DESENVOLVIMENTO, APRENDIZAGEM E AFETIVIDADE: RELAÇÕES INTERPESSOAIS, AUTO-ESTIMA E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO Celso Zonta Marisa Meira De todos os conhecimentos, da geografia à matemática, esperam-se ressonâncias afetivas. Todos sabemos que, para o aluno, o conhecimento é trazido pelo afetivo: ele aprende realmente bem o que o cativa, numa atmosfera de aula que lhe parece segura, com um professor que sabe criar afinidades. Eis porque a escola, ao mesmo tempo, tem necessidades de conciliar o intelectual e o afetivo, e constitui um local privilegiado para essa conciliação. (SNYDERS, 1993, p. 92) A escola é a instância socializadora do conhecimento historicamente acumulado e a finalidade da ação docente se concretiza na tarefa de ensinar bem. Isso requer que o professor selecione tanto os elementos culturais que precisam ser assimilados pelos alunos, quanto as formas mais adequadas para atingir esse objetivo. De acordo com Saviani (1992), os educadores devem buscar nortear sua ação a partir de três objetivos fundamentais: a identificação das formas mais desenvolvidas em que se exprime o saber objetivo socialmente produzido; a transformação deste saber objetivo em saber escolar que possa ser assimilado pelo conjunto dos alunos; e a garantia das condições necessárias para que eles não apenas se apropriem do conhecimento, mas ainda elevem seu nível de compreensão sobre a realidade. Entretanto, a tarefa docente vai muito mais além, já que, após ter definido os conteúdos e delimitado a metodologia e os recursos pedagógicos a serem utilizados, o professor ainda tem de enfrentar um novo desafio: o de construir relações interpessoais e vínculos positivos com seus alunos. O tema das relações entre desenvolvimento, aprendizagem e afetividade vem ocupando cada vez mais espaço nos meios educacionais, e a importância de se considerar as relações entre processos intelectuais e afetivos tem sido analisado por vários autores. Todos os estudos que vêm sendo realizados indicam que existe uma clara correspondência entre a qualidade das práticas pedagógicas e os diferentes tipos de relações interpessoais que se estabelecem quotidianamente entre professores e alunos. Isso significa que as diferentes maneiras através das quais se constrói o encontro entre professores e alunos, no espaço concreto da sala de aula, produzem conseqüências importantes para o trabalho educativo. Nesta Unidade, tratamos dos efeitos das relações interpessoais para a auto-estima e para o processo de construção da relação dos alunos com os objetos de conhecimento. Relações interpessoais e auto-estima Quando desempenha sua função docente, o professor não está apenas ensinando determinados conteúdos, mas também, e fundamentalmente, está formando indivíduos, já que mais do que apenas um processo intersubjetivo, as relações interpessoais expressam toda uma rede de valores sociais que nem sempre são inteiramente percebidos e desvelados. A atividade educacional envolve um processo de formação que se orienta, principalmente, pela maneira como o professor concebe sua função e de como percebe os seus alunos, o que pode gerar um círculo vicioso no qual aqueles que têm qualidades valorizadas tendem a acentuá-las e os que não as possuem, tendem a ser excluídos, direta ou indiretamente. Dessa forma, “os bons tornam-se cada vez melhores e os ‘maus’ cada vez piores” (LEITE, 1997, p. 313). O papel desempenhado pela expectativa do professor em relação ao desempenho dos alunos tornou-se bastante conhecido desde a publicação dos trabalhos realizados por Rosenthal e Jacobson (1981). No estudo, considerado um clássico em nossos meios, os autores apresentaram vários dados provenientes de diferentes pesquisas, e concluíram que as expectativas funcionam como uma profecia que se auto-realiza, o que significa que o professor pode conseguir menos resultados quando espera menos de seus alunos. Para os alunos, as conseqüências das expectativas negativas são nefastas. O desejo inicial de aprender, certamente presente em todos os que ingressam na escola, vai aos poucos desaparecendo. No decorrer do ano letivo, eles vão desistindo de aprender porque, de certa forma, não pertencem mais ao espaço da sala de aula. Embora estejam ali ainda, já lhes falta algo essencial: a convicção de que são competentes e capazes. Tudo o que ocorre na escola tem efeitos na construção da autoestima dos alunos e também dos professores, tanto no sentido de potencializar sentimentos de confiança e competência, como no sentido de produzir sentimentos de frustração e fracasso. Desde o nascimento, os indivíduos são inseridos em situações nas quais são avaliados por outras pessoas (família, amigos, professores etc.) e passam por atribuições de valores positivos e negativos. E é pela determinação dessas experiências e do significado que atribuem a elas que vão construindo sua auto-estima. A percepção positiva das próprias qualidades faz com que as pessoas desenvolvam suas atividades com mais confiança, o que aumenta suas chances de obter sucesso. Como destaca Franco (2006), a