GESTÃO DEMOCRÁTICA DA EDUCAÇÃO: INSTRUMENTO A SERVIÇO DA EMANCIPAÇÃO INDIVIDUAL E COLETIVA Mônica Cristina Barbosa Pereira¹ Resumo O presente artigo aborda a gestão democrática da educação numa perspectiva de emancipação individual e coletiva, apresentando breve retrospectiva histórica, com o intuito de trazer à tona a importância política e social de se vivenciar um salutar processo de fortalecimento das bases democráticas da educação. Ao decorrer do estudo, se faz a explanação epistemológica, evidenciando a preocupação dos estudiosos em relação à concretização dos princípios constitucionais da participação e autonomia, objetivando instrumentalizar os cidadãos com atuais e relevantes suportes atitudinais, procedimentais e conceituais, vindo, com isso, a buscar a reestruturação de uma sociedade mais justa, por que capaz de emancipar o indivíduo e a coletividade. Palavras-chave: Gestão, Democracia, Emancipação. Introdução A Constituição Federal de 1988 legitima, em seu art. 206, a gestão democrática como um dos princípios essenciais ao compartilhamento das ações educativas, numa perspectiva de comprometimento, por parte de todos os segmentos sociais e dos atores da comunidade escolar, para com a melhoria significativa da qualidade da educação pública. Seguiu-se à Carta Magna a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN de n° 9394 de 1996, cujo art. 2° do Título II - que diz respeito aos princípios e fins da educação nacional -, especifica ser a educação dever da família e do Estado, atendendo, dessa forma, aos preceitos constitucionais balizadores da democracia, da coletividade, da responsabilidade de todos "(...) na busca de que a educação se ________________________________ ¹Especialista em Gestão Escolar, Pós-graduanda em Mídias na Educação – UFAM Licenciada em Pedagogia – Faculdade Martha Falcão Pedagoga da Secretaria Municipal de Educação – SEMED Tutora a distância do Curso Lato Sensu em Coordenação Pedagógica - UFAM torne um dos caminhos para a democratização e para a transformação social" (BEZERRA, 1996, p. 102). Nesse cenário, a presença marcante da gestão democrática da educação se converte em instrumento a serviço da emancipação do cidadão, resultando na fruição ética e responsável de direitos e deveres, porquanto este indivíduo sabe-se e compreende-se parte de uma coletividade, cujas ações, reações e omissões (re) desenham todo um contexto local, regional, nacional e global. Breve Histórico da Gestão Democrática nas últimas décadas Ao nos debruçarmos sobre a história da educação brasileira, é evidente o hiato: educação escolar x sociedade, causado pelo advento da ditadura militar, interrompendo um propenso ciclo de desenvolvimento das bases democráticas do ensino formal. Foram, então, mais de vinte anos de práticas autoritárias, cujas consequências ainda hoje assombram o universo educacional. O golpe de 1964 trouxe consigo a interrupção do desenvolvimento de muitas promessas de democratização social e política em gestação, inclusive da educação escolar e popular no Brasil. O regime militar, por sua forma política de se instalar e de ser, acabou por instaurar, dentro do campo educacional, comandos autoritários de mandamentos legais, os quais, por sua vez, se baseavam mais no direito da forca do que na forca do direito. O temor, a obediência e o dever suplantaram o respeito, o dialogo e o direito (Cury, 2005, p. 15). É na década de 80, com o regime militar estertorando, que as vozes em prol de uma redemocratização social, política e educacional ecoam fortemente pela sociedade, e daí, nascem as bases legais para a legitimação de uma gestão embasada pelos princípios da participação e autonomia, indo de encontro a um antigo anseio dos educadores: a plena vivência de uma educação pautada por políticas de cunho democrático (Gadotti, 1995, p. 09). Com a Constituição Federal e a LDBEN vigorando, é implementado o Plano Nacional de Educação - Lei n. 10.172 de 9 de janeiro de 2001 -, cuja essência é o trabalho coletivo, envolvendo todos os segmentos sociais, objetivando conquistar a autonomia da escola, criando, para esse fim, estratégias fortalecedoras