A REALIDADE DAS INSTITUIÇÕES CONVENIADAS COM A JUSTIÇA DIANTE DA APLICAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS A COMUNIDADE Autoras (1) Batista, Roberta Rangel; (1) De Martin, Daísa; Gomes, (1) Eliene R.; (1) Gonçalves, Glicia Pandolfi; (1) Silva, Kesya de Souza; (1) Magalhães, Natalia Mendonça; (1) Peruchi, Samya C.; (1) Souza, Lidiane C. R.; (1) Verdin, Marcele M. S. (2) Carpanedo, Nádia Almeida; (3) Pereira, Raquel Monteiro. (1) Alunas de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e estagiárias da Vara de Execução De Penas e Medidas Alternativas (VEPEMA). (2) Psicóloga do Serviço Social e Psicológico (SSP) e Supervisora de estágio da Vara de Execução De Penas e Medidas Alternativas (VEPEMA), Psicanalista, Pós Graduação em Dependencia Quimica – 2003, Ramain Thiers- Psicoterapia Socio Psicomotora grupal. (3) Psicóloga do Serviço Social e Psicológico (SSP) e Supervisora de estágio da Vara de Execução De Penas e Medidas Alternativas (VEPEMA). RESUMO Este trabalho tem como questão principal investigar a realidade das instituições conveniadas com a justiça diante da aplicação da prestação de serviços a comunidade (PSC). O objetivo é verificar como atuam e interagem essas instituições no acompanhamento e cumprimento da pena, considerando a questão da responsabilização das Instituições para com o processo de “inserção social” dos sujeitos sentenciados a cumprir PSC. Uma vez que assumir a responsabilidade de determinados acontecimentos, não cabe somente ao prestador, mas também a toda comunidade produtora deste ‘infrator’. Palavras-chave: Penas Alternativas, Instituições, responsabilização. “Do rio que tudo arrasta, se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas, as margens que o comprimem.” Bertolt Brecht INTRODUÇÃO O aumento das taxas de criminalidade e o incisivo clamor público por segurança, incitado pela grande mídia e sustentado por uma desigualdade social, tem como principal conseqüência um apontamento para o endurecimento das leis penais (BATISTA, 2003). É neste cenário que vemos desenvolver-se, como afirma Lemgruber (1996) a noção absolutamente cristalizada de que punição é igual à prisão. Porém, é fácil constatar que a pena de prisão não vem se mostrando um instrumento eficiente de ”ressocialização” como foi difundido com a adoção dos sistemas progressivos1 ao longo do século XIX. Assiste-se a falência deste modelo de punição uma vez que este é incapaz de sustentar todo o sistema penal. Para Pinto (2006, p.23), o que ocorre na verdade, é uma [...] dualidade discursiva nos debates sobre o sistema punitivo. Assiste-se no país, nas últimas duas décadas uma ambigüidade no que tange à elaboração de leis penais, que oscilaram em duas tendências completamente divergentes: uma de recrudescimento das leis penais, aliado a uma crescente criminalização de novos comportamentos e outra com o sentido despenalizador e alternativo. Procura-se neste trabalho discorrer mais especificamente sobre este aspecto alternativo do Sistema Penal que é garantido na sua forma legal desde 1984 como Penas Restritivas de Direito. Dentre estas penas, destaca-se a Prestação de Serviço a Comunidade (PSC), onde se fundamenta e se atualiza a nossa prática. É própria desta forma de aplicação de pena sua interface com outras áreas, fundando uma rede de ações que envolvam políticas na esfera social, resultando na promoção da qualificação do controle penal, diminuição dos índices de reincidências, bem como, atuando no sentido preventivo da violência e na valorização dos sujeitos, garantindo seus direitos fundamentais. Comparada a aplicação da pena restritiva de liberdade, as restritivas de direito iniciaram com um índice mínimo de aplicação e, hoje, já despontam como a maioria das sanções penais. Dessa forma é possível inferir uma previsão de crescimento ainda maior deste tipo de pena (CGPM/MJ, 2009). Com o advento da lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais) surgiram as verdadeiras modificações que legitimaram as Penas e Medidas Alternativas (PMA’s). Ao longo dos anos, estas alternativas penais