O CLAMOR PÚBLICO COMO CRITÉRIO INCONSTITUCIONAL DE DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA THE PUBLIC CRY AS UNCONSTITUTIONAL CRITERIA OF PRE-TRIAL DETENTION ADJUDICATION Stela do Couto Raimundo1 RESUMO O presente trabalho tem como objetivo principal questionar o clamor público como critério inconstitucional de decretação de prisão preventiva e as formas legais que instituem esta modalidade de restrição de liberdade. Em primeiro lugar, a prisão preventiva será abordada de forma conceitual, sua abrangência constitucional e os requisitos contidos no artigo 312 do Código de Processo Penal, utilizando-se, para tanto, de levantamento bibliográfico de obras nacionais e estrangeiras. Levantar as interpretações doutrinárias acerca da possibilidade de decretar a prisão preventiva com base no clamor público, visto como fundamento inserido na ordem pública para analisar a sua validade e a ocorrência em respeito às garantias constitucionais é um dos pontos de debate, o que será entabulado com pesquisa de casos e uso do método indutivo. Também, para alcançar uma análise justa, faz-se necessário observar as garantias do devido processo legal, os direitos do cidadão. Por fim, para se chegar a uma conclusão equilibrada, foi feita uma pesquisa jurisprudencial com decisões que adotam o clamor público como fundamento para decretação da prisão preventiva em face da periculosidade do agente e do risco de reiteração criminosa, mas principalmente a negam com alegações de que não é fundamento legal para restrição de liberdade. Palavras-Chave: Clamor público. Inconstitucionalidade. Prisão preventiva. Garantias constitucionais. ABSTRACT This paper aims to question the public cry as unconstitutional criteria of pre-trial detention adjudication and the legal forms that establish this modality of restriction on freedom. First, the pre-trial detention will be approached in a conceptual way, its constitutional coverage and the requirements contained in the article 312 of the Code of Criminal Procedure, using for this bibliographic of national and international works. Raising the doctrinal interpretations about the possibility to order the pre-trial 1 Pós-Graduanda em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina – UEL. Graduada pela Faculdade Catuaí. Estagiária da Procuradoria Jurídica do Município de Cambé Paraná. detention based on public cry, seen as fundament inserted in public order to analyze its validity and the occurrence in respect for constitutional guarantees is um of the points of debate, what it will be established with case research and the use of inductive method. Also, for achieving a fair analysis is necessary to observe the guarantees of due process, the rights of the citizen. Finally, to reach a balanced conclusion, it was made a jurisprudence research with decisions that adopt the public cry as a fundament for adjudication of pre-trial detention in face of danger agent and the risk of criminal repetition and also deny with allegations that is not legal fundament to restrict someone of their liberty. Key-Words: Public cry. Unconstitutionality. Pre – trial detention. Constitutional guarantees. 1 INTRODUÇÃO Diante da situação fática de que alguém pratica uma conduta punível, é natural que lhe aplique a pena correspondente mediante lei, através do devido processo legal, uma vez que o acusado também é detentor de direitos e garantias. Esta pesquisa tem como objetivo principal fazer uma análise do clamor público na decretação de prisão preventiva. A princípio, será tratado da prisão preventiva. Far-se-á referência ao seu conceito e os pressupostos e requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal e para atingir tal finalidade, a pesquisa bibliográfica. Por se tratar de restrição de direitos, será exposta a importância de observar as garantias constitucionais, no que tange ao direito de liberdade que defende o cidadão das agressões e intervenções do excessivo anseio de punir do Estado e da sociedade. Com o objetivo de esclarecer que, embora a pessoa seja acusada de crime grave ou não, perante a Lei Brasileira são arrolados direitos e garantias fundamentais aplicados a qualquer cidadão brasileiro ou estrangeiro, que pode responder o processo em liberdade sem prejudicar o bom andamento do mesmo e da frágil visão da sociedade. 