Pensamento do Dia Economistas analisam a Economia, o Brasil e o mundo, mundo, na mídia diária 27 01 2010 ------------------------------------------------------------------Folha de S.Paulo 27 01 2010 ANTONIO DELFIM NETTO O dólar ou a Babel O IRREQUIETO presidente francês, Nicolas Sarkozy, afirmou que, "se fabricamos em euros e vendemos em dólares, com o dólar que cai e o euro que sobe, como vamos compensar o deficit de competitividade?" Qual é a sua solução para o dilema? Como "o mundo tornou-se multipolar, o sistema monetário também deve tornar-se multipolar", proposta que apresentará na próxima reunião dos G20. Deixando de lado a ambiguidade da sugestão, é claro que ele não pensou seriamente no assunto. Em primeiro lugar porque as operações comerciais de bens e serviços não chegam a 5% do movimento de câmbio mundial. O resto é movimento de capitais em tempo real (diariamente equivalente ao PIB brasileiro anual) realizado por agentes especializados em mercados que funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana... Em segundo lugar (e se estou lembrado do meu cálculo combinatório), se cada país tentasse realizar as operações de bens e serviços em sua própria moeda, com 20 países, seria necessário que existissem mercados capazes de estabelecer simultaneamente 190 taxas de câmbio que obedeçam a 3.420 taxas cruzadas de equilíbrio. Com 170 países (mais ou menos o que existe no mundo), seria preciso construir mercados capazes de estabelecer 14.365 taxas de câmbio, que obedecessem a nada menos do que 2.413.320 taxas cruzadas de equilíbrio! Seria a Babel e o paraíso dos arbitradores. Por que não vamos diretamente ao problema, que é: 1º) exigir que o organismo internacional, a OMC, obrigue os seus membros a obedecerem seus compromissos (o que não ocorre com relação à China); e 2º) desestimular o livre movimento de capitais especulativos? Por que temos de continuar poetizando sobre a substituição do dólar como moeda de referência internacional? Isso um dia vai acontecer naturalmente (ou artificialmente com uma "moeda fictícia"). Por definição essa nova moeda deverá: 1º) ter poder liberatório (ser universalmente aceita); 2º) ter a confiança dos operadores (que devem manter nelas suas posições futuras); e 3º) ser a moeda em que se realizam as operações de Bolsa (à vista e futuro) que estabelecem os preços internacionais. Em uma palavra: deverá ter a confiança irrestrita dos agentes econômicos. A coisa mais ridícula é supor que a moeda chinesa possa, num horizonte visível, substituir o dólar. Logo a China, que viola todas as regras do comércio internacional e cujas instituições obedecem ao arbítrio do PC Chinês. A moeda é uma instituição social apoiada na confiança. Não pode ser criada por um ato de vontade! [email protected] --------------------------------------------Folha de S.Paulo 27 01 2010 PAULO RABELLO DE CASTRO Haiti, ou a economia da destituição É urgente ajudar a ultrapassar a barreira da destituição naquele país para iniciar a reconstrução com organização POR TRÁS das cenas de puro horror e dor, o Haiti de hoje esconde lições econômicas importantes. A destituição total de um ambiente de vida produtiva gera complicações piores e de natureza distinta da mera destruição de sua infraestrutura. Existe no Haiti atual uma "economia de destituição" que precisa ser reconhecida e admitida como realidade, para que os entes e poderes lá envolvidos possam colaborar e ajudar de modo mais efetivo. Após o terremoto em Kobe (Japão) ou o furacão em Nova Orleans (EUA), o drama da população foi imenso, mas não rompeu as cadeias de informação e de comando na sociedade local. No Haiti, contudo, praticamente todos os elos de sustentação de uma frágil sociedade se romperam, inclusive as portas das prisões locais, liberando milhares de malfeitores nas ruas. Na destituição total, é a população livre que se tranca ou foge enquanto os prisioneiros e gangues dominam a cena. Falta o básico do básico, mas desaparece, sobretudo, o elemento "organização", que o economista inglês Alfred Marshall já apontava, em 1890, como o fator mais crítico da produção econômica, de uma empresa ou de um país. Lá sobra mão de obra, mas falta a organização das instituições e das informações para a retomada das atividades. Mas há aspectos da economia da destituição que afetam o âmago da organização, dificultando sobremaneira a tarefa de reconstrução. Após a tragédia, a oferta de bens no Haiti veio abaixo num piscar de olhos. No entanto, os meios de pagamento continuaram em circulação, provocando, assim, forte desequilíbrio inflacionário, especialmente nos preços da cesta de primeira necessidade. Não há o que comprar, mesmo a altos preços. Por esse motivo, a ponte aérea de suprimentos é tão vital como atender soldados numa frente de batalha. Outros cortes de consequências diabólicas são os de energia, petróleo e crédito. Uma vez restaurados os primeiros, a sociedade local dependerá do crédito, que depende de confiança, que cessou por completo. A organização de um plano de estímulo via concessão de microcréditos aos pequenos empreendedores restantes seria, possivelmente, a medida de maior impacto prático. Alguns milhões de dólares em restauração do crédito industrial e comercial aos pequenos negócios teriam muito mais valor social do que o mesmo tanto em ajuda meramente assistencial. Esta, embora não podendo faltar no primeiro momento, torna-se menos premente do que o crédito no segundo. As entidades financeiras locais também precisarão de ajuda através de um mecanismo geral de refinanciamento de seus passivos. Uma ação conjunta de bancos centrais da região, com destaque para EUA, Canadá, Brasil, México e Chile, poderá oferecer ao país destituído um programa de suporte a bancos locais mediante condicionalidades positivas que fomentem a reorganização dos negócios. E no capítulo dos investimentos, será testada a capacidade de resposta rápida do Banco Interamericano (BID) e do Banco Mundial, não estando afastada a possibilidade de alguma linha específica a ser criada no BNDES. É urgente ajudar a ultrapassar a barreira da destituição naquele país para iniciar a reconstrução com organização. Essa também é a janela possível para fazer surgir do caos um país com menos vícios e limitações do que o pobre Haiti que conhecemos. Isso dependerá da condução de quem mais lá influi, sendo grandes as responsabilidades dos EUA e do Brasil. PAULO RABELLO DE CASTRO, 60, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio-SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. -------------------------------------Jornal do Commercio - Rio de Janeiro - 27/01/2010 Dívida pública sobe 7,2% e alcança R$ 1,4 trilhão A dívida pública federal fechou 2009 em R$ 1,497 trilhão, ante R$ 1,397 trilhão no final de 2008, um aumento de 7,2%. Apesar do aumento, o endividamento ficou perto do piso do intervalo previsto no Plano Anual de Financiamento (PAF) de 2009, de R$ 1,45 trilhão a R$ 1,6 trilhão. "A melhora nas perspectivas dos agentes permitiu que o Tesouro Nacional adotasse estratégias para melhorar o perfil da dívida, com maior participação de títulos