A cidade ilhada traz,
pela boca de um de seus personagens,
sua autodefinição:
“ninguém pode ser totalmente outro”.
 Primeiro livro de contos de Milton Hatoum.
 Obra regionalista ou universal?
 Regionalista, no que tange à organização
espacial.
 Universal, no que diz respeito aos conflitos
encontrados no enredo.
 Cenário e personagens:
 a Manaus cosmopolita, que contrasta
esplendor e miséria, por meio da
exuberância natural da região.
 cidade habitada pela memória inventada de
narradores nativos e estrangeiros e, é claro,
do próprio autor.
 Algumas personagens transitam entre os
contos.
 Reflexo da narrativa:
 Os textos trazem lirismo e humor.
 Os contos refletem a vida nômade de Milton
antes de se tornar um autor consagrado, pois
viveu alguns anos na Europa; depois,
lecionou Literatura nos Estados Unidos, e
atualmente mora em São Paulo.
 As histórias têm humor e leveza porque
dizem respeito à sua vida de andarilho, que
foi uma época de pobreza, mas de muita
alegria, segundo Hatoum.
 O gênero literário:
 Milton, em uma entrevista ao jornal “A crítica”, de
Manaus, disse: “Tentei trabalhar com a ideia do
conto moderno, que não opera com uma surpresa
final, como era o conto do século 19. O conto
moderno, do século 20, narra duas histórias
paralelas e, no fim, revela o significado oculto de
uma das duas histórias. Você começa contando
uma coisa que não é aquilo que você quer narrar,
como se houvesse uma história narrada que é
retrabalhada numa outra história, que é a que você
quer trabalhar.”
 (01) Varandas de Eva
 Narrado em 1ª pessoa.
 O narrador-personagem conta um episódio ocorrido
em sua infância, quando visitou, pela primeira vez, o
bordel Varandas da Eva, e lá passou sua primeira
noite, com uma bela e enigmática mulher.
 (01) Varandas de Eva
 Ele foi com seus amigos:
• Minotauro: forte ‘de meter medo’, com uma voz
ainda de adolescente (fina e grossa ao mesmo
tempo).
• Gerinélson:
paciente,
calmo,
‘cheio
de
reticências’. Já namorava e dirigia escondido a
lambreta de seu irmão.
• Tarso: tímido, nunca dizia onde morava, parecia
ser de classe social mais baixa que os amigos.
Não quis entrar no bordel.
 A ida ao Varandas de Eva foi financiada pelo tio
Ranulfo (tio Ran).
 (01) Varandas de Eva
 Depois que entram, Minotauro cutucou o narrador,
mostrando uma mulher que sorria para ele.
 Eles dançam.
 Ela percebe a ânsia dele e o aperta com gosto.
 Ela o leva para a varanda, eles ficam ‘na maior
pegação’.
 Ela o ensina a fazer TUDO.
 Ele volta ao local várias noites, mas nunca mais a
encontrou.
 A adolescência passa, a maturidade chega, o
narrador se muda com os tios, afastando-se ainda
mais dos amigos.
 (01) Varandas de Eva
 O único que cruzou seu caminho outras vezes foi o
Minotauro.
 Já envelhecido, o narrador apresenta a cena final:
• Ele avista de longe o Tarso.
• Tarso está diante do palácio do governo, subindo
as escadas para deixar uma cesta, quando
aparece uma mulher que acena para ele, com um
olhar muito carinhoso.
• Era sua mãe.
• Era a mulher que o transformara em homem.
 Ele permanece ali um pouco, relembrando.
1ª
 (01) Varandas de Eva
 As diferenças sociais de um grupo de amigos
parecem pequenas quando todos não passam de
meninos que descobrem a vida.
 O tempo passa e as memórias de uma juventude de
aventuras livres são atropeladas pela separação
(inevitável?) entre pobres e não pobres e por uma
atormentadora coincidência.
 O autor faz uma leitura nostálgica do passado neste
texto. Chora a passagem do tempo, capaz de
dissipar "os gozos sem fim", dando espaço para que
a aspereza de cada ato da vida surja "como um
cacto, ou planta sem perfume".
1ª
 (01) Varandas de Eva
 Em uma leitura mais atenta percebe-se o amigo do
narrador como o menino pobre que ganhou as roupas
para visitar o bordel e se emocionou ao experimentálas, para chacota dos demais; a hesitação do menino no
dia da tão esperada visita, e seu posterior sumiço; o
carinho e o mistério da mulher para com o narrador.
 E vê-se que cada frase, cada cena, cada comentário
tem uma função no texto e ajuda a construir aquele
desfecho, e é nessa leitura que entende-se ser esta não
a história de um menino em busca da primeira mulher,
mas de um menino tornando-se homem e perdendo,
com isso, muito da antiga ingenuidade, muito da ilusão.
 (02) Uma estrangeira da nossa rua
 O protagonista estava em São Paulo e retornou à sua
cidade, onde encontrou a casa azul – que ficava em
frente da do seu tio – em ruínas.
 Ele olha pra varanda da casa e lembra de...
• Lyris: tinha +ou– 18 anos, cabelos quase ruivos,
olhos verdes puxados, rosto anguloso, era mais
alta que sua irmã, menos arredia também.
• Irmã de Lyris: tinha +ou- 15 anos.
• Antonieta: vizinha escandalosa que apelidara
Lyris e sua irmã de bichos-do-mato porque elas
não iam a lugar algum (festas, carnaval, praias),
nem tinham namorados ou amigos.
 (02) Uma estrangeira da nossa rua




• Doherty: engenheiro, era o pai de Lyris e sua irmã,
bem como o responsável pelo apelido que elas
ganharam de Antonieta, pois ele sempre as
escoltava.
O narrador conta que Lyris, sua irmã, Doherty e Alba
(mãe/esposa) eram afáveis.
Ele suspeita que o pai era inglês ou irlandês e que a
mãe era peruana.
Certa vez, o protagonista vê, de binóculo, Lyris lendo
um livro de capa vermelha, deitada nua em sua
cama.
Ele analisa cada movimento dela..
 (02) Uma estrangeira da nossa rua
 Meses depois, ele conversa – pela primeira vez –
com Lyris e ganha um beijo dela.
 Ela o convida para visitá-la, mas ele nunca aparece,
tem medo de Doherty.
 Certo dia, os Doherty saem e Lyris não volta com
eles.
 Tempos depois, ele recebe uma carta de Lyris da
Tailândia.
1ª
 (02) Uma estrangeira da nossa rua
 Neste conto, a família Doherty mantém-se distante
do entorno.
 Pai, mãe e duas lindas filhas estão isolados do país
pelo muro da casa, numa discrição excessiva que os
afasta das relações mais casuais.
 É nesse ambiente de distanciamento que o narrador
percebe a presença de Lyris, a jovem sedutora
porque o garoto sente "alguma coisa terrível e
ansiosa parecida com a paixão".