2 A PRISÃO PREVENTIVA A legislação brasileira estabelece medidas cautelares processuais penais de caráter excepcional, como instrumento de tutela do processo, fundadas exclusivamente em dominante necessidade. E quando estas medidas são direcionadas ao acusado, têm-se também formas de prisões provisórias. A prisão preventiva é uma delas e que tutela situações específicas contidas no art. 312 do Código de Processo Penal, uma forma de aprisionamento não definitivo e com finalidade de assegurar algo (e não de pena antecipada). De todo o sistema cautelar penal, a prisão preventiva - conforme é sustentado por Aury Lopes Jr.2 - é a mais importante, pois seu decreto deve ser fortemente ligado ao tipo processual, por restringir o indivíduo acusado de direitos e garantias fundamentais, bem como direito de liberdade, presunção de inocência e outros. A decretação da prisão preventiva compete ao juiz, em determinação do artigo 311, do Código de Processo Penal, que deve observar a fase do inquérito policial ou da instrução criminal, estando presentes os pressupostos exigidos no artigo 312, da mesma lei, consequentemente citados. 2.1 Princípios Constitucionais e a Prisão Preventiva A Constituição Federal de 1988 contém menções que figuram o Direito Processual Penal, e disciplinam a norma para a formação conjunta do ordenamento jurídico brasileiro, com direitos e garantias postos e protegidos na sua condição de lei fundamental, e princípios garantidores dos mesmos. Das garantias e direitos fundamentais, que são preservados e tutelados, a restrição do Jus libertatis, influencia no processo penal legal que submete o acusado a partir da fase de investigação criminal, assegurando a toda e qualquer pessoa seja vista e tratada como inocente, conforme dito no corpo do artigo 5.º, LVII que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 2 LOPES JR., Aury. Direito processual penal: e sua conformidade constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2009, v. 2, p. 98. Ao lecionar sobre o princípio da presunção de inocência, Fernando da Costa Tourinho Filho, assim se expressa: Sendo o homem presumidamente inocente, sua prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória implicaria antecipação da pena, e ninguém pode ser punido antecipadamente, antes de ser definitivamente condenado, a menos que a prisão seja indispensável a título de cautela.3 Sobre prisão cautelar e presunção de inocência, Aury Lopes Junior, menciona princípios como ponto de equilíbrio necessário para alcançar a real finalidade processual penal do Fumus comissi delicti e Periculum libertatis. E se tratando de prisão cautelar restritiva de direitos, também se aplica o princípio da legalidade. No caso da prisão preventiva, motivada sua decretação, e imposta nas hipóteses que a lei autoriza, previstos no corpo do artigo 312, do Código de Processo Penal. Não se confunde a finalidade das medidas cautelares em “fazer justiça”, mas sim garantir o normal funcionamento da justiça através do devido processo (penal) de conhecimento.4 A credibilidade da justiça não possui caráter constitucional, e nenhuma restrição pode ser criada a não ser que seja por norma, portanto, a sua utilização para prender alguém viola o princípio da legalidade - “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo se não em virtude da lei”. 5 Por isso a necessidade de tratar a prisão preventiva com a estrita observância dos seus requisitos com os princípios Constitucionais do Processo Penal, para ser legítima a ponto de justificar a gravidade das consequências desta cautelar, sem privar o indivíduo de seus direitos e garantias fundamentais. 3 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 29. 4 LOPES JR., Aury. Direito processual penal: e sua conformidade constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2009, v.2, p. 115 5 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 18 ed. Brasília: Câmara dos Deputados, coordenação de publicações, 2002, p. 15. 2.2 Código de Processo Penal e previsão legal da prisão preventiva Conforme se depreende do artigo 312 do CPP, a prisão preventiva demanda, para sua decretação, requisitos e pressupostos necessários para que isso suceda sem repreensão: Art. 312: A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia de ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal quando houver prova da existência do crime e indícios suficiente de autoria.6 Os requisitos exigidos para esta cautelar são vinculados à segunda parte do art. 312 do CPP, ou seja, à materialidade do delito e indícios suficiente de autoria, o que, para Aury Lopes Jr., consiste no chamado Fumus comissi delicti (fumaça da existência de um crime): O Fumus comissi delicti exige existência de sinais externos, como suporte fático real, extraídos dos atos de investigação levados a cabo, em que por meio de um raciocínio lógico, sério e desapaixonado, permita deduzir com maior ou menor veemência a comissão de um delito, cuja realização e consequências apresentam como responsável um sujeito concreto.7 Salienta-se que com a Lei n. 12.403 de 04 de maio de 2011, houve severa alteração no sistema de prisões cautelares. Com a possibilidade de acionamento de medidas cautelares ao invés do cárcere, é imperativo analisar a extensão que permite o juiz determinar em substituição da prisão preventiva, conforme artigo 319 do Código de Processo Penal. E a substituição da prisão preventiva pelas cautelares “é cabível em qualquer espécie de infração penal, exceto naquelas para as quais não há cominação da pena privativa de liberdade, ou seja, nas contravenções penais”.8 Analisando-se as determinações cabíveis para fundamentar a prisão preventiva, extrai-se a imperiosa necessidade de um risco grave ao processo que se constitui como Periculum libertatis. O perigo gerado pelo estado de liberdade do 6 BRASIL. Vade Mecum - Código de processo penal. 