Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total
responsabilidade de seu(s) autor(es).
ARTETERAPIA E TRABALHO CORPORAL NO CUIDADO COM
CUIDADORES – RELATO DE EXPERIÊNCIA
Maria de Fátima Abrantes Sachs
Purificación
Navarro Cañizares
Valmari Cristina Aranha
Mara Cristina Souza De Lucia
CEDPES (Centro de Desenvolvimento para Promoção do Envelhecimento Saudável)
Convênio entre Sub-Prefeitura de Pinheiros e Serviço de Geriatria do ICHC-FMUSP e Divisão de
Psicologia do ICHC-FMUSP.
São Paulo - Brasil
Resumo: O envelhecimento envolve alterações de ordem física, social e emocional
que exigem cuidados específicos, em geral, realizados por familiares (muitas vezes
idosos) que se tornaram cuidadores e vivenciam a transformação de suas vidas em
função desta tarefa. Este artigo relata a experiência do trabalho de Arteterapia e
abordagem corporal que é realizado no CEDPES (Centro de Desenvolvimento para
Promoção do Envelhecimento Saudável) com grupo de cuidadores. Objetivo:
Propiciar a resignificação do papel do cuidador e encontrar maneiras mais satisfatórias
de lidar com o cuidar, minimizando o estresse envolvido nesta tarefa, otimizando o
cuidado. Método: A atividade é realizada com cuidadores de idosos e /ou cuidadores
idosos. São realizadas sessões semanais em que se trabalham a autopercepção e
consciência corporal através da respiração, alongamento ou exercícios corporais, o
simbólico através da arteterapia, como colagens, pintura, dramatização, imaginação
ativa e a expressão dos sentimentos. Trata-se de grupo semi-aberto, com limite de 12
pessoas encaminhadas pelo médico responsável. Resultados: Por meio da análise do
conteúdo das sessões, diálogos e das produções realizadas verificou-se que as
cuidadoras conseguem expressar suas angústias, medos, ansiedades e, assim, elaborar
conflitos emocionais relacionados ao cuidar, relatando sentirem-se mais fortalecidas e
acolhidas e menos sobrecarregadas, conseguindo criar novas formas de adaptação a
esta tarefa. Conclusão: Este trabalho demonstra que a Arteterapia associada ao
trabalho corporal é um recurso importante no apoio aos cuidadores, já que possibilita
Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total
responsabilidade de seu(s) autor(es).
o autoconhecimento, o desenvolvimento e apropriação de potencialidades, facilitando
a criação de respostas mais satisfatórias diante do cuidar.
Descritores: Cuidadores, Arteterapia, Abordagem corporal, idoso, Psicologia.
A transição demográfica e epidemiológica tem determinado um quadro de
sobrevivência de idosos que dependem de uma ou mais pessoas que os ajudem diante
das suas incapacidades para as atividades de vida diária, sendo em geral mulheres,
residentes no mesmo domicílio e que se tornam cuidadoras de seus maridos, pais e até
mesmo filhos. A assistência à saúde dos idosos dependentes e o apoio aos cuidadores
familiares podem ser considerados novos desafios para o sistema de saúde. (Karsch,
2003).
Zelar pelo bem-estar de um doente ou dependente tem suas satisfações, mas também é
trabalho que envolve esforço físico, mental e psicológico, bem como ônus financeiro
(Rodrigues, Watanabe, Derntl, 2006). O termo cuidador informal encontrado na
literatura refere-se àqueles indivíduos que tendo uma relação familiar, de amizade ou
vizinhança, ajudam na higiene pessoal, na medicação, nos hábitos de vida diária de
um dependente dentro do domicílio (Born, 2006).
Assumir a responsabilidade pelo idoso dependente é sentido como tarefa cansativa e
que causa estresse ao cuidador tanto pelo envolvimento emocional inerente à situação,
como pela transformação do vínculo anterior de reciprocidade, para um novo, de
dependência, que traz restrições em sua própria vida (Fernandes, Garcia, 2009). Esta
dinâmica envolve sentimentos como amor e culpa, alívio, pena, vergonha e revolta e
fazem parte do cenário que exige, objetiva e subjetivamente do cuidador, um novo
papel no qual terá que redefinir projetos de vida e relações no âmbito social (Dias,
Wanderley, Mendes, 2005).