1ª
 (02) Uma estrangeira da nossa rua
 Aqui a história aparente conta o amor platônico de
um menino por uma vizinha ruiva, filha de
estrangeiros que jamais deixavam a casa, embora
fossem afáveis com todos na rua.
 A história oculta, porém, revela mais, revela o fosso
social que se cria entre comunidades muito
próximas, revela a dificuldade de relacionamento
entre culturas diferentes, revela o medo e até a
soberba daqueles que julgavam trazer o progresso.
 (03) Uma carta de Bancroft
 O narrador-protagonista é um escritor amazonense
que se muda para Waverly Place (San Francisco)
para um temporada na universidade de Berkeley.
 Ele conversa com o 1º americano que encontra: Tse
Ling Roots.
 Ling conta que seu bisavô veio da China para
trabalhar nas minas e ferrovias da Califórnia.
 Seu bisavô foi um dos responsáveis pela Chinatown
como se conhece hoje.
 Outro olhar estrangeiro, mas dessa vez de um
brasileiro em Berkeley.
 (03) Uma carta de Bancroft
 Ling era policial e, nas horas vagas, visitava um
templo, para não enlouquecer.
 Mas a paisagem da cidade era linda: tinha as colinas
de Berkeley, as pontes iluminadas à noite e os
edifícios com traços futuristas.
 O protagonista foi a essa universidade por estar
interessado em manuscritos brasileiros.
 Ele vai ao fichário “Brasil: Limites & Fronteiras”, no
arquivo: “cartas e outros documentos manuscritos”,
onde encontra uma carta de Euclides da Cunha a
Alberto Rangel.
 Euclides estava passando um tempo na casa de
Rangel, em Manaus, enquanto este estava no Rio.
 (03) Uma carta de Bancroft
 O protagonista diz que Manaus o persegue.
 Na carta, o protagonista reconhece a linguagem de
Euclides: “barroca, sinuosa, exuberante” e lê sobre
um sonho deste autor.
 Euclides sonhou que a Amazônia tinha sido povoada
por europeus, que a haviam devastado e
transformado em uma cidade cosmopolita, extensão
de Manaus e Belém.
 Até que encontra um francês, Gabineau, o qual tenta
convencê-lo de que as terras amazonenses só serão
viáveis com a colonização europeia.
 (03) Uma carta de Bancroft
 No sonho, Euclides decide voltar para casa, quando
passa em frente ao cemitério e assiste ao enterro do
suboficial da Polícia Militar do Amazonas, cabo de
feições indígenas que lutara na Guerra de Canudos.
 No enterro, Euclides fica sabendo que o cabo levou 4
tiros do amante de sua mulher.
1ª
 (03) Uma carta de Bancroft
 Aqui, o narrador descreve seu espanto ao encontrar
uma carta fictícia de Euclides da Cunha numa
biblioteca americana.
 No manuscrito, o escritor descreve um sonho e uma
cena premonitória.
 Mais uma vez, Manaus aparece emaranhada.
 O narrador diz que a cidade o persegue, mesmo
quando não é solicitada, "como se a realidade da
outra América se intrometesse na espiral do
devaneio para dizer que só vim a Brancoft para ler
uma carta amazônica do autor de Os sertões.
 (04) Um oriental na vastidão
 A
narradora-personagem,
pesquisadora
da
Universidade do Amazonas, conta que recebeu um fax
de..
• Kazuki Kurokawa: de olhos apertados e vivos, era
biólogo de água doce e professor aposentado da
Universidade de Tóquio, com experiência de campo
na África e nas Filipinas.
 Kazuki queria fazer um passeio pelo Rio Negro, mas só
podia ficar dois dias na cidade.
 A narradora reserva para ele o hotel Tropical e, quando
vai buscá-lo, recebe um estojo com um ideograma do
Japão:“No lugar desconhecido habita o desejo”.”.
 (04) Um oriental na vastidão
 A narradora combinou o trajeto com o barqueiro
Américo: descer o paraná do careiro até
Murumurutuba, ilha do Maneta, e retornar ao Amazonas,
fazendo uma parada no encontro das águas.
 Kazuki diz que quer fazer o trajeto sozinho, mas que um
dia voltará para refazer o passeio com a pesquisadora.
 Ele sabia muito sobre o Rio negro. Não levou nem
máquina fotográfica, nem filmadora. Seu passeio foi um
mistério.
 A narradora fica sabendo que ele cumpriu com o
combinado, inclusive devolvendo o barco a Américo.
 (04) Um oriental na vastidão
 Depois de um tempo, o cônsul do Japão em Manaus
convidou a narradora para acompanhá-lo a um
passeio no Rio Negro.
 Foram – em um silêncio misterioso – no barco do
consulado.
 Em determinado ponto, o cônsul pegou uma caixa
coberta com a bandeira do Japão e entregou-a à
narradora junto com uma carta.
 Tratava-se de uma carta-testamento, em que Kazuki
pedia à ela para jogar suas cinzas no Rio Negro.
1ª
 (04) Um oriental na vastidão
 Momento de maior lirismo, outro conto do rol de
preferidos do escritor.
 Um professor japonês realiza, de forma inusitada, o
maior sonho de sua vida, conhecer o Rio Negro.
Como de praxe, em todos os contos se mistura a
história do próprio Hatoum, suas "memórias
recriadas".
 Aqui, abre-se espaço para o fascínio.
 Manaus é um lugar metafórico, representa o mistério
que conquista o homem: “No lugar desconhecido
habita o desejo”.
 (05) Dois poetas da província
 Dois poetas – intelectuais – manauaras conversam:
• Albano: filho de um magnata de Manaus, é jovem,
ambicioso e domina a língua francesa, o que lhe
permitiu morar em Paris.
• Zéfiro: ou ‘L’Immortel’, apelido cunhado em 1969,
quando o governo militar interrompeu sua carreira
no magistério público, era bem mais velho que
Albano, fazia pouco caso das belezas naturais do
Amazonas, da época do governo militar, do Estado
(considerava este avesso às artes). Era apaixonado –
escancaradamente – por Paris. Sabia muito bem
francês, tanto que foi professor de Albano.
 (05) Dois poetas da província
 Em 1981, Albano e Zéfiro estavam no hotel
Amazonas, em uma sala com ar condicionado,
bebendo um Bordeaux de 1972 e comendo um peixe
pescado no Rio Negro.
 Albano, embora com pressa, convidou o imortal para
ficar com ele, dizendo ser por sua conta, pois este
era uma jantar de despedida.
 Zéfiro cita nomes e lugares da França com uma
propriedade inigualável.
 Conta que, naquela mesmo hotel, já recebera Sartre
e Simone Beauvoir.