15. ed. Saraiva, 2013, p. 632. LOPES JR., Aury. Direito processual penal: e sua conformidade constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2009, v.2, p. 105. 8 GOMES, Luiz Flavio. Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. São Paulo: RT, 2011, p. 172. 7 acusado deve ser real e manifestado acerca do risco para a ordem pública, ordem econômica, da instrução criminal e da aplicação da lei penal. 3 A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA COMO REQUISITO PRISIONAL Ordem pública, a princípio, possui um conceito vasto, mas é abordada como a tranquilidade pública, a paz do meio social. Várias situações podem manifestar seu significado e facilmente se enquadra em qualquer situação. Este fundamento é invocável por diversas razões para justificar a decretação da prisão preventiva. Tourinho Filho9 entende que ao alegar que a periculosidade do réu, crime perverso, insensibilidade moral, os espalhafatos da mídia, reiteradas divulgações pelo rádio ou televisão se enquadram no generalíssimo entendimento da ordem pública. Em consequência da dificuldade causada pela falta de precisão no significado de ordem pública, a decretação da prisão preventiva fixada com este fundamento não pode se justificar na regra geral, por confrontar com o princípio da presunção de inocência do acusado. Mais uma vez, a visibilidade da necessidade da fundamentação concreta de qualquer justificativa da prisão preventiva, com análise definida nas acepções da Lei Maior. 3.1 O Clamor Público e sua Significação Interpreta-se o “clamor público”, corolário da ordem público, como o descontentamento da sociedade ou indignação popular, sendo a comoção social decorrente de um delito que desperta efeito social negativo. Partindo deste conceito, nota-se que qualquer crime gera abalo social, e “clamor público” utilizado em decisões judiciais como interno de ordem pública apoiada na repercussão social, para decretar-se a prisão preventiva. Muitas vezes o clamor público é instigado pela imprensa, que na busca de polêmica relata os fatos de modo que transmite a população uma 9 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 553. percepção de decisão acusatória em relação à autoria do delito, o que contribui para que o princípio da presunção de inocência seja cada vez mais afastado do acusado. Isto ocorre com mais fluência em crimes hediondos determinados pela Lei 8.072 de 25 de julho de 1990. Vistos pelo legislador como crimes de maior gravidade social, em que o Estado e seu Jus puniendi atribuem forma punitiva mais gravosa, enquanto a população exige condenações mais severas. Há a possibilidade de decretação da prisão preventiva para garantia de ordem pública, fundada na repercussão social de determinado delito se o réu for portador de “circunstâncias que indicam a probabilidade de praticar ou tornar a praticar um crime” 10 - periculosidade. A periculosidade do indivíduo é embasada na circunstância em que o delito foi cometido, pelos antecedentes penais, e a crueldade da conduta como argumento da periculosidade, causando uma negativa à vista da liberdade do acusado. 3.3 A Possibilidade da Prática de Novos Crimes É um dos fundamentos utilizados para a decretação de prisão preventiva. Cabível de um estudo de que o indivíduo que possui vida criminosa contínua seja ele reincidente (ou não), que no contexto do fato concreto, ameace cometer novos crimes, ainda que não tente o mesmo que se é acusado, mas novos delitos relativos a prejudicar o bom andamento do processo, ou não. Sendo hipótese digna de aceitação de decretação, a possibilidade de o agente cometer novos crimes no curso do processo, nada obstante “a presunção de inocência, que permanece intacta até os fatos futuros” 11 , mesmo que para a defesa da segurança pública – garantir a ordem pública. 10 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio. 8. ed. Curitiba, 2010. Disponível em: <http://dic/aurelio/> Acesso em: 19 ago. 2013. 11 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal: e sua conformidade constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, v.2, p. 122. 