da participação dos atores da comunidade escolar visando a consecução de impactos significativos na melhoria da qualidade do processo ensino-aprendizagem praticado nos espaços escolares. Portanto, o processo de redemocratização das bases sociais, políticas e educacionais ainda é muito recente em nossa história, lançando desafios constantes à construção de um cotidiano escolar onde o exercício de direitos e deveres se convertam em ações concretas à emancipação do indivíduo, considerando que o novo modelo de organização se apresenta sob a ótica da gestão compartilhada, que exige o repensar da estrutura de poder na comunidade escolar e requer a participação dos diversos segmentos na tomada de decisão. (Bezerra, 1996, p. 102). Gestão Democrática: um exercício de reflexão-ação Em atendimento a esses pressupostos, se faz essencial a reflexão-ação da forma de gestão democrática vivenciada nas escolas públicas, pois, ela deve perpassar todos os documentos norteadores da prática escolar, como o Projeto Político Pedagógico, bem como tem que se efetivar em real participação dos atores da comunidade escolar, porém, o foco dessa participação é a atuação e não a mera observação e escuta passiva, destituída de voz e vez nas decisões escolares, ou seja, o Conselho Escolar para se converter em mecanismo de tomada de atitude frente às dificuldades do processo educacional, precisa reconhecer seu papel transformador e se posicionar como tal no contexto escolar. Em linhas gerais, a comunidade escolar como um todo precisa estar ciente da importância de sua atuação, num exercício democrático teórico (debates, mesas redondas, reuniões, grupos de estudo) e prático (implementação e avaliação do Projeto Político Pedagógico, organização de eventos e atividades, avaliação contínua do impacto das ações no rendimento escolar). Esse cotidiano se traduz em gestão democrática da educação. Torná-lo real e atingível depende de um exercício contínuo de democracia, e esta só adentrará a escola se as portas da participação, autonomia e respeito às diferenças estiverem abertas para ela. Gestão Democrática da Educação no Brasil: Bases Legais e Epistemológicas Em uma sociedade que preze pelo bem estar de seu povo, salientando-se que esse bem estar não se traduz em submissão, mas, "implica opções, rupturas, decisões, estar com e pôr-se contra, a favor de algum sonho e contra outro, a favor de alguém ou contra alguém" (Freire, 2001, p. 22), se faz primordial o exercício democrático onde se tenha plena consciência de que materializar valores como a ética, responsabilidade, comprometimento, é contribuir à consolidação de uma realidade socioeconômica isenta de atitudes de nepotismo, indicações por questões puramente pessoais, desperdício da coisa pública, resultando em maior avanço qualitativo das instituições sociais (Luck, 2000, p. 12). Sob esse prisma, cidadania se torna sinônimo de mudança, se revelando mecanismo de reflexão-ação, imbuída de curiosidade, que se mostra primeiramente ingênua e, depois de apurada análise, passa a ser uma curiosidade crítica, vindo a fazer sua intervenção no mundo, tornando-se, então, curiosidade epistemológica (Freire, 1996, p. 34). Foi essa cidadania epistemológica que ficou adormecida, deitada em berço esplêndido, provocando inegavelmente, o um atraso amadurecimento educacional democrático significativo de nosso que povo, afetou, pois, a redemocratização brasileira se deu após mais de duas décadas de silêncio das massas populares, as quais foram prejudicadas com uma ausência de política pública educacional que as visualizasse como detentoras de direitos e deveres. Aliás, o que prevaleceu no cotidiano da sociedade brasileira foi a "ideia de que os que estão excluídos são culpados pelo seu fracasso" (Mendes, 2009, p. 103). Com os últimos suspiros ditatoriais, ainda no início da década de 80, há significativo avanço dos debates, encontros, seminários, que desencadeiam manifestações em prol de uma gestão escolar com características democráticas, visando responder aos anseios de reestruturação social e econômica, que, sem dúvida, encontram no espaço escolar valioso solo de