auto-estima não é natural ou inata, ela expressa uma valoração que o indivíduo faz de si mesmo, em função das relações que mantém com o mundo. Para a autora, é possível que novas experiências produzam modificações em nossa auto-estima, mas alerta para o fato de que algumas experiências escolares podem ser tão marcadamente negativas que, mesmo diante de novas circunstâncias, continuem a predominar sentimentos de fracasso. As relações interpessoais podem se constituir tanto em fontes de independência, autonomia, reciprocidade e tomada de consciência, quanto em dependência, dominação, alienação e subalternidade. Entretanto, relações humanas e humanizadoras não emergem de forma espontânea ou natural nas salas de aula, elas precisam ser intencionalmente construídas. Quando professores e alunos não se envolvem de maneira firme e consciente com a construção de relações recíprocas de respeito, cooperação e solidariedade, reforça-se o circuito de alienação, que tende a expressar-se na sala de aula das mais diferentes formas: a dificuldade que tem o professor de construir, junto com os alunos, regras e normas coletivas é o que o leva ora ao autoritarismo, ora ao abandono da autoridade; é o que propicia o predomínio de climas defensivos, já que tanto alunos quanto professores sentem-se ameaçados; é o que gera a agressividade; a indisciplina; a apatia; a violência etc. Alves (1996, p.16), de uma forma muito interessante, nos convida a pensar nos professores como cozinheiras preparando seus pratos: Olho para a educação com olhos de cozinheira e me pergunto: que comidas se preparam com os corpos e mentes das crianças e adolescentes nestes imensos caldeirões chamados escolas? Que sabor estará sendo preparado? Utilizando a simbologia na citação acima, podemos nos perguntar: que “ingredientes” são colocados cotidianamente através de nossas atitudes, da metodologia de ensino que adotamos, dos conteúdos que ensinamos, dos materiais didáticos que utilizamos, no “caldeirão” das escolas? Que “pratos” poderão ser servidos como resultado dessas ações? Será que são utilizados os ingredientes adequados para se obter uma comida saborosa, ou estaremos produzindo pratos intragáveis que ninguém vai querer provar? Relações interpessoais e o processo de construção da relação dos alunos com o conhecimento As relações interpessoais também constituem-se em condições importantes que podem garantir a aprendizagem dos alunos. Isto significa que um dos determinantes fundamentais de processos educativos qualitativamente superiores é a construção de relações interpessoais que favoreçam a socialização, a apropriação e a construção do conhecimento e o desenvolvimento das potencialidades humanas de alunos e professores. Assim, o professor pode ajudar os alunos a desenvolverem seu pensar na medida em que compreende que cada um carrega uma série de possibilidades que podem ser continuamente ampliadas através das relações sociais que se estabelecem no interior do processo de construção do trabalho educativo. Como destaca Tassoni (2001), as experiências vividas em sala de aula determinam a natureza afetiva da relação do aluno com o objeto de conhecimento, a qual pode ser positiva ou negativa. Isso significa que a qualidade da mediação desenvolvida pelos professores gera sentimentos que não só promovem a construção do conhecimento, mas ainda produzem marcas no objeto a ser conhecido. O professor é, antes de mais nada, um agente humanizador, pois é através de seu trabalho que o sujeito humano se encontra com a educação. E é a partir das relações humanizadoras que constroem com os alunos e das oportunidades que oferecem para que eles também possam interagir entre si de forma solidária e participante que os professores podem, de fato, se constituir em elementos mediadores que vão garantir às novas gerações o acesso ao saber. Referências: ALVES, R. Sobre os professores e as cozinheiras. São Paulo: O Estado de São Paulo, 11 jun. 1996, p. D2. LEITE, D. L. Educação e relações interpessoais. In: PATTO, M. H. (org.) Introdução à Psicologia Escolar. São Paulo: T. A. Queiroz Editora, 3ª ed., 1997. p. 301-328. FRANCO, A. F. A construção social da auto-estima de alunos que viveram histórias de fracasso no processo de escolarização. São Paulo, Tese (Doutorado), Programa de Pós-Graduação em Educação: Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006. ROSENTHAL, R.; JACOBSON, L. Profecias auto-realizadoras na sala de aula: as expectativas dos professores como determinantes não intencionais da capacidade intelectual dos alunos. In: PATTO, M. H. (org.) Introdução à Psicologia Escolar. São Paulo: T. A. Queiroz Editora, 1981. p. 258-295. SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica — primeiras aproximações. 3ª ed. São Paulo: Editora Cortez/Editores Associados, 1992. SNYDERS, G. Alunos Felizes. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1993. TASSONI, E. C. M. A afetividade e o processo de apropriação da linguagem escrita. In: LEITE, S. A. S. (org.) Alfabetização e Letramento. Campinas, São Paulo: Editora Komedi: Arte Escrita, 2001. p. 223-260.