 (05) Dois poetas da província
 Zéfiro interpretou despedida como uma referência à
sua morte, pois já estava velho, mas seu orgulho
superou o medo.
 O almoço acaba e Zéfiro vai para casa.
 Lá, ele recita poemas de Lamartine, Victor Hugo e
Baudelaire.
 Depois, cansado, debruça-se sobre o mapa de Paris,
mas já era tarde.
 “Bocejou, a cabeça oscilou e estalou no encosto”.
1ª
 (05) Dois poetas da província
 Contrapõe o primeiro conto, pois mostra a outra ponta da
vida, a velhice e os desejos vencidos.
 O texto aborda o encontro de Albano e Zéfiro, dois poetas,
um ex-aluno do outro, ambos apaixonados por Paris.
 Albano se prepara para embarcar para França. Zéfiro, um
poeta que nunca publicou um livro, vive em Manaus o
sonho europeu, e se orgulha em desprezar o governo
militar com a mesma altivez em que ignora "a cachaça, o
sol da tarde e a floresta".
 Albano, o ex-aluno, é também uma espécie de alter ego
do professor, se não por sua postura diante da poesia,
certamente por sua postura diante da vida.
1ª
 (05) Dois poetas da província
 O conto faz referência a vários nomes importantes:
• Jean-Paul Charles Sartre (1905-1980) : filósofo,
escritor, crítico francês e representante do
existencialismo. Acreditava que os intelectuais
têm de desempenhar um papel ativo na
sociedade. Em 1964, recusou-se a receber o Nobel
de Literatura. Sua filosofia dizia que no caso
humano (e só no caso humano) a existência
precede a essência, pois o homem primeiro
existe, depois se define, enquanto todas as outras
coisas são o que são, sem se definir, e por isso
sem ter uma "essência" posterior à existência.
1ª
 (05) Dois poetas da província
• Simone Lucie-Ernestine-Marie de Beauvoir (19081986): filósofa existencialista, escritora e feminista
francesa.
• Victor-Marie
Hugo
(1802-1885):
escritor
(Romantismo) e ativista pelos direitos humanos.
• Alphonse Marie Louis de Prat de Lamartine (17901869): escritor, poeta e político francês.
Influenciou o Romantismo.
• Charles-Pierre Baudelaire (1821-1867): poeta e
teórico de arte francesa, foi um dos precursores
do Simbolismo e da poesia Moderna.
 (06) O adeus do comandante
 Um velho – Moamede – retorna a Manaus e conta a
seus netos e amigos uma história inacreditável, não era
lenda como a do “boto”.
 Ele conta que ao navegar pelo Amazonas (interior) viu
o barco Princesa Anuíra atracado
na rampa do
mercado, perto do restaurante Barriga Cheia.
 O dono do barco, Dalberto, estava lá.
• Dalberto: cabloco musculoso, valente, desconfiado,
de poucas palavras, mas de bom coração. Sua festa
de casamento era lembrada por todos, devido à
jovialidade da esposa e à grandiosidade de sua
festa de casamento.
 (06) O adeus do comandante
 Dalberto convidou o amigo a subir em seu barco.
 O velho subiu e viu dois homens carregando um
caixão para o barco. Fora feito pelos famosos artesãos
de Kirintins, mas estava vazio e não tinha nenhuma
cruz.
 Dalberto desceu do barco e embrenhou-se na mata.
 Todos ouviram um grito e o tilintar de um sino.
 O medo tomou conta de todos, as mulheres fizeram o
sinal da cruz.
 Dalberto apareceu e todos aplaudiram.
 (06) O adeus do comandante
 Ele carregava um corpo amarrado em uma espécie de
saco.
 Chamou o narrador Moamede para ajudá-lo a levar o
corpo ensanguentado do jovem até sua casa.
 Colocou o corpo na sala e orientou a empregada a
acender velas quando sua patroa (esposa de Dalberto)
chegasse, pois ela tinha “visita”.
 Olhou para o amigo e pediu-lhe um último favor:
acompanhá-lo à delegacia e reforçar a mentira que era
verdade: dizer que o vira matar o irmão mais novo por
ser amante de sua mulher Anaíra.
1ª
 (06) O adeus do comandante
A lenda do boto tem sua origem na região amazônica.
Ainda é muito popular na região e faz parte.
De acordo com a lenda, um boto cor-de-rosa sai dos
rios nas noites de festa junina e transforma-se num
lindo jovem vestido com roupa social branca.
Ele usa um chapéu branco para encobrir o rosto e
disfarçar o nariz grande.
Galanteador e falante, aproxima-se das jovens que
estão sós, seduzindo-as. e convencendo-as a dar um
passeio no fundo do rio, onde costuma engravidá-las.
Na manhã seguinte volta a se transformar no boto.
 (07) Manaus, Bombaim, Palo Alto
 Um escritor amazonense recebe um telefonema do
governo pedindo que recebe em sua casa um
almirante indiano: Rajiv Kumar Sharma.
• Rajiv: almirante da marinha indiana – leia-se
escritor de crônicas –, era magro, tinha pele
acobreada e os cabelos pretos e escorridos
cortados à escovinha. Além disso, falava muito
bem o inglês o hindi e outros dialetos indianos.
• Narrador: escritor amazonense, que tem um
apartamento pequeno e muito bagunçado.
 (07) Manaus, Bombaim, Palo Alto
 O estrangeiro dizia que apenas queria conhecer um
escritor amazonense, pois considerava a Amazônia
um labirinto.
 O narrador confessa não conhecer quase nada da
literatura indiana.
 A chegada é constrangedora: chove muito e o
apartamento tem goteiras, sem falar que o gato do
narrador fica se esfregando na roupa impecável do
hóspede.
 Eles falam da literatura indiana.
 (07) Manaus, Bombaim, Palo Alto
 Anos mais tarde, o narrador descobre que o
almirante era, na verdade, um cronista que escreve
sobre sua estada na casa dele, comparando-a com
um chiqueiro.
1ª
 (07) Manaus, Bombaim, Palo Alto
 Este é um dos contos mais divertidos, quase
anedótico: um escritor amazonense recebe um
telefonema misterioso de um assessor do governo,
pedindo que receba a visita de um almirante
indiano.
 Hatoum revela que este é o conto mais
autobiográfico do livro.
 Bombaim é a maior cidade da Índia.
 Palo Alto é uma cidade da Califórnia.
 (08) Dois tempos
 O narrador volta a Manaus a fim de fazer uma
surpresa ao tio Ranulfo, com quem morou quando
tinha 14 anos.
 Foi caminhar e viu Aiana, uma vizinha e ex-aluna do
conservatório.
 Aiana saiu do casarão e o perguntou se lembrava da
professora Tarazibula Steinway.
 Ele relembra a época em que frequentava o
conservatório.
 Ela, levando uma vela, puxa o narrador e o conduz a
uma sala.
