Contos de Machado de “Pai contra mãe” “O caso da vara” “Capítulo dos chapéus” Assis “Pai contra mãe” “Pai contra mãe” O narrador do texto, é um elemento importante para a construção da ironia nesta narrativa. Em terceira pessoa, a sua perspectiva aproxima o leitor do tempo e do espaço através de relatos históricos sobre os fatos que envolviam a escravidão, como na descrição das crueldades das quais os escravos eram vítimas. “Pai contra mãe” Os escravos pareciam ser transformados em coisas, deixando de ser humanos. Por exemplo, quando fugiam “grande parte era apenas repreendida; havia alguém em casa que servia de padrinho, e o mesmo dono não era mau; além disso, o sentimento da propriedade moderava a ação, por que dinheiro também dói” . “Pai contra mãe” O escravo, essa coisa, objeto, mesmo quando fugisse, não poderia sofrer muitos castigos, já que estes poderiam impedi-lo de prestar os serviços necessários a seu senhor, inutilizando-o, causando assim, grande prejuízo. “Pai contra mãe” comenta “nem todos gostavam da escravidão” e “nem todos gostavam de apanhar pancadas”, qual pessoa gostaria de viver em completa escravidão, à mercê dos mandos e desmandos de alguém e, ainda por cima, levar algumas pancadas? Com sua ironia, parece que é ele (o narrador), quem dá uma pancada nesse sistema de escravatura. Quando o narrador “Pai contra mãe” No conto “Pai contra mãe”, Machado aventura-se pelo caminho da análise social. Sem oratória e redundância, quer mostrar-nos como a miséria torna o pobre inimigo da sua própria classe e como, dramaticamente, o desumaniza. “Pai contra mãe” “Pai contra mãe” quer ensinar-nos o que é o horror da escravatura, mas para chegar a isso utiliza o que há de mais chocante para o leitor: a apresentação do horror como normalidade. “Pai contra mãe” Arminda está grávida e suplica ao rapaz que a deixe ir ou que a guarde como escrava. “Você é que tem culpa, responde Candinho, quem lhe manda fazer filhos e fugir depois?”. E arrasta-a, entre lutas desesperadas, até à casa do patrão. Arminda cai no corredor e, enquanto o patrão paga o prêmio a Candinho, “no chão, onde jazia, levada do medo e da dor, e após algum tempo de luta a escrava abortou”. “Pai contra mãe” Candinho volta para casa com o dinheiro na mão, o filho já não será abandonado. “Cândido Neves, beijando o filho, entre lágrimas verdadeiras, abençoava a fuga e não se lhe dava do aborto. — Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração”. O frio bom senso de Candinho e a sensação de normalidade criada pelo final feliz contrastam violentamente com a sensação de horror que constitui, em última análise, a verdadeira característica do conto. “O caso da vara” “O caso da vara” Narrado em terceira pessoa, o conto O caso da vara, evidencia, em sua crítica social, o aspecto sórdido e desumano da escravidão e suas mazelas morais. “O caso da vara” Neste conto, Machado se utiliza de uma querela doméstica sem importância para ilustrar a questão do favor e do apadrinhamento. Para conseguir seu objetivo (deixar de vez o seminário que ele tanto detesta) Damião faz uso dos recursos de que dispõe. “O caso da vara” Não conseguindo mobilizar o “padrinho” João Carneiro, ele recorre a Sinhá Rita, cujo poder sobre o padrinho de Damião é conhecido. Notese que Sinhá Rita somente decidiu apadrinhá-lo porque sentiu-se “lisonjeada com as súplicas” de Damião. Novamente Machado trabalha com a inversão dos valores tradicionais: Sinhá Rita tem poder e, apenas por isso, pode ou não querer usar tal poder. “O caso da vara” A dialética entre força e desejo será romanticamente invertida por Damião ao se compadecer da escrava Lucrécia, ameaçada pela vara. Damião acredita que a comoção (pena, compaixão, solidariedade) ou o senso de justiça são argumentos suficientes o bastante para exercer o favor. “O caso da vara” Sabe-se o quanto ele (Damião) está enganado. Tanto que, na hora fatal, momento em que precisa escolher o lado, Damião acaba colaborando para o castigo de Lucrécia. “Damião sentiu-se compungido; mas ele precisava tanto sair do seminário”, relata o narrador machadiano. “O caso da vara” Dividido entre a auto-preservação e a consideração do outro, Damião coloca-se ao lado das instituições, que neste caso é o Direito, a Lei, (no conto, simbolizada pela vara). Transposta, pois, para