prefixados e com prazos mais longos, o que se refletiu em uma menor proporção da dívida vincenda no curto prazo", informou o Tesouro, em nota. No ano, a parcela de papéis prefixados aumentou para 32,2% da dívida total, frente a 29,9% do total em dezembro de 2008 e melhor que a estimava do Tesouro para 2009 que era de 24% a 31%. A dívida com vencimento em até 12 meses representava 23,6% do endividamento total. A participação dos títulos corrigidos pela Selic cresceu para 33,4% do total, de um patamar de 32,4% em 2008. A parcela de câmbio ficou em 6,6% no final de 2009, abaixo dos 9,7% de 2008. Depois de cumprir com folga as metas fixadas para o gerenciamento da dívida pública em 2009, o Tesouro Nacional estabeleceu para este ano um plano mais ambicioso para a melhora do perfil dos vencimentos. Além da evolução do cenário externo, o País tem a seu favor a redução da sua necessidade de financiamento anual, que está no menor patamar real desde 2002. Segundo o PAF de 2010, divulgado ontem, a dívida pública federal (interna e externa) deve fechar o ano entre R$ 1,6 trilhão e R$ 1,73 trilhão. A meta é que, deste total, entre 31% e 37% correspondam a dívida prefixada, considerada de mais fácil gerenciamento. Para os papéis atrelados à Selic, o objetivo para 2010 é atingir um patamar de participação entre 30% e 34%. No caso da dívida atrelada a índices de preços, a meta do Tesouro é que ela feche o ano entre 24% e 28% do total. Para os vencimentos atrealados ao câmbio, a meta é de um intervalo de 5% a 8%. financiamento. A necessidade bruta de financiamento da dívida pública para 2010 é de R$ 400,1 bilhões, o menor nível real desde 2002. Deste total, R$ 12,6 bilhões correspondem aos vencimentos da dívida externa, R$ 359,7 bilhões dizem respeito à dívida interna em mercado e R$ 27,8 bilhões aos encargos no Banco Central. O vencimento em dólares da dívida pública externa é de US$ 4,2 bilhões de juros e US 3,4 bilhões de principal, em um total de US$ 7,6 bilhões. O Tesouro já comprou antecipadamente o montante de US$ 5,6 bilhões, o que reduz a necessidade de moeda estrangeira para cerca de US$ 2 bilhões. No ano passado, diante da deterioração do cenário externo por conta da crise financeira, o governo havia estabelecido metas mais modestas para o PAF, com a previsão de apenas pequenas melhoras na participação de títulos prefixados e atrelados a índices de preços. O resultado é que todos os parâmetros foram cumpridos e três deles até superados, com vantagem: as metas para as participações dos prefixados e dos papéis cambiais e a meta para a parcela da dívida vincenda em 12 meses. O prazo médio da dívida pública fechou o ano passado em 3,53 anos, resultado que ficou dentro da banda de 3,4 a 3,7 anos definida no PAF. Para este ano, o governo definiu no PAF que este indicador ficará no mínimo em 3,4 anos e no máximo em 3,7 anos, repetindo a banda de 2009. Segundo o Tesouro, a Dívida Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi) fechou dezembro de 2009 com prazo médio de 3,37 anos, mesmo nível de novembro de 2009 e acima dos 3,28 anos verificados em dezembro de 2008. Já a Dívida Pública Federal Externa (DPFe) encerrou 2009 com prazo médio de 5,90 anos, acima dos 5,87 anos de novembro do mesmo ano e também acima dos 5,63 anos do fechamento de 2008. A parcela a vencer em até 12 meses da DPF fechou 2009 em 23,63%, abaixo do piso da meta do PAF do ano passado, que ia de 25% a 29% da dívida. Como trata-se de um indicador que quanto mais baixo o nível, melhor - já que mostra que há menor risco de refinanciamento da dívida brasileira - o descumprimento da meta em 2009 não pode ser visto como uma notícia negativa. Em novembro daquele ano, a parcela a vencer em 12 meses representava 24,58% da DPF. Para 2010, o PAF prevê que este indicador deverá ficar no mínimo em 24% e no máximo em 28% da DPF. ------------------------------ Valor Econômico - 27/01/2010 Dólar chega a R$ 1,83 com saída e aposta contra o real Embora a desvalorização da taxa de câmbio brasileira neste ano não seja um movimento isolado, as posições dos estrangeiros nos futuros de cupom cambial e de dólar evidenciam que o capital externo tem mantido com alguma regularidade as suas apostas contra o real. Longe ainda das cifras alcançadas há menos de um ano, na casa dos US$ 14 bilhões - quando o mundo ainda estava sob os efeitos mais adversos da quebra do Lehman Brothers -, os volumes comprados pelos não-residentes somavam US$ 5,8 bilhões no dia 22. Desde dezembro, esses valores têm oscilado entre US$ 4 bilhões e US$ 8 bilhões. O curioso é que essa montagem antecede o aumento da percepção de risco global observado nas últimas semanas. Com a indicação de que a China pretende reverter os estímulos monetários, a desvalorização do euro em meio às dúvidas sobre o futuro da economia grega e o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, direcionando o seu arsenal regulatório contra os bancos americanos, o real acabou ocupando lugar de destaque em relação a uma cesta de moedas. Fechou ontem a R$ 1,836 na venda (+0,87%), maior cotação desde setembro, depois de sair a R$ 1,85 na máxima do dia. No ano, a moeda brasileira perde 5,07% ante o dólar, em comparação à queda acumulada de 1,64% do euro, de 0,96% do rublo da Rússia ou 0,85% e 0,38% do peso chileno e argentino, respectivamente. Depois de o dólar ter se desvalorizado cerca de 30% em relação ao real no ano passado, fundos com sede em Londres passaram a assumir posições "vendidas" (apostando na queda) em real e "compradas" (na alta) no peso argentino por acreditar que a moeda brasileira já subiu demais, nota o estrategista do BNP Paribas, Alexandre Lintz. A inflexão do capital externo também é observada na Bovespa. Os estrangeiros, que em 2009 trouxeram R$ 20,6 bilhões líquidos para o mercado secundário de ações, agora estão fazendo o caminho inverso. Até o dia 21, as vendas superavam as compras em R$ 582,8 milhões. A participação dos não-residentes no pregão caiu de 31,6% em dezembro para os 27,5% atuais. O rebaixamento do mercado acionário brasileiro pelo J.P. Morgan, de "outperform" (acima da média do mercado) para "marketperform" (performance de mercado), só confirma a percepção de que o espaço de valorização para os ativos locais, pelo menos no curto prazo, ficou mais restrito, cita o economista-chefe do Banco Geração Futuro, Gustav Gorski. "O movimento (real/dólar) está mais ligado à saída dos estrangeiros até por conta da queda nos preços das commodities", diz. Para ele, dificilmente os investidores institucionais vão manter, de forma consistente, posições "compradas" em dólar porque essa foi uma estratégia que não prosperou num passado relativamente recente. "O Brasil não é uma economia que depende exclusivamente das exportações, a demanda interna suporta o crescimento em 2010 e o país tem condições de continuar atraindo investimentos." A velocidade com que o dólar avançou em relação a outras moedas tem a ver com a zeragem de posições de "hedge funds", que vinham apostando na queda da divisa americana, em meio à percepção de uma economia ainda enfraquecida, diz o gestor da