 (08) Dois tempos
 Ele hesita, mas entra.
 Narra todas as sensações: sinestesia.
 Vê seu tio debruçado sobre o corpo da exprofessora.
 Mais sensações.
1ª
 (09) A casa ilhada
 Lavedan queria ir até a casa ilhada antes de voltar a
Genebra.
• Lavedan: alto, magrela, careca e de pele rosada.
 No dia 16/07/1996, Lavedan pede ao barqueiro – em
francês – para levá-lo até a casa ilhada mostrando
um postal em que ela aparece.
 As pessoas riem daquele homem estranho.
 Quando ele avista, depois da curva do igarapé, o
telhado vermelho da casa, fica extasiado.
 O catraieiro atracou ao lado de um barco
abandonado, de nome já meio apagado
“Terpsícore”.
 (09) A casa ilhada
 Lavedan pronuncia o nome do barco e vai fissurado
em direção à casa de telhado vermelho.
 Ele a via como uma casa misteriosa, que ganhava
vida somente à noite, quando as luzes iluminavam
sua fachada e seu jardim.
 Lavedan volta como se estivesse reconfortado e
conta ao narrador que agora iria ao Rio, de onde
partiria para Zurique.
 O estrangeiro parte e, dois dias depois (18/07/1996),
sai no jornal que fora encontrado no dia anterior
(17/07) o corpo do único morador daquela casa.
 (09) A casa ilhada
 Passados dois meses, o narrador recebeu uma carta
de Lavedan, na qual contava sua história.
 Lavedan conta que há 20 anos viajara para Manaus
com sua esposa inglesa, Harriet.
 Lá, eles se divertiram muito em festas, noitadas,
bebedeiras e prazeres no Shangri-Lá.
 Até que, em uma dessas festas, um dançarino
manauara a convidou para dançar.
 Lavedan foi trocado, mas, de dois em dois anos, ele
recebia de sua ex-esposa um cartão-postal com os
seguintes dizeres: “O Shangri-Lá fechou, mas
dançamos nessa pequena ilha: nossa morada.”
 (09) A casa ilhada
 O primeiro foi em 1980, até que, em 1996, recebera
um sem nada escrito, o que o levou a pensar que ela
devia estar para morrer.
 Lavedan termina a carta dizendo: “O resto dessa
história você já sabe.”
 O narrador conversou com alguns biólogos do
Instituto de Pesquisas da Amazônia e descobriu que
as pesquisas de Lavedan eram verdadeira e
importantes. Tanto que sete peixes da faixa
equatorial levam seu nome.
 (09) A casa ilhada
 Contudo, ele não deixou nenhum vestígio de ter
estado na Amazônia, não fez nenhuma publicação
sobre o assunto, nem deixou vestígios de homicídio
na casa ilhada.
 Para o narrador, a carta de Lavedan era tão
misteriosa quanto ele próprio e sua estada em
Manaus.
1ª
 (09) A casa ilhada
 O olhar estrangeiro em Manaus permeia
praticamente todo livro, como deve mesmo ser para
quem cresce na fronteira entre o país urbanizado e a
floresta, entre a modernidade e o selvagem.
 O estrangeiro deste conto é atento, curioso,
desconfiado com tudo que cerca o mundo real.
 Aqui, abre-se espaço para o crime.
 (10) Bárbara no inverno
 Lázaro e Bárbara eram um casal que moravam em
Paris porque ele fora exilado.
 Ele dava aulas de português a um grupo de
executivos do “La Défense”.
 Ela trabalhava na redação da Radio France
Internacionale.
 Bárbara era extremamente politizada. Não suportava
conversas que outros exilados e expatriados
puxavam sobre a violência no Brasil. Sempre
questionava porque não falavam também sobre o
colonialismo na Indochina e na África, o genocídio
na Argélia e a França do marechal Pétain.
 (10) Bárbara no inverno
 Aos sábados, Lázaro reunia seus amigos e, quando
Bárbara chegava, ela trazia notícias do Brasil e
promovia uma discussão exaltada.
 Quando a reunião acabava, Lázaro jogava-se na rede
com um livro e Bárbara bebia rum, comentando que
aquelas reuniões eram uma farsa, pois a maioria
sequer trabalhava, só ficava reclamando da vida.
 Bárbara reclamou de Lázaro, disse que eles não
ouviam mais a mesma música.
 Depois do exílio, ela sentia solidão e muita saudade
do Rio.
 (10) Bárbara no inverno
 Certo dia, no aniversário de Lázaro, ela chega tarde
por causa do trabalho e tem uma crise de ciúmes,
causada pela mistura de uma cena indesejada com a
bebedeira.
 Ela vê um beijo furtivo de Francine.
 Após algumas cenas de ciúmes, ela diz querer voltar
para o Brasil, até que não mais encontra Lázaro.
 Ela começa a procurá-lo por todo o canto e,
consequentemente, deixa seu trabalho cair. É
advertida por isso.
 Ela o vê. Ele foge.
 (10) Bárbara no inverno
 Sete meses depois, ele envia um postal dizendo que
estaria viajando pelo sul da França para esquecer
tudo, mas voltaria antes do inverno.
 Bárbara ficou sabendo que Lázaro havia sido
anistiado.
 Ela achou a chave do apartamento de Copacabana e
decidiu, então, voltar para o Brasil.
 Passou antes no apartamento, notou que as coisas
estavam mudadas, mas não ligou. Colocou uma
música para ouvir e foi para a varanda.
 Então Lázaro chega com Cláudia, que ela conhecia
como Fabiana.
 (10) Bárbara no inverno
 Eles estavam juntos. Não imaginavam que Bárbara
estivesse lá.
 Discutiram sobre o som ligado, até que ouvem o
choro – ou riso diabólico – dela.
 Lázaro vai até a varanda.
 Bárbara se joga, ao som de Chico Buarque: “E me
vingar a qualquer preço”.
1ª
 (11) A ninfa do Teatro Amazonas
 Álvaro Celestino de Matos, imigrante de olhar triste,
silencioso, 87 anos, era vigia do teatro Amazonas.
 Certa noite, ele acorda assustado porque ouvira um
ruído, achou que estava sonhando com a voz de uma
cantora.
 Já fazia mais de 60 anos que ele dormia olhando
para a imagem da soprano Angiolina Zanuchi.
 Desceu atrás do barulho com a arma em punho.
 Via a porta entreaberta e uma mancha vermelha que
sumia na sala de espetáculos.
 Para não fazer o mesmo caminho, dá a volta e entra
pelos bastidores.
 (11) A ninfa do Teatro Amazonas
 Puxa uma alavanca, acendendo a luz do palco, e vê
uma cortina desenhada.
 Nela havia uma naia deitada em uma concha que
flutuava entre as águas do Rio Negro e do Rio
Amazonas.