Estas novas atribuições e toda a carga emocional envolvida criam a necessidade de
que o cuidador esteja atento a si, cuide de si para melhor cuidar do outro. A
Arteterapia, como ferramenta terapêutica, através da expressão artística proporciona
um espaço para a manifestação de sentimentos, uma abertura para a vida e todas as
suas possibilidades (Monteiro, 2009), podendo ser útil no trabalho com cuidadores.
Fabietti (2004) afirma que a arteterapia oferece ajuda para que as pessoas
desenvolvam um olhar que permita o surgimento de novas posturas e a resignificação
Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total
responsabilidade de seu(s) autor(es).
da vida de forma que esta se torne mais gratificante. Serve ainda de ponte de acesso
ao mundo interno podendo prevenir ou tratar distúrbios mentais (Valladares et al,
2008) e, sendo uma forma de expressão pessoal, através da arte, busca a comunicação
de sentimentos, sem a preocupação com questões de estética (Liebmann, 2000).
Aliada ao trabalho de compreensão intelectual e emocional facilita o processo
evolutivo da personalidade com um todo, já que ao dar livre curso às expressões das
imagens internas, o ser humano transforma a si mesmo (Carvalho, 1995).
A abordagem corporal, por seu lado, busca motivar o indivíduo a autopercepção de
tensões físicas e emocionais, contato com a própria respiração, com sentimentos e
emoções reprimidas, proporciona amplitude de movimentos, relaxamento e
autocuidado (Cañizares, 2003), auxiliando assim no melhor cuidado de si e com
melhores possibilidades de cuidar do outro.
Diante disto, foi criado um grupo de cuidadores no CEDPES (Centro de
Desenvolvimento para Promoção do Envelhecimento Saudável), instituição formada
em julho/2008, a partir do convênio entre o Serviço de Geriatria da Universidade de
São Paulo e a Sub Prefeitura de Pinheiros que visa, através de intervenções coletivas,
o bem estar físico, emocional e social de idosos da comunidade.
Trata-se de um grupo semi-aberto, com limite de 12 cuidadores (cuidadores de idosos
e /ou cuidadores idosos), informais e / ou formais. Os grupos semi-abertos são um
“meio-termo útil”, pois se forma um compromisso de participação, mantendo-se a
característica de grupo com a permissão da movimentação organizada e natural das
pessoas (Liebmann, 2000). Iniciou-se com seis cuidadoras em função da demanda do
início da instituição e atualmente (agosto / 2009) participam nove cuidadoras
informais e uma contratada, sendo coordenado por duas psicólogas. Este trabalho
acontece no mesmo horário em que seus familiares participam da atividade de
fisioterapia no CEDEPS, tendo a duração de 1 hora e 15 minutos em função desta
atividade.
São utilizadas técnicas de Arteterapia, como colagens, pintura, dramatização,
imaginação ativa, a expressão de sentimentos por intermédio das produções realizadas
e de abordagem corporal, com exercícios de autopercepção e consciência corporal,
por meio do contato com a respiração, alongamentos e exercícios corporais.
Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total
responsabilidade de seu(s) autor(es).
De maneira geral, o padrão das sessões realizadas é baseado em três momentos: a
conscientização corporal e/ou o resgate dos conteúdos da sessão anterior, a realização
de atividade específica de arteterapia e a fala sobre o que as produções individuais
trouxeram de significado e sentimentos, buscando integrá-los ao seu dia a dia do
cuidado. Neste momento, não há a interferência dos demais participantes e, cada um
tem a liberdade de falar ou não sobre sua produção. Houve momentos em que foram
trabalharam as dúvidas das cuidadoras, através da informação médica, acreditando-se
que o conhecimento sobre a doença e suas implicações é um instrumento para que se
sintam mais seguras e possam apoderar-se de maneira mais satisfatória de suas
tarefas.