germinação de esperança de melhoria de vida, principalmente das classes materialmente menos favorecidas. Rosa (2009, p. 17), expõe o que foi a ruptura do nascente processo de gestão democrática e como se revelou a gestão escolar durante a vigência do Regime Militar no Brasil: Para compreender a natureza do processo de gestão escolar democrática, que se estabelece nos anos de 1980 com uma marcante luta pela sua instauração, busquemos os diferentes fatores que o influenciaram. O primeiro deles, de uma importância estanque, e associado a mudança amplamente sofrida pelo contexto sócio-político da sociedade brasileira durante o período da ditadura militar (1964-1985), em que a idéia de praticas democráticas de gestão foi abafada, uma vez que a administração pública do Brasil se dava de maneira autoritária, com pouca participação popular e sem os mecanismos próprios da democracia representativa. Consequentemente, a escola também sofreu uma gestão centralizadora, sem um maior envolvimento da comunidade local. A Constituição Federal, promulgada em 1988, traz, em seus artigos 205 e 206, as bases para implementação do princípio da gestão democrática em solo educacional, objetivando a formação integral do homem – corpo, mente e espírito –, implicando, diretamente, no fortalecimento da cidadania para plena atuação política, econômica e social, numa explícita resposta aos anos em que o cidadão foi alijado do seu direito de intervir concretamente nos rumos da sociedade brasileira. Essa concepção de formação humana, e, consequentemente, de cidadania, legitimada pela Carta Magna, é uma aspiração antiga da sociedade brasileira, especialmente dos educadores (Gadotti, 1995, p. 29), tendo em vista o então projeto de desenvolvimento de um processo de democracia das bases educacionais ter sofrido ríspida ruptura quando do advento do regime ditatorial - na década de 60 -, substituindo o diálogo pelo autoritarismo; a participação pela imposição (Cury, 2005, P. 15). Em um mundo onde a complexidade e celeridade dos fatos e acontecimentos globalizados exigem cada vez mais suportes atitudinais, procedimentais e conceituais por parte do cidadão, a fim de que este possa fazer escolhas, indicar alternativas, tomar decisões, "estabelecendo prioridades em situações concretas" (MITTER, 2002, p. 24), os documentos legais que norteiam as políticas públicas educacionais devem criar os ditames normativos para o avanço da participação, elemento "indissociável dos direitos e princípios de cidadania" (Batista, 2009, p. 41). Em atendimento a esses pressupostos, a Constituição Federal busca repor o tempo perdido na ditadura militar, apresentando um perfil essencialmente democrático, utilizando, recorrentemente, de substantivos como autonomia, participação, família, sociedade, evidenciando, dessa forma, uma "(...) postura substantivamente democrática (...)" (Freire, 2001, p. 22). Em concordância com tais preceitos constitucionais, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN n° 9394/96, valoriza a educação vivenciada em todas as esferas sociais, como também fornece importantes subsídios à prática do respeito às diferenças culturais, anunciando e legitimando o advento da Lei n° 10.639/03, importante passo rumo a uma nova visualização do contexto das lutas e conquistas étnico-raciais no Brasil. Contudo, a LDBEN, em sua etapa pré-aprovação, não trazia em sua essência um caráter genuinamente democrático, gerando insatisfação e manifestações por parte dos defensores de uma urgente lei educacional que normatizasse mecanismos para a prática de uma gestão escolar pautada pelos princípios democráticos. Em razão disso, reformulações foram efetuadas visando atender aos preceitos constitucionais democráticos, e, finalmente, em dezembro de 1996, a LDBEN é sancionada e promulgada pelo Presidente da República (Rosa, 2009, p. 31). Na esteira da relação escola x economia x sociedade, e visando a interdisciplinaridade desses três pilares de um país, o parágrafo 2° da LDBEN especifica a importância de a educação formal, ou seja, vivenciada no espaço escolar, estar diretamente ligada "ao mundo do trabalho e à prática