SWL Asset Management, Gustavo Gazaneo. Como o presidente Obama sinaliza agora uma maior regulamentação do setor bancário, cerceando, por exemplo, as operações de tesouraria, há uma realocação de ativos feita a toque de caixa. "Não consigo enxergar, porém, uma mudança de tendência do dólar porque a atividade nos EUA ainda não dá sinais de reaquecimento forte." -----------------------------Celso Ming - O Estado de S.Paulo - 27/01/2010 Apertar ou não apertar A reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) agendada para ontem e hoje com o objetivo de rever os juros básicos já não se realiza na mesma paisagem de consumo contido e inflação em queda de alguns meses atrás. Ao contrário, os formadores de preço e o mercado financeiro, que acompanham esse movimento de perto - porque há muito dinheiro envolvido em contratos futuros -, estão prevendo um esticão nos preços. O gráfico mostra qual a percepção das pessoas para o comportamento da inflação, tal como aferido semanalmente pelo Banco Central (BC) por meio da Pesquisa Focus junto a cerca de 100 agentes econômicos. Há dois fatores principais puxando os preços. O primeiro deles é a gastança do governo federal. As despesas correntes do Tesouro estão crescendo a um ritmo inquestionavelmente forte, a 17% ao ano, porque o governo Lula está colocando em prática a estratégia de facilitar a vida do consumidor num ano eleitoral difícil, em que a vitória da candidata do governo não está nem um pouco garantida. Mais despesas correntes e a disparada do crédito (a 15% ao ano) estão turbinando o consumo, que cresce a 5% ao ano, aparentemente acima da capacidade de oferta da produção local. Nessas condições, o risco é a volta da chamada inflação de demanda, em que a procura por bens e serviços vai de automóvel e a produção segue atrás, de carroça. E quando isso acontece, o BC tem o dever de cortar certa proporção do volume de dinheiro do mercado, providência que, por sua vez, aumenta os juros e restringe o consumo. Os porta-vozes do setor produtivo não gostam desse tipo de raciocínio. Por eles, seria bom que a inflação corresse um pouco solta para que um aumento da demanda estimulasse o investimento que, mais à frente, garantisse mais produção. O problema é que, no sistema de metas, o Banco Central tem de apertar a política monetária para que, em seis ou sete meses, produza o efeito de empurrar a inflação para dentro da meta que, neste ano, é 4,5%. Ainda não está inteiramente claro até que ponto a indústria tem capacidade de produção não utilizada de maneira a garantir aumento da oferta sem necessidade de investimento. E, também, não está claro até que ponto o empresário está disposto a investir sem saber que alterações na política econômica e nas regras do jogo serão adotadas pelo governo que tomará posse dentro de 11 meses. O ponto de vista do presidente Lula parece claro. Ele entende que uma eventual disparada na inflação criará inquietação e que isso não é bom para eleger candidatos identificados com o governo. Por esse lado, o governo quer ação que evite um clima adverso. Por outro, não quer parar com a gastança, que cumpre a função de amolecer o coração do eleitor. Isso significa que menos equilíbrio fiscal acaba sobrecarregando as tarefas do Banco Central. Não há certeza sobre quando o BC começará a apertar sua política de juros. A aposta do mercado é que isso não acontecerá hoje, mas, provavelmente, só em março ou abril. Em princípio, quanto antes começar, menor terá de ser a carga futura de juros, especialmente às vésperas das eleições. Confira Strip-tease - O ministro Tarso Genro desmentiu informação veiculada em manchete pelo jornal Valor Econômico de que projeto de lei preparado pelo Ministério da Justiça vai exigir que toda grande empresa terá de distribuir a seus funcionários 5% do seu lucro líquido. Mas Tarso Genro admitiu que um grupo de trabalho está estudando certos assuntos dessa ordem. "Não há decisão do governo", disse ontem. O problema está em saber se os sindicatos irão controlar os resultados das empresas que não estão obrigadas a publicar balanço, como é o caso das montadoras de veículos. -----------------------------Valor Econômico - 27/01/2010 Empresários e sindicalistas divergem sobre projeto de distribuição do lucro Representantes da indústria e de centrais sindicais têm posições totalmente distintas com relação ao projeto de lei do Ministério da Justiça, que estabelece a obrigatoriedade de as empresas distribuírem pelo menos 5% de seus lucros a seus funcionários. Para a indústria, o texto é impositivo e não cria incentivos para a distribuição de lucros. Para as centrais, o projeto favorece o diálogo entre patrões e empregados. "Nós gostaríamos de um incentivo, e não de uma obrigação", afirmou Emerson Casali, gerente-executivo de Relações de Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Para ele, o projeto de lei deveria induzir as empresas distribuírem os seus lucros com desonerações tributárias, por exemplo. "Qualquer alteração neste sentido deve vir pelo incentivo e não pela coerção." Segundo Casali, as empresas e os bancos foram pegos de surpresa. As cinco confederações empresariais, que representam mais de 95% das companhias do Brasil, sabiam que havia uma comissão presidida pelo Ministério da Justiça discutindo o assunto e chegou a formalizar uma reclamação pelo fato de não serem chamadas para o debate. As confederações são: CNI, CNA (agricultura), CNT (transporte), Consif (sistema financeiro) e CNC (comércio). "A primeira coisa que nos chamou a atenção foi que isso foi construído sem o devido diálogo entre trabalhadores e empregadores", disse. A CNI avaliou ainda que os dez projetos concluídos pela comissão presidida pelo Ministério da Justiça vão onerar as empresas e desestimular a geração de empregos. Os projetos protegem os funcionários contra medidas antissindicais e garantem o pagamento a maior em decisões judiciais. "A impressão para nós é que o pacote faz parte de um movimento político, feito para ser apresentado num fórum social." O pacote foi, de fato, apresentado, ontem, no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Enquanto a indústria questionou as medidas, representantes de duas das principais centrais sindicais do país se pronunciaram favoráveis aos projetos. Para João Carlos Gonçalves, secretário-geral da Força Sindical, a instituição da participação nos lucros é boa e vem ao encontro da tendência dos movimentos sindicais, que buscam maior diálogo com o empregador. "É importante para o trabalhador entender que o bom desempenho da empresa onde trabalha volta para ele. Há tempos temos a experiência de negociação com as empresas e, com a lei, esse diálogo tende a se estabelecer", disse Gonçalves. O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique, salientou a necessidade de uma distribuição de lucros igualitária entre funcionários: "É como um time de futebol, uns podem ganhar mais do que os outros, mas o prêmio pela vitória tem de ser igual". Artur ressaltou ainda a necessidade de participação dos sindicatos nas negociações. Ambos disseram ter recebido a notícia pelo Valor e que, assim que tiverem acesso à íntegra do projeto, convocarão reuniões para estudar os detalhes da proposta. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que aguardará a apresentação da íntegra do projeto por parte do governo, antes de se posicionar. O ministro da Justiça, Tarso Genro, afirmou, ontem, que a participação nos lucros é uma obrigação prevista na Constituição de 1988. "Não é questão de ser ou não viável. É uma determinação constitucional que ainda não foi cumprida." Ele advertiu que o texto do projeto de lei pode ser alterado antes de ser enviado para o Congresso. "Ainda não há posição fechada do governo, pois esses projetos serão discutidos pelo Ministério do Trabalho no Fórum Social Mundial." O pacote trabalhista foi elaborado por uma comissão interna do governo, com representantes dos ministérios do Trabalho, da Previdência, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), além de diversas associações e juristas. A presidência da comissão foi exercida por Rogério Favreto, secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça. -----------------------------------O Estado de S.Paulo - 27/01/2010 Plano é criticado pelos dois lados A proposta em estudo no Ministério da Justiça de tornar obrigatório a distribuição de 5% do lucro líquido de cada empresa entre seus trabalhadores recebeu críticas tanto de representantes de entidades empresariais quanto de centrais sindicais. "É algo de caráter intervencionista, equivocado, inoportuno e aparentemente focado no calendário eleitoral, o que por si só já é criticável", disse o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Armando Monteiro Neto. Na avaliação dele, a adoção da medida representaria, na prática, um aumento da carga tributária sobre as empresas, que já é considerada uma das maiores do mundo. As consequências, segundo ele, podem não ser as planejadas pelo governo. "Toda medida intervencionista tem efeitos colaterais importantes e o mercado termina promovendo ajustes que podem vir em prejuízo do próprio trabalhador." "Essas ideias florescem muito em anos eleitorais", observou o presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, Abram Szajman. "É um projeto eleitoreiro, porque temos hoje em vigor uma lei de Participação nos Lucros ou Resultados (PLR), que é baseada na livre negociação entre as partes envolvidas". Para o empresário Mário Bernardini, assessor econômico da presidência da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, seria um contrassenso manter uma empresa que não tem como sócios os seus trabalhadores e distribuir resultados a eles. "Para isso, já existe a lei de PLR. Daí para frente, é tirar a justa remuneração dos acionistas." Segundo ele, se o projeto vingar, terá impacto negativo nos planos de investimentos das empresas. "Se tira resultado das empresas, aonde elas vão arranjar dinheiro para reinvestir no próprio negócio", questiona. O economista José Pastore, especialista em relações do trabalho, adverte que os prejuízos serão grandes para o trabalhador, se o governo tornar compulsória a distribuição dos lucros. "Vai virar mais um encargo social, e muitas empresas vão fazer o ajuste pelo salário ou pelo emprego", disse. Os sindicalistas criticam o fato de nenhuma central sindical ter sido chamada para discutir sobre qual projeto interessa para os trabalhadores. "Se tivéssemos sido consultados, nossa tendência seria de melhorar a atual lei da PLR", disse o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva. Numa avaliação preliminar, a Central Única dos Trabalhadores criticou o fato de que o projeto não prevê a participação dos sindicatos nas negociações. ------------------------------------------O Estado de S.Paulo - 27/01/2010 Planalto defende Meirelles para vice de Dilma O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse a auxiliares e dirigentes do PT que, se depender dele, a cara-metade da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, na chapa ao Palácio do Planalto será um nome com perfil semelhante ao do vice-presidente José Alencar (PRB). Lula defende para a dobradinha o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, cristão novo no PMDB, mas sabe que a cúpula peemedebista não apenas criará problemas a essa indicação como tentará emplacar o presidente da Câmara, Michel Temer (SP). Ao tomar café da manhã, ontem, com o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), Lula combinou com o aliado que, antes de definir o vice, a prioridade será superar as divergências entre o PT e o PMDB nos Estados, na tentativa de construir palanques conjuntos para Dilma. Sarney pediu a Lula que cobre do PT apoio à sua filha, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB). O presidente garantiu a ele que, apesar da divisão do PT no Estado, os petistas darão aval à reeleição de Roseana. Detalhe: Sarney também acha que a indicação de Temer para vice de Dilma é a que mais unifica o partido. No seu diagnóstico, Temer sairá fortalecido na convenção do PMDB que foi antecipada para 6 de fevereiro e deverá reconduzi-lo ao comando do partido. Para o governo, porém, Meirelles atuaria como uma espécie de escudo da candidata do PT, dando segurança ao mercado financeiro. A cúpula da campanha petista teme que a oposição explore o passado de Dilma como ex-guerrilheira, provocando desconfianças sobre os rumos da economia. Em conversas reservadas, Lula tem dito que, nesse cenário, somente um nome com bom trânsito no empresariado e no setor financeiro - papel que Alencar desempenhou em sua campanha, em 2002 - quebraria resistências. Embora o programa de governo de Dilma não esteja pronto, a principal recomendação do presidente é para que o PT "não queira inventar a roda" na economia. Serão mantidos o sistema de metas de inflação, câmbio flutuante e ajuste fiscal. Não sem motivo, um dos principais coordenadores da campanha de Dilma - que ontem participou do Fórum Social, em Porto Alegre - será o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci (SP), hoje deputado. Maldição do vice A operação de bastidor para barrar a indicação de Temer como candidato a vice tem ainda ingrediente adicional. O receio do Planalto é que a maldição do vice se repita e o governo seja obrigado a trocar o colega de chapa da ministra durante a corrida eleitoral, causando instabilidade na campanha. A necessidade de substituir vices alvejados por denúncias - mesmo que não comprovadas - já atingiu tanto Lula como o então candidato Fernando Henrique Cardoso (PSDB), na campanha de 1994, além do também tucano José Serra - hoje governador e potencial candidato ao Planalto - na maratona de 2002. Em dezembro, Temer foi citado pela Polícia Federal na Operação Castelo de Areia. Acusado de ter recebido R$ 410 mil da construtora Camargo Corrêa entre 1996 e 1998, ele reagiu. "Isso é uma indignidade e expresso minha revolta com esse papel apócrifo, que coloca nomes das mais variadas pessoas. É uma infâmia", disse na época. ------------------------------O Estado de S.Paulo 27 01 2010 Direitos humanos, quantos abusos em seu nome Antonio Cláudio Mariz de Oliveira Tamanho do texto? A A A