Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos 1. Mandado de segurança – análise pontual da Lei 12.016/09 Este diploma recém publicado veio substituir todas as normas que versavam especificamente sobre o mandado de segurança, concentrando em si toda a regulamentação desta ação constitucional. É importante, portanto, proceder a uma análise breve de todas as alterações e possíveis repercussões desta nova lei, revendo os artigos pontualmente. O artigo 1º já apresenta inovações: “Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. § 1º Equiparam-se às autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições. § 2º Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público. § 3º Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança.” O caput contempla expressamente a pessoa jurídica como legitimada ao mandamus, pondo fim a uma controvérsia sobre o tema, pois havia corrente, já minoritária, que defendia que, como garantia constitucional individual, o mandado de segurança não importava à pessoa jurídica, mas somente aos indivíduos, pessoas naturais. A corrente que defendia a legitimação da pessoa jurídica alegava, com acerto, que a CRFB prevê um rol mínimo de garantias, e a legislação ampliativa de tais garantias é sempre bem vinda, pelo que a legitimação da pessoa jurídica é possível. A novel norma acompanhou a melhor orientação. O § 1º do artigo supra considera equiparados a autoridades públicas os representantes de órgãos ou partidos políticos, para fins de impetração do mandamus. Originalmente, a Lei 1.533/51 já previa assim, tendo sido excluída esta equiparação em alteração posterior, e agora, na novel legislação, veio novamente ao elenco de autoridades. O § 2º deste artigo exclui cabimento do mandado de segurança para reclamar dos atos de gestão comercial. Esta previsão seria até mesmo dispensável, porque por definição só pode ser considerado ato de autoridade, alvejável por mandado, aquele em que o Estado, ou equiparado, atua com as prerrogativas do Poder Público, coativa e compulsoriamente – o que não ocorre nos atos de gestão comercial, por óbvio. O § 3º do artigo 1º determina que quando várias pessoas detiverem o mesmo direito, qualquer uma delas tem legitimidade ativa para impetrar o mandado de segurança. É uma outra previsão que seria dispensável, eis que a própria natureza da definição de legitimação ordinária permitiria concluir o que ali está escrito. Avançando para o artigo 4º da Lei 12.016/09, vê-se, aí sim, uma boa inovação: Michell Nunes Midlej Maron 1 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos “Art. 4º Em caso de urgência, é permitido, observados os requisitos legais, impetrar mandado de segurança por telegrama, radiograma, fax ou outro meio eletrônico de autenticidade comprovada. § 1º Poderá o juiz, em caso de urgência, notificar a autoridade por telegrama, radiograma ou outro meio que assegure a autenticidade do documento e a imediata ciência pela autoridade. § 2º O texto original da petição deverá ser apresentado nos 5 (cinco) dias úteis seguintes. § 3º Para os fins deste artigo, em se tratando de documento eletrônico, serão observadas as regras da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICPBrasil.” Vê-se uma tendência a minimizar as formalidades no rito do mandado de segurança, a exemplo do que se passa desde sempre no habeas corpus. O artigo 5º da lei em estudo é bastante criticado: “Art. 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; III - de decisão judicial transitada em julgado. Parágrafo único. (VETADO)” O entendimento majoritário acerca deste dispositivo, que já era rechaçado na vigência da Lei 1.533/51, é de que é claramente inconstitucional, eis que se trata de redução de garantia constitucional, o que não é dado ao legislador infraconstitucional fazer. Se a CRFB não limita o cabimento nos casos ali expressos, a lei não pode fazê-lo. Debalde esta crítica, ao menos o inciso II do artigo supra é louvável, desde que interpretado corretamente. Ali, consagrou-se o entendimento judicial de que se a decisão é irrecorrível, o mandamus é cabível – devendo ser ignorada a limitação referente ao efeito do recurso. Cabendo qualquer recurso, a decisão não pode ser atacada por mandado de segurança. O artigo 6º da Lei 12.016/09 apresenta os requisitos da peça inicial do mandado de segurança, no caput, e ali traz uma outra previsão redundante: a parte final do caput estabelece que será indicada a autoridade coatora e a pessoa jurídica que esta integra, é vinculada ou representa. Ora, a pessoa jurídica é quem deve ser apontada como ré do processo do writ, pelo que é uma indicação absolutamente necessária. E mais: a autoridade é supostamente coatora, porque somente ao final será esta confirmada como coatora, se for procedente o mandamus, ou não será coatora, se for improcedente. Veja: “Art. 6º A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que instruírem a primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições. § 1º No caso em que o documento necessário à prova do alegado se ache em repartição ou estabelecimento público ou em poder de autoridade que se recuse a fornecê-lo por certidão ou de terceiro, o juiz ordenará, preliminarmente, por ofício, a exibição desse documento em original ou em cópia autêntica e marcará, para o cumprimento da ordem, o prazo de 10 (dez) dias. O escrivão extrairá cópias do documento para juntá-las à segunda via da petição. § 2º Se a autoridade que tiver procedido dessa maneira for a própria coatora, a ordem far-se-á no próprio instrumento da notificação. § 3º Considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática. § 4º (VETADO) Michell Nunes Midlej Maron 2 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos § 5º Denega-se o mandado de segurança nos casos previstos pelo art. 267 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. § 6º O pedido de mandado de segurança poderá ser renovado dentro do prazo decadencial, se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito.” O § 3º do artigo supra também consagra entendimento que já vigorava, trazendoo expresso, quando identifica a autoridade coatora como aquela que tenha praticado o ato diretamente, ou ordenado sua prática. O § 5º estabelece que a segurança deve ser denegada quando da incursão em hipóteses de extinção sem resolução do mérito. Se empregado este termo, há que se ter cautela, eis que deverá ser adstrito às hipóteses de extinção sem resolução do mérito. O § 6º, novamente, positiva o óbvio: se há denegação da ordem, é porque há extinção sem resolução do mérito, e sempre que há este tipo de decisão, há coisa julgada formal, permitindo a renovação da ação. O artigo 7º da Lei 12.016/09 repete erro terminológico que vem desde sempre presente: utiliza-se do termo notificação para identificar a comunicação inicial entre autor e réu, quando deveria se valer do termo citação. Além disso, determina a notificação à autoridade coatora, quando deveria, tecnicamente, determinar a citação do réu,que no mandamus não é a autoridade coatora, e sim a pessoa jurídica de que ele faz parte, como visto. Veja: “Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: I - que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações; II - que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito; III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. § 1º Da decisão do juiz de primeiro grau que conceder ou denegar a liminar caberá agravo de instrumento, observado o disposto na Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. § 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. § 3º Os efeitos da medida liminar, salvo se revogada ou cassada, persistirão até a prolação da sentença. § 4º Deferida a medida liminar, o processo terá prioridade para julgamento. § 5º As vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas neste artigo se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273 e 461 da Lei no 5.869, de 11 janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.” Outra estranheza constante deste dispositivo é a previsão do inciso II: ali se determina que seja dada ciência ao órgão de representação judicial do impetrado. Tomemos como exemplo a representação do Estado, que é da Procuradoria-Geral do Estado: a sua cientificação deveria ser incumbência do Estado, quando notificado, e não do Judiciário; e mais: ali se diz que o órgão de representação judicial poderá ingressar no feito, mas não há qualquer sentido nesta expressão, porque quem já é parte no feito é o ente representado, e não o representante judicial: o Estado já ingressou no feito quando notificado, não havendo ingresso da PGE quando se manifestar. É um Michell Nunes Midlej Maron 3 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos dispositivo bastante atécnico, dando a entender algo como se o advogado de uma parte citada fosse igualmente citado para ingressar no feito, compor o pólo passivo – o que é uma impropriedade tremenda. Na prática, portanto, consiste apenas em um ofício enviado ao representante da pessoa jurídica impetrada, noticiando do feito, sem mais. O inciso III deste artigo 7º também demanda críticas. Ali se vê presente a exigência dos requisitos ordinários para antecipação de tutela, especialmente a probabilidade do direito, mas principalmente a frustrabilidade do provimento jurisdicional final: exige o dispositivo que a liminar seja concedida somente se, não o sendo, a medida final se torne inútil. A parte final deste inciso III, que trata da possível exigência de caução como contracautela, tem sido muito criticada pela OAB, que inclusive requereu que tal parte fosse vetada no projeto desta Lei 12.016/09. Argumenta, a OAB, que este dispositivo é deveras elitista, na medida em que quem possa caucionar poderá obter a liminar, e quem não dispuser de recursos não poderá obter a decisão de urgência. Todavia, não procede tal crítica, porque além da contracautela ser facultativa, como dispõe o texto, o juiz é quem definirá sua extensão e intensidade, podendo adequá-la ao caso concreto. O § 1º do artigo supra determina o cabimento do agravo de instrumento contra qualquer decisão sobre a liminar, concessiva ou negatória. Apesar de ser esta a lógica – pois que qualquer decisão interlocutória desafia agravo, por natureza –, o dispositivo põe fim a discussão antiga sobre a decisão denegatória da liminar, o que já foi até objeto de súmula que estabelecia o descabimento do agravo. Hoje, o cabimento é expresso. O § 3º apresenta uma questão conturbada: a validade da liminar. Em que pese ali estar expresso que esta tem efeitos até a prolação da sentença, o entendimento mais correto deve ser o de que persistem seus efeitos até o trânsito em julgado da decisão final, porque não é difícil se conceber que haja, entre a sentença e a decisão final, a demora do processo, e se o direito acautelado pela liminar estiver desamparado, poderá perecer entrementes. O artigo 807 do CPC já daria esta nota, servindo como reforço argumentativo em prol desta tese da validade até o trânsito: “Art. 807. As medidas cautelares conservam a sua eficácia no prazo do artigo antecedente e na pendência do processo principal; mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou modificadas. Parágrafo único. Salvo decisão judicial em contrário, a medida cautelar conservará a eficácia durante o período de suspensão do processo.” O artigo 8º da lei em comento traz uma pequena impropriedade, ao reduzir a perempção ou caducidade à constatação ex officio ou a requerimento do MP. Ora, se a matéria é cognoscível de ofício, qualquer um poderá propugná-la, inclusive o réu, a pessoa jurídica da qual a autoridade participa, e não apenas o MP. Veja: “Art. 8º Será decretada a perempção ou caducidade da medida liminar ex officio ou a requerimento do Ministério Público quando, concedida a medida, o impetrante criar obstáculo ao normal andamento do processo ou deixar de promover, por mais de 3 (três) dias úteis, os atos e as diligências que lhe cumprirem.” O artigo 10 da Lei 12.016/09 fala do indeferimento da inicial: “Art. 10. A inicial será desde logo indeferida, por decisão motivada, quando não for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos legais ou quando decorrido o prazo legal para a impetração. § 1º Do indeferimento da inicial pelo juiz de primeiro grau caberá apelação e, quando a competência para o julgamento do mandado de segurança couber Michell Nunes Midlej Maron 4 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos originariamente a um dos tribunais, do ato do relator caberá agravo para o órgão competente do tribunal que integre. § 2º O ingresso de litisconsorte ativo não será admitido após o despacho da petição inicial.” O caput deste artigo supra expressa, novamente, o óbvio: faltando interesseadequação, qualquer inicial é indeferida, e estando caduca, pela perda do prazo, idem. O § 1º apenas se presta a tornar claro o cabimento de recursos que seriam mesmo os cabíveis, mesmo se não fosse expresso neste dispositivo. O § 2º do artigo supra fala de forma similar ao que é previsto no artigo 264 do CPC, mas estabelece a imutabilidade do pólo ativo em momento aquém do que o CPC estipula. Veja: “Art. 264. Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei.(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) Parágrafo único. A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)” Assim, o ingresso de litisconsortes é possível somente até o despacho da inicial, e não até a citação efetiva, como na regra geral. Isto impede que sejam aproveitadas liminares já concedidas por co-impetrantes tardios. O caput do artigo 12 da Lei 12.016/09 estabelece que o juiz ouvirá e o MP opinará no feito. Há uma certa incongruência entre esta redação do caput e o parágrafo deste artigo, porque os verbos do caput indicam a obrigatoriedade de oitiva do MP e igualmente a obrigatoriedade de manifestação deste parquet, ao passo que no parágrafo se nota clara dispensabilidade de efetiva manifestação do MP. Veja: “Art. 12. Findo o prazo a que se refere o inciso I do caput do art. 7º desta Lei, o juiz ouvirá o representante do Ministério Público, que opinará, dentro do prazo improrrogável de 10 (dez) dias. Parágrafo único. Com ou sem o parecer do Ministério Público, os autos serão conclusos ao juiz, para a decisão, a qual deverá ser necessariamente proferida em 30 (trinta) dias.” O caput permitiria concluir que o MP deve oficiar, e deve manifestar-se efetivamente, meritoriamente; contudo, o parágrafo vem e desfaz esta impressão, fazendo crer que é dispensável o parecer ministerial. Por isso, e pela própria regra de hermenêutica que considera a técnica legislativa segundo a qual o parágrafo não pode contrariar o caput, deve ser lido o artigo com a supressão da expressão “ou sem” do teor do parágrafo único, devendo ser tida por obrigatória, portanto, a oitiva e manifestação conclusiva do MP. O caput do artigo 14 deste diploma é realmente inútil, pois de sentença cabe sempre apelação. Veja: “Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação. § 1º Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição. § 2º Estende-se à autoridade coatora o direito de recorrer. § 3º A sentença que conceder o mandado de segurança pode ser executada provisoriamente, salvo nos casos em que for vedada a concessão da medida liminar. Michell Nunes Midlej Maron 5 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos § 4º O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em sentença concessiva de mandado de segurança a servidor público da administração direta ou autárquica federal, estadual e municipal somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial.” Da mesma forma, a previsão do § 1º deste artigo supra é repetitiva, porque a sentença que concede a segurança é contrária ao Poder Público, e pela regra geral este tipo de decisão já é submetido ao reexame necessário. O § 2º causa estranheza: ele contraria o artigo 499 do CPC, porque a autoridade coatora não é parte, nem terceiro prejudicado, muito menos o MP. Entretanto, esta subversão não é vedada ao legislador especial, que pode excepcionar a regra geral, quando houver uma boa justificativa, pelo que é válida esta legitimação recursal excepcional. Veja o artigo 499 do CPC: “Art. 499. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público. (...)” Repare que pode acontecer de a autoridade coatora ter interesse jurídico, como quando a ilegalidade do ato repercutir em responsabilidade civil para esta autoridade. Neste caso, estará amoldado ao conceito de terceiro prejudicado, mas se for o caso o próprio artigo 499 do CPC autorizaria a legitimidade recursal, sendo despicienda a previsão do artigo 14, § 2º, da Lei 12.016/09. De qualquer forma, a legitimação desta lei especial não faz diferença, legitimando todas as autoridades, interessadas juridicamente ou não. O artigo 17 da lei em tela visa a salvaguardar o direito de demoras causadas pela tramitação fática do processo: se a publicação da decisão demorar a ocorrer, por mora na feitura do acórdão ou qualquer motivo extrínseco, as notas taquigráficas serão publicadas no lugar do próprio acórdão. Veja: “Art. 17. Nas decisões proferidas em mandado de segurança e nos respectivos recursos, quando não publicado, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data do julgamento, o acórdão será substituído pelas respectivas notas taquigráficas, independentemente de revisão.” A intenção do legislador foi boa, mas cogita-se da constitucionalidade deste dispositivo, eis que já houve casos de normas similares declaradas inconstitucionais pelo STF, por conta da violação da necessidade de fundamentação expressa do decisum, pois na nota taquigráfica esta fundamentação não fica explícita como fica no acórdão lavrado em atenção ao julgamento. Possivelmente este será o entendimento sobre tal dispositivo. O artigo 16 do diploma am análise apresenta regra, esta sim, bastante salutar: “Art. 16. Nos casos de competência originária dos tribunais, caberá ao relator a instrução do processo, sendo assegurada a defesa oral na sessão do julgamento. Parágrafo único. Da decisão do relator que conceder ou denegar a medida liminar caberá agravo ao órgão competente do tribunal que integre.” Este dispositivo diz exatamente o contrário do que é posto na súmula 622 do STF: Michell Nunes Midlej Maron 6 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos “Súmula 622, STF: Não cabe agravo regimental contra decisão do relator que concede ou indefere liminar em mandado de segurança.” A lei revogou, com muito acerto, esta súmula acima, porque qualquer decisão do relator desafia agravo, no caso o inominado, ou regimental quando a lei nada diz. O artigo 18 da Lei 12.016/09 é mais uma previsão dispensável, porque se limita a repetir o cabimento de recursos que já é a regra geral, prevista inclusive na CRFB: “Art. 18. Das decisões em mandado de segurança proferidas em única instância pelos tribunais cabe recurso especial e extraordinário, nos casos legalmente previstos, e recurso ordinário, quando a ordem for denegada.” O artigo 19 do mesmo diploma dispõe que se há denegação da ordem, ou seja, o processo é extinto sem resolução do mérito, a via própria poderá ser acessada para resolver o mérito. De fato, assim o é em qualquer ação judicial, porque a coisa julgada meramente formal não impede o ajuizamento da ação que intente resolver o mérito, desde que sanada a carência que levou à não-apreciação do mérito. Veja: “Art. 19. A sentença ou o acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir o mérito, não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais.” O artigo 21 da lei em tela trata do mandamus coletivo, não promovendo alterações no caput. No parágrafo único, porém, as mudanças são significativas: “Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial. Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser: I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica; II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.” Ali se vêem os direitos que podem ser tutelados por mandado de segurança coletivo, e se percebe que os direitos difusos, outrora tutelados nesta via, não são mais, restando o mandado coletivo dedicado aos direitos coletivos e aos transindividuais homogêneos. Novidade que se vê no mandado de segurança coletivo é a que vem prevista no caput do artigo 22 desta Lei 12.016/09: “Art. 22. No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante. § 1º O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no Michell Nunes Midlej Maron 7 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva. § 2º No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas.” A limitação que se impõe à coisa julgada, ali, é um tanto redundante. No mandamus coletivo, o que se passa é a substituição processual, legitimidade extraordinária, em que o impetrante defende em nome próprio direito que não lhe pertence, mas sim aos membros do grupo que representa. Na substituição processual, a coisa julgada atinge o substituído, para qualquer efeito, favorável ou desfavorável, e por isso se vê que o alcance da coisa julgada já seria exatamente este que o caput positivou, não sendo nada peculiar em relação à regra geral, portanto. O artigo 23 da mesma lei repetiu o malfadado artigo 18 da revogada Lei 1.533/51: “Art. 23. O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado.” Este prazo decadencial para a propositura do mandado de segurança é uma excrescência jurídica, na medida que uma garantia constitucional não pode sofrer limitações por parte do legislador infraconstitucional. Perdeu-se, com a nova lei, a oportunidade de sanar esta absoluta impropriedade, pelo que permanece a limitação flagrantemente inconstitucional deste prazo decadencial. O artigo 24 da nova lei chega a ser risível: se a lei geral é sempre aplicável na omissão da lei especial, os artigos a que aponta já seriam aplicáveis, sendo absolutamente inútil este dispositivo: “Art. 24. Aplicam-se ao mandado de segurança os arts. 46 a 49 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.” O artigo 25 da Lei 12.016/09 concentra duas regras que são, em verdade, péssimas opções legislativas: “Art. 25. Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé.” O descabimento dos embargos infringentes só tem uma razão de ser plausível: a positivação do entendimento que integrava a súmula do STJ, no enunciado 169. Porque, a rigor, não há qualquer sentido em se refrear o cabimento de um recurso que seria naturalmente cabível, seguindo-se a regra geral. Ao contrário, seria até mais recomendável o cabimento de mais uma oportunidade revisional, ante o cunho garantista do mandamus. “Súmula 169, STJ: São inadmissíveis embargos infringentes no processo de mandado de segurança.” Mas é a manutenção expressa, neste artigo 25 supra, do descabimento dos honorários advocatícios no rito do writ mandamental que permanece o maior absurdo. O único argumento que se levantava em favor do descabimento da verba honorária era a Michell Nunes Midlej Maron 8 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos ausência de previsão na Lei 1.533/51. Ora, se a lei especial é omissa, aplica-se a geral, e o CPC é régio em regulamentar os honorários, pelo que não havia qualquer solidez neste argumento. Agora, porém, infelizmente, a lei veda expressamente o que a jurisprudência já vedava, sem qualquer razão jurídica. A vedação aos honorários acaba, na prática, fazendo preferível, aos advogados, a via ordinária – e também aos próprios impetrantes, que certamente seriam favorecidos pela possibilidade de obtenção de condenação sucumbencial quando da negociação de honorários contratuais com seu advogado. O artigo 26 da nova lei prevê que é crime de desobediência o descumprimento das ordens emitidas em mandado de segurança. O legislador errou desastrosamente, aqui: o descumprimento de ordem judicial por agente público não se subsume ao crime de desobediência, mas sim ao crime de prevaricação, constante do artigo 319 do CP. O crime de desobediência é dedicado aos particulares que descumpram tal ordem. Veja: “Art. 26. Constitui crime de desobediência, nos termos do art. 330 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o não cumprimento das decisões proferidas em mandado de segurança, sem prejuízo das sanções administrativas e da aplicação da Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950, quando cabíveis.” “Desobediência Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.” “Prevaricação Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.” O artigo 29 do novel diploma revogou todas as normas que tratavam do mandado de segurança, cujos ditames, em verdade, foram praticamente todos englobados no corpo da nova Lei 12.016/09, e não meramente extirpados do ordenamento – especialmente no que tratavam da vedação de liminares em mandados de segurança. Veja: “Art. 29. Revogam-se as Leis nos 1.533, de 31 de dezembro de 1951, 4.166, de 4 de dezembro de 1962, 4.348, de 26 de junho de 1964, 5.021, de 9 de junho de 1966; o art. 3o da Lei no 6.014, de 27 de dezembro de 1973, o art. 1o da Lei no 6.071, de 3 de julho de 1974, o art. 12 da Lei no 6.978, de 19 de janeiro de 1982, e o art. 2o da Lei no 9.259, de 9 de janeiro de 1996.” Feita a análise legal, passemos ao estudo dos pontos de maior indagação sobre o writ of mandamus. 2. Aspectos peculiares do mandado de segurança A Constituição autoriza o uso do mandado de segurança contra ato comissivo ou omissivo que violar direito líquido e certo, ou seja, aquele que possa ser comprovado de plano, por prova pré-constituída, que tenha sido praticado por autoridade pública ou quem atue em prerrogativa de autoridade pública. Para definir qual ato seja impugnável, portanto, é preciso primeiro definir quem o praticou, ou seja, autoridade pública ou entidade a ela equiparada. Michell Nunes Midlej Maron 9 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos Além disso, o ato precisa ser de autoridade, e não apenas da autoridade: é preciso que o ato seja praticado na prerrogativa do Poder Público, ou seja, do jus imperii estatal, coativamente. Não pode, por isso, ser impugnado por mandado de segurança um ato de gestão comercial, como quando o Estado atua em igualdade formal de condições perante os particulares – numa contratação paritária, por exemplo. A omissão estatal pode ser impugnada por mandamus, eis que esta pode violar direito líquido e certo. Como exemplo, pode o particular ter seu direito de certidão violado pela inércia do Estado em atender seu pedido – não pela negativa, que seria ato comissivo, mas pela absoluta inércia, pura omissão. Outro exemplo de omissão a desafiar mandado de segurança é o direito a haver sentença em prazo razoável, o que pode ser violado pela inércia do juiz em exarar a decisão. A autoridade pública pode ser própria ou por equiparação, como já se pôde antever no artigo 1º do novel diploma. Como visto, o réu do mandado de segurança, a parte que ocupa o pólo passivo, é a pessoa jurídica de cujos quadros faz parte a autoridade que produziu o ato, e não a própria autoridade. Isto levaria a pensar que o aponte da exata autoridade praticante do ato é irrelevante, porque o réu seria o ente ou entidade pública que ela integra, de qualquer forma. Contudo, é de fato importante apontar quem é esta autoridade coatora, não porque passará a ser presente no pólo passivo – não será parte, nunca –, para sim para definição de um aspecto fundamental: a competência do processo, que é definida ratione materiae. Veja: se o aponte da autoridade pelo impetrante indica o Governador do Estado do Rio de Janeiro, a competência para o mandamus é do Órgão Especial do Tribunal de Justiça; se aponta um secretário estadual, a competência é de uma Câmara Cível; se a autoridade apontada é um fiscal de rendas, a competência é de uma vara da Fazenda Pública – e em todos os casos o réu é o mesmo, o Estado do Rio de Janeiro. O erro do aponte de autoridade coatora já foi apontado como causa para extinção do processo sem resolução do mérito, por ilegitimidade passiva. Ora, este entendimento era um verdadeiro impropério: o réu nunca foi ou será a autoridade coatora, e sim a entidade que ela presenta. Sendo assim, se a parte é a mesma, como no caso exemplificado – o Estado do Rio de Janeiro –, não importa quem foi apontado: o réu é legítimo, quem quer que tenha sido apontado pelo impetrante. O direito do impetrante é oponível ao réu, à parte do processo, e não à autoridade apontada como coatora1. Se a autoridade que deveria ter sido apontada como coatora determinaria a mesma competência que a autoridade que foi efetivamente apontada, não há conseqüências maiores: o julgador simplesmente determinará a notificação para solicitação de informações à verdadeira autoridade coatora, dando seguimento ao processo. Outrossim, se a correção no aponte da autoridade for provocar alteração da competência, ainda que não haja ilegitimidade, há incompetência, pelo que os autos deverão ser remetidos ao juízo competente, que é o que dará prosseguimento ao feito, notificando a correta autoridade para prestação de informações. É considerada autoridade coatora, nos termos do § 3º do artigo 6º da lei em estudo, já transcrito, aquela que tenha praticado o ato ou que tenha proferido a ordem para que o ato tenha sido praticado, quem teve o poder de determinar ou ordenar a prática do ato. Não se insere neste conceito de autoridade coatora o legislador de lei 1 Diferente será o caso em que se apontar como autoridade coatora pessoa que represente outra entidade, outra pessoa jurídica, diversa daquela em cujo âmbito se deu a produção do ato coator: neste caso haverá clara ilegitimidade passiva, por erro teratológico na eleição do pólo passivo, ensejando a extinção sem resolução do mérito. Por exemplo, se o impetrante ajuíza mandado de segurança em face do Estado, reclamando de coação ilegal por parte de ato do Prefeito. Michell Nunes Midlej Maron 10 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos inconstitucional, porque mesmo que ele tenha produzido a norma: é autoridade coatora aquele que, em função desta norma, praticou ou ordenou determinado ato concreto atentatório ao direito líquido e certo. Da mesma forma, aquele que emite um parecer contrário ao direito não é autoridade coatora: somente será assim considerado aquele que, em razão do parecer, praticou ou ordenou a prática de um ato ilegal. É por conta dessa lógica que não se admite, como é cediço, a impetração de mandado de segurança contra lei em tese, pois não há violação concreta por esta lei a direito líquido e certo algum, ante a abstração e genericidade da lei. D’outrarte, a chamada lei de efeitos concretos, formalmente lei mas materialmente ato administrativo, pode impingir violação direta ao direito de alguém, e se o fizer poderá, sim, ser alvejada por mandamus. Outra questão que se coloca, ainda pertinente ao aponte da autoridade coatora, é a definição dos atos complexos e compostos. O ato complexo é aquele que é decomponível em vários outros: a investidura de alguém em cargo público é um bom exemplo, eis que a nomeação, a posse, e outros atos prévios, conformam a investidura como ato completo. Nos atos desta espécie, como são diversas as autoridades que contribuíram para a formação do ato, determina-se a competência, ou seja, elege-se como autoridade coatora, aquela autoridade maior que emitiu participação no ato complexo. Não há hierarquia entre os diversos atos, mas se elege a autoridade maior que tenha ali atuado. O ato composto, por seu turno, é aquele que não se decompõe em outros atos segmentares: é um só ato, mas a sua efetividade, eficácia, depende de aprovação de uma autoridade superior, e, por esta dinâmica, a autoridade maior será a apontada como coatora. Como exemplo, se um secretário de Estado emite uma portaria, a qual precisa ser aprovada pelo Governador, é este último que, aprovando-a, será apontado como autoridade coatora. Havendo qualquer hierarquia entre as autoridades manifestantes, na produção do ato, a de maior calibre será eleita como coatora. Nos órgãos colegiados, há quem ache que se aponte o respectivo presidente como autoridade coatora, mas esta não deve ser a orientação a ser seguida. Nestes casos, o ato é do órgão colegiado, e não do presidente, pelo que é o próprio colegiado que deve ser considerado autoridade coatora. 2.1. Prazo Voltando ao aspecto do prazo, em que pese a afirmação, mais acertada, de que seria uma restrição inconstitucional à garantia que é a natureza do mandamus, há até mesmo súmula do STF amparando esta limitação, como se vê no enunciado 632 desta Corte: “Súmula 632, STF: É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança.” Sendo assim, é necessário definir como se conta este prazo. O início do prazo é da ciência do ato, e não do ato em si, pois a pretensão mandamental só nasce quando o prejudicado tem ciência do ato. Havendo pedido de reconsideração, diga-se, o prazo corre mesmo da ciência original do ato, e não da negativa da reconsideração, porque este pedido não suspende ou interrompe o curso do prazo de cento e vinte dias. Diferentemente ocorre quando, acompanhando o pedido de reconsideração, há o chamado recurso hierárquico, como alternativa em caso de negativa da reconsideração – o reclamante pede que seja reconsiderado, e sucessivamente, se não o for, que receba Michell Nunes Midlej Maron 11 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos tal pedido como recurso hierárquico. Recebido o recurso, o ato coator passará a ser a decisão deste recurso que mantiver a coação, ou seja, tal como no efeito substitutivo dos recursos judiciais, o primeiro ato, recorrido, deixa de existir, e passa a ser ato coator a decisão que o substituir. Conseqüentemente, a autoridade revisora, julgadora do recurso, será agora reconhecida como autoridade coatora naquele ato. Quando o ato coator for omissivo, simplesmente não se conta o prazo, porque a coação, consubstanciada na omissão, se renova a todo tempo, enquanto a omissão perdurar. 2.2. Liminar Como visto no estudo do artigo 7º da Lei 12.016/09, a concessão da liminar, que aqui tem natureza de antecipação de tutela (e não cautelar, como entendem erroneamente alguns autores), conta com dois pressupostos: a relevância do fundamento, que é a probabilidade da existência do direito, o fumus boni juris; e a ineficácia da medida concedida somente ao final, se a concessão da ordem for cair no vazio se não tutelada antecipadamente. A liminar em mandado de segurança tem natureza de antecipação de tutela, e não cautelar, porque ela se presta justamente a satisfazer, provisoriamente, exatamente o que a parte obterá com o provimento final do processo. Como se sabe, a cautelar se presta a garantir a efetividade do processo, e não a satisfazer provisoriamente a exata pretensão do impetrante, como é o caso. O pedido cautelar é muito diferente do antecipatório. A liminar não pode ser concedida ex officio. Mesmo que a lei não seja expressa em negar ou autorizar esta atuação de ofício, a regra geral é a inércia do Judiciário, pelo que somente seria possível a concessão de ofício se a lei expressamente autorizasse. Neste sentido, sequer a concessão de providência liminar diferente da que foi especificamente requerida será possível. Isto porque se o juiz conceder medida diversa da requerida, porque entende que será mais adequada e eficaz, estará atuando de forma extra petita, o que equivale a um atuar de ofício, restrito à parte que concedeu de forma a extrapolar o pedido. A vedação à concessão de liminares, presente de forma esparsa em diversas normas, e para diversas situações diferentes, casuísticas até, está presente de forma concentrada na nova lei, como visto. Persiste, no entanto, a seguinte crítica: é constitucional qualquer vedação à concessão de liminares no mandado de segurança? O melhor entendimento é de que é, de fato, inconstitucional esta vedação. Isto porque a lei proibitiva da liminar está, em verdade, impedindo o juiz de dar cumprimento ao que a própria CRFB exige, quando determina que a proteção ao direito seja garantida pelo mandado de segurança. Ao impedir que a liminar seja possível, a lei está impedindo, por vezes, que o mandado de segurança tenha qualquer eficácia, enquanto garantia contra ato lesivo de direito líquido e certo. A decisão concessiva ou denegatória da liminar, pelo relator, desafia agravo inominado, como visto. Isto pôs fim à discussão ferrenha sobre o cabimento do agravo contra esta decisão, sendo que o descabimento chegou a ser sumulado pelo STF, no enunciado 622 desta Corte, já transcrito – que está superado, portanto. Da mesma forma, a decisão liminar do juiz, em qualquer sentido, hoje comporta agravo de instrumento. A eficácia da liminar, como visto, encontra limitador temporal na lei: é vigente até a sentença. Ocorre que este limitador não é a melhor opção, porque a lógica da dinâmica processual exigiria a necessidade de manutenção dos efeitos da liminar até o Michell Nunes Midlej Maron 12 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos trânsito em julgado, e não até a mera prolação da sentença – como o já abordado artigo 807 do CPC indica. Veja a súmula 405 do STF, que acabou sendo a orientação adotada na lei, tristemente: “Súmula 405, STF: Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária.” Casos Concretos Questão 1 Após a conclusão de estudos desenvolvidos pela Secretaria de Transportes, em que se concluiu que era elevada a tarifa praticada pelas linhas de ônibus municipais, o Prefeito, mediante Decreto publicado em 27/04/2001, entendeu por reduzir a mesma em 15%, a partir do dia 03/05/2001. Contra tal ato normativo foi impetrado, em 28/10/2001, mandado de segurança pelas empresas de transporte municipal. Para elas, houve falsa motivação, posto inocorrerem as alegadas distorções tarifárias, sendo o escopo daquela autoridade apenas conquistar a simpatia popular. Alegou-se, ainda, que a Administração Pública não obedeceu ao princípio do contraditório ao proceder à alteração de forma unilateral. Finalmente, pugna pela tempestividade da impetração, já que o art. 18 da Lei 1533 não fora recepcionado pela Constituição e, ainda que se entendesse de forma diferente, a hipótese cuida de relação jurídica de trato sucessivo, tendo a decadência atingido somente as prestações vencidas 120 dias antes da impetração. Na verdade, por ser aquele ato normativo de efeitos permanentes, é ele passível de ser alvejado a qualquer momento, enquanto perdurar a lesividade, sob pena de gerar a perda do direito material afetado pelo ato abusivo do Poder Público. Decida de forma fundamentada. Resposta à Questão 1 Em que pese a crítica bastante acertada à constitucionalidade do prazo decadencial, é fato que este ainda tem vigência, hoje. Por isso, sendo observado, no caso concreto há a caducidade dos atos praticados há mais de cento e vinte dias da impetração, mas não há daqueles mais recentes do que isso, se for de trato sucessivo; se for permanente, sequer teve início a fluência do prazo, eis que a lesão está em curso. Esta é a solução, mesmo à luz da Lei 12.016/09, e por isso tem razão o impetrante. Veja o MS 1999.004.00462, do TJ/RJ: “1999.004.00462. MANDADO DE SEGURANCA. Funcionalismo. Gratificação Especial de Atividade. Acréscimo ao estipêndio, concedido por despacho do Exmo. Sr. Governador do Estado, a Procuradores do Estado em atividade e a aposentados exercentes de cargos comissionados e de assessoramento superior, no âmbito do Poder Executivo, mediante critérios de concessão de Gratificação de Encargos Especiais. Negativa da concessão da vantagem aos Procuradores do Estado inativos e a seus pensionistas. Lei Complementar nº 6/77. Artigos 93 e 179. Decreto Lei nº 220/75. Artigo 24, inciso 8º. Redação da Lei nº 720/83. Constituição Federal. Artigo 40, § 8º. Constituição Estadual. Artigos 82, § 2º e 89,§ 5º. Aplicação. DECADÊNCIA. Prazo para pedir segurança Atos continuados ou de trato sucessivo. Atos omissivos. Forma de contagem do prazo decadencial. Lei nº 1.533, de 31.12.51. Artigo 18. Exegese. Se a ofensa a direito líquido e certo resulta de atos continuados ou de trato sucessivo, a cada nova prática renova-se o prazo Michell Nunes Midlej Maron 13 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos para a impetração da segurança. Se a lei ou o regulamento não fixaram o momento fatal para a prática do ato, o prazo para impetração de Mandado de Segurança, contra o ato omissivo, não flui. CARÊNCIA DA AÇÃO MANDAMENTAL. Impossibilidade jurídica do pedido. Alegação de que " o Judiciário, em sede de controle de constitucionalidade das leis, somente pode se portar como legislador negativo, jamais como legislador positivo, de modo que se uma dada lei é atacada por anti-isonómica, não é possível estender sua aplicabilidade, atas apenas retirar a sua aplicação". Invocação da Súmula nº 339 do Supremo Tribunal Federal, de acordo com a qual, "Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos, sob funda-mento de isonomia". Verdadeiro sentido da Súmula, nos casos em que a causa envolve extensão de vantagens aos inativos, concedidas aos servidores em atividade. Jurisprudência do Supre-mo Tribunal Federai. "Considerando que o § 4º ( atual 8º ) do artigo 40 da Constituição Federal - que determina a extensão aos inativos de quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade - é norma constitucional de eficácia imediata, o reconhecimento do direito a tal extensão, por decisão judicial, não ofende o princípio da separação dos poderes, sendo inaplicável, nessa hipótese, a Súmula nº 339 do Supremo Tribunal Federal" ( Supremo Tribunal Federal, Recurso Especial no 214.724 - RJ - de que foi relator o Ministro Sepúlveda Pertence, in In-formativo nº126 ) "Não se pode, a pretexto de alegar indevida interferência na Administração Pública, subtrair-se da apreciação do Poder Judiciário qualquer reclamo de lesão a direito subjetivo do cidadão.." ( Órgão Especial, Mandado de Segurança nº 469198, relator Desembargador Laerson Mauro ) MANDADO DE SEGURANÇA. Legitimação passiva para a causa. Definição. No mandado de segurança, parte passiva é a pessoa jurídica a cujos quadros pertence a autoridade apontada como coatora, não esta própria que, portanto, em sede mandamental, não pode ostentar, em caso algum, a qualidade de parte legítima ou ilegítima. PROCURADORES DO ESTADO. Desempenho de atividades extras, relacionadas com consultoria jurídica e representação judiciai de sociedades de economia mis-ta, empresas públicas, fundações e autarquias integrantes da administração indireta. Vantagens pecuniárias devidas em decorrência do desempenho dessas atividades suplementares. Natureza jurídica. Efeitos. As vantagens pecuniárias devidas em decorrência do desempenho, em condições comuns, de atividades extras, excepcionais ou especiais, que escapam à rotina administrativa, às quais constituem um acréscimo, ostentam a natureza jurídica de adicionais - de função ou ex facto oficii - que aderem ao vencimento e se incluem nos cálculos dos proventos da aposentado-ria e, pois, nos das pensões. Preliminares rejeitadas. Segurança concedida.” (grifo nosso) Questão 2 Martinho Martins da Silva, policial militar, foi punido, através do Decreto XX.YZY de 03/07/2000, como se fora um policial da chamada "banda podre", mesmo diante do fato de ter o inquérito, que ensejou a punição, sido arquivado a requerimento do Ministério Público. Irresignado com a situação impetrou mandado de segurança, em 05/06/2003, figurando como autoridade coatora o Exmo. Sr. Governador do Estado de Sapucaia, com o fim de desconstituir o ato administrativo que o colocou em disponibilidade, reintegrando-o aos quadros de sua corporação. Liminar indeferida. O Estado de Sapucaia manifestou-se argüindo litispendência por ter o impetrante ingressado, no mesmo dia, com dois mandados de segurança, com o mesmo pedido e causa de pedir, estando um deles tramitando na Vara de Fazenda, requerendo a extinção do feito. Informações não foram prestadas. Pergunta-se: 1) Quais as hipóteses de decretos em que será cabível o mandado de segurança? Esclareça sobre as espécies de atos em que é cabível o mandado de segurança. Michell Nunes Midlej Maron 14 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos 2) É cabível mandado de segurança contra ato jurisdicional do Supremo Tribunal Federal? 