O grupo foi formado somente por mulheres cuidadoras. O predomínio da mulher no
papel de cuidadora é encontrado na literatura e, sendo culturalmente visto como
natural, está inserido como mais um papel pertinente à esfera doméstica (Almeida,
2005). A média de idade das cuidadoras é de 61 anos, sendo a maioria delas
responsáveis pelo cuidado das mães (64%), maridos (21%) e filhos (14%) e metade
delas é responsável por familiares com doença de Alzheimer e também por familiares
com seqüelas de AVC ou de fraturas, Parkinson, paralisia cerebral entre outras
doenças.
Das cuidadoras, 29% tem sinais de depressão (avaliação através do Prime) e tratam de
doenças como catarata, glaucoma, hipertensão, bronquite, hepatite C, diabetes,
problemas com tireóide, “sofrer dos nervos”, dores pelo corpo, varizes, artrose,
osteoporose, LER e pedra na vesícula.
Por meio do levantamento exploratório da Caregiver Burden Scale (Medeiros et al.
1998) verificou-se que as cuidadoras apresentam um nível importante de estresse
diante do cuidar. 61,5% dizem sentir que o cuidado interfere nos seus relacionamentos
sociais e familiares, 46% relatam que o cuidado interfere em sua vida afetiva e 38,5
percebem a interferência também em sua vida sexual.
De modo geral, definem o “ser cuidador” como obrigação, doação, desgaste,
responsabilidade, paciência, observação da necessidade do outro, dedicação, amor,
aceitação e deixar de lado seus sonhos e ilusões e avaliam suas vidas de forma
Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total
responsabilidade de seu(s) autor(es).
negativa usando palavras como: tolhida, enfadonha, triste, sem ilusões, muita
mesmice, deprimida, obrigação, desgastante.
Exemplificando uma sessão: iniciou-se com a conscientização do corpo em duplas
(cada pessoa massageava as costas de outra, com suas próprias costas), em seguida,
formou-se um círculo no qual foi trabalhada a respiração e a integração de todas as
cuidadoras, com movimento de roda que se abria e fechava. Depois, foi solicitado que
colorissem um círculo formando uma mandala, buscando se entregar à tarefa de
maneira lúdica, sem julgamentos de valor, com uma música suave ao fundo. A
mandala no processo terapêutico ajuda a trazer à consciência sentimentos escondidos
no inconsciente para serem integrados (Santa Catarina, 2009). Por fim, cada cuidadora
falou sobre sua produção e como se sentiu durante todo o processo:
De., transmiti em seu desenho, a necessidade do acolhimento e da integração com o
grupo, relatando que “eu sempre me achei forte mas tem momentos que preciso de
colo também”. É cuidadora do filho de 41 anos com paralisia cerebral. (figura 1)
D.,sentia sua vida muito “enfadonha”, sempre “a mesma mesmice” e relatou que
“estou conseguindo pedir ajuda para o meu irmão no cuidado com a mãe, mostrando
o seu crescimento pessoal, a possibilidade de saídas e novas maneiras de lidar com o
cuidar. (figura 2).
A., dizia se sentir “tolhida”, considerando sua vida “medíocre”, não sei se vou realizar
a minha própria vida algum dia”, sua mandala mostra o crescimento e
desenvolvimento, a saída do centro onde se colocava: “me desenhei no centro, esta
vermelhinha aqui e estou sentindo a busca por uma saída, novos caminhos.” (figura
3)
Em outro momento percebeu-se que a apropriação de sentimentos ligados ao cuidar
de forma mais realista, com seus aspectos positivos e negativos (figura 4)
Figura 1
Figura 2
Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total
responsabilidade de seu(s) autor(es).
Figura 3
Figura 4
Fica evidente através deste trabalho no CEDPES que a arteterapia facilita o acesso a
conteúdos inconscientes que emergem como forma de organização do mundo externo,
criando novas possibilidades de atuação e, estando associada à abordagem corporal
favorece a sensibilização e o contato com o mundo interno, potencializando o trabalho
terapêutico da arteterapia e o autocuidado que reverterá em melhor atendimento ao
familiar dependente.
Esta nova abordagem de trabalho com cuidadores é uma maneira inovadora de cuidar
de quem cuida, possibilitando ao cuidador a apropriação de seus recursos internos de
enfrentamento, fortalecimento da autoimagem e cuidado pessoal com a resignificação
de seu papel e diminuição do estresse e, com isto a otimização no cuidar, percepção
de maior satisfação e menos sobrecarga e, assim o equilíbrio e satisfação.