A Em nome dos direitos humanos, o plano ora apresentado pelo governo aborda várias situações não diretamente ligadas a esse elástico conceito, trazendo-o à baila como um salvo-conduto para propor a normatização dos mais variados temas. Não se trata de propostas a serem analisadas e discutidas pela sociedade ou por seus representantes, pois são impositivas, direcionadas sempre para um determinado sentido e estão prontas para se transformarem em normas cogentes. As propostas que necessitarem de leis serão aprovadas, uma vez que o governo possui maioria parlamentar e, com certeza, não será admitida nenhuma alternativa em sentido diverso do desejado oficialmente. É possível que tenha havido discussões a respeito das propostas, mas em âmbito interno do partido do governo, uma vez que a sociedade delas não participou. O exame do documento, por mais cuidadoso e atento que seja, não elucida a dúvida existente sobre a sua natureza. Pode parecer um plano de governo, uma mera carta de intenções, uma carta de princípios ideológicos ou um arremedo de Constituição. Embora contenha ideias e propostas louváveis sob o aspecto ideal, o plano apresenta-se, em muitas de suas passagens, desprovido de rigor técnico, plausibilidade prática, seriedade - na medida em que muitas sugestões chegam a ser risíveis, outras, ininteligíveis e algumas, mera repetição do que existe. Portanto, necessário seria que seus autores esclarecessem a natureza jurídica do plano e declarassem quais os seus reais objetivos. Seria bom, até em nome de sua credibilidade, que parassem de dizer que se trata de um plano exclusivo de direitos humanos, pois efetivamente não o é. Embora apenas alguns aspectos do plano tenham chamado a atenção, como as questões do aborto, da anistia, do controle dos editoriais da imprensa, outros merecem análise, pois também vão interferir na vida nacional, criando visíveis anomalias. Assim, no chamado Eixo Orientador IV, que trata da Segurança Pública, Acesso à Justiça e Combate à Violência, dentre outros, alguns pontos merecem destaque. Há propostas que chegam a ser ofensivas à inteligência, pois são desprovidas de bom senso e de um mínimo de racionalidade, como a absurda previsão de dotar as polícias e a Força Nacional de Segurança Pública de "munição, tecnologias e amas de menor potencial ofensivo". Com essa teratológica proposta o plano, incoerentemente, despreza os direitos humanos dos integrantes das polícias em particular e da população em geral, pois os deixa à mercê dos criminosos que, em regra, se apresentam muito bem armados (pág. 53). Como um dos seus objetivos estratégicos o plano propõe o combate às "execuções extrajudiciais" por agentes do Estado (pág. 55). O termo "extrajudicial" nos leva a indagar: a não ser as execuções por dívidas, desde quando há execuções (assassinatos) judiciais no Brasil? Outra pérola do mesmo quilate: a formulação de uma política de enfrentamento da "violência letal" contra crianças (pág. 56). Assim, se o combate é apenas contra as agressões que matam as crianças, aquelas que apenas as lesionarem não serão enfrentadas. Pela redação dada, a conclusão é essa ou o seu autor não conhece o significado do termo "letal". Algumas das propostas, por outro lado, são absolutamente ininteligíveis, ao menos para nós, mortais de inteligência normal. Na página 48 está prevista a elaboração de políticas de prevenção da violência com o "objetivo de assegurar o reconhecimento das diferenças geracionais, de gênero, étnico-racial e de orientação sexual". Parece-me que nem sequer o mais aplicado e cuidadoso exegeta saberá decifrar a intenção contida nessa formulação. É preciso reconhecer que o trabalho do governo possui algumas ideias respaldadas pela vontade de certos segmentos da sociedade. Não se entende, no entanto, o porquê da inclusão dessas ideias nesse plano, se a maioria delas já tramita nas Casas do Congresso como projetos de lei. Como exemplo temos a questão do aborto, já amplamente discutida por parte da sociedade e do Parlamento. Outras questões que também apresentam algum interesse serão objeto de projetos de reforma de leis, que, no entanto, não são competentes para delas tratarem. Assim, como exemplo de desconhecimento do ordenamento jurídico, pode ser citada a proposta, constante da exposição de motivos do Eixo 4, concernente à reforma da Lei de Execuções Penais, para reduzir "a demanda por encarceramento" e priorizar penas e soluções alternativas. Ora, a Lei de Execuções não determina as sanções nem dosa as penas para as condutas delituosas. É o Código Penal e são as leis penais esparsas que, ao descreverem as condutas delituosas, preveem as sanções cabíveis. A Lei de Execuções limita-se a reger o cumprimento dessas mesmas penas. Ainda na parte referente à Justiça, sobressai a flagrante agressão à Constituição federal, especificamente ao artigo 5º, incisos XXXIV e XXXV, pela previsão de um projeto de lei para condicionar a concessão de liminares pelo Poder Judiciário, nos conflitos agrários e urbanos, a uma audiência coletiva com os envolvidos. A condição impede o livre exercício do direito de petição e a imediata apreciação pela Justiça de uma violação de direito, direitos consagrados naqueles dispositivos. São inúmeras as objeções de naturezas diversas encontradas nesse e em outros capítulos de um plano que, se foi elaborado com boas intenções, está mal construído, quer pelas ideias que contém, pouco claras algumas e sem sentido outras, quer pela redação confusa e descuidada, que é quase uma constante. Ele necessita de uma análise pontual de toda a sociedade, que saberá aproveitar ou corrigir o aproveitável e desprezar o imprestável. Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, advogado, foi secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo e presidente da OAB-SP --------------------------------Valor Econômico, Financial Times - 27/01/2010 Obama tenta cortar gasto e agradar eleitor Jean-Baptise Colbert, o ministro das Finanças de Luis XIV, disse que o orçamento era a arte de depenar o ganso de modo a obter o máximo de penas com o mínimo possível de grasnidos. A julgar pela reação à proposta de Obama, de um congelamento de três anos nos gastos discricionários domésticos não relacionados com segurança, a Casa Branca corre o risco de inverter o conselho de Colbert. A medida, que deverá compor um elemento central do primeiro discurso de Obama sobre o estado da União perante o Congresso hoje à noite com o Orçamento de 2011 que deverá apresentar na segunda-feira, deverá economizar ao governo federal apenas US$ 250 bilhões ao longo da próxima década, consideravelmente menos do que o 1% de despesa projetada ao longo daquele período. Ao mesmo tempo, ele poderá colocar em risco o programa de investimentos domésticos de vulto, sobre os quais Obama baseou sua campanha. Nas palavras de um proeminente e alienado apoiador democrata em Washington: "Isso é menos do que pagamos para resgatar a AIG e por isso parece que abandonamos o projeto todo de investir na classe média americana". Outros, como Paul Krugman, o prêmio Nobel de Economia, que se tornou um personagem