 De repente, viu uma sombra na 1ª fila: era uma
mulher jovem, morena e que trazia em seus braços
uma criança.
 Ele olhou-a atentamente e a viu lambendo a criança.
 Então, jogou-se no chão num acesso misto de riso
com histeria e começou a ouvir o eco de sua
loucura.
1ª
 (11) A ninfa do Teatro Amazonas
 Foi levado por dois homens de branco para o
Hospício de Flores.
 Com uma voz rouca e grave contou o que havia
acontecido.
 O psiquiatra disse que era doença da idade. Tratavase de um homem errante que às vezes refugiava-se
no teatro.
 O homem era, na verdade, um pescador.
 Ele trazia em seu bolso uma foto antiga, já puída,
provavelmente de Angiolina, sua paixão de
adolescente.
 (12) A natureza ri da cultura
 A narradora, jovem magra e tímida, conta que um
dos amigos de sua avó...
• Armand Verne: andarilho que colecionava lendas
da Amazônia, falava vários idiomas e estudava as
línguas indígenas.
• ... fundou a sociedade Montesquieu do Amazonas,
cujo lema era “educar para libertar”. Ele estudava
os nativos para ajudá-los.
 Foi a avó que ela procurou quando quis estudar
francês.
 A avó indicou seu outro amigo Felix Delatour.
 (12) A natureza ri da cultura
 Certa manhã, em julho de 1959, a narradora o
procurou para estudar.
 Conta a sala onde ele tinha uma escura, um quarto
amplo e avarandado, uma mesa de madeira, duas
cadeiras de vime, quatro livros abertos, quatro lápis
vermelhos e um mapa-múndi.
 Nos dois meses de estudo, Felix quase não falou sobre
a língua francesa e, sempre que a narradora pedia
uma explicação gramatical, ele falava de Armand.
 Comentava que Armand, mesmo bem intencionado,
não conseguia promover a cultura indígena devido à
distância da pronuncia.
 (12) A natureza ri da cultura
 Armand conta que, um dia, a índia Leonilda, exímia
conhecedora da história de sua tribo, bateu em sua porta
dizendo que iria viajar a São Paulo.
 Ela entregou a Armand uma plaqueta que dizia: “Voyage
sans fins”,
 Armand pedia para ela entrar e ler alguns versos de
Rimbaud que contava a história de um narrador que
largara sua vida na Europa para morar em uma região
equatorial.
 Feliz pergunta à narradora: “Viajar não é entregar-se
(ainda que simbólico) ao ritual do canibalismo?”
 Dez anos depois, a narradora conta que foi procurar Felix,
mas não o encontrou. Sua avó disse que ele subiu o Rio.
1ª
 (12) A natureza ri da cultura
 A viagem permite a confusão, a fusão de origens, a
perda de algo, o surgimento de outro olhar.
 Todo o viajante corre o risco de julgar o outro.
 Neste conto, temos o convívio com o estranho, a
entrega e a rejeição, o desejo de possuir e de ser
possuído.
 Segundo o crítico José Castello, Feliz Delatour existe.
É albino, sofre de gigantismo e sobrevive como
professor de francês em Manaus.
 (13) Encontros na península
 O narrador era um estudante brasileiro que estava
em Madrid / Barcelona (era ex-bolsista)
 Estava desempregado e pôs um cartaz dizendo que
lecionava português.
 A senhora Victoria Soller o procura, pois queria
conhecer Machado de Assis.
 Ela leu 18 contos em agosto de 1980.
 Fez uma pausa em setembro, depois retomou a
leitura com Memórias póstumas de Brás Cubas.
 O narrador, além de discutir sobre as obras, tirava as
dúvidas gramaticais da cliente.
 (13) Encontros na península
 No fim do outono, Victoria, que acabara de reler
Dom casmurro, comentou que Machado de Assis era
irônico, terrível, genial.
 Victória conta ao narrador que resolveu estudar
Machado de Assis porque tinha uma amante
português que era apaixonado por Eça de Queirós.
 E, como Eça de Queirós criticava Machado de Assis,
Victória achou oportuno estudar este autor.
 Ela se ‘embebeda’ de Machado.
 Victória termina com seu amante via carta.
 Motivo: ele não sabe ler e, por isso, não sabe amar.
 (13) Encontros na península
 Certa vez, ele fora se encontrar com ela e não a
amou, dormiu, roncou. De repente, acordou e saiu
correndo.
 Victoria, indignada, o seguiu.
 Ele entrou em uma festa de aniversário de uma
mulher mais velha, que estava vestida de preto e
sentada em uma cadeira.
 Ele a parabenizou, chamou a amante, que vira
espiando, e apresentou-a à sua professora de
espanhol. Ele a beijou na boca, era sua esposa.
 Ela chamou Victoria e disse em seu ouvido que
ensinara seu amante a amar, ainda que em espanhol.
 Victoria amaldiçoou o homem.
1ª
 (13) Encontros na península
 O protagonista ensina Machado de Assis a uma viúva
espanhola, que quer estudar a obra do brasileiro
para se vingar do ex-amante.
 Neste conto, o autor se distancia de Manaus e de
seus personagens habituais.
 Vale ainda um trecho de "Encontros na península",
em que um jovem brasileiro morando em Barcelona
é procurado por uma mulher para aprender
português do Brasil com o intuito de ler Machado de
Assis e refutar a afirmação de seu amante português
de que ele fora infinitamente inferior a Eça de
Queirós:
1ª
 (13) Encontros na península
 Eça de Queirós:
"Não, mas é louco por Eça de Queirós. Ele disse que
Machado foi pérfido ao criticar cruelmente dois
romances do escritor português. Não sei se isso é
verdade; sei que Soares não se conforma com essas
críticas, e até ficou exaltado quando perguntou: por que a
dor física e a miséria são menos aflitivas que a dor moral?
Ele não se cansa de afirmar que Eça é muito superior a
Machado, que é o maior escritor brasileiro. Por isso eu
quis ler no original o rival de Eça. Coisas de amantes."
 (14) Dançarinos na última noite
 Porfíria e Miralvo se casaram e foram morar nos
fundos de uma mansão cambista.
 Não gastavam nada. Trabalhavam na mansão.
 Ela cuidava dos serviços da casa. Ele, durante o dia
trabalhava na casa, nas horas vagas, do jardim e, à
noite, fazia entregas.
 Certo dia, Porfíria e Miralvo receberam a notícia de
que seu patrão iria morar em Brasília.
 Porfíria queria ir junto, mas o patrão disse que só se
o Miralvo não fosse.
 Ela não concordou.
 (14) Dançarinos na última noite
 Naquela 6ª feira, Miralvo perdeu o emprego na
fábrica japonesa, foi substituído por um robô.
 O patrão disse que não os deixaria na mão.
 Ele conseguira um emprego para ambos no Hotel
New Horizon, chique, que ficava às margens o Lago
Ubim, no meio da selva.