3) Quais os requisitos necessários para concessão de medida liminar em mandado de segurança? 4) Decida a questão. Resposta à Questão 2 1) Cabe contra os atos de efeito concreto, que têm destinatário isolado, determinado, não cabendo contra o chamado decreto autônomo, que materialmente é uma lei. Basicamente, se resume a um critério genérico: são atacáveis por mandamus os atos de autoridade. 2) Aqui surge uma certa perplexidade. O STF entende que não é cabível mandado de segurança contra qualquer ato seu, do pleno ou de fracionários. Ocorre que a CRFB, no artigo 102, I, “d”, fine, dá competência ao STF para julgar mandado de segurança contra ato do próprio STF: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: (...) d) o "habeas-corpus", sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o "habeas-data" contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal; (...)” É uma posição um tanto estranha, esta do STF, mas é a que vigora. 3) É preciso que haja a probabilidade da existência do direito, e a frustrabilidade da medida se for concedida somente ao final. 4) Prosseguiu apenas o primeiro mandamus, em razão da litispendência, e neste será julgado procedente o writ se a ilegalidade foi comprovada. 3. Mandado de segurança Muito recentemente entrou em vigor a nova lei que disciplina e regulamenta o mandado de segurança, diploma que revogou a antiga Lei 1.533/51 e de todos os diplomas que regulamentavam esta ação constitucional. Trata-se da Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009, e, diante desta recente alteração, já se impõe um estudo baseado nesta novel legislação. O mandado de segurança deve ser tido como garantia constitucional, e não como uma mera ação cível. Seu fundamento, cláusula pétrea, vem no artigo 5º, LXIX, da CRFB: “(...) LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; Michell Nunes Midlej Maron 15 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos (...)” O writ of mandamus é residual diante do habeas corpus e do habeas data. Somente quando o direito líquido e certo não for especificamente amparado por estas outras duas garantias, será cabível o mandado de segurança. O ato que desafia o mandamus deve promanar de autoridade pública. o artigo 1º, § 1º, da Lei 12.016/09, traz um rol de equiparações a esta figura da autoridade pública: “Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. § 1º Equiparam-se às autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições. § 2º Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público. § 3º Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança.” Tem legitimidade ativa para o mandado de segurança qualquer pessoa, natural ou jurídica, que tenha direito líquido e certo violado ou ameaçado. Há algumas peculiaridades, porém. Os órgãos públicos, por exemplo, se caracterizam justamente por sua falta de personalidade jurídica própria, o que, em princípio, impede-os de figurarem no pólo ativo ou passivo de ações judiciais de qualquer natureza. Contudo, a doutrina e a jurisprudência reconhecem capacidade processual a determinados órgãos públicos para impetração do mandado de segurança. Basicamente, esta capacidade é reconhecida aos órgãos independentes, aqueles que representam os Poderes, como as Câmaras Municipais, os Tribunais de Contas, etc. Certamente, surgirão teses defendendo que esta legitimação de órgãos não mais persiste, mas parece que ainda é, sim, possível. Outra peculiaridade sobre a legitimidade para impetração do mandamus decorre diretamente do caput do artigo 5º da CRFB: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)” Veja que este dispositivo direciona os direitos arrolados nos incisos para os brasileiros e para os estrangeiros residentes no Brasil. Esta previsão, porém, não elide a legitimidade do estrangeiro não residente em solo pátrio para impetrar mandado de segurança, quando se lhe perceber o avilte ao direito líquido e certo. Afinal, o estrangeiro aqui não residente pode ter aqui patrimônio, por exemplo, e vir a sofrer alguma violação contra este seu direito. Por isso, é consenso que o estrangeiro, mesmo aqui não residindo, é legitimado ao mandamus. O writ é um instrumento de controle particular da atuação do Estado. Pode, porém, o próprio Estado precisar desta garantia, ou seja, pode o próprio Estado precisar impetrar um mandado de segurança contra outro ato estatal. Isto é possível por contada nossa forma federativa de Estado, em que se pode cogitar facilmente de um direito Michell Nunes Midlej Maron 16 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos líquido e certo do Município sendo violado por autoridade estadual, por exemplo, quando então será necessária a proteção judicial do ente menor. Pode acontecer caso ainda mais peculiar: pode um órgão público impetrar mandado de segurança para o controle de ato de autoridade de outro órgão público, de outro Poder, mas que integre a mesma pessoa jurídica. Por exemplo, pode a Câmara Municipal, que integra a estrutura do Município, impetrar mandado de segurança contra ato do Prefeito Municipal, sendo perfeitamente possível esta legitimação ativa e passiva. A interpretação da legitimidade ativa no mandamus, diga-se, deve ser sempre o mais ampliativa possível, eis que, como dito, é uma garantia constitucional, mais do que uma simples ação. 3.1. Direito líquido e certo Para efeito de impetração do mandado de segurança, direito líquido e certo é aquele que pode ser comprovado de plano, no momento da impetração. Por isso é que, no mandamus, a prova é pré-constituída, ou seja, a petição inicial do mandado de segurança deve ser instruída com todos os documentos comprobatórios do direito do impetrante. Há uma definição clássica doutrinária sobre o direito líquido e certo, que diz que é aquele direito certo quanto a sua existência, delimitado quanto a sua extensão, e apto a ser exercido no momento da impetração. A prova pré-constituída dos fatos, portanto, deve ser sempre documental, e não cabe, jamais, produção de prova qualquer no curso do rito do mandado de segurança. A única exceção à prova pré-constituída vem estabelecida no § 1º do artigo 6º da Lei 12.016/09: “Art. 6º A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que instruírem a primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições. § 1º No caso em que o documento necessário à prova do alegado se ache em repartição ou estabelecimento público ou em poder de autoridade que se recuse a fornecê-lo por certidão ou de terceiro, o juiz ordenará, preliminarmente, por ofício, a exibição desse documento em original ou em cópia autêntica e marcará, para o cumprimento da ordem, o prazo de 10 (dez) dias. O escrivão extrairá cópias do documento para juntá-las à segunda via da petição. § 2º Se a autoridade que tiver procedido dessa maneira for a própria coatora, a ordem far-se-á no próprio instrumento da notificação. § 3º Considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática. § 4º (VETADO) § 5º Denega-se o mandado de segurança nos casos previstos pelo art. 267 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. § 6º O pedido de mandado de segurança poderá ser renovado dentro do prazo decadencial, se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito.” Se o documental necessário a formar a prova estiver em poder da autoridade ou de terceiro, não tendo o impetrante acesso a tais documentos, o juiz requisitará a apresentação de tais provas por quem as detenha. Dúvida surge quando o juiz percebe que o direito líquido e certo não estava presente apenas quando no momento de sentenciar: será este caso de extinção sem resolução do mérito, ou o juiz denegará a segurança com resolução do mérito? O direito líquido e certo é condição da ação, ou é condição para que o pedido seja procedente? Michell Nunes Midlej Maron 17 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos A doutrina diverge, mas de uma forma ou de outra, se o juiz decide desfavoravelmente ao pleito porque não há a liquidez ou a certeza do direito, está dizendo que não restaram produzidas as provas necessárias para tanto. Por isso, a parte interessada pode, se quiser, acionar novamente o Poder Judiciário, em processo no qual terá a oportunidade de produzir tais provas, e obter seu direito. 3.2. Mandado de segurança preventivo ou repressivo O mandado de segurança preventivo é aquele impetrado sempre que ficar caracterizada uma ameaça ao direito do impetrante, e a jurisprudência exige que tal ameaça seja efetiva, para que enseje a proteção. O mero temor de que a administração vá praticar determinado ato não justifica a impetração do mandado de segurança preventivo. Bom exemplo é o de um mandado preventivo impetrado contra um parecer que indique opinião desfavorável ao impetrante: não se justifica esta impetração, porque o parecer, opinativo, não será necessariamente acolhido pela autoridade, ou seja, a ameaça que representa ao direito do impetrante não é efetiva, sendo no máximo uma possibilidade. Outro exemplo de descabimento do mandado de segurança preventivo é a impetração contra projeto de lei: se há a possibilidade de não ser este projeto aprovado, não há a ameaça efetiva. O mandamus repressivo, por sua vez, é bem, simples: consiste no pedido de segurança contra ato violador do direito líquido e certo que já foi efetivamente praticado pela autoridade ou equiparado. 3.3. Prazo O novel diploma manteve o prazo decadencial de cento e vinte dias para a impetração do mandamus, como se vê no artigo 23 da Lei 12.016/09: “Art. 23. O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado.” Na vigência da Lei 1.533/51, surgiu entendimento de que este prazo seria inconstitucional, cerceador do acesso à justiça. O STF, porém, sempre entendeu que era perfeitamente constitucional. O pedido de reconsideração do ato violador, em esfera administrativa, não interfere na contagem do prazo para impetração. No mandado de segurança preventivo, o direito de requerer a ordem perdura enquanto houver a ameaça efetiva, não contando-se os cento e vinte dias por simples ausência de lógica, eis que não há mais prevenção quando se implementa o termo ad quem da ameaça: se esta cessa sem consumar o avilte, não há interesse no mandado; se a violação temida se consuma, o mandado será repressivo, e não preventivo. Nos casos de omissão violadora do direito, o mandado de segurança repressivo poderá ser impetrado também no prazo de cento e vinte dias, mas o termo a quo é definido como sendo a data em que o ato deveria ter sido praticado e não o foi, quando esta data for determinada. Se não há momento definido para a prática do ato, diga-se, o mandado repressivo da omissão será impetrável a qualquer tempo, eis que não é possível definir o termo inicial da contagem do prazo. Michell Nunes Midlej Maron 18 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos A interposição de recurso administrativo do ato constritor influi no termo inicial do prazo para a impetração: este prazo começará a correr a partir da ciência da decisão administrativa sobre o recurso, e não da ciência do ato original recorrido. Inclusive, a autoridade coatora será a que emitiu a decisão, em sede revisora administrativa. 3.4. Autoridade coatora Deve ser apontada como autoridade coatora, no writ, aquela que determinou a prática do ato. Em regra, só pode figurar como autoridade coatora aquela que tem atribuição decisória, e não o mero executor do ato. É claro que se se confundirem na mesma figura, o executor e o ordenador, ele é quem será apontado no pólo passivo. Há uma hipótese na qual o executor será equiparado a autoridade coatora, podendo figurar no pólo passivo do mandamus: quando a ordem superior por ele executada for manifestamente ilegal. Neste caso, o agente tinha o dever de não cumprir tal ordem, e se o fez, estará equiparando-se à autoridade ordenadora. Outra situação peculiar é quando o executor exacerba a atribuição que lhe foi conferida. Neste caso, será ele a autoridade coatora, mas veja que, em verdade, não atuou como executor: atuou por ânimo próprio, eis que a ordem por ele recebida não comandava aquela atuação exacerbada. Por isso, não era, de fato, mero executor, respondendo como autoridade coatora propriamente dita. Quando se tratar de órgão colegiado, a autoridade coatora é o próprio órgão colegiado, e não o seu presidente. O ato é exarado pelo órgão como um todo, em uma só manifestação, pelo que é este órgão a autoridade que deve ser impetrada. Mesmo que o órgão seja notificado na pessoa do seu presidente, o ato é do órgão como um todo, e por isso é a ele que se dirige a impetração. O § 1º deste artigo 1º equipara a autoridade pública os representantes de partidos políticos. Esta equiparação já foi muito discutida na jurisprudência, e havia sido rejeitada, porque a CRFB de 1988 passou a considerar os partidos políticos como entidades privadas, naturalmente alheadas do Poder Público. Contudo, a lei veio para alterar o entendimento maciço da jurisprudência e doutrina, reputando cabível o aponte do dirigente de partido político como autoridade coatora. Se se tratar de ato complexo, aquele que demanda manifestação de mais de uma pessoa para que se produza, sem que nenhuma das manifestações seja tida por principal ou acessória, a autoridade coatora será plural: são postos no pólo passivo todos os manifestantes no ato, e não apenas aquele que por último manifestou, como entende parcela menor da doutrina. No ato composto, por seu turno, em que há mais de uma manifestação, mas uma é principal em relação às demais, é claro que a autoridade coatora é somente a que praticou o ato principal. 3.5. Mandado de administrativamente segurança contra decisão judicial ou ato recorrível Da decisão judicial recorrível não se admite a impetração de mandado de segurança. Veja o artigo 5º, II, da Lei 12.016/09: “Art. 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; III - de decisão judicial transitada em julgado. Parágrafo único. (VETADO)” Michell Nunes Midlej Maron 19 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos A redação do inciso II acima pode dar a entender que, se a decisão comportar recurso que não tenha possível efeito suspensivo, será cabível o mandado de segurança, ou, ainda, que seria cabível mandado de segurança com o único escopo de atribuir efeito suspensivo a tal recurso. Ocorre que, na verdade, a interpretação mais correta é a de que, se há cabimento de qualquer recurso contra a decisão judicial, tenha ele efeito suspensivo possível ou não, não caberá a impetração de mandado de segurança. Se há previsão de recurso judicial, esta é a via de revisão da decisão, e não o mandamus. Excepcionalmente, porém, há quem admita a impetração de mandado de segurança apenas para atribuir o efeito suspensivo, se a lei que prevê o recurso não prevê este efeito. A regra, portanto, é o descabimento de mandado de segurança para controlar decisão judicial recorrível, pois o controle é por via de recurso. Veja a súmula 267 do STF: “Súmula 267, STF: Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição.” Quanto à decisão transitada em julgado, por sua vez, a situação é incontroversa: não cabe mandado de segurança de forma alguma. Quanto ao ato que desafie recurso administrativo, a situação é também complexa. O artigo supra diz, no inciso I, que se há cabimento de recurso administrativo com efeito suspensivo contra determinado ato, não é possível a impetração de mandado de segurança contra este ato, criando perplexidade similar à da decisão judicial recorrível, só que com um outro aspecto agravante a ser considerado: a questão do cerceamento do acesso à justiça. Da forma que foi redigido, o dispositivo dá a entender que a via recursal administrativa, se existente, é mandatória. Contudo, a interpretação que se amolda aos preceitos constitucionais da unicidade de jurisdição e acesso à justiça é a de que, uma vez pendente de julgamento em recurso administrativo que teve efeito suspensivo, não cabe, contra aquele mesmo ato, a impetração do mandamus. Ou seja, não basta a potencialidade do recurso administrativo com efeito suspensivo existir, é necessário que este tenha sido interposto e esteja em curso com efeito suspensivo. Vale dizer que este dispositivo foi repetido da revogada Lei 1.533/51, e nesta vigência o dispositivo equivalente era repetidas vezes declarado inconstitucional. O legislador quis incentivar a solução em esfera administrativa, mas não pode ser esta via imposta, como parece ser, na interpretação literal do dispositivo. 3.6. Petição inicial do mandamus O artigo 6º da Lei 12.016/09, já transcrito, estabelece que a petição deverá ser apresentada em duas vias, mas é claro que quantas forem as autoridades coatoras, tantas serão as vias suplementares apresentadas, além da original que comporá os autos judiciais. O artigo 7º da mesma lei dispõe sobre as providências iniciais: “Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: I - que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações; Michell Nunes Midlej Maron 20 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos II - que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito; III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. § 1º Da decisão do juiz de primeiro grau que conceder ou denegar a liminar caberá agravo de instrumento, observado o disposto na Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. § 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. § 3º Os efeitos da medida liminar, salvo se revogada ou cassada, persistirão até a prolação da sentença. § 4º Deferida a medida liminar, o processo terá prioridade para julgamento. § 5º As vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas neste artigo se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273 e 461 da Lei no 5.869, de 11 janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.” A autoridade coatora é notificada para prestar informações, em prazo de dez dias, e não é citada para contestar. Ao ser notificada, a autoridade deverá justificar o motivo da prática do ato apontado como ilegal. Prestar informações é um ato pessoal da autoridade apontada, que não pode ser delegado a outrem, nem mesmo a advogado. Tecnicamente, a notificação é feita por mero ofício, mas na praxe é feita por oficial de justiça, eis que a burocracia faz com que a chegada do ofício às mãos da autoridade seja demasiadamente morosa. A jurisprudência tem admitido que, mesmo que a prestação de informações não seja uma contestação, possa a autoridade coatora alegar, ali, questões processuais, como as preliminares de toda sorte. Se a autoridade coatora não prestar informações, quedando-se inerte, ou prestálas fora do prazo, é claro que não se aplicam efeitos da revelia, mesmo porque o ato coator será julgado válido ou não com base na prova pré-constituída, não sendo as informações prestadas fundamentais como uma contestação o é para o contraditório. Havendo informações prestadas pela autoridade, estas contam, porém, com presunção de legitimidade, como todo ato praticado pela administração pública. surtindo dúvida entre o documental do impetrante e as informações, o juiz deve pender para estas, em função desta presunção. O órgão de representação jurídica da autoridade coatora será cientificado da impetração, a fim de ingressar no feito, se reputar necessário, como dispõe o inciso II do artigo supra. Antes desta previsão, discutia-se quem ia expressamente no pólo passivo, se a pessoa jurídica (como era o entendimento maior) ou o órgão de representação, tendo a nova lei, portanto, pacificado a questão: é, de fato, a pessoa jurídica, e não o órgão de representação. Destarte, o órgão de representação será intimado para, eventualmente, impugnar o mandado de segurança, mas o pólo passivo, a notificação, é da pessoa jurídica. O artigo 4º da Lei 12.016/09 trata da impetração remota do mandado de segurança: Michell Nunes Midlej Maron 21 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos “Art. 4º Em caso de urgência, é permitido, observados os requisitos legais, impetrar mandado de segurança por telegrama, radiograma, fax ou outro meio eletrônico de autenticidade comprovada. § 1º Poderá o juiz, em caso de urgência, notificar a autoridade por telegrama, radiograma ou outro meio que assegure a autenticidade do documento e a imediata ciência pela autoridade. § 2º O texto original da petição deverá ser apresentado nos 5 (cinco) dias úteis seguintes. § 3º Para os fins deste artigo, em se tratando de documento eletrônico, serão observadas as regras da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICPBrasil.” 