foram alvo de discriminações por parte da sociedade e até mesmo por meio do judiciário, pois “faz 1 “Caracteriza-se por distribuir o tempo de duração da condenação em períodos, ampliando-se em cada um os privilégios que o preso pode desfrutar de acordo com sua boa conduta e, ainda na possibilidade o mesmo reincorpora-se a sociedade antes do término de sua pena, sendo liberado condicionalmente” (BITTENCOURT, 1993, p.81). parte do imaginário popular vincular pena a prisão: alguém só é suficientemente castigado ao perder a liberdade. O povo pensa assim e os juízes também” (LEMGRUBER in VELHO & ALVITO, 1996, p.82). No entanto, esta prática não pode ser entendida como generalizada. Pela dedicação daqueles que vislumbraram o potencial das medidas alternativas, as aplicações foram gradativamente alcançando índices representativos no cenário da aplicação de pena. Assim sendo, o estado do Espírito Santo, que também acompanhou esta evolução, implantou sua primeira Central de Penas e Medidas Alternativas no ano de 2001 (Manual da CEPAES, 2006). Já em 2006, por intermédio da Lei Complementar nº 364, criou-se finalmente a VEPEMA - Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas. A Vara possui uma organização que abrange profissionais de diversas áreas de atuação, em diversos setores como Serviço social e Psicológico (SSP) e Fiscalização. Nesta rede, incluemse, também, as instituições parceiras da VEPEMA, ou seja, aquelas que, em convênio com a Justiça, recebem prestadores de serviço para cumprirem a pena alternativa sentenciada e os incluem em seu cotidiano institucional. A partir das questões expostas, propõe-se verificar como atuam e interagem essas instituições parceiras no acompanhamento e cumprimento da Prestação de serviço a Comunidade (PSC), considerando a questão da responsabilização das Instituições para com o processo de “inserção social” dos sujeitos sentenciados a cumprir PSC. Responsabilização porque, a instituição enquanto representante da sociedade precisa implicar-se, tomar posse dessa construção coletiva que produz o delito e o culpado. Ou seja, assumir a responsabilidade de determinados acontecimentos, não cabe somente ao prestador, mas também a toda comunidade produtora deste ‘infrator’. Usa-se aqui o termo “inserção social” em detrimento do termo “ressocialização”, por se acreditar que esta termologia não remete a um sujeito que está fora da sociedade, precisa ser recuperado e devolvido ao convívio social, mas sim a um processo que, segundo Faleiros (2004), propicia mudança das relações em um campo em que (o) próprio ator social se torna protagonista de seu destino e, portanto, passa a ter a afirmação de sua identidade enquanto cidadão, enquanto pessoa, e reconhecimento efetivo nas oportunidades do dia a dia para expressar-se e conseguir sobreviver dignamente, numa sociedade que estabelece critérios de inclusão e exclusão, mas também de solidariedade, respeito às diferenças e acesso às condições de vida. (p. 92) Portanto, salienta-se que é imprescindível a atuação das Instituições parceiras da VEPEMA, sem cuja atuação não seria possível a aplicação da PSC, uma vez que estas são seus principais agentes articuladores. Assim, colocar em discussão o modo como este agente organizador se estrutura, torna-se essencial para analisar como se dá o cumprimento de pena por meio da Prestação de Serviço à Comunidade, a fim de demonstrar que este processo é de responsabilidade social e não somente judicial. METODOLOGIA Este estudo consiste em uma pesquisa qualitativa, efetivado através da análise de 09 entrevistas realizadas pessoalmente, e gravadas, com diretores e funcionários das Instituições Parceiras conveniadas à Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas de Vitória-ES, nos municípios de Serra, Cariacica, Vila Velha e Vitória. As instituições bem como os participantes desta pesquisa, foram selecionadas por conveniência. As entrevistas aconteceram mediante autorização prévia (contato telefone) e através de assinatura de um Termo de Compromisso Livre e Esclarecido apresentado aos participantes. Utilizou-se