 Miralvo pela manhã levava os hóspedes para
passear e pescar no Rio, falava das lendas, do boto,
da cultura amazonense. À noite, dançava no salão e
ganhava uns trocados.
 Porfíria começou trabalhando de arrumadeira,
depois passou a cozinheira.
 (14) Dançarinos na última noite
 Os dois queriam era assistir aos shows caribenhos.
Mas, como consolo, iam dançar á beira do lago, à luz
da lua, de costas para a floresta.
 Porfíria tinha aprendido a dançar com uma amiga
caribenha, que vivia em Manaus.
 Ela sentia falta de Manaus.
 Certa noite, ela pediu ao gerente do hotel para
assistirem a um show de uma banda de Georgetown.
 O gerente disse não, mas o ex-patrão estava lá e
prometera ajudá-los. Porém, ele foi embora e o casal
foi barrado.
 Foram para a beira do lago, onde Porfíria reclamou
que lá nem luz eles tinham.
 (14) Dançarinos na última noite
 Então, outro dia, Porfírio encontra uma jiboia, mata-a.
Pensando que ela engolira uma paca, abre-a e
encontra várias coisas, cabeça de boneca, pulseira
plástica e uma carteira de couro com um maço de
dólares.
 Ele limpa o dinheiro, vai para casa e convida sua
esposa para uma noite de hóspedes.
 Eles compram roupas e sapatos, hospedam-se na
suíte imperial do New Horizon e assistem ao show
do El Gran Combo, dançando a noite toda.
 Porfírio, contudo, alerta: esta noite é nossa, mas
amanhã voltamos aos nossos afazeres.
1ª
 (14) Dançarinos na última noite
 História leve, a preferida de Hatoum.
 O empregado de um hotel encontra uma pequena
fortuna dentro de uma jiboia. Em vez de mudar de
vida, decide viver como um rico, por apenas uma
noite.
 Aqui, abre-se espaço para os sonhos.
COMENTÁRIOS extraídos de ANÁLISES
 É com uma citação de Cortázar que começa o
livro de contos “A Cidade Ilhada”:
“O conto é uma pequena e perfeita esfera verbal
que guarda uma única semente a ponto de
eclodir.”
 Manaus é uma cidade ilhada por excelência.
 Lá não se chega por terra.
 Só é possível chegar de barco ou de avião.
TEMAS que transformaram a região em uma
PROVÍNCIA MODERNA
 O acesso difícil.
 O rápido desenvolvimento, através das
indústrias que lá se instalaram.
 A praga dos “condomínios inteligentes”.
 A exuberância da natureza.
 A ocupação desordenada.
COMENTÁRIOS extraídos de ANÁLISES
 Terra do mormaço, do remanso das águas, da
leseira de fim de tarde por causa do calor, do
cheiro das folhas no quintal, do café da manhã
farto, das chuvas certeiras e torrenciais, das
primeiras descobertas do corpo.
 Palavras do próprio Hatoum:
“Manaus me persegue onde quer que eu vá.”
COMENTÁRIOS extraídos de ANÁLISES
 Em A cidade ilhada, o leitor encontra o riso
melancólico a que se habituou e o traçado de
Manaus – mais tortuoso pela força da memória do
que pela topografia.
 Encontra
também
definições
e
frases
contundentes, categóricas, que revelam a
sensibilidade – digamos – filosófica do texto.
 Aquelas frases que são ideias incomuns e que só
se comunicam pela precisão da sentença escrita e
reescrita, pensada e elaborada, da palavra justa.
COMENTÁRIOS extraídos de ANÁLISES
 Encontra, ainda, certos
parentes próximos deles.
personagens
ou
 O tio Ran aparece em mais de uma história.
 Em outras histórias, temos ecos dos pais, das
mães e dos vizinhos dos três romances e da
novela que antecederam A cidade ilhada. 
Intertextualidade.
COMENTÁRIOS extraídos de ANÁLISES
 Nesta obra, há ecos de Guimarães Rosa, Machado de
Assis ou Borges.
 Borges especialmente parece acompanhar cada
linha do conto-título ou de “A natureza ri da cultura”.
 Machado, por exemplo, ilumina a pista de “Dançarinos
na última noite”.
 E Cortázar, que ainda não havia aparecido, ressoa por
trás da melhor narrativa: “Bárbara no inverno”.
 As referências são claras sem ser exageradas, sem
ultrapassar seu espaço possível, nem se impor à trama
que alimentam.
COMENTÁRIOS extraídos de ANÁLISES
 O diálogo subterrâneo ajuda a construir as
variações de perspectiva e entonação ou as
oscilações de registro narrativo, que podem
buscar a linguagem do cinema ou do teatro
para enfatizar uma cena ou destacar um
personagem.
 Para mostrar sua leitura cáustica de certos
estereótipos brasileiros – que um crítico
desavisado ou sobreavisado pode confundir
com a fala do próprio autor.
COMENTÁRIOS extraídos de ANÁLISES
 E é essencial num livro que fala da errância,
circular entre geografias e temporalidades, vai
de Bombaim a Barcelona e a Palo Alto, cruza
Manaus tantas vezes e transborda fronteiras,
sem nunca escapar do peso da memória da
infância.
 Tensão, contradição?
 Não: nada é mais errante do que nossa
memória, mesmo se a supusermos paralisada.
COMENTÁRIOS extraídos de ANÁLISES
 Hatoum sabe disso e lida com os labirintos da
memória a cada conto de A cidade ilhada.
 Porque sua cidade literária se comunica o
tempo todo com outras e, principalmente, com o
leitor.
 Nunca é totalmente outra, mas sempre sonda a
chance de migrar.




COMENTÁRIOS DE CLAUDIO LEAL
Manaus em transição, seres insulares.
Primeiro livro de contos do escritor Milton
Hatoum.
“A cidade ilhada" reúne 14 narrativas breves
que marcam uma transição temporal,
geográfica
e
humana
do
universo
amazônico.
Milton Hatoum é também autor de "Relato
de um certo Oriente" e "Dois irmãos”.
COMENTÁRIOS DE CLAUDIO LEAL
 Nesta obra, ele transita em novas fronteiras
ficcionais: outras cidades surgem em sua
obra, tendência irreversível ao criador que
não se sente com raízes somente fincadas na
terra natal.
 Suas raízes de viajantes são mais rasas,
avisa Hatoum em entrevista a Terra
Magazine.
COMENTÁRIOS DE CLAUDIO LEAL
 Hatoum busca uma imagem na flora:
“Tem uma árvore da Amazônia, chamada
Sumaumeira, uma das maiores, considerada
uma espécie de "rainha da floresta". Não tenho
raízes de Sumaumeira, não estou fincado só no
lugar onde nasci. Minhas raízes são mais
rasas, são raízes de palmeiras.”