3.7. Liminar O inciso III do artigo 7º, supra, estabelece que a liminar pode ser concedida com ou sem exigência de caução que ampare a sua reversibilidade, em caso de indeferimento final da ordem. Da decisão sobre a liminar, deferindo ou denegando-a, cabe agravo de instrumento, conforme o § 1º do artigo em estudo, o que pôs fim a uma discussão antiga neste setor: a Lei 1.533/51 não previa recurso da decisão que indeferiu a liminar, pelo que havia quem sustentasse caber outro mandado de segurança, somente contra esta decisão denegatória, porque seria irrecorrível. Outra corrente, que era majoritária, defendia que mesmo não havendo previsão expressa na lei, esta decisão ainda comportava agravo de instrumento. Esta acabou sendo, de fato, a opção legislativa. A lei anterior estabelecia prazo de noventa dias, prorrogáveis por mais trinta. Hoje, a liminar tem vigência até a sentença, como dispõe o artigo 7º, § 3º, supra. Se, na sentença, o juiz denega a segurança, deverá revogar a liminar, no corpo da própria sentença. Ante a natureza garantista do mandamus, há quem sustente que o juiz pode conceder liminar diversa do pedido expresso pelo impetrante, se a adstrição ao pedido expresso for insuficiente para resguardar o direito de que se pretende prevenir o perecimento. Há, mesmo, quem entenda que a liminar possa ser concedida de ofício, pelo mesmo fundamento. O mandado de segurança tem prioridade de tramitação, perdendo em ordem apenas para o habeas corpus. Isto acentua a nota de garantia constitucional do mandado de segurança. Sendo deferida a liminar, se o impetrante agir contrariamente ao que dele se espera, o juiz decretará perempção ou caducidade da liminar, na forma do artigo 8º do novel diploma: “Art. 8º Será decretada a perempção ou caducidade da medida liminar ex officio ou a requerimento do Ministério Público quando, concedida a medida, o impetrante criar obstáculo ao normal andamento do processo ou deixar de promover, por mais de 3 (três) dias úteis, os atos e as diligências que lhe cumprirem. A autoridade coatora recebeu uma obrigação legal adicional, quando notificada para cumprimento da liminar, prevista no artigo 9º da Lei 12.016/09: “Art. 9º As autoridades administrativas, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas da notificação da medida liminar, remeterão ao Ministério ou órgão a que se acham subordinadas e ao Advogado-Geral da União ou a quem tiver a representação judicial da União, do Estado, do Município ou da entidade apontada como coatora cópia autenticada do mandado notificatório, assim Michell Nunes Midlej Maron 22 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos como indicações e elementos outros necessários às providências a serem tomadas para a eventual suspensão da medida e defesa do ato apontado como ilegal ou abusivo de poder.” Foi criada a obrigação, mas não a sanção pelo seu descumprimento, pelo que não se vê qual seja o resultado da desatenção a este comando. 3.8. Suspensão de segurança Do deferimento da liminar cabe ainda outra forma de controle, além do agravo de instrumento: o pedido de suspensão de segurança. Veja o artigo 15 da Lei 12.016/09: “Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição. § 1º Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário. § 2º É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1o deste artigo, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo. § 3º A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo. § 4º O presidente do tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida. § 5º As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original.” Apesar da redação truncada, o pedido de suspensão de segurança é cabível sempre que a motivação extrajurídica ali prevista – grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia pública – for percebida. A atenção ao pedido é do Presidente do Tribunal respectivo, que poderá suspender a execução da decisão liminar contrária a tais interesses. A natureza jurídica desta suspensão é controvertida, mas tende a prevalecer o entendimento de que se trate de uma providência cautelar atribuída ao Presidente do Tribunal, e não recurso. O pedido de suspensão, na vigência da lei anterior, só poderia ser formulado por pessoa jurídica de direito público, mas hoje pode também o Ministério Público requerer esta providência. A Lei 8.437/92 já previa esta medida, com legitimidade do MP, mas agora está consolidada sua legitimação na lei dedicada ao tema. Nada impede que o pedido de suspensão corra concomitantemente com o agravo de instrumento que é cabível contra a mesma decisão. Como dito, têm naturezas e fundamentos diferentes. Michell Nunes Midlej Maron 23 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos Da manutenção da liminar pelo Presidente do Tribunal, desacolhido o pedido de suspensão, cabe agravo; do julgamento deste agravo, mantida a liminar, cabe outro pedido de suspensão de segurança, ao STJ ou STF. 3.9. Intervenção do Ministério Público Findo o prazo para apresentação de informações, o MP será intimado a se manifestar, na forma do artigo 12 da Lei 12.016/09: “Art. 12. Findo o prazo a que se refere o inciso I do caput do art. 7o desta Lei, o juiz ouvirá o representante do Ministério Público, que opinará, dentro do prazo improrrogável de 10 (dez) dias. Parágrafo único. Com ou sem o parecer do Ministério Público, os autos serão conclusos ao juiz, para a decisão, a qual deverá ser necessariamente proferida em 30 (trinta) dias.” A atuação do MP é imposta por lei, portanto, mas há quem entenda que há casos em que não haveria interesse a legitimar esta oitiva. Com ou sem parecer, porém, os autos serão conclusos. 3.10. Recurso Há um exemplo controvertido: se um mandado de segurança de competência do tribunal, contendo dois pedidos, for julgado parcialmente procedente, e o impetrante recorre da parte que não lhe foi deferida, e a autoridade pública não recorre, não poderá esta aderir ao recurso do impetrante, por dois motivos: primeiro, não há sucumbência recíproca, porque se a sentença for analisada capítulo a capítulo, cada um triunfou integralmente em um capítulo, em um pedido; ad argumentandum, se se entender que há sucumbência recíproca, o óbice é justamente o cruzamento de espécies de recursos: da decisão do tribunal que concede a segurança, cabe recurso extraordinário ou especial; da parte que indeferiu a segurança, cabe recurso ordinário – inviabilizando o recurso adesivo. Como se sabe, não há escolha na interposição do agravo: se for caso em que se imponha a forma instrumental, esta é obrigatória, assim como a forma retida, quando cabível. Mantendo a coerência da reforma, o artigo 527, II, do CPC assim dispõe: “Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator: (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001) I - negar-lhe-á seguimento, liminarmente, nos casos do art. 557; (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001) II - converterá o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa; (Redação dada pela Lei nº 11.187, de 2005) III - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão; (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001) IV - poderá requisitar informações ao juiz da causa, que as prestará no prazo de 10 (dez) dias; (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001) V - mandará intimar o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de 10 (dez) dias (art. 525, § 2o), facultando-lhe juntar a documentação que entender conveniente, sendo que, nas comarcas sede de Michell Nunes Midlej Maron 24 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos tribunal e naquelas em que o expediente forense for divulgado no diário oficial, a intimação far-se-á mediante publicação no órgão oficial; (Redação dada pela Lei nº 11.187, de 2005) VI - ultimadas as providências referidas nos incisos III a V do caput deste artigo, mandará ouvir o Ministério Público, se for o caso, para que se pronuncie no prazo de 10 (dez) dias. (Redação dada pela Lei nº 11.187, de 2005) Parágrafo único. A decisão liminar, proferida nos casos dos incisos II e III do caput deste artigo, somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar. (Redação dada pela Lei nº 11.187, de 2005)” Se não é opcional o tipo de agravo, a conversão de uma modalidade em outra, pelo relator, é necessária. E veja que esta competência é monocrática, entregue apenas ao relator, e não ao colegiado. Operada a conversão do agravo de instrumento em retido, os autos serão remetidos ao juízo recorrido, apensando-os aos autos principais, porque sua análise no tribunal só será feita em momento ulterior. A conversão não pode ser feita pelo colegiado: se o relator encaminha o agravo de instrumento a julgamento, deve ser julgado. O parágrafo único do artigo supra dispõe que, após a conversão do agravo em retido, não cabe recurso. Só cabe a reconsideração, se assim bem entender o relator. A doutrina sugere que, se esta decisão de conversão prejudicar o agravante, além do pedido de reconsideração, ele possa interpor embargos de declaração, com efeitos infringentes – mas o STF tem reiterado entendimento que das decisões monocráticas do relator não são cabíveis embargos, mas sim o agravo interno, e se o dispositivo o veda expressamente, não há o que fazer. Mas há ainda outra sugestão doutrinária para o caso: a impetração de mandado de segurança contra o ato do relator. Esta é a posição atual do STJ, que entende cabível este mandamus, no que é acompanhado pelo TJ/RJ e pela maioria da jurisprudência. O TRF da Segunda Região veda agravo interno desta decisão de conversão do agravo. Mas como a impetração de mandado de segurança ganhou freqüência, passaram a admitir o agravo interno, mesmo contrariando a lei e seu próprio regimento. Casos Concretos Questão 1 O juiz, verificando irregularidades na petição inicial, notadamente a fragilidade da prova pré-constituída, pode determinar a emenda ou complementação da petição, observando o art. 284/CPC, a magnitude constitucional do mandado de segurança e o princípio da economia processual? Resposta à Questão 1 Sim, não só pode, como deve: é exatamente por conta da natureza de garantia constitucional do mandado de segurança que as formalidades processuais corriqueiras devem ser relativamente postas de lado. Questão 2 Em determinado Estado da Federação, por intermédio da Companhia Estadual de Energia Elétrica - CEEE, sociedade de economia mista, instaurou-se processo Michell Nunes Midlej Maron 25 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos licitatório para efeito de habilitação de pessoas jurídicas visando à construção de usina hidrelétrica. Ultimada a primeira etapa do processo licitatório, a diretoria coletiva da CEEE julgou a fase de habilitação da mencionada concorrência pública. Vislumbrando a existência de irregularidades no julgamento, algumas empresas construtoras, participantes do certame, impetraram mandado de segurança. Decida sobre o cabimento do mandamus, bem como sobre a competência para processo e julgamento, observando-se a qualidade da pessoa que proferiu o ato. Resposta à Questão 2 Da decisão alvejada cabe recurso administrativo com efeito suspensivo, pelo que sequer seria cabível o mandado de segurança, mas há quem entenda que não se pode tolher o acesso ao Judiciário, pelo que seria possível a impetração. Sendo considerado cabível, a autoridade coatora é a diretoria da companhia estadual, e, por isso, a competência é a definida na legislação estadual de organização judiciária. Veja o REsp. 84.082: “REsp 84082 / RS. DJ 01/07/1996 p. 24002. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO PRATICADO POR SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE. CONCEITO DE AUTORIDADE - ART. 1. DA LEI N. 1.533/51. O CONCEITO DE AUTORIDADE PARA JUSTIFICAR A IMPETRAÇÃO DO "MANDAMUS" E O MAIS AMPLO POSSIVEL E, POR ISSO MESMO, A LEI AJUNTOULHE (AO MESMO CONCEITO), O EXPLETIVO: "SEJA DE QUAL NATUREZA FOR". OS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS A QUE ESTA SUJEITA A ADMINISTRAÇÃO DIRETA E INDIRETA (INCLUIDAS AS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA) IMPOEM A SUBMISSÃO DA CONTRATAÇÃO DE OBRAS E SERVIÇOS PUBLICOS AO PROCEDIMENTO DA LICITAÇÃO, INSTITUTO JURIDICIZADO COMO DE DIREITO PUBLICO. OS ATOS DAS ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO (DIRETA OU INDIRETA) CONSTITUEM ATIVIDADE DE DIREITO PUBLICO, ATOS DE AUTORIDADE SUJEITOS AO DESAFIO PELA VIA DA AÇÃO DE SEGURANÇA. "IN CASU", A COMPANHIA ESTADUAL DE ENERGIA ELETRICA - CEEE – NA MEDIDA EM QUE ASSUMIU O ENCARGO DE REALIZAR A LICITAÇÃO PUBLICA PARA EFEITO DE SELECIONAR PESSOAS OU ENTIDADES PARA REALIZAÇÃO DE OBRAS E SERVIÇOS DO MAIOR INTERESSE DA SOCIEDADE PRATICOU ATOS ADMINISTRATIVOS, ATOS DE AUTORIDADE, JA QUE REGIDOS POR NORMAS DE DIREITO PUBLICO E QUE NÃO PODERÃO PERMANECER FORROS A IMPUGNAÇÃO ATRAVES DO MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO PROVIDO. DECISÃO UNANIME.” Questão 3 CARLOS ROSA impetrou mandado de segurança contra ato omissivo do magistrado de primeiro grau por não ter prolatado sentença no tempo previsto na lei processual. O processo estava concluso para sentença há mais de um ano.Nas suas informações, o impetrado admitiu ter colocado o processo na "pilha para sentença", onde permaneceu por mais de um ano, sem qualquer decisão.O relator solicitou diligência à Corregedoria, em que se constatou haver, na mesma pilha, mais de 100 processos conclusos para sentença, alguns há mais de 1 ano. O Ministério Público opina pela denegação da ordem por ser o writ o meio inidôneo. Pergunta-se: O Michell Nunes Midlej Maron 26 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos Mandado de Segurança é o remédio constitucional adequado para tutelar o direito do impetrante? Por quê? Há direito líquido e certo? Em caso de resposta positiva, qual? Resposta à Questão 3 O TJ/RJ decidiu a questão no MS 2004.004.1439: “MANDADO DE SEGURANCA. DES. SERGIO CAVALIERI FILHO. Julgamento: 20/10/2004 - SEGUNDA CAMARA CIVEL. MAGISTRADO. EXCESSO DE PRAZO PARA SENTENCA. OMISSAO. IRREGULARIDADE PROCESSUAL. MANDADO DE SEGURANÇA. Omissão do Magistrado Em Prolatar Sentença no Prazo Legal. Direito Líquido e Certo da Parte Em Obter a Decisão. Via Mandamental Idônea. Segurança Concedida. Apurada administrativamente a ocorrência de irregularidade no andamento do processo, e até admitido pelo Magistrado ter o processo permanecido na pilha para sentença por mais de um ano sem qualquer decisão, impõe-se reconhecer a indevida omissão da autoridade judiciária no cumprimento do seu dever de julgar. É direito liquido e certo da parte obter a decisão judicial no prazo legal, caso em que o mandado de segurança se apresenta como via idônea para obter a tutela desse direito. Segurança concedida.” 4. Mandado de segurança contra atos legislativos De modo geral, não se admite a impetração de mandado de segurança para controle de atos legislativos, eis que eles são abstratos e genéricos, desafiando controle de constitucionalidade. O que se admite, porém, é a impetração de mandado de segurança para controle de lei de efeitos concretos, justamente por não ter, esta lei, a abstração e generalidade típica dos atos legislativos. A lei de efeitos concretos é lei formal, mas materialmente é um ato administrativo, e por isso desafia mandamus. Há uma utilização peculiar do mandado de segurança que é perfeitamente admitida: este pode ser utilizado como instrumento de controle judicial preventivo de constitucionalidade. O STF entende cabível a impetração de mandado de segurança por parlamentar que vise a impedir a tramitação de proposta de emenda constitucional contrária a cláusula pétrea. O que está em alvo de segurança, ali, é o direito líquido e certo do parlamentar ao devido processo legislativo reformador da Constituição. Não é possível, porém, a mesma utilização para impedir a tramitação de projeto de lei inconstitucional, mas apenas emendas inconstitucionais, porque a tramitação de projetos de lei inconstitucionais não é vedada na CRFB, como o é a de emendas, no artigo 60, § 4º, que impede a deliberação sobre tais matérias: “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. (...)” Michell Nunes Midlej Maron 27 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos 5. Mandado de segurança contra ato disciplinar A Lei 1.533/51 proibia a utilização do mandamus contra ato administrativo de natureza disciplinar. A nova Lei 12.016/09, porém, não repetiu esta proibição, reforçando a tese jurisprudencial que já mitigava este descaimento. O que a jurisprudência entendia era que não cabia mandado de segurança para controlar o mérito do ato disciplinar, mas seria cabível para controle da legalidade de tal ato (como a inobservância do contraditório e ampla defesa, por exemplo). Este é o entendimento que deve ser mantido, na novel regulamentação. 6. Mandado de segurança coletivo O inciso LXX do artigo 5º da CRFB é a sede constitucional deste instrumento: “(...) LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados; (...)” A nova lei regulamentou este dispositivo nos artigos 21 e 22: “Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial. Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser: I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica; II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.” “Art. 22. No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante. § 1º O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva. § 2º No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas.” Repare que os interesses difusos não estão açambarcados no rol de proteção do mandamus coletivo, como se vê no parágrafo único do artigo 21, supra. A legitimidade dos partidos políticos não é muito clara. A redação é um tanto confusa, não deixando clara qual a margem de interesses que podem por ele serem Michell Nunes Midlej Maron 28 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos deduzidos em mandado de segurança coletiva. O problema, em verdade, é na própria legitimação constitucional dos partidos políticos, que nunca se justificou claramente. A sentença do mandado de segurança é secundum eventum litis, assim como na ação civil pública: para se beneficiar da decisão favorável no mandado coletivo, é preciso ter desistido do individual em trinta dias depois da ciência da impetração do coletivo que lhe alcance. 7. Honorários advocatícios e embargos infringentes Confirmando a jurisprudência anterior do STF, a lei 12.016/51 diz claramente que não são devidos honorários advocatícios de sucumbência no mandado de segurança. Veja o artigo 25 deste diploma: “Art. 25. Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé.” O artigo supra definiu também o descabimento de embargos infringentes no mandamus, quando a decisão de tribunal, em tese, desafiasse este recurso. 8. Competência A competência do mandado de segurança é ratione personae, ou seja, é definida em razão da qualidade da autoridade coatora. No âmbito Federal, a CRFB detalha a competência. No âmbito estadual, esta competência é definida na Constituição Estadual e nas leis de organização judiciária de cada Estado, sendo que a divisão interna de competência vem prevista nos regimentos internos dos Tribunais. A EC 45/04 promoveu uma pequena alteração na competência do mandado de segurança envolvendo questão trabalhista. Excepcionalmente, é cabível o mandamus para controle de ato praticado pelo juiz do trabalho. Antes desta emenda, quando o juiz do trabalho fosse a autoridade coatora, sendo ele um juiz federal, a competência para o mandado de segurança era do TRF, como visto. Hoje, porém, segundo o inciso IV do artigo 114, na justiça do trabalho foi eleito o critério ratione materiae para o mandado de segurança trabalhista, e não a regra geral, ratione personae. Veja: “Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (...) IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (...)” O artigo 2º da nova lei é relevante neste tópico: “Art. 2º Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada.” Michell Nunes Midlej Maron 29 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos Esta previsão cria uma situação estranha: qual será a competência para julgar o mandado de segurança impetrado contra dirigente de sociedade de economia mista controlada pela União? O artigo 109, I, da CRFB dispõe que: “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; (...) VIII - os mandados de segurança e os "habeas-data" contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais; (...)” Ora, a sociedade de economia mista não está no rol do inciso I do artigo supra, pelo que é dada a competência para suas causas à Justiça Estadual, mas a autoridade federal está na previsão do inciso VIII, e a redação do artigo 2º da Lei 12.016/09, acima, considera autoridade federal aquela que represente entidade controlada pela União. Sendo assim, o mandado de segurança impetrado contra ato de dirigente de sociedade de economia mista controlada pela União terá a competência sediada na Justiça Federal, em se observando esta nova previsão do artigo 2º do novel diploma. A perplexidade se dá pela segmentação procedida: as ações regulares que envolvam sociedades de economia mista da União são de competência da Justiça Estadual, enquanto os mandados de segurança contra atos desta mesma sociedade são de competência da Justiça Federal, porque são atos praticados por autoridade federal, nos termos da nova lei. Pelo ensejo, as empresas públicas e sociedades de economia mista integram a administração pública indireta, mas são pessoas jurídicas de direito privado. Por isso, só é cabível mandado de segurança para controlar atos praticados por dirigentes destas empresas quando a natureza do ato se relacionar com alguma atribuição do Poder Público. Por exemplo, uma ingerência ilegal de um dirigente de um banco público sobre uma conta-corrente por ele gerenciada não desafia mandado de segurança, mas a preterição em concurso público para ingresso neste mesmo banco enseja o mandamus, pois o respeito à ordem do concurso é atribuição de caráter público. Esta dinâmica se encontra prevista no § 2º do artigo 1º da Lei 12.016/09, já transcrito. Se o ato coator foi praticado por uma determinada autoridade, mas o seu superior avocou a competência para o ato antes da impetração do mandado, este passa a ser a autoridade a ser apontada como coatora. Se a avocação se der após a impetração do mandamus, porém, não haverá relevância para definição do juízo competente: a avocação posterior do ato não pode deslocar a competência definida inicialmente. Mesmo encampado o ato, não se desloca a competência. Há entendimento de que se o impetrante apontar erroneamente a autoridade responsável pelo ato, o juiz deve notificar a real autoridade coatora, e se a competência for outra, deve remeter para lá os autos. Assim o é porque, por vezes, a estrutura da administração pública torna difícil a identificação, pelo impetrante, de quem seja a autoridade a ser apontada. Mas há quem defenda que, no erro do aponte da autoridade pelo impetrante, o processo deveria ser extinto – o que não se coaduna com a natureza de garantia do mandamus. Michell Nunes Midlej Maron 30 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos 9. Descumprimento de decisões do writ O artigo 26 da Lei 12.016/09 dispõe que é crime de desobediência o descumprimento de qualquer decisão do mandado de segurança. Veja: “Art. 26. Constitui crime de desobediência, nos termos do art. 330 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o não cumprimento das decisões proferidas em mandado de segurança, sem prejuízo das sanções administrativas e da aplicação da Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950, quando cabíveis.” É claro que quando o descumprimento for simplesmente por absoluta impossibilidade material, não há que se falar em configuração do crime, porque carece de qualquer ânimo do descumpridor, e a imputação de crime seria atribuição de responsabilidade penal objetiva, o que é inadmissível. Casos Concretos Questão 1 O Partido Integralista impetrou Mandado de Segurança coletivo em face do Decreto 500/91 do Município de Mananciais, que trata de majoração do IPTU.O Tribunal de Justiça do Estado concedeu a segurança. Irresignado, o município recorreu à competente instância suscitando a ilegitimidade do partido político para a propositura do respectivo mandado de segurança coletivo, uma vez que este não poderia agir em nome dos contribuintes, mas, somente, em defesa de direito seu ou de seus filiados. Aduz, ainda, que, para proteção dos interesses dos contribuintes de IPTU, no presente caso, caberia ação civil pública. Pergunta-se: 1) Partido político tem legitimidade para propositura de mandado de segurança coletivo, em quais hipóteses? 