Primavera de Dúvidas Monica Baumgarten de Bolle Pesquisadora do Peterson Institute for International Economics (Artigo publicado no O Globo a Mais de 23/04/2015) Reconstruir o passado ou facilitar o futuro? Em mais de um sentido, essa foi a tônica das reuniões de primavera do FMI e do Banco Mundial. De um lado, o drama do crescimento global mais modesto, sobre o qual discorri em artigo publicado na semana passada, nesse espaço. Como argumentei, apesar da decepção generalizada, o crescimento global esperado para o biênio 2015/2016 condiz com a média das últimas três décadas, ou cerca de 3,5%. Nada menos razoável do que acreditar que o retorno aos extraordinários 4,8% de expansão que vigoraram entre 2003 e 2008 fosse possível – a reconstrução desse passado está fora das possibilidades atuais para o mundo. Assim como parece estar a reconstrução de outro passado, a hegemonia dos EUA como potência global única global. Muito foi dito na última semana sobre a perda de relevância dos EUA. As dificuldades de aprovar no Congresso as mudanças negociadas por Obama em 2010 para a nova estrutura do FMI – com maior participação da China e de outros países emergentes na governança da instituição – abriu flanco. O impasse criou as condições para que a China levasse adiante o projeto de recriar à sua maneira instituições que haverão de emular o papel do FMI e do Banco Mundial. O AIIB e o Banco dos Brics fazem parte da estratégia chinesa de aumentar sua envergadura no contexto internacional, postura que, até antes da crise de 2008, o país asiático se esquivara de almejar. O fracasso em reformar o FMI é problemático não apenas para a posição global dos EUA, mas para a influência do Ocidente em confrontos como o que hoje existe entre a Rússia e a Ucrânia. A Ucrânia, que tenta negociar uma reestruturação da sua dívida para resgatar uma economia débil, precisa da força política do Ocidente – a Rússia, afinal, é detentora de boa parte dessa dívida. A menor influência das instituições de Bretton Woods proveniente da agenda de reformas que se perdeu no Congresso americano prejudica esse processo. Não à toa, todos voltam os olhares para a China – a China que acaba de dar mais um punhado de bilhões para a Petrobras. A retirada “voluntária” dos EUA do palco internacional também complica outras negociações. Sem a mesma força de outrora, Obama e seus assessores não conseguem destravar o impasse entre a Grécia e os credores europeus. A Grécia que dá claros sinais de querer reabrir as discussões a respeito de nova reestruturação da dívida, que insiste em afirmar que os termos do novo empréstimo que teria de receber para que cumpra suas obrigações financeiras – inclusive com o FMI – não levam em conta as restrições impostas pela democracia. Durante as reuniões de primavera, tive a oportunidade de assistir ao vivo, na Brookings Institution, o Ministro sensação da Grécia, Yanis Varoufakis, e o sóbrio Ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble. Embora os dois eventos tenham sido públicos, com ampla divulgação, os Ministros deixaram clara a distância que os separa. Enquanto Varoufakis se reunia com advogados famosos por articularem reestruturações difíceis, como a da própria Grécia em 2011, o tempo corria contra o país. Ainda corre. A tentativa de resgatar a relevância americana por meio dos mega-acordos comerciais como o TPP – o Trans-Pacific Partnership – tampouco podem ser exageradas. O TPP, além de render frutos aos EUA pela via da integração econômica com os principais países asiáticos, é forma de o país aumentar a sua zona de influência na região, ou ao menos de não perder terreno para a China. A notícia de que o Congresso aprovou o TPA – Trade Promotion Authority – na semana passada, diretiva que confere ao Presidente Obama poderes de acelerar as negociações, foi bem-vinda, assim como é a visita iminente do Primeiro-Ministro Shinzo Abe aà Washington. Contudo, a rejeição de parte do Partido Democrata ao TPP, bem como as críticas que o Presidente americano continua a receber das alas mais conservadoras do Partido Republicano, contrárias a qualquer coisa que Obama propõe, são obstáculos relevantes à conclusão do acordo comercial. Os próximos meses serão fundamentais não só para o legado do Presidente, como também para a percepção externa dos EUA como potência mundial. Enquanto tudo isso acontecia, o Ministro Joaquim Levy circulava pela cidade em série de encontros bilaterais, inclusive com o Secretário do Tesouro Jack Lew. Por enquanto, tudo conspira para que a visita da Presidente Dilma aà Washington ao final de junho seja um primeiro passo (modesto) para o fortalecimento das relações BrasilEUA. Nesse ínterim, as explicações de Levy aos empresários e à comunidade internacional sobre a situação brasileira foram bem-recebidas. Particularmente importante foi a mensagem de que o ajuste fiscal andará em paralelo às reformas estruturais, reformas como o programa de concessões que o governo prometeu para maio. As novas regras para obtenção de empréstimos subsidiados junto ao BNDES, com a obrigação de emissões de debêntures e de títulos de dívida corporativa, também foram elogiadas como forma de ampliar e aprofundar os mercados de capitais no Brasil. Apesar do otimismo com a “agenda positiva”, Levy foi cauteloso ao sublinhar que as iniciativas levarão tempo e só terão o resultado esperado se acompanhadas do ajuste fiscal de que o País tanto necessita. Ainda que não tenhamos encontrado o caminho para facilitar o futuro, o mero fato de termos clareza sobre a incapacidade de reconstruir o passado é fator de alento. Por ora, só resta trabalhar com essa hipótese e lembrar que poderia ser bem pior.