aglutinador para liberais insatisfeitos com Obama, diz que a medida "equivale a uma traição de tudo pelo que os defensores de Obama pensaram que estavam trabalhando". Resumindo, muitos grasnidos para poucas penas. Mas nem todo democrata se sente da mesma forma. O governo Obama precisa conciliar três medidas muito distintas, mas essenciais", disse William Gale, ex-economista da administração Clinton. "Ela deve reanimar a economia, deve investir em crescimento futuro e deve refrear o déficit. É possível e necessário fazer todas as três coisas de uma só vez, mas não se cada medida for anunciada separadamente." Em entrevista concedida ontem, Peter Orszag, o diretor de Orçamento de Obama, negou que o congelamento nos gastos anunciado nesta semana teria sido uma resposta apressada ao revés dramático sofrido na semana passada em Massachusetts, onde uma vitória republicana retirou de Obama a supermaioria controladora de 60 cadeiras que detinha no Senado. Orszag, a quem Obama carinhosamente se refere como um de seus principais "crânios", também negou rumores persistentes de que ele teria tido uma séria discussão com Lawrence Summers, assessor econômico sênior de Obama, sobre a necessidade do congelamento dos gastos. "Como já afirmei antes, não existe nada que se assemelhe a uma diferença política entre mim e Larry Summers", disse Orszag. Orszag admitiu, porém, que o congelamento nos gastos teria um valor mais simbólico do que substancial. No entanto, o anúncio sobre os gastos também sublinha como a política pública dos EUA se alterou drasticamente nos 11 meses que decorreram desde que Obama fez seu primeiro discurso perante as duas câmaras do Congresso em fevereiro de 2009. Na fala, Obama defendeu uma firme atuação do governo na construção da próxima fase da prosperidade americana e exortou o Congresso a avançar para além da cultura que foi incapaz de "enxergar além... da próxima eleição". Ele acrescentou: "Eu rejeito a noção de que nossos problemas simplesmente se resolverão por si mesmos; a noção que afirma que o governo não tem nenhum papel no lançamento da fundação para a nossa prosperidade comum. Pois a história nos ensina algo diferente". Hoje à noite Obama visará convencer seus colegas democratas de que a direção vigorosa da sua administração rumo à disciplina fiscal lhes prestará um bom serviço nas eleições parlamentares de metade de mandato presidencial, que acontecerão em novembro. A iniciativa, que para muitos evocava a forma como Bill Clinton "triangulava" os republicanos depois da catástrofe sofrida por seu partido nas eleições de metade de mandato em 1994, parece ter surpreendido alguns democratas no Capitólio. Muitos consideram que a história dos 12 primeiros meses de Obama tenha sido desfigurada pelas relações muitas vezes desajeitadas que manteve com o Congresso democrata, que não conseguiu promulgar seu anteprojeto de lei de reforma dos serviços de Saúde e que agora está cada vez mais tomado pelo pânico de uma derrota em novembro, ao estilo da sofrida em 1994. Autoridades dizem que Obama estipulará um caminho para salvar o pacote da Saúde no seu discurso de hoje à noite. Ontem Obama admitiu para a jornalista da rede de TV ABC Diane Sawyers que ele estava "feliz em confessar francamente o fato de que não mudei o Congresso ou a sua forma de atuar da maneira que eu teria desejado [no ano passado]". Se o próximo ano será melhor dependerá até certo ponto da capacidade de persuasão que Obama demonstrará hoje à noite. ---------------------------------- Valor Econômico, Financial Times - 27/01/2010 EUA: Déficit de 2010 vai superar 9% do PIB O governo americano passará do combate à recessão a um ajuste fiscal a começar no ano fiscal de 2011, disse ontem ao "Financial Times" Peter Orszag, o diretor de orçamento da Casa Branca. "Enfrentamos dois problemas: de um lado, o 'gap' do PIB e o elevado desemprego; de outro, o panorama fiscal", disse Orszag. "Vemos 2011 como o ano de transição no qual começaremos a nos mover em relação ao segundo problema, ainda que prestando atenção ao primeiro." Dois componentes dessa transição serão o congelamento de gastos de muitas agências do governo e a criação de uma comissão fiscal bipartidária para desenvolver um plano para ajustar as finanças públicas. Isso deve ser anunciado esta noite pelo presidente Barack Obama em seu primeiro discurso sobre o estado da União. A atenção ao déficit é destacada no dia em que o Escritório de Orçamento do Congresso dos EUA (CBO, na sigla em inglês) divulgou projeção de que o déficit público atingirá 9,2% do PIB este ano (veja gráfico ao lado). Segundo as projeções, mesmo sem contar com a provável extensão de cortes de impostos feitos pelo governo Bush, a dívida pública americana deve subir para 67% do PIB em 2010, e o pagamento de juros vai disparar para 3,2% do PIB. Doug Elmendorf, diretor do CBO, disse que, se os cortes de impostos de Bush se tornarem permanentes e se a receita com impostos e os gastos crescerem em linha com o PIB, "o déficit em 2010 atingiria quase o mesmo percentual, historicamente alto, do PIB" que em 2009. Autoridades americanas esperam que o congelamento de gastos, a comissão fiscal e o orçamento de 2011, a ser anunciado na próxima semana, vão convencer o mercado de títulos e os eleitores de que o governo fala sério quanto a enfrentar o déficit ao mesmo tempo em que evita cortes de gastos prematuros que poderiam prejudicar a recuperação da economia. O congelamento de gastos, que afetará todos os gastos discricionários das agências federais (excluindo defesa, assuntos internacionais, segurança interna e veteranos de guerra), envolve até um oitavo das despesas totais. Os restantes sete oitavos são gastos obrigatórios em programas como Medicare e assistência social, além de gastos com defesa e segurança. "Isso vai economizar US$ 250 bilhões nos próximos dez anos em relação ao gasto base", disse Orszag. Para ele, a medida vai sinalizar que o governo está disposto a fazer escolhas difíceis, mas alertou que "isso é uma pequena parte do que tem de ser feito". --------------------------------Folha de S.Paulo, The New York Times - 27/01/2010 Nova regra reorienta bússola moral de Wall Street Ao promover, na semana passada, as ideias de Paul Volcker, o ex-chairman do Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos EUA), Barack Obama está enfim priorizando a discussão sobre como conter o comportamento de risco dos bancos e proteger os contribuintes. As discussões são especialmente importantes porque os esforços do Congresso para a reforma do sistema financeiro, até o momento, pouco fizeram. As propostas de Volcker, um homem a quem a Casa Branca havia estranhamente marginalizado até agora, representam um passo na direção certa porque o objetivo delas é impedir que os operadores mais ousados coloquem em risco a poupança dos correntistas comuns. Um dos elementos principais do plano seria proibir que os bancos de varejo operem por conta própria no mercado, ou seja, usem recursos da instituição para fazer apostas que não tenham relação com serviços prestados a clientes. Outra mudança proposta