4 O CLAMOR PÚBLICO COMO REQUISITO PRISIONAL A prisão preventiva tem por consequência a privação da liberdade do acusado antes do trânsito em julgado, e se justifica se obtiver expressamente os requisitos contidos no artigo 312, do Código de Processo Penal. 12 Não se vê incluso o “clamor público”. É necessário compreender o significado da expressão “clamor público” com o contexto do delito, ao reconhecer que a manifestação da sociedade com gritos e atos de indignação diante do crime, apontando antecipadamente, com um prévio julgamento, de que alguém é culpado não se confunde com qualquer dos conceitos de ordem pública.13 Por outro lado da esfera doutrinária do Direito processual Penal, com o consentimento de parte da jurisprudência dos tribunais, o clamor público é inserido (empregado) no conceito de ordem pública, introduzido estranhamente à natureza cautelar da função processual. Eis a confusão estabelecida do clamor público ou a indignação da sociedade diante de um delito qualquer, com o requisito legal da prisão preventiva – ordem pública, ao saber que medidas cautelares não têm destinação de “fazer justiça”, e sim de garantir o “normal funcionamento da justiça”. 4.1 A Inconstitucionalidade Ao entender que o clamor público trata-se da indignação da sociedade frente ao criminoso, o anseio da mesma é que a justiça seja feita e que a punição caia sobre o acusado, e mesmo que isso ocorra, o sentimento de insatisfação ainda espreita sobre a repercussão do crime na sociedade. Aury Lopes Junior explica que: É inconstitucional atribuir à prisão cautelar a função de controlar o alarma social, e, por mais respeitáveis que sejam os sentimentos de vingança, nem a prisão preventiva pode servir como pena antecipada 12 BRASIL. Vade Mecum- Código de processo penal. 15. ed. Saraiva, 2013, p. 632. SANGUINÉ, Odone. A inconstitucionalidade do clamor público como fundamento da prisão preventiva. Revista de Estudos Criminais. Rio Grande do Sul, n. 10, 2003, p. 119. 13 e fins de prevenção, nem o Estado, enquanto reserva ética, pode assumir esse papel vingativo.14 Isto significa que o julgamento social adota um caráter de pena antecipada quando ainda não se determinou quem seja o responsável pela conduta delituosa pelos meios processuais que estendem ao acusado. O legislador na busca de contribuir com a segurança da sociedade desvia-se do verdadeiro sentido da prisão preventiva. Odone Sanguiné diz que: Assim, se põe em perigo o esquema constitucional do Estado de Direito, dando lugar a uma quebra indefensável do que deve ser um processo penal em um Estado Social e Democrático de Direito, pois vulnera o princípio da presunção de inocência e da liberdade de todo cidadão e a própria essência do instituto da prisão preventiva.15 Por todas as circunstâncias possíveis de decretação da prisão preventiva contidas no artigo 312 do Código de Processo Penal, partir da pretensão de punibilidade pela visão de delinquência que se atribui ao acusado, não vigora o sentimento de justiça plena, uma vez que seja suficiente que a punição há de vir no decorrer do processo. Em decisão tomada pelo Ministro Marco Aurélio diante do pedido de Habeas Corpus, a prisão preventiva do acusado também teve como fundamento o clamor público, e deu-se maior importância ao princípio constitucional da presunção de inocência, como se vê: [...] PRISÃO PREVENTIVA – PASSAGENS PELA POLÍCIA – IMPROPRIEDADE. Surge extravagante determinar-se a prisão preventiva em virtude de o acusado ter passagens pela polícia, cumprindo a glosa ante o ordenamento jurídico. PRISÃO PREVENTIVA – CLAMOR PÚBLICO. A repercussão de episódio perante a sociedade é insuficiente a entender-se válida a custódia provisória. PRISÃO PREVENTIVA – ACUSADO – INTANGIBILIDADE. Descabe formalizar a prisão preventiva a pretexto de proteger a higidez do acusado, o que contraria a realidade das delegacias e penitenciárias. (HC 115897, Relator (a): 14 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal: e sua conformidade constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, v.2, p. 118. 15 SANGUINÉ, Odone. A inconstitucionalidade do clamor público como fundamento da prisão preventiva. Revista de Estudos Criminais. Rio Grande do Sul, n. 10, 2003, p. 115. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 04/06/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-121 DIVULG 24-06-2013 PUBLIC 25-06-2013)16 Não obstante tal fato, o clamor público depende, completamente, de divulgação em veículos de informação, tais como jornais escritos, jornais televisivos, noticiários virtuais e rádios. Com efeito, que a veiculação de reportagens obedece a uma regra de mercado e que o interesse da mídia acerca do fato típico depende de potencial de venda. A adoção desse critério de publicações para prisão preventiva transfere, em último grau, às mãos do mercado a necessidade da punição. O juiz deixa parte de seu dever e de suas responsabilidades constitucionais de julgar estabelecidas em inúmeros incisos do art. 5º do Documento Democrático. Anota-se, além de tais circunstâncias, que o clamor público se esmorece com facilidade e não pode ser medido concretamente. Com isso, surge imbróglio denso, qual seja como seria possível avaliar se o fato causou repercussão e clamor ou não. Essa imprecisão não pode ensejar a prisão de quem se presume inocente, e que tem sua prisão vinculada ao sistema de legalidade e necessidade fática. Veja-se, para análise, o caso rumoroso do incêndio na Boate Kiss, discoteca localizada na cidade de Santa Maria, no estado brasileiro do Rio Grande do Sul, que matou 242 pessoas e outras 116 feridas, no dia 27 de janeiro de 2013, causado pelo acendimento de um sinalizador utilizado por um integrante da banda que se apresentava no local (a imprudência e as más condições de segurança ocasionaram a morte de tantas pessoas, claro que, a culpa caiu sobre os integrantes da banda e os donos da casa noturna): Ementa: HABEAS CORPUS. INCÊNDIO DA BOATE KISS. ALEGADO CERCEAMENTO DE DEFESA, EM RAZÃO DE DIFICULDADE DE ACESSO AOS AUTOS. QUESTÃO ESCLARECIDA PELO MAGISTRADO PROCESSANTE. NÃO CONFIGURADO O DEFEITO. PRISÃO PREVENTIVA. DECRETADA 16 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n.º 115.897, 1ª Turma. Relator: Ministro: Marco Aurélio. Paraná, 4 junho de 2013. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=4067385> Acesso em: 28 ago. 2013. COMO GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E POR CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. FUNDAMENTOS QUE JÁ NÃO SE FAZEM PRESENTES PARA A MANUTENÇÃO DA SEGREGAÇÃO PROVISÓRIA. Se, em razão do intenso abalo social provocado pela tragédia que resultou em tantos mortos e feridos, justificava-se a prisão preventiva dos supostos responsáveis no momento em que foi decretada, como garantia da ordem pública, a verdade é que, passados quatro meses desde o infausto acontecimento, já não se fazem mais presentes os aspectos da ordem pública, ressaltados pelo magistrado no decreto prisional: o clamor público e a necessidade de resguardar-se a credibilidade da justiça. [...] Em conclusão, não se vislumbra a necessidade de manutenção da prisão preventiva. Ordem concedida, com efeito extensivo aos demais acusados presos. (Habeas Corpus Nº 70054419841, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Manuel José Martinez Lucas, Julgado em 29/05/2013).17 É o mercado, na forma de comércio de notícias que define que tipo de crime deve ser divulgado, e por envolver interesse social divulga aqueles que chamam mais atenção, os mais graves que despertam a indignação da sociedade, como é o caso da Boate Kiss. De certa forma, isso reduz a responsabilidade do magistrado que não está imune às influências do ambiente que circula seu exercício profissional. Ainda que ocorra, a prisão preventiva pode até silenciar o efêmero abalo social, porém perderia sua função legal em cautelar o processo. E ainda fosse verdadeira a pretensão de que a ausência de prisão em casos com clamor público enseja descrédito das instituições, o Brasil assistiria manifestações cotidianas contra o aparato Judiciário, o que não ocorre. Mais que isso, com a vinculação do clamor público à credibilidade das instituições, poder-se-ia imaginar um cenário no qual, sem prisão preventiva, os órgãos do Poder Judiciário perderiam sua legitimidade, o que também não ocorre. O que, realmente, afeta a credibilidade das instituições, é a morosidade, a falta de servidores, a grande quantidade de decisões reformadas e a burocracia confusa que impede que cidadãos compreendam o funcionamento da Justiça. 17 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Habeas Corpus n.º 70054419841, 1ª Câmara Criminal. Relator: Manuel José Martinez Lucas. Rio Grande do Sul, 29 de maio de 2013. Disponível em: < http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=hc+70054419841&tb=jurisnova&partialfie lds=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3 Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao %3Anull%29&requiredfields=&as_q=>. Acesso em: 22 set. 2013. Quando o clamor público passa a ter peso na decisão, o juiz perde a razão e esvazia seu papel de gerenciar os fatos e o processo, sendo que quem divulga e escolhe o que terá clamor e virá ao conhecimento da sociedade é a mídia em conjunto com seus interesses financeiros e sociais. 