social" (Título I – Da Educação), pois, é na concretização de seu trabalho em uma determinada sociedade que "(...) o homem realiza sua vontade, afirmando-se como sujeito, construtor de sua humanidade" (Mendes, 2009, p. 36). Em um Estado Democrático de Direito, como se caracteriza legalmente a República Federativa do Brasil, diversidade cultural, trabalho e humanidade, se constituem em elementos formadores de cidadania, cujo salutar exercício se traduz na mais pura expressividade da democracia de um país. Mendes (2009, p. 16) ratifica esse pensamento ao defender uma democracia participativa, onde os cidadãos não se atenham somente ao ato de eleger representantes, mas, sobretudo, de analisar os condicionantes sociais e econômicos que implicam direta ou indiretamente nas condições de vida. É a tomada de consciência da necessidade de se apropriar do conhecimento da meio que nos cerca, sendo que, esse conhecer sabe-se inconcluso, inacabado, sempre disposto a "(...) aprender, não apenas para nos adaptar, mas sobretudo para transformar a realidade (...)" (Freire, 1996, p. 76) Nessa linha de pensamento, a cidadania se traduz em mudança concreta, considerando sua atitude ser de ação e não de resignação; de busca e não de estagnação; de análise dos fenômenos que afetam direta ou indiretamente uma realidade seja local, nacional ou mundial e não de aceitação do senso comum. Cidadania, nesse contexto, é o resultado de uma prática de gestão democrática da educação que se mescla e se confunde com "transparência e impessoalidade, autonomia e participação, liderança e trabalho coletivo, representatividade e competência" (Cury, 2005, p. 18). Conclusão A estrada da democracia exige constante observação do que está ao redor, analisando cada passo, verificando os prós e os contras de se escolher esta ou aquela diretriz, antevendo os possíveis percalços a serem encontrados em cada opção, sem, contudo, desviar-se deles, pois, são as situações conflituosas que geram as grandes oportunidades de amadurecimento pessoal, coletivo e social. A escola é uma das principais vias de acesso à democracia, porquanto é nela que repousam esperanças de construção de dias mais justos para todos os cidadãos. Nessa perspectiva O principio da gestão democrática da educação publica, com status constitucional, e os dispositivos legais relativos a sua implementação, representam os valores e significações dos educadores que preconizam uma educação emancipadora, como exercício de cidadania em uma sociedade democrática. São resultado de um processo instituinte do novo fundamento de gestão democrática da educação a desfazer o paradigma patrimonialista. Mas esses dispositivos legais, por si só, não mudam cultura e valores. Somente as práticas iluminadas pelo novo paradigma podem mudar culturas e valores. (Bordignon, 2005, p. 05-06). Defende-se a ideia de que a legislação se faz de suma importância para a prática da gestão democrática na escola pública, contudo, dispositivos legais somente legitimam uma prática. Para realmente vivenciá-la de forma reflexiva, dialógica, necessário é a acepção epistemológica do que representa a vivência democrática em um espaço escolar. Desfraldar a bandeira de que "os conceitos de democracia e prática democrática precisam ser compreendidos e interpretados no interior da escola (...)" (Bezerra, 1996, p. 103) é depreender o papel social da escola na construção democrática de seu povo. Referências BATISTA, Neusa Chaves. A formação de conselheiros municipais de educação e a gestão democrática dos sistemas municipais de ensino: uma política pública em ação. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação, programa de Pós-Graduação em Educação, 2009; BEZERRA, Aldenice Alves. Gestão da Educação: uma abordagem democrática. Amazônida: Revista do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas, Ano 1, n. 1; págs 101-112; Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 1996. BORDIGNON, Genuíno. Gestão democrática na educação. Gestão Democrática da Educação. Boletim 19. Ministério da Educação, Brasília, 2005. BRASIL. 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