nas entrevistas um roteiro previamente elaborado. Esta modalidade de entrevista segue uma estrutura bem definida, “permitindo, dentro dos limites, que os entrevistados respondam as mesmas perguntas, na mesma ordem e formuladas com as mesmas palavras. ’’ (GRESSLER, 2003). Entendemos que a escolha desse método é mais adequada, por possibilitar uma reflexão elaborada acerca da percepção que as instituições têm da PSC, extraindo-se dados de maneira que se valorize o discurso dos entrevistados com o foco direcionado para o que foi previamente estabelecido. Os dados obtidos foram transcritos e analisados em conformidade e articulados a bibliografia de referência, através da análise do discurso. DISCUSSÃO, CONCLUSÕES E QUESTIONAMENTOS Foucault (1997), coloca em questão o funcionamento de uma sociedade que esquadrinha, enquadra os indivíduos, que quer controlá-los, conduzir sua conduta, produzir corpos submissos e exercitados, “corpos dóceis”, [...] a disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças ela dissocia o poder do corpo faz dele por um lado uma "aptidão", uma "capacidade" que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potencia que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. (FOUCAULT, 1997, p. 119). A disciplina visa a correção, já as punições atuam como exercícios. O que não se encaixa no padrão é penalizado. A partir daí se segmenta, uma classificação dicotômica é criada para encaixar as condutas consideradas “desviantes” das “exemplares”. Aqueles que desviam, precisam ser incluídos num “dito grupo de excluídos”. [...] milhões de pessoas estão sendo colocadas entre parênteses, por tempo indefinido, talvez sem outro limite a não ser a morte. Essas pessoas tem direito apenas à miséria ou à sua ameaça [...] Estes marginalizados têm sido os primeiros a se considerar incompatíveis com a sociedade da qual eles são os seus produtos. São levados a se considerar indignos dela e, sobretudo, responsáveis pela sua própria situação. (COIMBRA e GEISLER, 2008, p. 23). Em todos os espaços tem-se os grupos dos que desviam e por isso devem ser punidos, não se trata de pensar e/ou questionar as regras e as formas instituídas de lidar com a vida em sociedade, mas de punir aquele que foge ao absoluto, a verdade dada. Há uma necessidade de homogeneização e padronização para facilitar o controle, para produção dos tais corpos ‘úteis e dóceis’. E é pensando sobre essas questões que se traz uma discussão a respeito das instituições carcerárias, que historicamente legitimam o castigo, instituem a prisão como única maneira de punir o ato delituoso. E em função dessa construção histórica o ranço da punição permanece atrelado a PSC no que tange o senso comum. Nessa lógica, chama atenção no campo e na pesquisa, a atuação das instituições parceiras, as práticas coercitivas que tentam fazer a prestação de serviço cansativa, exaustiva e muitas vezes desprazerosa. Essa noção confere outro sentido a PSC, como aparece na fala de um entrevistado que sugere que o sujeito condenado a PSC trabalhe todos os dias na instituição onde cumpre sua pena independente de seus compromissos e condições para tal. É uma prisão “a céu aberto”, um Estado de eterna vigilância. Nesse mesmo sentido percebemos no discurso dos entrevistados outras evidências que reforçam a idéia do cumprimento de pena como castigo, quando alguns afirmam que aquele sujeito tem um débito com a sociedade e que, portanto, precisa ser culpabilizado por tal. Desse modo, não se responsabilizando por um processo de “inserção social”. Outro aspecto muito valorizado pelas instituições a respeito do cumprimento da PSC foi a questão da mão-de-obra. Cinco entrevistados consideram que a instituição da qual fazem parte recebe esses sujeitos para suprir falta a falta de trabalhadores contratados. Afirmam que quem cumpre prestação de serviço a comunidade está ali pra servir de mão-de-obra barata. . E dessa forma, a instituição não se coloca efetivamente como participante deste processo. O sujeito condenado a esta pena tem a obrigação de executar um trabalho