5 A PERICULOSIDADE COMO REQUISITO PRISIONAL Em conformidade com os requisitos da prisão preventiva, explicados anteriormente, sobre as possibilidades de decretação, é importante revisar que o artigo 312, do Código de Processo Penal, é claro sobre o que tutela a prisão: ordem pública, ordem econômica, a conveniência da instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal. Sabe-se que se, a liberdade do acusado põe em risco uma dessas condições, sendo o seu estado de liberdade visto como perigoso para a ordem pública – no qual é compreendido o clamor público – tem-se decretado a prisão preventiva do indivíduo que praticou a conduta criminosa. Ora, se a conduta praticada é tipificada como crime é porque é perigosa – causou dano a alguém - então, em tese, todos os que cometem crimes são perigosos e deveriam ser presos preventivamente. O que viola a função da prisão preventiva que é acautelar o processo. O Direito penal protege a sociedade e o processo penal – que trata da prisão preventiva – protege as regras e busca verdade real. Ainda mais a fundamentação das decretações da prisão preventiva para garantia de ordem pública também tem se baseado nessa construção abstrata de periculosidade do réu, sobre deduções de que volte a delinquir – visão que afasta a paz e a ordem da sociedade. No mesmo sentido é o entendimento do Ministro Relator Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, ao conceder Habeas Corpus em Ação Penal: EMENTAS: 1. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto carente de fundamentação idônea. Nulidade caracterizada. Menção a razões abstratas. Ofensa ao art. 93, IX, da CF. Constrangimento ilegal configurado. HC concedido. É nula a decisão que decreta prisão preventiva com base em razões abstratas. (...) É ilegal o decreto de prisão preventiva baseado em exigência do clamor público. 4. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na periculosidade presumida dos réus. Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Ofensa à presunção constitucional de inocência. Aplicação do art. 5º, inc. LVII, da CF. Precedente. É ilegal o decreto de prisão preventiva que se funda na periculosidade presumida do réu. (HC 84311, Relator (a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 03/04/2007, DJe-032 DIVULG 06-06-2007 PUBLIC 0806-2007 DJ 08-06-2007 PP-00045 EMENT VOL-02279-02 PP00236).18 Sabemos pelos ensinamentos de Fernando da Costa Tourinho 19 Filho , que todas as decisões que decretam a prisão preventiva devem ser fundamentadas, realçando as provas da existência do crime e os indícios suficientes de autoria, sem presunções de periculosidade. É notável que as condutas mais graves – crimes dolosos e hediondos – geram abalo social e trazem o acusado ao conceito de periculosidade, porém continua não sendo justificativa legal para a decretação da prisão cautelar. É assim que Guilherme de Souza Nucci se manifesta: [...] Se este for grave, de particular repercussão, com reflexos negativos e traumáticos na vida de muitos, propiciando à aqueles que tomam conhecimento de sua realização um forte sentimento de impunidade e insegurança, cabe ao Judiciário determinar o recolhimento do agente. A garantia de ordem pública deve ser visualizada, fundamentalmente, pelo binômio gravidade da infração + repercussão social.20 E mais, se a periculosidade do agente é tão visível, a prisão preventiva decai na forma de pena antecipada, perdendo seu sentido excepcional ao processo penal. Pela jurisprudência, somente a periculosidade não é fundamento suficiente para a decretação da cautelar. Independente da justificativa utilizada para decretar a prisão preventiva – ainda por comprovação concreta - sempre se deve considerar a fundamentação adequada, sobretudo considerando a regra da liberdade. Destaca-se a decisão: HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS LEGAIS. PRESUNÇÃO DE PERICULOSIDADE PELA PROBABILIDADE DE 18 BRASIL, Superior Tribunal Federal. Habeas Corpus n.º 84.311, 2ª Turma. Relator: Ministro Cezar Peluso. São Paulo, 3 abril de 2007. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/lis tarJurisprudencia.asp?s1=%28pris%E3o+preventiva++e+clamor+p%FAblico+e+inconstitucionalidade %29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/pfpun6c>Acesso em: 15 set. 2013. 19 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, v.3, p 519. 20 NUCCI, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal Comentado. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 626. REINCIDÊNCIA. INADMISSIBILIDADE. - A futurologia perigosista, reflexo da absorção do aparato teórico da Escola Positiva que, desde muito, tem demonstrado seus efeitos nefastos: excessos punitivos de regimes políticos totalitários, estigmatização e marginalização de determinadas classes sociais (alvo do controle punitivo) tem acarretado a proliferação de regras e técnicas vagas e ilegítimas de controle social no sistema punitivo, onde o sujeito considerado como portador de uma perigosidade social da qual não pode subtrair-se torna-se presa fácil ao aniquilante sistema de exclusão social. - A ordem pública, requisito legal amplo, aberto e carente de sólidos critérios de constatação (fruto desta ideologia perigosista), portanto antidemocrático, facilmente enquadrável a qualquer situação, é aqui genérica e abstratamente invocada mera repetição da lei, já que nenhum dado fático, objetivo e concreto, há a sustentá-la. Fundamento prisional genérico, anti-garantista, insuficiente, portanto! - A gravidade do delito, por si só, também não sustenta o cárcere extemporâneo: ausente previsão constitucional e legal de prisão automática por qualquer espécie delitiva. Necessária, e sempre, a presença dos requisitos legais (apelação-crime 70006140693, j. em 12/03/2003). - À unanimidade, concederam a ordem. (Habeas Corpus Nº, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 23/04/2003).21 Evidentemente que frente às circunstâncias legais e ao resultado do crime na sociedade (clamor público causado pela gravidade do delito, e a repercussão gerada pela mídia) o juiz, na sua imparcialidade e competência, de decretar a medida cautelar (do processo) deve obedecer aos critérios legais com fundamentação fática, jurídica e concreta. Acima de tudo a lei é clara e específica no que tange à restrição de liberdade. E, se alguém é coagido ilegalmente deste direito fundamental, com base na periculosidade (abstrata), o remédio é a impetração de Habeas Corpus. E ao solicitar a revogação da prisão preventiva com as alegações necessárias sobre a incoerência da decretação, os julgadores avaliam a possibilidade de deferimento. 21 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Habeas Corpus n.º70006140693, 5ª Câmara Criminal. Relator: Amilton Bueno de Carvalho. Rio Grande do Sul, 23 de abril de 2003. Disponível em:<http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=Habeas+Corpus+N%BA+7000 6140693&tb=juri snova&pesq=ementario&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%252 0do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr %25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29&requiredfields=&as_q=>. Acesso em: 24 set. 2013. Independente se haverá revogação da decretação da medida ou não, ela sempre será embasada nas reais circunstâncias que garantem o bom andamento do processo. E o juiz assume a responsabilidade de saber discernir e separar a real necessidade de cautela com as presunções. Conforme se vê no seguinte Recurso em Sentido Estrito: RSE. PRISÃOPREVENTIVA. LIBERDADE PROVISÓRIA. PEDIDO DE REVOGAÇÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS PARA A PRISÃO CAUTELAR. O juiz é guardião da Constituição e, dela como cláusula pétrea, das garantias e direitos fundamentais do cidadão. Não o é da segurança pública, afeta ao Poder Executivo e, para antepor-se à presunção da inocência, ainda que o respeite, é função do Ministério Público construir a defesa da sociedade que ele, com tanta dignidade e grandeza representa, para desenvolver a crítica à conduta do agente, dispensando, pois, este cuidado dos juízes de direito a não ser no momento nobre da sentença, quando, então, à luz das provas, poderá revogar o status libertatis do cidadão. Se ausentes os pressupostos da prisão preventiva, inviável manter-se cautela prisional, pois inaceitáveis os argumentos que ela ser mantida quando baseada tão-somente na gravidade do fato, na hediondez do delito ou no clamor público. Precedentes jurisprudenciais. RECURSO MINISTERIAL IMPROVIDO. UNÂNIME. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70034333765, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aramis Nassif, Julgado em 16/06/2010).22 Observa-se que mesmo tratando de Recurso em Sentido Estrito oferecido pelo Ministério Público, é mantida a afirmação de que a gravidade do fato (com os demais fundamentos apócrifos) não justifica a cautela prisional. Independente da Região em que pertence o órgão julgador, o entendimento é o mesmo, a gravidade do delito não justifica a necessidade de isolamento do indivíduo para garantir a ordem pública. Pode-se observar que mesmo nas decisões que indeferem o pedido de Habeas corpus, a alegação é que há provas concretas do risco de liberdade do acusado em função da periculosidade que apresenta para garantia da ordem pública e conveniência de instrução criminal (ambos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal). 22 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Recurso em Sentido Estrito n.º70034333765, 5ª Câmara Criminal. Relator: Aramis Nassif. Rio Grande do Sul, 16 de outubro de 2010. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=Recurso+em+Sentido+Estrito+N%BA+ 70034333765&tb=jurisnova&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a% 2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amon ocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29&requiredfields=&as_q=>. Acesso em: 24 set. 2013. 6 DA REITERAÇÃO CRIMINOSA Conforme as circunstâncias do delito, e do histórico (antecedentes criminais) há a possibilidade de o acusado voltar a delinquir. Nessa possibilidade, a decretação da prisão preventiva ocorre fundada na ordem pública, sob o fundamento de que volte a praticar novos crimes. 23 Porém, retoma-se com divergências doutrinárias, o respeitável Aury Lopes Junior, ao defender a tese de que a prisão preventiva fundada na “única presunção que a constituição permite é a de inocência e ela permanece intacta em relação a fatos futuros”. 24 Isso ocorre com mais frequência em casos que o acusado é integrante de organização criminosa, e gera grande clamor público, que afeta a ordem pública, conforme se vê em notícia do STF: [...] O juiz alegou, ainda, garantia da ordem pública, para evitar a reiteração de fatos da mesma natureza ou a ocorrência de situações mais graves, sendo a prisão imprescindível para viabilizar a instrução do processo, já que, em liberdade, o acusado poderia influenciar testemunhas e praticar outros atos tendentes ao comprometimento das provas. Também alegou necessidade de garantia da aplicação da lei penal e lembrou que o crime imputado a A.G.A. é “gravíssimo, de elevada reprovabilidade social e nitidamente comprometedor da paz pública.” 25 Observa-se que a decretação da prisão preventiva fundamentada em previsões abstratas é revogada, o argumento utilizado é a necessidade de circunstâncias de riscos concretos, estritamente os citados no artigo 312 do Código de Processo Penal. E mais, se entendido que há risco de que o acusado volte a delinquir e isso provoca o clamor público (enquadrado ao conceito de ordem pública), a prisão preventiva não pode ser fundada unicamente neste fundamento, mesmo que o acusado apresente periculosidade, ou possibilidade de voltar a delinquir. 23 ESCAME, Camila Ferraz. A periculosidade como requisito da prisão preventiva. 2011. 64 fls. Monografia (Trabalho do Curso de Direito) – Faculdade Catuaí, Cambé, 2011, p. 39. 24 LOPES JR., Aury. Direito processual penal: e sua conformidade constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2009, p. 122. 25 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Notícias STF. Acusado de Latrocínio quer responder a processo em liberdade. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idC onteudo=152500&caixaBusca=N>. Acesso em: 27 set. 2013. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS A prisão preventiva, conforme o artigo 312 do Código de Processo Penal, é medida excepcional, pois restringe o indivíduo de sua liberdade. Como amparo para o processo, se o acusado apresenta risco à ordem pública, ordem econômica, à conveniência de instrução criminal e à aplicação da lei penal. Um dos problemas a que se refere o trabalho deu-se à busca pela compreensão exata do requisito a ordem pública, assistido pela doutrina como aberto e vasto para uma interpretação séria por tratar de direito e garantia fundamental à pessoa, quanto à liberdade e em respeito ao princípio Constitucional da presunção de inocência. O clamor público não está incluso no rol dos requisitos levantados pelo processo penal, e se confunde facilmente com a ordem pública que garante a paz da sociedade e a tranquilidade do meio social. Mesmo que o fato concreto desperte a atenção da sociedade, muitas vezes causado pela mídia, o sentimento de indignação e de descuido da justiça, o propósito da prisão preventiva não é apartar este sentimento. Mais a fundo sobre o que motiva o clamor público, encontrou-se a periculosidade do acusado e o risco de reiteração criminosa que este apresenta, pois a indignação social não é somente referente ao crime, mas também à credibilidade da justiça e ao sentimento de segurança pública. E mesmo que o delito alcance alguns destes falsos critérios da prisão cautelar, é pela análise em doutrina e jurisprudência que se conclui que a decretação da prisão preventiva deve obedecer com exatidão ao menos um dos requisitos e pressupostos abordados pelo artigo 312 do Código de Processo Penal. A essência dos direitos e garantias contidos na Constituição Federal se sobressai sobre as acusações e os julgamentos antecipados da sociedade, pois é garantia constitucional toda e qualquer pessoa passar por um julgamento justo. O clamor público desvia do acusado as únicas garantias que ainda lhe restam, sendo inconstitucional se utilizado isoladamente como critério para decretação da prisão preventiva. 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