Bibliografia:
ALMEIDA, Tatiana L. (2005) Características dos cuidadores de idosos dependentes
no contexto da saúde da família. Dissertação de mestrado. Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
BORN, Tomiko. A formação dos cuidadores; acompanhamento e avaliação (2006)
Seminário Velhice Fragilizada. Sesc, São Paulo.
CAÑIZARES, Purificación N. (2003) Grupo de movimento: Uma nova tecnologia em
promoção da saúde e autocuidado para pessoas idosas. I.B.P. Biodinâmica. São
Paulo.
CARVALHO, M. M. J. A arte cura? Recursos artísticos em psicoterapia. Campinas:
Psy II, 1995.
Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total
responsabilidade de seu(s) autor(es).
DIAS, Ernesta L. F., WANDERLEY, Jamiro S., MENDES, Roberto T. (2005)
Orientações para cuidadores informais na assistência familiar. Ed. Unicamp,
Campinas.
FERNANDES, Maria G. M., GARCIA, Telma R. (2009) Determinantes da tensão do
cuidador familiar de idosos dependentes. Revista Brasileira de Enfermagem. Brasília.
62(1): 57-. 63.
FABIETTI, Deolinda M. C. F. (2004) Arteterapia e Envelhecimento. Casa do
Psicólogo. São Paulo.
KARSCH, Ursula M. (2003) Idosos dependentes: famílias e cuidadores. Cadernos de
Saúde Pública. Rio de Janeiro. 19(3): 861-866.
LIEBMANN, Marian (2000) Exercícios de arte para grupos. Summus Editorial, São
Paulo.
MEDEIROS, Marta M.C., FERRAZ, Marcos B., QUARESMA, Marina R.,
MENEZES, Ana P.(1998). Adaptação ao contexto cultural brasileiro e validação do
“Caregiver Burden Scale”. Revista.Bras. Reumatol. Vol. 38, 4.
MONTEIRO, Dulcinéia M.R. (2009) Arteterapia: arquétipos e símbolos; pintura e
mídia. Wak Editora. Rio de Janeiro.
RODRIGUES, Sérgio L. A, WATANABE, Helena A.W., DERNTL, Alice M. (2006) A
saúde de idosos que cuidam de idosos. Revista Escola Enfermagem USP. 40(4): 493-500.
SANTA CATARINA, M. (2009) Mandala: o uso na Arteterapia. Wak Editora, Rio de
Janeiro.
VALLADARES, Ana C. A., LACERDA, Agnaldo J, PIMENTEL, Andréa A.C.,
BONFIM, Mariana C., GUARDA, Pollyany J., CARVALHO, Isabela B. (2008)
Arteterapia no resgate do envelhecimento saudável. In: Anais da Jornada Goiana de
Arteterapia, 2, Goiânia.
Maria de Fátima Abrantes Sachs. Psicóloga Clínica. Especialista em Gerontologia
(ICHC-FMUSP) e Cuidados Paliativos (Pallium Latin América/Oxford International
Centre for Paliative Care). Pesquisadora em Gerontologia no CEDPES pela FMUSP.
Email: [email protected]
Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total
responsabilidade de seu(s) autor(es).
Purificación Navarro Cañizares.
Psicóloga Clínica, Especialista em Gerontologia
ICHC-FMUSP. Pesquisadora em Gerontologia no CEDPES e Ambulatório do Serviço
de Geriatria do ICHC-FMUSP. Email: [email protected]
Valmari Cristina Aranha. Mestre em Saúde Pública pela FSP-USP. Responsável pela
Psicologia no Serviço de Geriatria do ICHC-FMUSP. Membro da Diretoria da SBGG-SP
(2009/2010).Email: [email protected]
Mara Cristina Souza De Lucia. Psicanalista, Doutora em Psicologia (PUC). Diretora da
Divisão de Psicologia do ICHC-FMUSP. Email:[email protected].
Download

arteterapia e trabalho corporal no cuidado com cuidadores