impediria que as instituições invistam dinheiro próprio em fundos de "hedge" ou operações de capital privado. "A mensagem que está sendo enviada é boa: a de que talvez tenhamos deixado os banqueiros livres demais para fazer o que desejavam", disse Richard Sylla, da Escola Stern de Administração de Empresas da Universidade de Nova York. A proposta tem seus pontos fracos. Na hierarquia dos riscos dos bancos, é difícil argumentar que operações com capital próprio envolvam perigo maior que empréstimos comerciais. E haverá quem questione o foco nas transações com capital próprio e fundos de hedge, já que foram eles que causaram os maiores prejuízos. O buraco estava nas operações de subscrição de títulos, especialmente no segmento hipotecário. Quando o surto das hipotecas terminou, os bancos ficaram com suas carteiras lotadas de títulos que haviam subscrito e que não eram capazes de convencer os clientes a adquirir. Concentrar as atenções nas transações com capital próprio, fundos de hedge e unidades de capital privado faz sentido por algumas razões. Primeiro, a proposta nos aproxima mais de resolver ao menos em parte o problema do "risco moral" - quando empresas não se preocupam com o risco de suas apostas mais ousadas por saberem que alguém (em geral o contribuinte) está à espera para intervir e salvá-las. Por isso, reduzir o número de maneiras pelas quais os bancos podem se envolver em atividades moralmente arriscadas é um passo positivo. Existe outra questão moral que o plano de Volcker também permitiria enfrentar: o das transações com uso de informações privilegiadas. Transações com capital próprio, fundos de hedge e unidades de capital privado são três linhas de negócios nas quais as empresas de Wall Street podem auferir lucros generosos com base em informações privilegiadas e dados obtidos de seu relacionamento com clientes em outras áreas das empresas. É claro que os bancos sustentam ter criado muralhas para impedir que informações relevantes vazem. Restam suspeitas quanto à efetividade dessas barreiras, e com bons motivos. Mesmo que a chamada Regra Volcker seja adotada, ela não faria muito para eliminar o fato de que autoridades regulatórias e legisladores continuarão a ver as maiores instituições financeiras como grandes demais ou interconectadas demais para falir. E mesmo que as regras sejam adotadas, será difícil para as autoridades regulatórias diferenciar entre transações realizadas por um banco em nome de clientes e por conta própria. O mais perturbador, de acordo com Christopher Whalen, editor do "Institutional Risk Analyst", é que a Regra Volcker nada faria para resolver o mais perturbador dos problemas a ter surgido na crise: a criação de grande volume de títulos tóxicos e sua venda aos investidores por Wall Street. "Estamos agindo contra os estereótipos do que imaginamos ser o problema", disse Whalen. "Mas a verdade é que prostituímos nossos padrões de subscrição e venda de títulos aos investidores." -------------------------------BusinessWeek Corda bamba: Risco de um colapso do setor de construção é uma das maiores ameaças à economia chinesa Pequim tenta desinflar bolha imobiliária Dexter Roberts, BusinessWeek Li Nan foi pego pela febre imobiliária. Esse comerciante de aço da China Minmetals, uma companhia estatal de commodities, vive com os pais num apertado apartamento de 65 m2 na zona oeste de Pequim. Inicialmente, Li havia planejado comprar sua própria moradia quando se casou, mas depois de ver os preços dos imóveis dispararem em Pequim, ele vem passando todo o seu tempo livre procurando um apartamento. Se encontrar o lugar certo - preferencialmente um dois quartos no bairro histórico de Dongcheng - ele espera comprá-lo imediatamente. É agir agora, diz ele, ou viver com o pai e a mãe para sempre. Nos últimos 12 meses, os preços desse tipo de apartamento dobraram ou triplicaram, para cerca de US$ 4.300 o metro quadrado. "Este ano os preços vão subir mais", diz. Milhões de chineses estão em busca de imóveis, algo que já foi típico dos americanos. Alguns chineses estão juntando muito dinheiro para comprar a casa própria. A concessão de financiamento imobiliário está batendo recorde. As incorporadoras estão abocanhando terrenos para a construção de condomínios de luxo, e os bancos os estão financiando com avidez. Alguns funcionários de governos locais estão até construindo cidades do zero no deserto, confiantes de que a demanda não vai enfraquecer. E, quando as famílias podem, elas compram dois apartamentos - um para morar e outro para especular, quando os preços subirem. E eles estão subindo. Em Xangai, os preços dos imóveis de luxo subiram 54% até setembro. Só em novembro, os preços das moradias subiram 5,7% nas 70 maiores cidades chinesas, enquanto o início de novas construções aumentou 194% em nível nacional. A corrida imobiliária está alimentando temores de uma bolha que poderá explodir mais para a frente em 2010, devastando proprietários, bancos, incorporadoras, mercados de ações e os governos locais. "Assim que a bolha estourar, nosso crescimento econômico cessará", alerta Yi Xianrong, um pesquisador do Centro de Pesquisas Financeiras da Academia Chinesa de Ciências Sociais. Em dezembro, o premiê chinês, Wen Jiabao, disse que "os preços dos imóveis vêm aumentando rápido demais". Prometeu agir contra os especuladores. Apesar dos paralelos com outros mercados, a bolha chinesa não é muito fácil de ser entendida. Em alguns lugares, a demanda por moradias pela classe média alta está tão aquecida que não consegue ser atendida. Em outros, especuladores continuam forçando a alta no preço dos terrenos e dos apartamentos de luxo, muito embora o valor dos aluguéis esteja caindo por causa da escassez de inquilinos. O que está claro é que a bolha está inflando na ponta mais rica, enquanto poucas moradias de baixo custo estão sendo construídas para os chineses de baixa renda e da classe média intermediária. No distrito de Chaoyang, em Pequim - que responde por um terço de todos os negócios imobiliários residenciais fechados na capital -, moradias estão agora sendo vendidas por uma média de quase US$ 3.200 o metro quadrado. Isso significa que um apartamento típico de 92 m2 custa cerca de 80 vezes a renda média anual dos moradores da cidade. Koyo Ozeki, analista da administradora de investimentos americana Pimco, estima que apenas 10% das vendas residenciais na China são feitas para o mercado de massa. As incorporadoras conseguem margens muito melhores com as moradias de luxo do que com as moradias comuns. Como essa bolha começou? Taxas de juros baixas, incentivo oficial aos empréstimos bancários e depois o plano de estímulo do governo de meio trilhão de dólares, o que tornou os recursos prontamente disponíveis. As prefeituras e os governos das Províncias vêm cooperando de bom grado com as incorporadoras: economistas estimam que metade de toda a receita do governo local está vindo da venda de terrenos pertencentes ao Estado. Os consumidores chineses, que temem uma alta da inflação e estão fugindo dos juros diminutos que recebem por suas poupanças, estão comprando imóveis mais