e é somente, através desse serviço prestado a comunidade, que ele pagará sua divida social. Também, chama atenção o fato de que pra muitos dos entrevistados é imprescindível saber por qual motivo o sujeito foi condenada, saber “o artigo” em que foi enquadrado. Alegam que é para o bom funcionamento institucional, para saber com “quem” estão lidando. Vale ressaltar que antes de serem encaminhados para as instituições onde deverão cumprir sua pena, estes sujeitos passam por uma triagem no Serviço Social e Psicológico da VEPEMA, onde sua técnica de referência, juntamente com ele, define qual instituição, e qual setor, seria mais compatível com suas aptidões, anseios e horário disponível. E, todos os entrevistados têm informações a respeito desta triagem. Sabemos também que é impossível darmos conta de todas as interveniências que essa triagem possa vir a ter, é provável que sozinho dificilmente este setor dê conta de todos os aspectos envolvidos nessa seleção. Deste modo, podemos constatar que é preciso ser melhor trabalhado e esclarecido com as instituições acerca de seu lugar e de sua função, ou seja, a sua participação na rede social que é imprescindível ao cumprimento da pena e da continuidade do processo da Justiça. Conforme o Manual de Monitoramento das Penas e Medidas Alternativas/2002, a esta, Trata-se de uma medida punitiva de caráter educativo e socialmente útil, imposta ao autor da infração penal, no lugar da pena privativa de liberdade. Portanto, não afasta o indivíduo da sociedade, não o exclui do convívio social e dos seus familiares e não o expõe aos males do sistema penitenciário. Portanto, se o caráter das PMAs é educativo, se faz necessário estabelecer melhor os paradigmas de atuação das Instituições, para que estas possam, depois de conhecer, se responsabilizar por sua função, tornando sua atuação mais compatível com os objetivos e resultados deste tipo de pena. Segundo ainda o Manual de Monitoramento citado acima, “em sintonia com as Regras de Tóquio adotadas pela ONU em 1990, uma política de valorização das medidas não-privativas de liberdade visa a promover maior participação da comunidade na administração do Sistema de Justiça Criminal, especialmente no que toca ao tratamento do delinqüente, de maneira a propiciar uma verdadeira ressocialização do condenado, seja pelo estímulo ao desenvolvimento de um sentido de responsabilidade social, seja pela constituição de um sujeito autônomo.” REFERÊNCIAS BATISTA, V. M. O medo na cidade do Rio de Janeiro: Dois tempos de uma história. Rio de Janeiro. Ed Revan, 2003. BITTENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. SP: Ed. Revista dos tribunais, 1993. CEPAES - Central de Penas e Medidas Alternativas do Espírito Santo, Manual, Vitória, 2006. CGPM/MJ - Coordenação geral de penas e medidas alternativas do tribunal de justiça, 2009. COIMBRA, Cecília e GEISLER, Adriana. Direitos Humanos: Afirmando a Vida. In: ABRAHÃO, Ana Lúcia; COIMBRA, Cecília e GEISLER Adriana (Org.). Subjetividade Violência e Direitos Humanos: Produzindo novos dispositivos na Formação em Saúde, Niterói: Ed.UFF, 15-32, 2008. FALEIROS, V. P. Impunidade e Imputabilidade. Revista Serviço Social e Sociedade, 24(77), 78-97, Março 2004. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis, Vozes, 1997. GRESSLER, Lori Alice. Introdução a Pesquisa: projetos e relatórios. 1 ed. São Paulo: Loyola, 2003. LEMGRUBER, Julita. Pena Alternativa: Cortando a verba da Pós-graduação no crime. In: VELHO, Gilberto e ALVITO, Marcos (Org.). Cidadania e Violência. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/Ed. FGV, 1996. Manual de Monitoramento das Penas e Medidas Alternativas. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, Central Nacional de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas (CENAPA), 2002. Disponível em: www.mj.gov.br PINTO, Nalayne Mendonça. Penas e Alternativas: Um estudo sociológico dos processos de agravamento das penas e de despenalização no sistema de criminalização brasileiro (1984-2004)/ Nalayne Mendonça Pinto. Rio de Janeiro: UFRJ, PPGSA, IFCS, 2006.