 Vencedor dos prêmios Portugal Telecom de
Literatura Brasileira e Jabuti.
COMENTÁRIOS DE CLAUDIO LEAL
 O escritor ironiza os tiques da crítica quando são
analisadas obras de veio mais telúrico.
(regionalistas)
 Em recente entrevista à Folha de S. Paulo, Hatoum
defendeu uma revisão das interpretações
tradicionais
da
literatura
brasileira
"regionalista".
 Sem rótulos, ironiza:
“O curioso é que quando um escritor europeu fala de
neve, de carvalhos, de árvores europeias, ninguém
chama de exótico, né? (...) Mas, quando um escritor
amazonense chama de curumim, parece exótico.”
Confira a entrevista de Milton Hatoum à Revista
Terra Magazine:
Terra Magazine - Como foi o trabalho de seleção e
reescrita dos contos de "A cidade ilhada"?
Milton Hatoum - O primeiro conto data da época do
Relato, 1989. Aliás, o Relato era inicialmente um
conto. Descobri que tinha mais assunto e, quando me
dei conta, já tinha escrito mais de cem páginas. E aí,
quando terminei o Relato, percebi que um dos
aspectos do romance não tinha sido explorado no
conto que havia interrompido. Então escrevi "A
natureza ri da cultura", com outro título. O primeiro
conto data dessa época. Depois eu escrevi alguns
contos, porque tinha uma questão pra escrever, e
outros por encomenda.
Terra Magazine – Esse ofício de contista se deu durante
a escrita de romances?
Milton Hatoum - Foi. Na década de 90, escrevi a maioria
desses oito contos que foram publicados. Quando
terminei Relato, enveredei por outro romance que não foi
publicado (risos) Mas, ao mesmo tempo, escrevi esses
contos. Publiquei alguns no Brasil, outros fora,
participaram de antologias no México, na Alemanha, nos
Estados Unidos. E os últimos eu escrevi no semestre
passado. Havia uma demanda dos leitores. Perguntavam
por que eu não publicava tal conto... Aí eu reuni esses
relatos e reescrevi todos. Eles não foram escritos visando
uma unidade, mas talvez ela exista inconscientemente.
Terra Magazine - Esse livro pode marcar uma transição
em sua obra literária?
Milton Hatoum - Abre para uma Manaus em transição e
para outras cidades, saindo do universo que tem
marcado sua obra até aqui. O crítico José Castello até
notou que a Manaus do início do livro não é a mesma do
fim. Essa foi uma ótima observação. As primeiras e
últimas páginas marcam também uma diferença
temporal da cidade. E a Manaus de "Dançarinos na
última noite" não é a mesma da "Varandas da Eva". É
mesma cidade, sendo outra também. Com outros
problemas, outras questões. É um salto da Província pra
uma cidade industrializada, cosmopolita e com muitos
problemas. Tem uma árvore da Amazônia, chamada
Sumaumeira, uma das maiores, considerada uma espécie
de "rainha da floresta". Não tenho raízes de Sumaumeira,
não estou fincado só no lugar onde nasci. Minhas raízes
são mais rasas, são raízes de palmeiras. Acho que há
escritores que nunca conseguiram escrever sem se
referir ao seu lugar. E grandes escritores. Falo do
Faulkner, salvo um ou outro conto o próprio Guimarães
Rosa, Jorge Amado... Se bem que Jorge tem textos sobre
as andanças dele, a Navegação de cabotagem, a
experiência dele fora do Brasil. Mas alguns escritores
recriam, reinventam seu lugar. Metade da minha vida foi
vivida fora de Manaus. Você também acumula
experiências. Isso é bom por um lado porque o
distanciamento te ajuda a repensar. Enfim, a própria
memória funciona de outra forma.
Terra Magazine - No conto "Dois poetas da
província", você trabalha com essa matéria?
Milton Hatoum - É a história de um jovem que quer
se evadir, quer sair da província, e do outro que
sonha com o lugar pra onde o jovem ex-aluno está
indo. E sabe tudo de Paris sem nunca ter ido a Paris.
Nesse livro, tem pelo menos dois contos, "Bárbara no
inverno" e "Encontros na península", que se passam
na Europa e se referem à minha experiência fora do
Brasil.
Terra Magazine - Em "A cidade ilhada", estrangeiros com
experiências e códigos não-amazônicos são subvertidos.
Experiências levadas pra lá são reviradas...
Milton Hatoum - É, são estrangeiros levados para a região,
mas deslocados. Essa eleição dos personagens
estrangeiros vem desde meu primeiro romance. Em Relato,
um dos personagens de que mais gosto é o fotógrafo
alemão Dorner. Ao contrário dos nativos, ele percebe
coisas que os outros não percebem - pelo olhar, pela
vivência, pela sensibilidade. E minha infância, minha
juventude, foi marcada por esses viajantes estrangeiros ou
por estrangeiros da nossa rua. São pessoas que também
adotaram Manaus, o Amazonas, ou foram adotadas pela
cidade. Como meu pai, que era libanês e passou a maior
da vida em Manaus, está enterrado em Manaus. Ele já era
um brasileiro, o Líbano não fazia mais parte...
Terra Magazine - Já era uma ficção?
Milton Hatoum - Era um Líbano imaginário. Meus
professores inglês, francês e alemão eram
estrangeiros, como acontece no Brasil todo. A
particularidade do Amazonas é seu ilhamento. Tem o
lado exótico, que é impossível de não ser evocado,
porque a Amazônia é o inverso dos pampas (risos).
Não é a mesma coisa. O curioso é que quando um
escritor europeu fala de neve, de carvalhos, de
árvores europeias, ninguém chama de exótico, né? Ou
quando um paranaense chama de piau, um gaúcho
chama de guri, ninguém acha exótico. Mas, quando um
escritor amazonense chama de curumim, parece
exótico. No entanto, isso daí é totalmente incorporado
a nosso imaginário, a nosso vocabulário.
Terra Magazine - Guimarães Rosa trabalhou com
pesquisa de linguagem.
Milton Hatoum - Claro, Faulkner também. Todo
escritor que se refere a uma região específica, fala
do ambiente em que ele viveu e do qual tem
conhecimento. Tem uma sabedoria, o narrador é
aquele que sabe contar, que tem o conhecimento de
uma experiência de vida. O Graciliano Ramos,
quando usa termos do Nordeste, é porque é o que há
de mais íntimo ao pensamento dele. É claro que para
você escrever sobre outras regiões, tem que
dominar sua vivência em outros lugares. O que
importa, no fim das contas, é o texto, a qualidade do
texto.
Terra Magazine - E o escritor trabalha com outras
dimensões...
Milton Hatoum - Tentei a mudança de registro, a
mudança de paisagens nesse livro. "A cidade ilhada"
não é apenas Manaus, são os seres também, os
personagens que estão ilhados. De alguma forma, o
leitor. O trabalho da leitura é solitário, é um exercício
intelectual solitário.