agressivamente. Companhias dos setores químico, siderúrgico, têxtil e de calçados também estão abrindo divisões imobiliárias: a chance de um retorno rápido é muito maior do que em suas atividades principais. "Quando você se senta à mesa com empresários, o papo normalmente gira em como eles têm sorte de possuírem um pedaço de terra", diz Andy Xie, economista independente que já trabalhou em Hong Kong como principal analista do Morgan Stanley para a Ásia. "Hoje em dia, ninguém fala que suas fábricas estão ganhando dinheiro." Cidades que recentemente ficaram ricas estão participando do jogo com sofreguidão. Ordos é uma cidade de 1,3 milhão de habitantes na região da Mongólia Interior. Ela ficou rica com a descoberta de uma grande jazida de carvão mineral nos seus arredores. Uma geração emergente de magnatas, empresários e funcionários públicos locais faz de tudo para inventar uma Ordos moderna. Portanto, a 25 quilômetros da cidade antiga, um novo centro municipal está surgindo no deserto e poderá facilmente atingir o tamanho de uma capital de um país de tamanho médio. Um complexo enorme abriga os prédios da prefeitura e da sede local do Partido Comunista, cada um com 11 andares. Ali perto foi erguida uma ópera no estilo que lembra uma fortaleza, e uma biblioteca em estilo modernista. Milhares de casas e torres de apartamentos se espalham à distância, todas construídas por incorporadoras locais, na esperança de que os novos moradores prósperos de Ordos irão comprar esses imóveis para ficarem perto do novo centro do poder. Trabalhadores são transportados de ônibus diariamente para a nova prefeitura, mas o prédio ainda está desocupado. "Por que alguém iria para lá?", pergunta Zhao Hailin, artista de rua da cidade velha. "É uma cidade de prédios vazios." O governo central agora enfrenta duas ameaças. Uma é a ira dos chineses comuns. Uma pesquisa feita recentemente pelo Banco do Povo da China, o banco central chinês, mostrou que dois terços das pessoas que participaram são de opinião que os preços estão altos demais. Uma séria de TV com o nome irônico de "O Romance da Casa", que mostra as dificuldades de famílias que não conseguem comprar apartamentos, foi um dos programas mais assistidos na Beijing Television, até que as autoridades o tiraram do ar em novembro. O motivo oficial foi que o programa era picante demais (uma mulher consegue um apartamento tornando-se amante de um funcionário público corrupto), mas nas salas de bate-papo da internet especula-se que o programa foi proibido porque estava deixando angustiadas as pessoas que não têm recursos para comprar uma casa própria. A discussão tornou-se mais carregada depois que pessoas morreram e ficaram feridas por causa da questão imobiliária. Uma mulher de Changdu cometeu suicídio, colocando fogo no próprio corpo, quando a fábrica de três andares e a casa de seu ex-marido foram demolidas para abrir caminho para uma nova rua. Um homem sofreu queimaduras graves em Pequim num protesto parecido por causa de sua casa. No começo de dezembro, cinco professores da Universidade de Pequim escreveram para o Congresso Nacional do Povo pedindo mudanças em uma lei de desapropriação de terrenos e demolições e acusando as incorporadoras de usurparem o papel do governo na tomada de terrenos para construção. A lei está levando a "incidentes de massa" e "acontecimentos extremos", alertaram os professores. A segunda ameaça é que Pequim vai tentar, sem sucesso, deixar o ar escapar da bolha. Conseguir uma "aterrissagem branda" significa acalmar lentamente os mercados, estabilizar os preços e construir moradias mais baratas. Para desencorajar a especulação, o Conselho de Estado, o gabinete do governo chinês, está ampliando de 2 para 5 anos o período em que um imposto é cobrado sobre a revenda de apartamentos. Regras mais duras para financiamentos estão saindo. Os juros já subiram. O governo chinês também pretende construir apartamentos para 15 milhões de famílias pobres. O governo reluta em assumir uma posição mais dura em relação à bolha porque os setores da construção, siderurgia, cimento, móveis e outros estão diretamente ligados ao crescimento do mercado imobiliário; em novembro, por exemplo, as vendas no varejo de móveis e materiais de construção cresceram mais de 40%. Na Conferência Central sobre a Economia e o Trabalho de dezembro, uma confabulação anual para a formulação de políticas, funcionários públicos disseram que o Estado continuará sendo o indutor do crescimento. O pior cenário é as autoridades centrais deixarem a festa prosseguir por tempo demais e depois subirem de uma vez as taxas de juros para conter a espiral inflacionária. Sem crédito barato, as incorporadoras não conseguem refinanciar seus empréstimos, os consumidores não subscreverão mais financiamentos, as carteiras imobiliárias dos bancos locais vão se deteriorar e as companhias do setor industrial que dependem do setor imobiliário para uma parcela de seus lucros vão sofrer. Para piorar, os chineses não conseguiram conter outros frenesis imobiliários. Na década de 90, o governo acabou brutalmente com uma bolha em Xangai e Pequim, cortando o crédito para as incorporadoras e aumentando muito as taxas de juros. As medidas funcionaram, mas os preços dos imóveis despencaram, e o crescimento econômico foi reduzido. Os analistas estão divididos quanto às probabilidades de um crash desse tipo, mas até mesmo executivos do setor imobiliário estão ficando nervosos. Wang Shi, presidente do conselho de administração da Vanke, uma grande incorporadora imobiliária, já alertou várias vezes nas últimas semanas para o risco de uma bolha. Ele deu indícios de que teme que a bolha possa se espalhar para além de Pequim e Xangai. Uma dificuldade para se deduzir a possibilidade de uma retração danosa é a falta de transparência dos dados. Enquanto os preços dos imóveis permaneceram altos, os balanços das incorporadoras deverão continuar sólidos. E ninguém sabe com certeza quanto do mais de US$ 1,3 trilhão concedido em empréstimos pelos bancos no ano passado financiou empreendimentos imobiliários. Analistas calculam que uma parcela substancial dessa soma foi para o setor imobiliário, grande parte dela indiretamente. Os bancos sempre emprestam para companhias estatais com propósitos industriais. Mas as companhias estatais podem desviar os recursos para seus próprios negócios imobiliários - ou reemprestar o dinheiro para uma incorporadora de fora. Por enquanto, a festa continua. Em 12 de dezembro, a Soho China, uma incorporadora de Pequim, comemorou um ano de recordes com um baile de gala no hotel China Central Place JW Marriott. Depois de uma exibição de dança, um painel debateu "O Equilíbrio Entre o Lucro e a Alma". Quando um escritor fez uma brincadeira, dizendo que não tinha como comprar um apartamento - e estava esperando que Pan Shiyi, presidente do conselho de administração da Soho, lhe desse um -, a multidão de 600 executivos de incorporadoras, empresas e consultorias riu. Se a bolha estourar, poucos continuarão rindo. Copyright© 2010 The McGraw-Hill Companies Inc.) --------------------------------------