2) É cabível o mandado de segurança coletivo em favor de pessoas não filiadas ao partido político? 3) Demonstre semelhanças e diferenças na legitimidade ativa e na passiva entre o mandado de segurança individual e o coletivo. Decida a questão, fundamentadamente, não deixando de citar os pressupostos de cabimento do mandado de segurança coletivo. Resposta à Questão 1 1) Sim, nas hipóteses expressamente consignadas no artigo 21 da Lei 12.016/09. 2) A redação do dispositivo é um tanto truncada, mas dali se depreende que somente para defesa de filiadas ou de interesse do partido em si,não de pessoas alheias aos quadros. 3) Os direitos individuais homogêneos são passíveis de segurança por um ou outro meio, sendo poucas as outras semelhanças. Veja o RE 196.184: Michell Nunes Midlej Maron 31 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos “RE 196184 / AM – AMAZONAS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. ELLEN GRACIE. Julgamento: 27/10/2004. Órgão Julgador: Primeira Turma. Ementa: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DE PARTIDO POLÍTICO. IMPUGNAÇÃO DE EXIGÊNCIA TRIBUTÁRIA. IPTU. 1. Uma exigência tributária configura interesse de grupo ou classe de pessoas, só podendo ser impugnada por eles próprios, de forma individual ou coletiva. Precedente: RE nº 213.631, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 07/04/2000. 2. O partido político não está, pois, autorizado a valer-se do mandado de segurança coletivo para, substituindo todos os cidadãos na defesa de interesses individuais, impugnar majoração de tributo. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido.” Questão 2 JOÃO CARLOS, candidato ao concurso de Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, impetra mandado de segurança em que impugna o conteúdo de determinadas questões, bem como o contraste delas com normas do edital. Aponta o Presidente do Tribunal como autoridade impetrada. A Procuradoria do Estado requer a extinção do feito sem resolução do mérito por que o fato de ser aquela autoridade presidente da comissão de concurso, não o qualifica como autoridade coatora, já que o certame fora terceirizado, cabendo a uma outra instituição privada a elaboração das questões. Manifeste-se acerca do cabimento do respectivo writ. Resposta à Questão 2 A questão é bastante controvertida, mas o STJ reputa autoridade coatora quem organizou o certame. Veja o Ag. Rg. no RMS 24.116: “AgRg no RMS 24116 / AM. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DJe 02/06/2008. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIDADE COATORA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. INAPLICABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO HIERÁRQUICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. AGRAVO DESPROVIDO. I – No caso, cabe ao Centro de Seleção e Promoção de Eventos (CESPE) elaborar as questões da prova do concurso e julgar os respectivos recursos administrativos. II – Insurgindo-se o mandado de segurança contra ato de atribuição do CESPE/FUB (conteúdo de questão de concurso em contraste com normas do edital), o e. Desembargador Presidente da Comissão do Concurso não deve figurar como autoridade coatora. III – Além da manifestação acerca do mérito do mandamus por parte da autoridade apontada coatora, exige-se, para fins de aplicação da “teoria da encampação”, vínculo hierárquico imediato entre aquela autoridade e a que deveria, efetivamente, ter figurado no feito. IV – In casu, não existe relação de hierarquia entre o e. Desembargador Presidente da Comissão do Concurso e o CESPE/FUB. Agravo regimental desprovido.” 10. Relativização da coisa julgada – perspectiva moderna A doutrina fala sobre a flexibilização da coisa julgada em duas posições: Barbosa Moreira e Nelson Nery Júnior entendem que a coisa julgada não é suscetível de flexibilização, mitigação ou relativização. Há dois fundamentos: a ação rescisória só Michell Nunes Midlej Maron 32 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos cabe em hipóteses taxativamente descritas no artigo 485 do CPC. Também não se pode esquecer que a rescisória é utilizada para hipóteses de error in procedendo, e não de error in judicando. Para eles, a coisa julgada é um dogma. É uma posição conservadora. Em perspectiva mais moderna, outrossim, há autores que admitem a flexibilização, a mitigação e a relativização da coisa julgada, desde que haja ponderação entre dois princípios constitucionais: o da justiça das decisões judiciais, que é cristalizado pelo princípio do acesso à justiça, e a segurança nas relações jurídicas, corporificada na garantia da proteção à coisa julgada material – a coisa julgada não é absoluta. Sobre a fundamentação teórica desta segunda corrente, há quatro posições: a teoria do direito alternativo, de Amílton Bueno de Carvalho, para quem o direito não se confunde com a justiça, ou seja, nem tudo o que legal é justo. Seria ilegal a mitigação da coisa julgada. O ato viola o direito, mas atende à justiça. Há também a teoria da impossibilidade jurídica dos efeitos da decisão, de Cândido Rangel Dinamarco. Coisa julgada é o caráter imutável dos efeitos substanciais das decisões de mérito. Só são suscetíveis os efeitos que sejam juridicamente possíveis. Por exemplo, não poderia ser possível que um servidor público tivesse decisão num sentido e outro servidor em outro sentido. Significaria, tal hipótese, a inexistência de coisa julgada material. Ainda há a teoria da joisa julgada inconstitucional, que hoje é a posição mais difundida, sendo reputada ao Ministro José Augusto Delgado, do STJ. Inconstitucionalidade é um vício que alcança todos os atos do Poder Público (legislativos, executivos e judiciais). Neste caso, há invalidade da coisa julgada, ou seja, ela existe, mas é inconstitucional. Por fim, há a teoria da cedência recíproca entre os princípios constitucionais, de Maria Cristina Almeida. Cedência recíproca implica na necessidade de ponderação com outros princípios constitucionais, entre coisa julgada e outros princípios. Por exemplo, a coisa julgada cede em ponderação com o princípio da verdade biológica, ou com o princípio da tutela do meio ambiente sadio, ou ainda com o princípio da tutela do patrimônio público. 10.1. Instrumentos processuais Há quatro posições doutrinárias sobre o tema. Para Humberto Theodoro Júnior, devem ser utilizadas as ações autônomas de impugnação ordinárias, quais sejam, a ação rescisória e os embargos à execução. Se houver coisa julgada, não há prazo nem para a rescisória e nem para os embargos. Pontes de Miranda, por seu lado, entende que a coisa julgada deve ser relativizada através de nova demanda. Deve ser oferecida nova demanda com o mesmo objeto. Deve-se desconsiderar a primeira coisa julgada formada e entrar com uma nova ação igual. Há precedentes do STF adotando esta posição. Para Wilson Marques, seria cabível o mandado de segurança, e também se deve desconsiderar o prazo de cento e vinte dias. E há ainda quem aponte a ação declaratória de nulidade absoluta, a querella nullitatis insanabilis: declara que existe no caso concreto uma nulidade absoluta. Essa ação não tem prazo e se entende hoje que não está restrita à inexistência de citação. Entende-se que é cabível em qualquer nulidade. É a posição mais seguida, principalmente por Ada Pellegrini Grinover. Michell Nunes Midlej Maron 33 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos Alguns julgados demandam transcrição, os primeiros, enquanto a matéria era dada ao STF, e em seguida aqueles julgados pelo STJ, quando encampou a matéria, após a CRFB de 1988: “RE 97589 / SC - SANTA CATARINA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. MOREIRA ALVES. Julgamento: 17/11/1982. Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO. Ementa: AÇÃO DECLARATORIA DE NULIDADE DE SENTENÇA POR SER NULA A CITAÇÃO DO RÉU REVEL NA AÇÃO EM QUE ELA FOI PROFERIDA. 1.PARA A HIPÓTESE PREVISTA NO ARTIGO 741, I, DO ATUAL CPC - QUE E A DA FALTA OU NULIDADE DE CITAÇÃO, HAVENDO REVELIA - PERSISTE, NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO - A "QUERELA NULLITATIS", O QUE IMPLICA DIZER QUE A NULIDADE DA SENTENÇA, NESSE CASO, PODE SER DECLARADA EM AÇÃO DECLARATORIA DE NULIDADE, INDEPENDENTEMENTE DO PRAZO PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO RESCISÓRIA, QUE, EM RIGOR, NÃO E A CABIVEL PARA ESSA HIPÓTESE. 2.RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO, NEGANDOSE-LHE, POREM, PROVIMENTO.” “REsp 240712 / SP. DJ 24/04/2000 p. 38. PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA. EFEITOS. COISA JULGADA. 1. Efeitos da tutela antecipada concedidos para que sejam suspensos pagamentos de parcelas acordados em cumprimento a precatório expedido. 2. Alegação, em sede de Ação Declaratória de Nulidade, de que a área reconhecida como desapropriada, por via de Ação Desapropriatória Indireta, pertence ao vencido, não obstante sentença trânsito em julgado. 3. Efeitos de tutela antecipada que devem permanecer até solução definitiva da controvérsia. 4. Conceituação dos efeitos da coisa julgada em face dos princípios da moralidade pública e da segurança jurídica. 5. Direitos da cidadania em face da responsabilidade financeira estatal que devem ser asseguradas. 6. Inexistência de qualquer pronunciamento prévio sobre o mérito da demanda e da sua possibilidade jurídica. 7. Posição que visa, unicamente, valorizar, em benefício da estrutura social e estatal, os direitos das partes litigantes. 8. Recurso provido para garantir os efeitos da tutela antecipada, nos moldes e nos limites concedidos em primeiro grau.” “REsp 226436 / PR. DJ 04/02/2002 p. 370. PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO DE AÇÃO ANTERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE POR FALTA DE PROVAS. COISA JULGADA. MITIGAÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES. DIREITO DE FAMÍLIA. EVOLUÇÃO. RECURSO ACOLHIDO. I – Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admitese o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido. II – Nos termos da orientação da Turma, "sempre recomendável a realização de perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza" na composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real. Michell Nunes Midlej Maron 34 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos III – A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização do processo justo, "a coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade". IV – Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum.” A posição do TJ-RJ é a de que não há que se falar em coisa julgada inconstitucional, seguindo, portanto, a posição conservadora de Barbosa Moreira. Em regra, a decisão de invalidade produz efeitos ex tunc. 11. Honorários No mandado de segurança, não há condenação a pagamento de honorários advocatícios, qualquer que seja o resultado do mandamus. A matéria é sumulada, no STF, no enunciado 512, e no STJ, no enunciado 105: “Súmula 512, STF: Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança” “Súmula 105, STJ: Na ação de mandado de segurança não se admite condenação em honorários advocatícios.” 12. Sentenças falsamente terminativas ou falsamente definitivas Imagine-se que o réu argua ilegitimidade passiva, e o juiz, ao final do processo, constate que, pelas provas trazidas, realmente nada tem a ver com a ação proposta. Esta sentença será pela improcedência, ou será extintiva pela falta da condição da ação? Pela teoria da asserção, a sentença tem que ser definitiva, ou seja, se houve provas suficientes para demonstrar que o réu não deveria estar no pólo passivo, é porque o pedido em face dele é improcedente, e deve transitar materialmente em julgado. Só seria sentença terminativa, por carência de legitimidade passiva, se esta fosse percebida sem necessidade de provas, ou seja, se fosse um erro teratológico de apontamento do pólo passivo, por exemplo – quando então faria coisa julgada apenas formal. Contudo, há quem julgue esta lide, com provas da ilegitimidade, em sentença terminativa, sem incursão no mérito. É imprecisão que não deve prosperar, porém, sendo a sentença falsamente terminativa – devendo fazer coisa julgada material, portanto, mesmo extinguindo pelo artigo 267, VI, do CPC. Outro exemplo é o do mandado de segurança: se for concedida a segurança, a sentença é de mérito, fulcrada no artigo 269, I, do CPC. A denegação da segurança, por sua vez, é mais complexa: pode se dar por causa terminativa, ou por enfrentamento do mérito, respectivamente fazendo coisa julgada formal e material. Todavia, há um severo problema a ser abordado: se a denegação da segurança for por ausência de direito líquido e certo, há que se definir a natureza do direito líquido e certo no mandamus: se se tratar de condição especial da ação mandamental, a sentença que assim se justifica é terminativa, pois não enfrentou o mérito – fazendo apenas coisa julgada formal; se se entender que se trata de prova pré-constituída, pois este rito não conta, em regra, com Michell Nunes Midlej Maron 35 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos fase instrutória2, e, por compor o próprio mérito do writ, a sentença que assim se fundar será definitiva – artigo 269, I, do CPC, improcedência por falta de provas –, e portanto, fará coisa julgada material. No processo civil, a tese prevalente é a que entende como prova pré-constituída, pelo que a sentença assim exarada faz coisa julgada material. Veja que o STF parece adotar tese que a improcedência, para o impetrante, não faz coisa julgada material, pelo que se depreende da sua súmula 304: “Súmula 304, STF: Decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria.” 13. Mandado de segurança contra ato da administração na licitação Os participantes da licitação podem impetrar mandado de segurança contra ato de habilitação ou inabilitação, ao invés do recurso administrativo, ou se o julgamento dos recursos for insatisfatório, e puder ser considerado ato eivado de ilegalidade. Se neste mandamus o impetrante conseguir uma liminar para conceder efeito suspensivo, o procedimento será suspenso. Se o mandado de segurança for impetrado já existindo recurso administrativo com concessão de efeito suspensivo do certame, a maior parte da doutrina entende que o writ carece de interesse processual, interesse-necessidade, e por isso deveria ser extinto. Outra parte da doutrina, minoritária, privilegia a inafastabilidade do Judiciário, e defende que o writ seja processado regularmente. As empresas estatais que desempenham atividade econômica são passíveis de mandado de segurança, quanto aos aspectos desta empresa que são regidos pelo direito público. Por exemplo, não há que se falar em mandado de segurança contra ato do gerente do Banco do Brasil na manutenção da conta-corrente, mas é possível a impetração de um writ contra a preterição em concurso público realizado para esta sociedade de economia mista. 14. Direito líquido e certo O procedimento dos remédios constitucionais deve ser o mais célere e ágil possível. Afora a ação popular, todos os demais remédios, inclusive, demandam a existência do chamado direito líquido e certo, apesar desta expressão constar unicamente do texto do dispositivo do mandado de segurança. É direito líquido e certo aquele que é certo quanto à sua existência, delimitado quanto a sua extensão, e que pode ser exercido de plano, ante a prova pré-constituída de sua delimitação e certeza. Na verdade, o que é líquido e certo é o fato que fundamenta o direito que se pretende, eis que o fato precisa estar claramente comprovado. Tanto que o direito ser controvertido, havendo mais de uma tese em debate na doutrina ou jurisprudência, não impede a impetração de mandado de segurança, por exemplo, como se vê no enunciado 625 da súmula do STF: “Súmula 625, STF: Controvérsia sobre matéria de direito não impede a concessão de mandado de segurança.” 2 A prova pré-constituída é dispensada, realizando-se uma excepcional “mini-fase instrutória”, quando a prova estiver em poder da autoridade coatora. Michell Nunes Midlej Maron 36 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos Esta lógica, como dito, serve para todas as ações constitucionais: em todas elas inexiste dilação probatória, à exceção da ação popular. No habeas corpus, por exemplo, é preciso que haja prova da restrição indevida ao direito de locomoção plenamente constituída, pois do contrário a impetração será infundada. O caráter sumário destas ações é perfeitamente compatível, favorável até, à concessão de liminares nestas ações. No mandado de segurança, são os detentores dos direitos ameaçados ou violados que têm a legitimidade ordinária para sua defesa. Excepcionalmente, órgãos, como o MP ou as assembléias legislativas, por exemplo, poderão receber esta legitimidade, se o direito que estiver em mira for pertencente ao bojo de prerrogativas destas mesmas instituições. Assim, é caso excepcional em que um órgão, e não uma pessoa, pode deduzir lide em juízo. No mandado de segurança, a tutela destina-se somente a fazer cessar a ilegalidade aviltante ao direito em questão. Não se pode pretender no mandamus, por exemplo, a condenação ao pagamento de verba pecuniária. Seguindo o artigo 8º da revogada Lei 1.533/51, hoje replicado no artigo 10 da Lei 12.016/09, os juízes mais apegados ao formalismo extinguiam o mandado de segurança, quando se demonstrasse necessária a produção de provas alheias às documentais, porque não há dilação probatória no rito do mandamus. Veja os dispositivos: “Art. 8º - A inicial será desde logo indeferida quando não for caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos desta lei. Parágrafo único. De despacho de indeferimento caberá o recurso previsto no art. 12.” “Art. 10. A inicial será desde logo indeferida, por decisão motivada, quando não for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos legais ou quando decorrido o prazo legal para a impetração. § 1º Do indeferimento da inicial pelo juiz de primeiro grau caberá apelação e, quando a competência para o julgamento do mandado de segurança couber originariamente a um dos tribunais, do ato do relator caberá agravo para o órgão competente do tribunal que integre. § 2º O ingresso de litisconsorte ativo não será admitido após o despacho da petição inicial.” Ocorre que esta não parece ser a melhor orientação, ante a busca pela efetividade processual. Inexistindo prejuízo na conversão do rito, a instrumentalidade dos atos processuais recomenda que seja aproveitado o processo, promovendo a adaptação necessária. Destarte, o juiz poderá, sim, determinar a emenda à inicial, de forma que se converta o rito do mandado para o ordinário, permitindo a dilação probatória necessária à solução do litígio. 