Terra Magazine - Machado de Assis usava os contos como uma
espécie de laboratório para temas que desenvolveria em
romances.Você vê no conto essa possibilidade?
Milton Hatoum - Acho que sim. O conto pode ser uma semente,
uma espécie de ponto de partida para um relato mais extenso.
Pode ser uma novela, um romance. Em todo caso, acho que há um
diálogo temático entre os contos e os romances. Entre alguns
contos, pelo menos. Isso você nota no Machado, no Flaubert, nota
no Dostoiévski, no Tolstói. O Faulkner tem até personagens que
aparecem nos contos e estão nos romances. Porque tudo isso faz
parte de um microcosmo, de um pequeno universo ficcional, que
você constroi ao longo de sua vida. Então, os contos remetem aos
romances, e vice-versa. Muitos dos grandes romances da literatura
do Ocidente foram, inicialmente, pensados como contos. Isso tem
na obra de muitos escritores. Quem lê "Um coração simples", está
lendo alguma coisa de "Madame Bovary", por exemplo. Cada conto
dos "Três contos", de Flaubert, aponta para os grandes romances
dele. Até mesmo o "Salambô".
Terra Magazine - Até o Balzac.
Milton Hatoum - Balzac era mestre nisso. Balzac
escreveu tantos relatos, tantos romances, novelas,
que a obra dele funciona como um imenso vaso
comunicante. Vargas Llosa faz isso também. É um
escritor, até certo ponto, balzaquiano. Os
personagens de Vargas Llosa transitam muito de um
romance para o outro. Basta lembrar do sargento
Lituma. É como se os personagens não se
esgotassem nos romances e tivessem uma sobrevida
nos contos.
Terra Magazine - Em "A cidade ilhada", retornam
Emilie e tio Ran...
Milton Hatoum - E aí não é uma nostalgia do
personagem, mas é uma espécie de ânsia de
infinitude (risos)
Terra Magazine - Mas acontece uma coisa inversa.
Você trabalhou primeiro esses personagens num
romance. É diferente, não?
Milton Hatoum - É, porque no conto o personagem
é tomado por um problema, um conflito, um mistério
que ronda, mas você não pode desenvolver muito a
intriga, a trama, nem mesmo o próprio personagem.
Porque o conto, apesar da quebra das convenções
dos gêneros, ainda é um relato breve. Não é isso que
determina o conto, porque a crônica também é um
relato breve. É difícil separar os gêneros, sobretudo
conto e crônica.
Milton Hatoum - No Brasil, as fronteiras são mais tênues. Mas o
importante é, nessa brevidade, você dar uma feição forte ao
personagem, imprimir um campo forte ao problema do
personagem. Tanto que no primeiro conto, "Varandas da Eva", há
vários personagens e eu tentei falar brevemente do destino de
cada um. Mas o que importa, mesmo, é um deles - e o narrador. Os
outros estão implicados. O desafio é como, nesse conjunto de
vozes, você dar consistência ao conjunto, uma coesão interna. É o
desafio da literatura.
No conto "Varandas", abre-se uma multiplicidade de caminhos,
como se o narrador estivesse numa floresta. Até que se vai
chegando...
A uma clareira. E a clareira é, de fato, a questão moral. Quer dizer, é
a surpresa, a perplexidade, e como que no fim, já depois da
juventude... É um conto muito conradiano, o que me inspirou esse
conto foi uma novelinha do Conrad, "Juventude". Acho que há uma
outra preocupação, até mesmo uma linguagem diferente, como está
em "Bárbara no inverno". Gostaria até de aprofundar essa questão,
falar um pouco da política.
Terra Magazine - Ali é o gérmen de um romance?
Milton Hatoum - É, eu acho que pode ser
desenvolvido, é o capítulo de alguma coisa mais
extensa. Não sei bem o que é.
Terra Magazine - Nos últimos anos, você tem se dedicado a
narrativas breves: a novela "Órfãos do Eldorado" e agora "A cidade
ilhada", além de organizar uma seleção de crônicas. Como sua
linguagem chegará a seu próximo romance? Haverá
transformações?
Milton Hatoum - Algumas, sim. Eu comecei um relato, não sei o
que é ainda. Relato longo. Eu espero que seja longo porque,
quando eu penso que já não tem mais o que escrever... Tenho que
me conter muito, porque minha imaginação dá muitos saltos. Na
verdade, depois do "Cinzas", um romance que me deu muito
trabalho - quase uns quatro anos -, fiquei um pouco cansado de um
texto mais longo. Sua vida muda, você fica mais velho, envelhece,
fica enrugado... (risos) Começa a andar de bengala e está
escrevendo um romance... Mas, agora, eu tenho o acúmulo de
várias experiências. O romance vai ser uma forma mais abreviada
do que foi o "Cinzas do Norte" e até mesmo "Dois Irmãos". Ao
mesmo tempo, comecei a escrever outros contos, com outras
preocupações. Contos com uma forma memorialística mais direta
do que esses publicados.
Terra Magazine - "A cidade ilhada" tem os traços memorialísticos,
mas com despistes.
Milton Hatoum - Queria me esconder menos nesses narradores.
Não vejo nenhum mal nisso, não vejo nenhum mal em ser
memorialista ficcional, uma espécie de memória/ficção. E aí
entrariam - não sei nem se são contos -, alguns relatos de vida, de
experiências com viagens, até mesmo de observador, com um traço
jornalístico às vezes. Isso também não me incomoda nem um pouco.
Talvez a própria prática de cronista me conduza pra um outro
caminho. É sempre o trabalho do leitor que é mais importante. É o
modo de ler que determina o gênero, não é a intenção do autor. É a
recepção, a forma da leitura, a maneira de ler. O gênero é uma
expectativa do autor. Pode ser até uma vontade, mas às vezes o leitor
lê de outro modo. O leitor pode transformar um conto num relato
apenas ficcional ou num relato autobiográfico. Tem toda a liberdade
para isso. Os escritores de língua alemã tem esse lado um pouco
analítico, confessional, biográfico, mas ao mesmo tempo enganador,
dissimula ali uma ficção, o que Proust fez.
Terra Magazine - Em "A natureza ri da cultura",
você escreve que "a imaginação se nutre de coisas
distantes no espaço e no tempo, mas a linguagem
encontra-se no tempo". É essa sua relação com a
literatura ?
Milton Hatoum - Essa, pra mim, é a frase que mais
importa. Desde que haja distância temporal, se você
já tem uma relação insegura com o passado... O que
importa é você não ter certeza do passado. Quando
você relativiza ou acolhe as incertezas do que
aconteceu, esse é o momento de escrever uma
ficção, de reinventar o passado.
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Milton Hatoum