproximadamente igual a 5 ampères, com eletrodos de ouro e latão. Isso provocou freqüências superiores a 1000 rpm, nas proximidades da superfı́cie, A principal vantagem desse método é tornar visı́vel aos alunos a natureza rotacional da força magnética, estudada apenas teoricamente nas instituições de ensino médio. Trata-se de uma experiência muito simples e que pode perfeitamente ser utilizada por professores do ensino médio, uma vez que os assuntos são abordados nas aulas de quı́mica e fı́sica. Através deste experimento, vislumbram-se novas possibilidades de pesquisa em eletroquı́mica, especialmente no que se refere ao estudo de ácidos e bases, por meio da medida da velocidade de rotação dos vórtices. Este estudo vem sendo desenvolvido pelo grupo de pesquisa em ensino de Ciências do Centro Universitário Hermı́nio Ometto – Uniararas. VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] Maunssel, M. e Missiato, O. Criação de um vórtice na água do mar por MHD. Anais do XV Congresso Bras. de Eng. Mecânica, 1999. [2] Shercliff, J. A. J. Fluid Mech. 40, 2, p. 241-50, 1970. [3] Castellan, G. Fı́sico Quı́mica 2. Ao Livro Técnico S/A, Rio de Janeiro, 1973. [4] Missiato, O. Criação de um Vórtice Magnetohidrodinâmico na Água do Mar. Tese de 20 CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 04, (01 e 02): 15-21, 2006 Magnetoeletroquı́mica ... doutorado, USP-São Carlos, Engenharia Mecânica, 1998. [5] Halliday, D., Resnick, R. e Krane, K. Fı́sica 3. 5a ed. LTC, 2004. SOBRE OS AUTORES Celso Luı́s Levada - Doutor em Quı́mica pela USP, é Professor Associado da Academia da Força Aérea, AFA. e-mail: [email protected] Ivan José Lautenschleguer - Doutor em Fı́sica pelo IFT-UNESP, com Pós-Doutorado pela USP, é Professor Titular do Centro Universitário Hermı́nio Ometto, Araras-SP e-mail: [email protected] Huemerson Maceti - Mestre em Fı́sica pela UNESP, é Professor de Fı́sica no Ensino Médio e Coordenador Pedagógico do Centro Universitário Hermı́nio Ometto, Araras-SP e-mail: [email protected] e-mail: [email protected] e-mail: [email protected] 21