15. Mandado de segurança criminal É perfeitamente admissível o mandado de segurança em matéria penal, nos mesmos moldes de qualquer mandado de segurança. Quando a impetração for por parte da acusação, o réu deve ser citado como litisconsorte da autoridade coatora. Veja a súmula 701 do STF: “Súmula 701, STF: No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo.” Michell Nunes Midlej Maron 37 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos Discussão que foi ultrapassada com a edição da nova Lei de Mandado de Segurança, Lei 12.016/09, é a que deu origem à súmula 267 do STF: “Súmula 267, STF: Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição.” Sobre este tema, três eram as posições antes da Lei 12.016/09. A primeira defendia que se há recurso, simplesmente não cabe mandado de segurança, interpretando literalmente a súmula acima. A segunda entendia que, se o recurso cabível não tem efeito suspensivo, o mandado é cabível, de forma a prevenir o dano causado pela vigência da decisão. E a terceira, variante da segunda, dizia que se o recurso não tem efeito suspensivo, é cabível o mandado, mas ainda assim é necessária a interposição concomitante do recurso – quando o mandado assumirá efeitos exclusivamente de conferir efeito suspensivo a este recurso. O que se levava em conta era se o recurso, por si só, poderia reparar o dano eventual, ou se a impetração era necessária para tanto. O artigo 5°, II, da Lei 12.016/09, porém, parece ter posto fim à discussão: “Art. 5° Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; III - de decisão judicial transitada em julgado. Parágrafo único. (VETADO)” Existem hipóteses em que, mesmo havendo efeito suspensivo do recurso cabível, ainda assim não será, este recurso suspensivo, suficiente para sanar os danos a que a parte se encontra sujeita. Neste caso, mesmo com o recurso tendo efeito suspensivo, a doutrina tem admitido a impetração concomitante do mandamus, ainda hoje. Pode o mandado de segurança ser utilizado para dar efeito suspensivo ao recurso, quando, por exemplo, alvejar uma decisão que concedeu a liberdade provisória em caso em que esta era vedada? Veja que esta decisão só desafia recurso em sentido estrito, que tem somente efeito devolutivo. A jurisprudência tende a negar a admissibilidade de mandado de segurança para atribuir efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito, ou recurso similar (como o agravo em execução), sobremaneira quando em prol da acusação. Veja: “HC 89308 / SP (STJ – 5ª turma - DJ 19.11.2007 p. 266). (...) 1. Não é possível, por meio de mandado de segurança, emprestar efeito suspensivo a recurso de agravo em execução interposto pelo Ministério Público (...) almejando desconstituir a decisão do juízo das execuções criminais que assegura ao condenado o direito à progressão carcerária. (...) 3. Habeas Corpus concedido para, cassando o acórdão proferido nos autos do MS n.º 1.014.862.3/3-00, assegurar ao ora Paciente o direito de aguardar no regime semi-aberto a decisão colegiada a ser tomada pelo Tribunal de origem no julgamento do agravo em execução ao qual a referida ação mandamental emprestava efeito suspensivo. HC 45830 / SP (STJ – 6ª Turma - DJ 06.02.2006 p. 360).” “HABEAS CORPUS. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONTRA DECISÃO CONCESSIVA DE LIBERDADE PROVISÓRIA. ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A Michell Nunes Midlej Maron 38 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ATO JUDICIAL PASSÍVEL DE RECURSO. INCABIMENTO. 1. É firme o entendimento jurisprudencial deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é incabível mandado de segurança para atribuir efeito suspensivo a recurso em sentido estrito de decisão concessiva de liberdade provisória. 2. Ordem concedida.” “2007.078.00370 - MANDADO DE SEGURANCA - 1ª Ementa DES. CAIRO ITALO FRANCA DAVID - Julgamento: 28/02/2008 - SETIMA CAMARA CRIMINAL. Mandado de Segurança, através do qual o Ministério Público busca conferir efeito suspensivo a agravo interposto contra decisão do Juiz da Vara de Execuções Penais, que deferiu a progressão de regime em crime equiparado aos hediondos, tomando por base os requisitos objetivos previstos na legislação anterior, exigindo assim o cumprimento de um sexto (1/6) da pena corporal. 1 - O artigo 197 da Lei 7.210/84, de forma expressa, dispõe que o agravo contra as decisões do juiz das execuções não possui efeito suspensivo. 2 - O deferimento desse efeito, além de extrapolar a previsão legal, importaria em restrição aos direitos do apenado. 3 - O impetrante não demonstrou a liquidez e certeza do seu direito. 4 - Já em vigor a Lei n° 11.464/07 que permite a progressão do regime. 5 - Não houve violação da coisa julgada, já que o Juiz da VEP, no exercício da jurisdição, decidiu dentro dos limites legais, incidente de execução da reprimenda. 6 Segurança denegada.” Reitere-se: ainda que o recurso cabível tenha efeito suspensivo, é a irreparabilidade do dano pela via recursal que torna possível o manejo de mandado de segurança. Este é o critério nodal de cabimento do remédio. 15.1. Hipóteses casuísticas de cabimento Contra a não admissão do assistente de acusação, é cabível mandado de segurança, como se pode ver no julgado abaixo, do TJ/RJ: “2006.069.00010 - CARTA TESTEMUNHAVEL - 1ª Ementa DES. KATIA JANGUTTA - Julgamento: 25/10/2007 - SEXTA CAMARA CRIMINAL. CARTA TESTEMUNHÁVEL - INADMISSÃO DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO INTERPOSTO DO INDEFERIMENTO DA HABILITAÇÃO DO RECORRENTE COMO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. Preliminar de intempestividade que se rejeita, uma vez a presente medida foi manejada dentro do prazo de 48 horas previsto no artigo 640 do Código de Processo Penal, contado da ciência da ora Testemunha da decisão recorrida, inexistindo prova de que tenha sido ela intimada do decisum, antes daquele prazo. A par da discussão sobre o legítimo interesse recursal da ora Testemunhante, na reforma de decisão que inadmite Recurso em Sentido Estrito interposto de outro decisum que homologa a suspensão condicional do processo, nos termos do artigo 89 da Lei 9.099/90, reza o artigo 273 do Código de Processo Penal, que do despacho que admite ou não a habilitação do assistente de acusação, o que é o caso dos autos, no qual sequer houve, ainda, a homologação da suspensão concedida, não caberá recurso, devendo constar dos autos o pedido e a decisão, e à ausência de previsão de recurso específico, incabível se mostra o recurso em sentido estrito, não podendo servir a carta testemunhável de meio para o juízo de admissibilidade respectivo, merecendo o indeferimento da habilitação, se assim entender a parte interessada, ser atacada por via do mandado de segurança, pelo qual poderá ver satisfeita sua pretensão de garantir a reparação do dano. Rejeição da preliminar e não conhecimento da Carta Testemunhável.” Michell Nunes Midlej Maron 39 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos Para a liberação de arma que fora apreendida, após suspensão ou arquivamento do processo, tendo havido extinção da punibilidade, se há direito à posse de tal arma, é também cabível: “2005.078.00039 - MANDADO DE SEGURANCA - 1ª Ementa DES. SILVIO TEIXEIRA - Julgamento: 21/06/2005 - QUINTA CAMARA CRIMINAL MANDADO DE SEGURANÇA. POSSE DE ARMA REGISTRADA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. Tem o direito líquido e certo de continuar na posse de sua arma de fogo o agente que, embora preso em flagrante por porte ilegal, comprova tê-la registrado normalmente no órgão público e não veio a ser condenado, porque declarada extinta a punibilidade pelo decurso do prazo de suspensão condicional do processo. Concessão.” Cabe também para obstar a redução de salário em razão de processo criminal: “RMS 13088 / PR (STJ – 5ª TURMA - DJ 11.02.2008). ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. AFASTAMENTO DAS FUNÇÕES EM RAZÃO DE DENÚNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO POR PRÁTICA DE CRIME FUNCIONAL. REDUÇÃO DE VENCIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE. SUPRESSÃO DAS PARCELAS QUE CESSAM QUANDO DO NÃO-EXERCÍCIO DO CARGO. NÃOFERIMENTO AO PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. 1. É firme o entendimento no âmbito desta Corte Superior de Justiça no sentido de que é proibida a redução de qualquer parcela do vencimento de servidores afastados de suas funções, até o trânsito em julgado do processo criminal pelo qual responde, excetuando-se, contudo, as parcelas estritamente ligadas ao exercício da atividade. Precedentes. 2. Recurso conhecido e parcialmente provido.” A questão da competência para impetração de mandado de segurança contra ato de turma recursal se resolve por analogia à súmula 690 do STF, com as discussões pertinentes, já travadas no estudo do HC – a posição atual do STF é que compete ao respectivo tribunal. Veja o julgado abaixo: “Ato de Turma Recursal de Juizado Especial Criminal: RMS e Competência do STF. Não cabe ao STF o conhecimento de recurso ordinário interposto contra decisão denegatória de mandado de segurança emanada de turma recursal de juizado especial criminal. Com base nesse entendimento, a Turma negou provimento a agravo regimental em recurso ordinário em mandado de segurança em que se alegava o cabimento do recurso. Entendeu-se que a Constituição é taxativa (art. 102, II, a) quanto à interposição de recurso em mandado de segurança, o qual só cabe contra acórdão de tribunal superior, e que, apesar de as turmas recursais funcionarem como segunda instância recursal, enquadram-se como órgãos colegiados de primeiro grau. Ademais, afastou-se a pretensão de interpretação, por analogia, com o recurso em habeas corpus interposto contra órgão colegiado de 1º grau, haja vista tratar-se de orientação superada em face do que decidido, pelo Plenário, no HC 86834/SP (j. em 23.8.2006), no sentido de que compete aos tribunais de justiça processar e julgar habeas corpus impetrado contra ato de turma recursal de juizado especial criminal. RMS 26058 AgR/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 2.3.2007. (RMS-26058).” Michell Nunes Midlej Maron 40 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos 15.2. Mandado de segurança e efeitos do recurso em sentido estrito O efeito devolutivo é claro: o tribunal fica limitado ao argumento apontado na peça de interposição. Há também efeito regressivo, como visto, que é o que permite a retratação. Não existe efeito suspensivo neste recurso: a decisão recorrida tem eficácia imediata. Suponha que o indivíduo tenha sido preso cautelarmente por crime hediondo, e, contra legem, tenha-lhe sido deferida a liberdade provisória com fiança. O MP recorrerá, por meio do recurso em sentido estrito, na forma do artigo 581, V, do CPP. Contudo, como não há efeito suspensivo, o réu terá que ser solto, pois a decisão liberatória estará vigente – permitindo risco de fuga do réu. Para evitar este risco, a doutrina tem admitido mandado de segurança ajuizado pelo MP, contra decisão que for manifestamente ilegal, teratológica, como esta. Não se pode confundir este cabimento excepcional de mandado de segurança quando se tratar de decisão injusta: somente a decisão ilegal pode ser passível deste ataque, e não a injusta. Veja o HC 70.392, do STF, e o MS 2002.004.00045, do TJ/RJ: “HC 70392 / DF - DISTRITO FEDERAL. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 31/08/1993. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA. Publicação: DJ 01-10-1993 PP-20214. Ementa: HABEAS CORPUS - CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISORIA - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (CPP, ART. 581, V) IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, OBJETIVANDO A OUTORGA DE EFEITO SUSPENSIVO A ESSE RECURSO - ORDEM MANDAMENTAL CONCEDIDA - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO QUE VEM A SER JULGADO PREJUDICADO PERDA SUPERVENIENTE DE OBJETO DO MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO - INSUBSISTENCIA DA OUTORGA AUTONOMA DE EFEITO SUSPENSIVO - ILEGALIDADE DA PRISÃO EXTENSAO DO HABEAS CORPUS AO CO-RÉU - PEDIDO DEFERIDO. A NATUREZA EMINENTEMENTE CIVIL DA AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA NÃO IMPEDE A SUA UTILIZAÇÃO EM SEDE PROCESSUAL PENAL, UMA VEZ CONFIGURADOS OS PRESSUPOSTOS DE IMPETRABILIDADE DO "WRIT" CONSTITUCIONAL. PRECEDENTES. REVESTE-SE DE LEGITIMIDADE A DECISÃO DO TRIBUNAL QUE, DEFERINDO MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO POR PROMOTOR DE JUSTIÇA, OUTORGA EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DEDUZIDO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA ATO JUDICIAL CONCESSIVO DE LIBERDADE PROVISORIA. - COM A EXTINÇÃO ANOMALA DA VIA RECURSAL, TORNARAM-SE INSUBSISTENTES AS CONSEQUENCIAS JURÍDICO-PROCESSUAIS DERIVADAS DA CONCESSÃO DO "WRIT" MANDAMENTAL, NOTADAMENTE A OUTORGA DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO QUE VEIO, EM DECISÃO NÃO IMPUGNADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, A SER JULGADO PREJUDICADO. EXTINTO O PROCEDIMENTO RECURSAL, NÃO PODE SUBSISTIR, AUTONOMAMENTE, A EFICACIA SUSPENSIVA QUE FOI DADA, EM SEDE MANDAMENTAL, AO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO.” “2002.004.00045. MANDADO DE SEGURANCA. DES. WILSON MARQUES - Julgamento: 02/09/2002 - ORGAO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. Utilização contra lei de efeitos concretos e contra lei em tese, de natureza proibitiva. Admissibilidade. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 266. Inaplicabilidade. Podem ser atacadas pela via mandamental, as chamadas leis de efeitos concretos, que são verdadeiros atos Michell Nunes Midlej Maron 41 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos administrativos em forma de atos legislativos e as próprias leis em tese, desde que proibitivas e, desse modo, dotadas de aptidão para lesar direitos com o só início da sua vigência. Legitimação passiva para a causa. Definição. No Mandado de Segurança, parte passiva é a pessoa jurídica a cujos quadros pertence a autoridade apontada como coatora, não esta própria que, portanto, em sede mandamental, não pode ostentar, em caso algum, a qualidade de parte legitima ou ilegítima. Ato praticado em execução de ordem do Exmo. Governador do Estado, por agente subalterno, desprovido de poder para esquivar-se de cumprir determinação superior. Mandado de Segurança impetrado contra o ato assim praticado. Competência do órgão Especial. Regimento Interno. Artigo 3°,1, "e" Aplicação. Se o ato foi praticado em execução de ordem superior, à qual o agente subalterno não poderia se esquivar, em razão de vínculos hierárquicos, coatores serão o executor e a autoridade superior, fixando-se a competência no juiz natural de grau mais elevado, se um for competente para julgar o mandamus contra ato do primeiro e outro o for para julgá-lo contra ato do segundo. Teto remuneratório. Decreto n° 25.168, de 01.01.99. Lei n° 3.548, de 10.04.01. Emendas Constitucionais n° 19 e 20 de 1.998 Artigo 29. Constituição Federal. Artigos 37, XI. 48, XV, 60, parágrafo 4°, IV e 5°, XXXVI. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1.988. Artigo 17. São dispositivos de eficácia contida e, pois, ineficazes, por falta de regulamentação, os artigos 37, XI e 40, parágrafo 11 da Constituição Federal, na redação que receberam, respectivamente, das Emendas Constitucionais n° 19 e 20, de 1.998. Quando os referidos dispositivos constitucionais adquirirem eficácia plena, os limites remuneratórios decorrentes da Emenda Constitucional n° 19 somente poderão ser aplicados a partir do início de sua vigência, não podendo retroagir, para colher atos e efeitos que ocorreram em momento anterior ao da sua promulgação e, pois, com ofensa ao direito adquirido, assegurado em cláusula pétrea constante do artigo 60, § 4°, IV, da Constituição Federl Preliminares (3) rejeitadas. Segurança concedida.” Repare que anteriormente, o STF entendia que era cabível mandado de segurança contra a negativa de vista dos autos, porque seria direito do advogado em discussão. Contudo, viu-se que esta ilegalidade é, de fato, uma medida de constrição ao investigado, e por isso é cabível o HC, preventivo. Veja a ementa do HC do STF, e trecho de seu teor: “HC 93767 MC/DF. Persecução penal - Sigilo - Direito de acesso do advogado, quando constituído (Transcrições). EMENTA: PERSECUÇÃO PENAL INSTAURADA EM JUÍZO OU FORA DELE. REGIME DE SIGILO. INOPONIBILIDADE AO ADVOGADO CONSTITUÍDO PELO INDICIADO OU PELO RÉU. DIREITO DE DEFESA. COMPREENSÃO GLOBAL DA FUNÇÃO DEFENSIVA. GARANTIA CONSTITUCIONAL. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DO ADVOGADO (LEI Nº 8.906/94, ART. 7º, INCISOS XIII E XIV). OS ESTATUTOS DO PODER NÃO PODEM PRIVILEGIAR O MISTÉRIO NEM COMPROMETER, PELA UTILIZAÇÃO DO REGIME DE SIGILO, O EXERCÍCIO DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS POR PARTE DAQUELE QUE SOFRE INVESTIGAÇÃO PENAL OU ACUSAÇÃO CRIMINAL EM JUÍZO. CONSEQÜENTE ACESSO AOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS JÁ DOCUMENTADOS, PRODUZIDOS E FORMALMENTE INCORPORADOS AOS AUTOS DA PERSECUÇÃO PENAL (INQUÉRITO POLICIAL OU PROCESSO JUDICIAL). POSTULADO DA COMUNHÃO OU DA AQUISIÇÃO DA PROVA. PRECEDENTES (STF). DOUTRINA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. - A pessoa que sofre persecução penal, em juízo ou fora dele, é sujeito de direitos e dispõe de garantias plenamente oponíveis ao poder do Estado (RTJ 168/896-897). A unilateralidade da investigação penal não autoriza que se desrespeitem as garantias básicas de que se acha investido, mesmo na fase pré- Michell Nunes Midlej Maron 42 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos processual, aquele que sofre, por parte do Estado, atos de persecução criminal. - O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução estatal), o direito de pleno acesso aos autos de persecução penal, mesmo que sujeita, em juízo ou fora dele, a regime de sigilo (necessariamente excepcional), limitando-se, no entanto, tal prerrogativa jurídica, às provas já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas, conseqüentemente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentadas no próprio inquérito ou processo judicial. Precedentes. Doutrina. (...) ‘A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações.’” Questão O juiz, diante do pedido do réu e seu defensor, concede ao réu a suspensão condicional do processo, tal como estipulado no artigo 89 da Lei 9.099/95. Após tomar ciência da decisão, o Ministério Público impetrou mandado de segurança, em que pleiteia liminar para fins de suspensão imediata da decisão atacada, bem como seja ao final concedida a segurança para anular a decisão. Indeferida a liminar e prestadas as informações pelo Juízo, opina a Procuradoria, por sua vez, favoravelmente ao pedido, ressaltando, todavia, que à luz do princípio da fungibilidade, que o mandamus seja recebido como reclamação, nos exatos termos do artigo 210 e seguintes do RITJRJ e do artigo 219 e segs. do CODJERJ. Afastada a controvérsia sobre a exata natureza jurídica da suspensão condicional do processo, explique se a segurança deve ser concedida, ou se deve ser acolhida a solução processual sugerida pela Procuradoria de Justiça. Resposta à Questão A decisão do juiz contraria a lei, porque a propositura da suspensão é atribuição do MP. Não há como se falar em fungibilidade entre uma ação e um recurso, como o é a correição; sequer seria necessária esta fungibilidade, porque o mandado de segurança é realmente o melhor instrumento para o caso. A ordem deve ser concedida. 16. Mandado de segurança em matéria tributária O mandado de segurança é ação constitucional dedicada a resguardar direitos fundamentais, e na seara tributária não é diferente. Os direitos fundamentais do contribuinte são protegidos por este instrumental, sempre que se virem lesados ou ameaçados de lesão por alguma ilegalidade cometida em matéria tributária. A origem do mandado de segurança, no Brasil, remonta à doutrina brasileira do habeas corpus, pois originalmente não se previa o writ of mandamus no ordenamento, e por isso o writ of habeas corpus era o instrumento mais amplo a defender os direitos fundamentais de larga gama (o qual é adstrito, hoje, ao direito de locomoção, como se sabe). Vale dizer que esta doutrina brasileira do habeas corpus é exceção à tradicional concepção deste writ, que em ordenamentos alienígenas sempre foi restrito à proteção à liberdade locomotiva. Somente na Constituição de 1934 o writ of mandamus assumiu a posição que hoje ocupa nas ações constitucionais de nosso direito. Michell Nunes Midlej Maron 43 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos O artigo 5º, LXIX, da CRFB, é a sede maior deste instrumento: “(...) LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; (...)” O direito é líquido e certo não por ser de pouca complexidade jurídica, de difícil concepção ou delineação pelo intérprete, mas sim porque os fatos a ele pertinentes estão comprovados de plano: o que torna o direito líquido e certo é a prova pré-constituída dos fatos a ele pertinentes. Assim o é porque não há dilação probatória no rito do mandamus, não sendo possível a existência de controvérsia sobre matéria de fato – não havendo qualquer óbice à existência de controvérsia sobre matéria de direito. Veja a súmula 625 do STF: “Súmula 625, STF: Controvérsia sobre matéria de direito não impede a concessão do mandado de segurança.” O mandado de segurança é residual: se o direito a ser protegido for amparável por habeas corpus ou habeas data, não será cabível o mandamus. A ilegalidade a que se vê sujeito o contribuinte pode ser efetiva ou potencial, ou seja, pode á existir a lesão ou ser esta uma ameaça (desde que concreta). Sendo iminente, o ato coator enseja mandado de segurança preventivo; sendo efetivo, o mandado de segurança é repressivo. No preventivo, por óbvio, não se exige que o contribuinte esteja já sob incidência da coação – se exige que a situação fática em que se encontre leve à incidência da coação. Se a coação vem de uma norma, é preciso que haja a subsunção clara da situação de fato do contribuinte à norma impugnada, ou não há interesse no mandamus preventivo (o qual se tornaria uma mera consulta ao Poder Judiciário). 