o âmbito familiar, a manobra política de Damião é um exemplo contundente da teoria da ação humana, de que fala Maquiavel. “O caso da vara” Outro fator chama a atenção nos contos de Machado. Trata-se da eterna sensação de insuficiência (dependência), do sujeito diante da vida. Suas personagens parecem sempre marcadas por esta ausência de auto-suficiência, ou seja, surgem sempre desprovidas de liberdade para prescindir das instituições. Sem o apoio destas, o homem nada consegue. “O caso da vara” Os contos O caso da vara e Pai contra mãe , segundo Alfredo Bosi, dão testemunho tanto da vilania dos protagonistas quanto da lógica que rege os seus atos. As “tendências da alma” e os “cálculos da vida” somam-se na luta pela autoconservação. Ambos têm em comum a situação do homem juridicamente livre, mas pobre e dependente, ou meramente dependente, que está um degrau, mas só um degrau, acima do escravo. “O caso da vara” A essa condição ainda lhe resta usar do escravo, não diretamente, pois não pode comprá-lo, mas por vias transversas, entregando-o à fúria, ou posse do senhor, delatando-o ou capturando-o quando se rebela e foge. O poder do senhor desdobra-se em duas frentes: ele não é só o dono do cativo, é também dono do pobre livre na medida em que o reduz a polícia de escravo. “Capítulo dos chapéus” “Capítulo dos chapeús” Narrado em terceira pessoa, o conto é dominado pelas figuras de duas mulheres: Mariana e Sofia. Personalidades opostas, elas representam dois mundos diferentes, mas próximos entre si, presentes na nova configuração da realidade brasileira da segunda metade do século XIX. “Capítulo dos chapeús” Mariana é a mulher infantilizada e alienada num ambiente doméstico; sua vida resume-se a casa e seus objetos: Móveis, cortinas, ornatos supriam-lhe os filhos; tinha-lhes um amor de mãe; e tal era a concordância da pessoa com o meio que ela saboreava os trastes na posição ocupada, as cortinas com as dobras do costume, e assim o resto. “Capítulo dos chapeús” Sua caracterização evidencia o quanto está de acordo com os ideais de feminilidade de um mundo marcado pela figura do patriarca: era uma criatura passiva, meiga, de uma plasticidade de encomenda, capaz de usar com a mesma divina indiferença tanto um diadema régio como uma touca. “Capítulo dos chapeús” Ou seja, é uma criatura feita de clichês que servem para reafirmar o oposto, a virilidade masculina. Sua vida estreita, concorda com suas leituras: Os hábitos mentais seguiam a mesma uniformidade. Mariana dispunha de mui poucas noções, e nunca lera senão os mesmos livros: a Moreninha, de Macedo, sete vezes; Ivanhoé e o Pirata, de Walter Scott, dez vezes; e Mot de l´enigme, de Madame Craven, onze vezes. “Capítulo dos chapeús” Em oposição à sua figura, há Sofia, uma mulher da nova sociedade: independente, resoluta, seus limites vão além da vida doméstica, estendendose para a rua: Sofia, prática daqueles mares, transpunha, rasgava ou contornava as gentes com muita perícia e tranqüilidade. “Capítulo dos chapeús” Mais ainda, Sofia era honesta, mas namoradeira: o termo é cru e não há tempo de compor um mais brando. Namorava a torto e a direito, por necessidade natural, um costume de solteira. A relação das duas mulheres com os maridos segue esse caráter de oposição. Sofia domina o marido: “Capítulo dos chapeús” “Olhe eu cá vivo, muito bem com o meu Ricardo; temos muita harmonia. Não lhe peço coisa que ele não faça logo; mesmo quando não tem vontade nenhuma, basta que eu feche a cara, obedece logo. Não era ele que teimaria assim por causa de um chapéu! Pois não! Onde iria ele parar! Mudava de chapéu, quer quisesse, quer não.” “Capítulo dos chapeús” A típica dialética machadiana da aparência x essência, aparece em algumas passagens desse conto: 1) Na atitude do pai de Mariana que transmite à filha a idéia de que o chapéu usado pelo seu marido rebaixava sua verdadeira pessoa. “Capítulo dos chapeús” 2) Na fala de Conrado, quando considera o chapéu como a integração do homem, um prolongamento da cabeça, um complemento decretado ab eterno; ninguém o pode trocar sem mutilação”. “Capítulo dos chapeús” 3) No dilema de Mariana, que se divide entre a atmosfera organizada de sua casa, em seu mundo fechado, e o passeio pelo Rua do Ouvidor, a cuidar a variedade dos chapéus.