16.1. Legitimidade passiva A legitimidade passiva compete a quem tenha a capacidade de exigir o tributo. Por isso, aquelas entidades meramente arrecadadoras não têm legitimidade passiva: a discussão de uma contribuição sindical, por exemplo, deve ser travada contra o ente federativo, a União, e não contra o sindicato em si, que não é quem tem a competência para exigir coativamente tal tributo. A legitimidade passiva pertence à entidade pública presentada pela autoridade emissora do ato coator. Não há litisconsórcio passivo necessário entre o ente e a autoridade coatora dele pertencente. Nos atos complexos, é legitimado passivo o ente autor do ato final, aquele que homologa ou aprova o ato final; nos atos de colegiados, a autoridade apontada é sempre seu presidente. A impetração contra lançamento deve ser dirigida contra o agente lançador, ainda que o lançamento tenha sido confirmado pelo Conselho de Contribuintes. Veja a súmula 59 do TFR: “Súmula 59, TFR: Autoridade Fiscal de Primeiro Grau - Legitimidade Passiva - Ação de Segurança - Decisão de Controvérsia - Grau de Recurso A autoridade fiscal de primeiro grau que expede a notificação para pagamento do tributo esta legitimada passivamente para a ação de segurança, ainda que Michell Nunes Midlej Maron 44 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos sobre a controvérsia haja decisão, em grau de recurso, de conselho de contribuintes.” A autoridade coatora deve prestar informações sobre o ato em dez dias (prazo não sujeito a quadruplicação ou duplicação, eis que já é expresso para a Fazenda). Indicada erroneamente a autoridade coatora, a jurisprudência já foi majoritária no sentido de que não poderia o impetrante emendar a inicial, tampouco o juiz corrigi-la de ofício. Hoje, é perfeitamente possível uma e outra solução, como se vê no REsp. 745.451, ao seguinte argumento: o indivíduo não é obrigado a conhecer a complexidade da máquina estatal, não podendo ser por isto prejudicado. Veja: “REsp 745451 / BA. DJ 27/11/2006 p. 247 PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO IMPUGNADO. DESCONTOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA A TÍTULO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (FUNPREV). AUTORIDADES APONTADAS COMO COATORAS. GOVERNADOR DO ESTADO E SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. 1. A nulidade processual que deve conduzir à nulificação do processo com a sua extinção sem resolução do mérito, deve ser deveras significativa de modo a sacrificar os fins de justiça do processo. É que o processo é instrumento de realização de justiça e não um fim em si mesmo, por isso que não se justifica, em prol da questão meramente formal, sacrificar a questão de fundo e deixar ao desabrigo da coisa julgada o litígio, fator de abalo da paz e da ordem social. 2. O princípio se exacerba no campo dos remédios heróicos de defesa dos direitos fundamentais, como soe ser o Mandado de Segurança, no qual a parte veicula lesão perpetrada por autoridade pública, que a engendra calcada na premissa da presunção de legitimidade de seus atos. 3. Consectariamente, a análise de questões formais, notadamente a vexata quaestio referente à pertinência subjetiva passiva da ação, com a descoberta da autoridade coatora no complexo administrativo, não deve obstar a perquirição do abuso da autoridade que caracteriza esse remédio extremo. 4. Deveras, a teoria da encampação e a condescendência com a aparência de correta propositura (error comunis facit ius) adotadas pela jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça denotam a necessária flexibilização da aferição dessa condição da ação, no afã de enfrentar e conjurar o ato abusivo da autoridade. 5. Sob esse enfoque, tem-se assentado que: ""PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. SUPOSTA ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. SECRETÁRIO DE ESTADO DA FAZENDA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL QUE IMPLEMENTOU OS REQUISITOS PARA APOSENTADORIA, MAS OPTOU PELA PERMANÊNCIA NO SERVIÇO PÚBLICO. DESCONTOS REFERENTES ÀS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DE 9% (LEI ESTADUAL 7.672/82) E 2% (LEI ESTADUAL 10.588/95). AUTORIDADE QUE DEFENDEU O MÉRITO DO ATO IMPUGNADO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. APLICAÇÃO. ISENÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 3º E 8º, DA EMENDA CONSTITUCIONAL 20/98, E DO ART. 40, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A essência constitucional do Mandado de Segurança, como singular garantia, admite que o juiz, nas hipóteses de indicação errônea da autoridade impetrada, permita sua correção através de emenda à inicial ou, se não restar configurado erro grosseiro, proceder a pequenas correções de ofício, a fim de que o writ cumpra efetivamente seu escopo maior. 2. "Não viola os artigos 1º e 6º da Lei n. 1.533/51 a decisão que, reconhecendo a incompetência do tribunal, em razão da errônea indicação da autoridade Michell Nunes Midlej Maron 45 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos coatora, determina a remessa dos autos ao juízo competente, ao invés de proclamar o impetrante carecedor da ação mandamental." (REsp 34317/PR). 3. Destarte, considerando a finalidade precípua do mandado de segurança que é a proteção de direito líquido e certo, que se mostre configurado de plano, bem como da garantia individual perante o Estado, sua finalidade assume vital importância, o que significa dizer que as questões de forma não devem, em princípio, inviabilizar a questão de fundo gravitante sobre ato abusivo da autoridade. Conseqüentemente, o Juiz, ao deparar-se, em sede de mandado de segurança, com a errônea indicação da autoridade coatora, deve determinar a emenda da inicial ou, na hipótese de erro escusável, corrigi-lo de ofício, e não extinguir o processo sem julgamento do mérito. 4. A errônea indicação da autoridade coatora não implica ilegitimidade ad causam passiva se aquela pertence à mesma pessoa jurídica de direito público; porquanto, nesse caso não se altera a polarização processual, o que preserva a condição da ação. 5. Deveras, a estrutura complexa dos órgãos administrativos, como sói ocorrer com os fazendários, pode gerar dificuldade, por parte do administrado, na identificação da autoridade coatora, revelando, a priori, aparência de propositura correta. 6. Aplica-se a teoria da encampação quando a autoridade apontada como coatora, ao prestar suas informações, não se limita a alegar sua ilegitimidade, mas defende o mérito do ato impugnado, requerendo a denegação da segurança, assumindo a legitimatio ad causam passiva. 7. Precedentes da Corte: AGA 538820/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 12/04/2004; RESP 574981/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 25/02/2004; ROMS 15262/TO, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 02/02/2004; AIMS 4993/DF, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJ de 19/02/2001. (...) 12. Sob pena de supressão de grau de jurisdição, não pode o Superior Tribunal de Justiça avançar no exame meritório, uma vez que o Tribunal a quo limitouse a extinguir o feito com base na ilegitimidade das autoridades apontadas como coatoras. 13. Recurso ordinário provido para reconhecer a legitimidade passiva do Secretário de Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, o que implica na anulação do aresto recorrido e conseqüente retorno dos autos à origem para julgamento do mérito." (RMS 19324/RS, desta relatoria, Primeira Turma, DJ de 03.04.2006) 6. Deveras, in casu, os benefícios foram auferidos por órgão do próprio Estado, mercê de convocada também a Secretaria de Fazenda, sendo certo que ambos encamparam o ato acoimado de ilegal e abusivo e assim reconhecido na instância a quo, com fulcro em fundamentos constitucionais, impassíveis de cognição pelo E. Superior Tribunal de Justiça, sob pena de usurpação das funções da Corte Maior. 7. Recurso especial a que se nega provimento.” Esta é uma manifestação da teoria da encampação, que é amparo para a alteração do aponte da pessoa posta no pólo passivo do mandamus. Quatro são os requisitos para a aplicação desta teoria da encampação, porém: é necessário o vínculo hierárquico entre a autoridade que seria correta e aquela que encampou o ato, que deve ser superior à emissora do ato; a manutenção de competência constitucional, sendo a autoridade encampadora do mesmo foro da que deveria ter sido apontada; deve existir uma dúvida razoável na titularidade do ato coator, não podendo ser o erro do aponte da autoridade muito aberrante, teratológico; e a autoridade encampadora deve ser capaz de realizar a defesa efetiva do ato, vindo a juízo defender seu mérito. Michell Nunes Midlej Maron 46 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos 16.2. Matérias questionáveis As matérias tributárias questionáveis em mandado de segurança são diversas. Pode o contribuinte discutir a validade do lançamento, se não há matéria fática a ser resolvida, quando então o mandado de segurança desempenhará papel similar à ação anulatória, desconstitutivo do crédito tributário. Pode questionar a validade do processo administrativo, uma passagem ou ato qualquer do processo administrativo – caso em que a prejudicialidade da via administrativa e judicial inexiste, como já se anteviu, pois a via judicial é justamente servível a efetivar a administrativa. O mandado de segurança pode se prestar ao afastamento das chamadas sanções políticas. Estas sanções são atos do fisco destinados a compelir o contribuinte a adimplir o crédito tributário, sendo que não são, estas medidas de coerção indireta, previstas expressamente na lei. Como exemplo, a retenção de mercadorias para pagamento de ICMS, em hipótese não prevista em lei. As sanções que são autorizadas, porém, não são afastáveis por mandado de segurança – como a inscrição em cadastros restritivos de crédito. Um exemplo corriqueiro de sanção política autorizado é o regime especial de fiscalização, implementado pelo fisco contra devedores tributários contumazes, que é admitido desde que não haja abusos. Outro uso comum do mandado de segurança em matéria tributária é a sua impetração para a obtenção de certidões negativas, quando houver restrição indevida a esta obtenção. Ato normativo não é ato coator. Veja o REsp. 110.714: “REsp 110714 / BA. DJ 06/10/1997 p. 49932. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTARIO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. PRAZO DECADENCIAL: NÃO-OCORRENCIA. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. I- O NOSSO ORDENAMENTO JURIDICO AGASALHOU O MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO COMO FORMA DE POR COBRO A AMEAÇAS OBJETIVAS E ATUAIS DAS AUTORIDADES PUBLICAS. II- NÃO E POSSIVEL UTILIZAR-SE, COMO TERMO A QUO DO PRAZO DECADENCIAL, A DATA DA OCORRENCIA DO FATO GERADOR DO TRIBUTO OU A DA PUBLICAÇÃO DA LEI REPUTADA INCONSTITUCIONAL PELO IMPETRANTE. A LUZ DO ART. 18 DA LEI DO MANDADO DE SEGURANÇA, O PRAZO DE 120 DIAS SO PODE SER CONTADO A PARTIR DA CIENCIA DO ATO DE AUTORIDADE, O QUAL NEM SEQUER EXISTE NA IMPETRAÇÕES PREVENTIVAS, AS QUAIS SÃO FORMULADAS APENAS COM BASE EM AMEAÇA. III- PRECEDENTES DO STJ: RESP N. 76.217/PE, RESP N. 90.966/BA E RESP N. 93.282/RS. IVRECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.” 16.3. Peculiaridades formais O prazo de impetração do mandamus repressivo é de cento e vinte dias, decadencial; o preventivo não conta com prazo, porque o ato ainda não aconteceu. A fixação do prazo por lei é perfeitamente constitucional, como já dispôs o STF na súmula 632: “Súmula 632, STF: É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança.” Michell Nunes Midlej Maron 47 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos A petição inicial do mandado de segurança deve observar os requisitos do artigo 282 do CPC, exceto o constante do inciso VI deste artigo, porque não há provas a serem produzidas: “Art. 282. A petição inicial indicará: I - o juiz ou tribunal, a que é dirigida; II - os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu; III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; IV - o pedido, com as suas especificações; V - o valor da causa; VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; VII - o requerimento para a citação do réu.” É também desnecessário pedido de oitiva do Ministério Público. A contrafé deve ser instruída com todos os documentos pertinentes ao ato coator. 16.4. Liminar O mandado de segurança com pedido liminar de suspensão da exigibilidade sempre foi medida judicial bastante comum, de largo uso em matéria tributária (e ainda o é3), e igualmente comum era, antigamente, a exigência, pelo magistrado, de depósito integral do tributo como condição para deferimento desta liminar. Ocorre que esta concepção estava tremendamente errônea. Isto porque as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário previstas na lei são alternativas, e ao assim dispor, o juiz estaria fazendo necessária a cumulação de duas hipóteses. A liminar é ela mesma uma causa autônoma da suspensão, baseada apenas no fumus boni juris e no periculum in mora – e não no depósito, que assumiria natureza de contra-cautela, inadmissível neste caso. Veja que há caso em que o depósito é uma medida que se faz imperativa, mas não como condição para a liminar. Há casos que, das hipóteses de suspensão, apenas o depósito se demonstra hábil e segura forma de suspender o crédito. Há um exemplo peculiar desta possível situação: um navio de carga destinado a outro país, por problemas técnicos, vem a aportar no Brasil. As mercadorias que transporta não têm a documentação de entrada no Brasil, pelo que os fiscais aduaneiros suscitam a adequação de sua estada aqui por meio do regime de admissão temporária, que é dedicado exatamente à permanência de bens aqui por tempo limitado (não sendo lógico tratá-los como importação comum). Admitido temporariamente, é estabelecido prazo para saída do território nacional. Suponha-se, no entanto, que haja algum problema, e este navio venha a exceder o prazo de autorização, sem que se tenha requerido a prorrogação do prazo de permanência: o regulamento aduaneiro, neste caso, trata a mercadoria como importada, e por isso lavra todos os autos de infração possíveis sobre ela. A empresa proprietária do navio, impetrando mandado de segurança, pede liminar de suspensão do crédito tributário, ao argumento de que não se tratam de bens importados, mas de mera irregularidade na prorrogação do prazo. O juiz, neste caso, verifica que a empresa não tem qualquer vínculo de estabilidade no Brasil – não tem 3 O motivo do writ ser a weapon of choice dos tributaristas é bem mundano: é o meio preferido por não haver risco em condenação em honorários e custas processuais vultosas, pois como quase sempre há valor de causa imensurável, as custas são bastante reduzidas. Há, todavia, uma certa tendência das cortes superiores em restringir o ajuizamento deste instrumento, tendência ainda tênue. Michell Nunes Midlej Maron 48 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos registro aqui, nem sequer representante –, e vê-se diante da desconfortável situação de suspender a exigibilidade de um crédito sem ter qualquer garantia de que a empresa será adimplente, em eventual improvimento do mandamus. Neste caso, e somente assim, a exigência do depósito como contra-cautela é possível, mas trata-se de situação excepcionalíssima. Há ainda a possibilidade de se ajuizar mandado de segurança como forma de garantir a compensação tributária, como garante a súmula 213 do STJ: “Súmula 213, STJ: O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária. 16.5. Sentença A tutela jurisdicional, como se sabe, pode ser declaratória, positiva ou negativa; constitutiva, também positiva ou negativa; ou condenatória, de dar coisa certa ou incerta, de fazer ou de não fazer. Esta é a classificação tripartite, tradicional do processo civil. Hoje, após a inovação das tutelas específicas de dar, fazer ou não fazer, a sentença condenatória se subdividiu em sentença executiva e mandamental: a primeira, dedica-se à condenação em dar coisa certa; a segunda, em obrigações de fazer ou não fazer. Destarte, não se pode confundir jamais a tutela mandamental, que é apenas uma das espécies de sentença, com a tutela perseguida no mandado de segurança: o writ pode buscar qualquer das tutelas jurisdicionais possíveis, sendo a mandamental apenas uma das possibilidades. Inclusive, a tutela constitutiva negativa é bem comum, quanto ao fito de desconstituir o lançamento errôneo. A única tutela que não se pode pretender em mandado de segurança é a executiva, por obrigação de dar coisa certa consubstanciada em dinheiro. Não pode, o mandamus, fazer as vezes de ação de cobrança. Nada impede que seja possível o provimento do mandamus para impedir a produção de efeitos financeiros futuros, mas não a obtenção de efeitos financeiros pretéritos. O mandado de segurança não pode ser um sucedâneo de repetição de indébito. Por isso, a sentença condenatória em mandado de segurança é a obtenção de tutela mandamental – fazer ou não fazer. Veja a súmula 271 do STF: “Súmula 271, STF: Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria.” No mandado de segurança não são devidos honorários advocatícios de sucumbência. Veja a súmula 512, do STF, e a 105, do STJ: “Súmula 512, STF: Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança.” “Súmula 105, STJ: Na ação de mandado de segurança não se admite condenação em honorários advocatícios.” A sentença concessiva da ordem é sujeita ao reexame necessário, mas a remessa ou a própria apelação não produzem efeito suspensivo da concessão. Não são cabíveis embargos infringentes no rito do mandamus. Veja a súmula 169 do STJ: Michell Nunes Midlej Maron 49 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos “Súmula 169, STJ: São inadmissíveis embargos infringentes no processo de mandado de segurança.” A coisa julgada alcançada no mandado de segurança pode ser material, caso o julgado enfrente o mérito, ou formal, se a questão decisiva for de cunho estritamente processual. 16.6. Mandado de segurança e compensação Muito já se discutiu se a compensação devida poderia ser exigida pelo contribuinte em mandado de segurança, porque envolveria questionamento de fato muito complexo, descabido no writ por escapar ao critério de liquidez e certeza do direito. O STJ enfrentou bem a matéria, e fez a seguinte diferenciação: há cabimento de mandado de segurança para declarar que o direito à compensação existe, mas não é possível a efetivação concreta da compensação neste rito. É cabível a declaração genérica, mas não a condenação a fazer a compensação. Veja a súmula 213 do STJ: “Súmula 213, STJ: O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária.” A súmula 212 desta Corte tem também uma previsão bastante razoável sobre a compensação: este direito a compensação, em mandado de segurança, não pode ser concedido em liminar, porque o cunho satisfativo seria absoluto. “Súmula 212, STJ: A compensação de créditos tributários não pode ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória.(*) (*) na sessão de 11/05/2005, a Primeira Seção deliberou pela ALTERAÇÃO da Súmula n. 212. REDAÇÃO ANTERIOR (decisão de 23/09/1998, DJ 02/10/1998): ‘A compensação de créditos tributários não pode ser deferida por medida liminar.’” O artigo 170-A do CTN, posterior à súmula acima, reproduz esta idéia: “Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial. (Artigo incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)” Casos Concretos Questão 1 Se um mandado de segurança for extinto sem julgamento do mérito, poderá ser levantado o depósito que foi efetuado em garantia da liminar, ou deverá o depósito ser convertido em renda a favor da Fazenda Pública? Resposta à Questão 1 Michell Nunes Midlej Maron 50 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos A jurisprudência tem permitido a conversão em renda do depósito, em casos de extinção sem resolução do mérito, tratando esta decisão como uma improcedência. Trata-se de um verdadeiro impropério jurídico, mas é como tem prevalecido. Veja o EREsp. 479.725: “EREsp 479725 / BA. DJ 26/09/2005 p. 166. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. TRIBUTÁRIO. AFRMM. DEPÓSITO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM APRECIAÇÃO DO MÉRITO. DEPÓSITO. LEVANTAMENTO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. Em exame embargos de divergência opostos para se definir se é ou não possível o levantamento do depósito efetuado para os fins do artigo 151, II do Código Tributário Nacional nos casos em que o processo é extinto sem julgamento de mérito em face da ilegitimidade passiva da autoridade apontada como coatora. A Fazenda embargante aponta a divergência entre o acórdão embargado da relatoria do Ministro Francisco Peçanha Martins integrante da 2ª Turma e acórdão prolatado pelo Ministro Garcia Vieira da 1ª Turma. Divergência devidamente demonstrada, foram admitidos os embargos para julgamento de mérito. Sem impugnação. 2. Conforme assinala o aresto paradigma: "O depósito efetuado para suspender a exigibilidade do crédito tributário é feito também em garantia da Fazenda e só pode ser levantado após sentença final transitada em julgado se favorável ao contribuinte". O artigo 32 da Lei n.º 6830 de 22. 09. 1980 estabelece como requisito para levantamento do depósito judicial o trânsito em julgado da decisão. O aguardo do trânsito em julgado da decisão para possibilitar o levantamento do depósito judicial está fulcrado na possibilidade de conversão em renda em favor da Fazenda Nacional. 3. O cumprimento da obrigação tributária só pode ser excluída por força de lei ou suspensa de acordo com o que determina o art. 151 do CTN. Fora desse contexto o contribuinte está obrigado a recolher o tributo. No caso de o devedor pretender discutir a obrigação tributária em juízo, permite a lei que faça o depósito integral da quantia devida para que seja suspensa a exigibilidade. Se a ação intentada, por qualquer motivo, resultar sem êxito, deve o depósito ser convertido em renda da Fazenda Pública. É essa a interpretação que deve prevalecer. O depósito é simples garantia impeditiva do fisco para agilizar a cobrança judicial da dívida, em face da instauração em juízo de litígio sobre a legalidade da sua exigência. Extinto o processo sem exame do mérito contra o contribuinte, têm-se uma decisão desfavorável. O passo seguinte, após o trânsito em julgado, é o recolhimento do tributo. 4. Embargos de divergência providos.” Questão 2 CLOTILDE DOS SANTOS e OUTROS impetraram Mandado de Segurança preventivo contra ato do Diretor da Superintendência Central de Pagamento de Pessoal da Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais para impedir o desconto do imposto de renda sobre os valores pagos a título de férias-prêmio. A quem compete julgar o supramencionado Mandado de Segurança: a Justiça Estadual ou à Federal? Justifique. Resposta à Questão 2 O STJ entende que a legitimação da autoridade estadual, no pólo passivo, em função da capacidade tributária ativa, determina a competência ratione personae para o Michell Nunes Midlej Maron 51 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos writ. Mesmo que seja questionável este entendimento – porque o tributo federal apenas é exigido em esfera estadual numa relação financeira, e não tributária –, é o que tem prevalecido. A competência é estadual. Veja o Conflito de Competência 19.300, solvido no STJ: “CC 19300 / MG. DJ 19/12/1997 p. 67435. CONFLITO DE COMPETENCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DE AUTORIDADE ESTADUAL. DESCONTO DE IMPOSTO DE RENDA NA FONTE. DESCONTANDO DA REMUNERAÇÃO DOS SERVIDORES O IMPOSTO DE RENDA DEVIDO NA FONTE, A AUTORIDADE ESTADUAL NADA DECIDE, DESINCUMBINDO-SE APENAS DE ATRIBUIÇÃO CONFERIDA POR LEI - SEM QUALQUER DELEGAÇÃO DE COMPETENCIA DO ORGÃO ENCARREGADO DE ARRECADAR A INDIGITADA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PARA A SEGURIDADE SOCIAL; TRATA-SE DE PROCEDIMENTO COMUM A PESSOAS JURIDICAS DE DIREITO PUBLICO E A PESSOAS JURIDICAS DE DIREITO PRIVADO, PREVISTO NO ART. 7, PARAGRAFO 3 DO CODIGO TRIBUTARIO NACIONAL. NUM CASO E NOUTRO, A UNIÃO - SUJEITO ATIVO DA RELAÇÃO JURIDICO-TRIBUTARIA - SO ESTARA BEM REPRESENTADA NO PROCESSO DE MANDADO DE SEGURANÇA SE A AUTORIDADE COATORA FOR O ORGÃO RESPONSAVEL PELA ADMINISTRAÇÃO DO TRIBUTO. HIPOTESE, TODAVIA, EM QUE, INDICADA COMO AUTORIDADE COATORA O DIRETOR DA SUPERINTENDENCIA CENTRAL DE PAGAMENTO DE PESSOAL DA SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA DE MINAS GERAIS, SO O MM. JUIZ DE DIREITO PODERA DECIDI-LO, MESMO QUE PARA O SO EFEITO DE EXTINGUIR O PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MERITO. RESSALVA DO PONTO DE VISTA PESSOAL DOS MINISTROS GARCIA VIEIRA, ADHEMAR MACIEL E JOSE DELGADO, QUE SO ADERIRAM A CONCLUSÃO DO VOTO DO RELATOR. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O MM. JUIZ DE DIREITO DA 7A. VARA DA FAZENDA PUBLICA DE BELO HORIZONTE.” Questão 3 MADECOM Indústria de móveis Ltda. impetra um Mandado de Segurança, tendo em vista a negativa da autoridade tributária em autorizar-lhe compensação, cujo indébito alegado pela recorrente é a inconstitucionalidade da incidência de 8% do Imposto de Renda a ser calculado sobre o valor do seu lucro líquido, ajustado pela exclusão e adição de parcelas, nos termos dos arts. 35 e 36 da Lei nº 7.713/88, reconhecida pelo STF em controle difuso, intra partes. Responda, fundamentadamente, se o writ deve ser concedido. Resposta à Questão 3 A autorização da compensação, a declaração de que esta é devida, é possível, segundo a súmula 213 do STJ, já abordada. Não há a efetivação da compensação, aqui, mas somente a declaração de que ela é devida. Veja o REsp. 778.712: “REsp 778712 / AL. DJe 14/04/2008. TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL - MANDADO DE SEGURANÇA COMPENSAÇÃO - NECESSIDADE DE PRONUNCIAMENTO JUDICIAL SOBRE O INDÉBITO A SER COMPENSADO - AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. Michell Nunes Midlej Maron 52 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos 1. O indébito alegado pela recorrente para efeito de compensação é a inconstitucionalidade da incidência de 8% do imposto de renda a ser calculado sobre o valor do seu lucro líquido, ajustado pela exclusão e adição de parcelas, nos termos dos arts. 35 e 36 da Lei n. 7.713/88, reconhecida pelo STF em controle difuso, intra partes. 2. Por se cuidar de mera orientação jurisprudencial do STF sem força vinculante, necessita-se de seu reconhecimento judicial, mediante declaração de sua inconstitucionalidade no bojo do próprio mandado de segurança, para, em seguida, declarar-se o direito à compensação. 3. O mandado de segurança não se presta ao reconhecimento e proteção de direito que não seja reconhecido de plano, que necessite de investigação judicial profunda, pois direito líquido e certo é o que "se apresente com todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. (...) Se depender de comprovação posterior, não é líquido nem certo, para fins de segurança." (Mandado de Segurança, Hely Lopes Meirelles, ed. Malheiros, 29ª edição, p. 37). 4. O direito ao indébito tributário da contribuinte não se encontra comprovado de plano, necessitando de pronunciamento judicial para lhe conferir liquidez e certeza, o que é inviável na via estreita do mandado de segurança. Somente após este reconhecimento é que se poderia declarar o direito à compensação. Precedente: REsp 848768/MG, Rel. Min. José Delgado, DJ 6.9.2007. Recurso especial improvido.” Questão 4 O Sindicato dos Trabalhadores de Bar promove demanda pretendendo a tutela jurisdicional de direitos individuais homogêneos de titularidade dos seus sindicalizados. Ao final da fase cognitiva do processo, o magistrado profere sentença condenatória que transita em julgado. O Sindicato então requer a liquidação da sentença e a intimação da ré, na pessoa de seu advogado, tudo na forma do artigo 475 A e seu parágrafo primeiro, ambos do CPC. O magistrado profere a seguinte decisão: "Considerando a natureza dos direitos tutelados entendo faltar ao Sindicato legitimidade para promover a liquidação, bem como, a execução/cumprimento do julgado, uma vez que ausente autorização expressa dos sindicalizados (art. 5°, XXI da CRFB).” Pergunta-se: correta a decisão? O candidato deverá abordar a mais recente exegese do artigo 8°, III da CRFB, bem como distinguir substituição de representação processual. Reposta à Questão 4 O sindicato não precisa da autorização dos associados, porque esta autorização já foi dada, presumidamente, quando estes a ele se associaram, anteriormente. Há duas súmulas do STF, 629 e 630, que dão o tom sobre o tema, eis que tratam do mandado de segurança coletivo, instrumento integrante do microssistema de tutela coletiva. Veja: “Súmula 629, STF: A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes.” “Súmula 630, STF: A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria.” Neste diapasão, vê-se que o papel dos sindicatos é de substituição processual, e não representação. Substituição processual, sinônimo de legitimidade extraordinária, dá- Michell Nunes Midlej Maron 53 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos se quando o substituto age em nome próprio – é parte –, autorizado por lei, na defesa de direito alheio, do substituído. Na representação processual, por seu turno, o representante age em nome de outrem, o representado, não sendo parte. A legitimidade é do representado. A respeito, veja o RE 193.503: “RE 193503 / SP - SÃO PAULO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator: Min. CARLOS VELLOSO. Relator p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA. Julgamento: 12/06/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: 24-08-2007. EMENTA: PROCESSO CIVIL. SINDICATO. ART. 8º, III DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEGITIMIDADE. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DEFESA DE DIREITOS E INTERESSES COLETIVOS OU INDIVIDUAIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. O artigo 8º, III da Constituição Federal estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam. Essa legitimidade extraordinária é ampla, abrangendo a liquidação e a execução d os créditos reconhecidos aos trabalhadores. Por se tratar de típica hipótese de substituição processual, é desnecessária qualquer autorização dos substituídos. Recurso conhecido e provido.” 17. Mandamus nos Juizados Especiais Não são cabíveis, em regra, procedimentos especiais nos Juizados, à exceção dos que são ali arrolados, como as possessórias de até quarenta salários. O mandado de segurança, então, não seria cabível, a rigor, mas diante da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, a súmula 267 do STF, a contrário senso, permite este remédio como sucedâneo recursal: “Súmula 267: Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição.” O Aviso 23 apresenta no enunciado 14.1.11 adesão a este entendimento: “14.1 - MANDADO DE SEGURANÇA. 14.1.1 – ADMISSIBILIDADE. ‘É admissível mandado de segurança somente contra ato ilegal e abusivo praticado por Juiz de Juizado Especial.’” A competência para este mandamus contra ato de juiz do juizado é da Turma Recursal, na forma da súmula 376 do STJ, e do enunciado 62 do Fonaje: “Súmula 376, STJ: Compete a turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial.” “Enunciado 62 - Cabe exclusivamente às Turmas Recursais conhecer e julgar o mandado de segurança e o habeas corpus impetrados em face de atos judiciais oriundos dos Juizados Especiais.” Da decisão da Turma Recursal que denega a segurança não cabe recurso algum (pois não cabe o recurso ordinário constitucional, eis que a Turma não é tribunal). Desta decisão cabe o recurso extraordinário, apenas, sendo entendimento majoritário que não cabe outro mandado de segurança, agora alvejando a própria decisão denegatória. Michell Nunes Midlej Maron 54 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos O STF, porém, contrariamente a toda esta dinâmica adotada em prol do cabimento do mandado de segurança contra interlocutória no Juizados, decide que não é cabível este mandamus, por não se coadunar com o sistema dos Juizados. Veja o RE abaixo: “RE 576847 / BA – BAHIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator: Min. EROS GRAU. Julgamento: 20/05/2009. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: 07-08-2009. EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSO CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO. DECISÃO LIMINAR NOS JUIZADOS ESPECIAIS. LEI N. 9.099/95. ART. 5º, LV DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. 1. Não cabe mandado de segurança das decisões interlocutórias exaradas em processos submetidos ao rito da Lei n. 9.099/95. 2. A Lei n. 9.099/95 está voltada à promoção de celeridade no processamento e julgamento de causas cíveis de complexidade menor. Daí ter consagrado a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, inarredável. 3. Não cabe, nos casos por ela abrangidos, aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, sob a forma do agravo de instrumento, ou o uso do instituto do mandado de segurança. 4. Não há afronta ao princípio constitucional da ampla defesa (art. 5º, LV da CB), vez que decisões interlocutórias podem ser impugnadas quando da interposição de recurso inominado. Recurso extraordinário a que se nega provimento.” O Conselho Recursal do Rio de Janeiro já aderiu a esta posição do STF, como se vê na decisão do 2009.700.073443-3 “2009.700.073443-3 - CONSELHO RECURSAL - 1ª Ementa. Juiz JOSE GUILHERME VASI WERNER - Julgamento: 10/11/2009. Íntegra da decisão: ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO CONSELHO RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS COMARCA DA CAPITAL TERCEIRA TURMA RECURSAL _ Recurso nº 2009.700.073443-3 - Mandado de Segurança Impetrante: Zelina Lima Carius da Silva Impetrado I JEC Petrópolis Relator: José Guilherme Vasi Werner _ VOTO Mandado de segurança impetrado contra decisão que indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela objetivando que o 1º Réu, Banco Investcred Unibanco S.A., retirasse o nome do Impetrante dos cadastros restritivos ao crédito. Recurso Extraordinário nº 576.847/BA cujo tema constitucional teve sua repercussão geral reconhecida (tema: "Mandado de Segurança. Cabimento. Impetração de mandado de segurança contra decisão de juiz de juizado especial que defere medida liminar. Cabimento nas Turmas Recursais"). Reconhecimento da repercussão geral do tema constitucional veiculado nos recursos extraordinários que tem como principais conseqüências : (i) a sua admissibilidade para julgamento na Suprema Corte; (ii) o sobrestamento dos recursos extraordinários sobre o mesmo tema; (iii) a vinculação da solução de mérito a ser aplicada nesses recursos àquela proferida no recurso com repercussão geral conhecida. Referida decisão coube ao Pleno do Supremo Tribunal Federal, sendo sete votos favoráveis e um contra: " Juizados Especiais e Mandado de Segurança contra Decisão Interlocutória Não cabe mandado de segurança contra decisão interlocutória proferida em Juizado Especial. Essa foi a orientação firmada pela maioria do Tribunal, ao negar provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão de Turma Recursal Cível e Criminal do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia que indeferiu a petição inicial do mandado de segurança da recorrente- impetrado contra decisão liminar concedida em primeiro grau, no âmbito dos Juizados Especiais- extinguindo o feito sem julgamento do mérito. Asseverou-se que a Lei 9.099/95 está voltada à promoção de celeridade no processamento e julgamento das causas cíveis de complexidade menor, razão Michell Nunes Midlej Maron 55 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos peia qual consagrou a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias. Não caberia, por isso, nos casos por ela abrangidos, a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, sob a forma do agravo de instrumento ou a utilização do instituto do mandado de segurança, cujos prazos para interpor e impetrar, respectivamente, não se coadunam com os fins pretendidos pela Lei 9.099/95. Aduziu-se ser facultativa a opção pelo rito sumaríssimo, com as vantagens e limitações que a escolha acarreta. Asseverou-se, ademais, que a admissão do mandado de segurança ensejaria ampliação da competência dos Juizados Especiais, o que caberia exclusivamente ao Poder Legislativo. Por fim, afastou-se a ofensa ao princípio da ampla defesa, haja vista a possibilidade de impugnação das decisões interlocutórias quando da interposição de recurso inominado. Vencido o Min. Marco Aurélio, que provia o recurso , por considerar estar-se diante de exceção alcançada pela Lei 1.533/5, já que não obstante essa lei revelar como regra o não cabimento de mandado de segurança contra decisão judicial, tal previsão pressuporia a possibilidade de ter-se recurso contra decisão, o que, na espécie, não se teria. Concluía, assim, que o afastamento do mandado de segurança importaria o afastamento da própria jurisdição." RE 576847/BA, rel. Min. Eros Grau, 20.05.2009 (RE 576847)Mandado de Segurança ( transcrito do informe do STF em Repercussão Geral) Decisão que deve vincular a solução a ser aplicada no caso concreto e, conseqüentemente, a solução deste Mandado de Segurança. ISTO POSTO, Defiro os benefícios da gratuidade de justiça ao Impetrante. JULGA-SE EXTINTO O FEITO, na forma do artigo 10 da Lei 12.016/2009, sem exame do mérito, indeferindo-se a inicial. Sem honorários advocatícios na forma da Súmula n.º 512, do STF e da Súmula nº105, do STJ. Oficie-se ao Juízo Impetrado. Sem ônus sucumbenciais. Intimem-se os interessados. Rio de Janeiro, 10 de novembro de 2009. José Guilherme Vasi Werner Juiz Relator.” Esta posição pelo descabimento do mandamus, diga-se, já era defendida por Fredie Didier, que entende que as Turmas Recursais, como o próprio nome indica, se prestam ao julgamento de recursos, e não de sucedâneos recursais; e, além disso, se o juiz é apontado como autoridade autora de ato ilegal ou abusivo, é o Estado-Juiz sendo imputado, pelo que haveria interesse público em jogo – escapando do escopo da competência dos Juizados. Enfrentando ainda questões que surgem se se admitir o mandado de segurança contra interlocutórias, como vinha se admitindo, se disse que da decisão da Turma Recursal denegatória deste mandado não cabe outro mandado, mas isto não significa que jamais caberá mandamus contra decisões quaisquer das Turmas: é admissível, para o STJ, o mandado de segurança contra a decisão da Turma Recursal que resolve conflito de competência, ou seja, para controlar a competência do Juizado é possível o manejo deste writ. Decisões de mérito da Turma Recursal, no entanto, jamais podem ser alvejadas por mandado de segurança. Veja os julgados abaixo, do STJ, neste sentido: “RMS 17524 / BA. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI. Órgão Julgador: CORTE ESPECIAL. Data do Julgamento: 02/08/2006. Data da Publicação/Fonte: DJ 11/09/2006 p. 211.” Ementa: Processo civil. Recurso em Mandado de Segurança. Mandamus impetrado, perante Tribunal de Justiça, visando promover controle de competência de decisão proferida por Juizado Especial Cível. Possibilidade. Ausência de confronto com a jurisprudência consolidada do STJ, que veda apenas a impetração de mandado de segurança para o controle do mérito das decisões proferidas pelos Juizados Especiais. - Não se admite, consoante remansosa jurisprudência do STJ, o controle, pela justiça comum, sobre o mérito das decisões proferidas pelos juizados especiais. Exceção é feita apenas em relação ao controle de constitucionalidade dessas Michell Nunes Midlej Maron 56 Projeto Monitoria Acadêmica – EMERJ – 2012 Mandado de segurança: aspectos constitucionais e pontos controvertidos decisões, passível de ser promovido mediante a interposição de recurso extraordinário. - A autonomia dos juizados especiais, todavia, não pode prevalecer para a decisão acerca de sua própria competência para conhecer das causas que lhe são submetidas. É necessário estabelecer um mecanismo de controle da competência dos Juizados, sob pena de lhes conferir um poder desproporcional: o de decidir, em caráter definitivo, inclusive as causas para as quais são absolutamente incompetentes, nos termos da lei civil. - Não está previsto, de maneira expressa, na Lei nº 9.099/95, um mecanismo de controle da competência das decisões proferidas pelos Juizados Especiais. É, portanto, necessário estabelecer esse mecanismo por construção jurisprudencial. - Embora haja outras formas de promover referido controle, a forma mais adequada é a do mandado de segurança, por dois motivos: em primeiro lugar, porque haveria dificuldade de utilização, em alguns casos, da Reclamação ou da Querela Nullitatis; em segundo lugar, porque o mandado de segurança tem historicamente sido utilizado nas hipóteses em que não existe, no ordenamento jurídico, outra forma de reparar lesão ou prevenir ameaça de lesão a direito. - O entendimento de que é cabível a impetração de mandado de segurança nas hipóteses de controle sobre a competência dos juizados especiais não altera o entendimento anterior deste Tribunal, que veda a utilização do writ para o controle do mérito das decisões desses juizados. Recurso conhecido e provido.” “RMS 26665 / DF. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. Relator Ministro HERMAN BENJAMIN. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 26/05/2009. Data da Publicação/Fonte: DJe 21/08/2009. Ementa: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DE MEMBRO DE TURMA RECURSAL DEFININDO COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE DEMANDA. CONTROLE PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. IMPETRAÇÃO DO WRIT. POSSIBILIDADE. 1. A questão posta nos autos cinge-se ao cabimento do Recurso em Mandado de Segurança para os Tribunais de Justiça controlarem atos praticados pelos membros ou presidente das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 2. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é pacífico no sentido de que a Turma Recursal dos Juizados Especiais deve julgar Mandados de Segurança impetrados contra atos de seus próprios membros. 3. Em que pese a jurisprudência iterativa citada, na hipótese sub judice, o Mandado de Segurança não visa à revisão meritória de decisão proferida pela Justiça especializada, mas versa sobre a competência dos Juizados Especiais para conhecer da lide. 4. Inexiste na Lei 9.099/1996 previsão quanto à forma de promover o controle da competência dos órgãos judicantes ali referidos. 5. As decisões que fixam a competência dos Juizados Especiais – e nada mais que estas - não podem ficar absolutamente desprovidas de controle, que deve ser exercido pelos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais e pelo Superior Tribunal de Justiça. 6. A Corte Especial do STJ, no julgamento do RMS 17.524/BA, firmou o posicionamento de que é possível a impetração de Mandado de segurança com a finalidade de promover controle da competência dos Juizados Especiais. 7. Recurso Ordinário provido.” Da decisão denegatória deste mandado de segurança contra ato da Turma referente à competência, que é prolatada pelo Tribunal de Justiça ou TRF, cabe o recurso ordinário para o STJ, porque agora se trata de uma decisão de tribunal. Michell Nunes Midlej Maron 57