O LETRAMENTO EM TODAS AS ÁREAS DO CONHECIMENTO DO CURRÍCULO DE ALFABETIZAÇÃO. Ana Marcia Batista de Almeida Ana Lúcia Nóbrega Charles Alpire Gislaine Ferreira da Silva Paião Solange Ribeiro da Silva Verona Olga Maria dos Reis Ferro** 1. INTRODUÇÃO A preocupação em pesquisar “O letramento em todas as áreas do conhecimento do currículo de alfabetização” se assenta na necessidade de buscar respostas às inquietações que se manifestaram de forma latente no processo de desenvolvimento do Curso de Pós-Graduação Lato-Sensu “Organização do Trabalho Pedagógico do Professor Alfabetizador na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental”, uma Parceria entre o Instituto de Ensino Superior da (FUNLEC) – (IESF) e a Secretaria Municipal de Educação – (SEMED) (2006-2007). As inquietações referem-se às dificuldades encontradas pelas professoras alfabetizadoras em alfabetizar e letrar as crianças das classes de alfabetização em todas as áreas do conhecimento, uma vez que as professoras sempre dão ênfase, no processo ensino aprendizagem, somente às áreas de Língua Portuguesa e Matemática. Temos percebido ao longo da nossa prática pedagógica as dificuldades dos professores em trabalhar os conteúdos nas áreas de matemática, história, geografia, ciências, alfabetizando e letrando. Por isso o principal cerne desta questão é responder as inquietudes vivenciadas por nós educadores. É possível alfabetizar e letrar em outras áreas do conhecimento? Como? Este é um problema histórico nos anos iniciais do ensino fundamental, pois os Programas de Avaliação Externa, tanto da parte do Ministério de Educação e Cultura (MEC), quanto da Secretaria Municipal de Educação (SEMED) sempre focaram a avaliação nas áreas de Língua portuguesa e de Matemática. Essa realidade, por sua vez, ** Mestre em educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – (UFMS), Profª universitária da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – (UEMS) e da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal – (UNIDERP), Profª no Curso de Pedagogia do Instituto Ensino de Superior da FUNLEC – IESF e integrante do coletivo de pesquisadores de “História, Sociedade e Educação – (HISTEDBR)” de Mato Grosso do Sul pressiona as professoras a se dedicarem exaustivamente ao ensino do funcionamento da língua, a gramática, deixando de lado a função social da mesma, bem como o aprendizado dos diversos gêneros textuais que se constituem dialogicamente e de forma viva e dinâmica nos momentos de intercambiamento dos discursos orais e escritos. Sob o nosso entendimento o estudo integrado de todas as áreas do conhecimento humano permite às crianças das classes de alfabetização a progressiva autonomia da linguagem e conseqüente letramento. O aprendizado da língua escrita pela criança e a sua participação no universo letrado, propiciado pela escola, continua sendo um desafio para a pedagogia e um problema para as professoras alfabetizadoras. O insucesso nesse tipo de aprendizagem resulta, freqüentemente, do desconhecimento do professor de como, ao mesmo tempo, alfabetizar e letrar as crianças em todas as áreas do conhecimento. Esse problema se expressa no fracasso escolar apontado pela avaliação anual da SEMED. Na tentativa de justificar o fracasso escolar na escola buscam-se explicações ora na professora, ora no aluno, nas condições sócio-econômicas e no ambiente familiar, etc. E a escola vem cumprindo o seu papel? O papel de possibilitar ao aluno as condições para a apreensão e reconstrução do conhecimento, ou ainda continua na visão da pedagogia diretiva, cuja metodologia indica a transmissão do conhecimento? É necessário, portanto, compreender como a escola vem desempenhando a sua função social. A escola tem propiciado ao aluno a compreensão da realidade, como produto das relações sociais que o homem produziu a partir de suas necessidades? Então, qual será o caminho a tomar para contribuir de maneira eficaz para o processo de alfabetização, que considere a criança sujeito de seu próprio conhecimento e cujos progressos conquistados decorram de sua própria ação e construção? Para responder a essas questões, escolhemos este tema, por considerá-lo relevante no processo de alfabetização, visto que pode contribuir para formar um aluno que não seja um mero repetidor de conceitos, mas alguém que reflita sobre a linguagem para poder compreendê-la e utilizá-la apropriadamente a situação e à finalidade que tem em mente, sabendo expressar e analisar diferentes pontos de vista. Para tanto utilizamos uma metodologia cujos procedimentos incluíram: entrevistas, depoimentos, aplicação de questionário e formulários, a fim de compreender como os professores trabalham os conteúdos de outras áreas numa perspectiva de alfabetização e letramento. Além da pesquisa de campo realizamos também uma interlocução com autores, previamente selecionados, que discutem a temática em pauta. 2. ANÁLISE DAS ATIVIDADES DE LETRAMANTO, EM DIVERSAS ÁREAS DO CONHECIMENTO EM DUAS ESCOLAS PÚBLICAS MUNICIPAIS A fim de oferecer ao leitor maior clareza de nosso objeto de discussão optamos por iniciar o desenvolvimento deste texto pela análise dos dados coletados numa escola municipal, que foi o campo empírico de nossa pesquisa. Assim, nessa parte do texto apresentamos os dados coletados a respeito da pesquisa “O letramento em todas as áreas do conhecimento da alfabetização” Destacamos, já de início, a importância que atribuímos à pesquisa de campo, pois nos traz sempre a possibilidade de desmistificar imagens sobre a realidade, desde que, estejamos abertos a ver e ouvir os dados que nos chegam através dela. Desde o início, entendíamos que os dados deveriam ser colhidos através de uma pesquisa qualitativa. Neste tipo de metodologia, o pesquisador busca os dados a serem analisados considerando o ambiente “natural”, que na pesquisa em questão trata-se da prática pedagógica do professor em sua sala de aula. Em nossa pesquisa foi feito um levantamento bibliográfico de textos que trazem informações sobre a alfabetização e letramento em todas as áreas do conhecimento, pois, verificamos que na sua prática pedagógica o professor não usa todas as áreas do conhecimento para alfabetizar seus alunos. É importante esclarecer, ainda, que antes de iniciarmos a pesquisa de campo realizamos significativos estudos em fontes bibliográficas previamente selecionadas. Durante a realização dessa pesquisa bibliográfica foi construído um referencial teórico que nos possibilitou aprofundar nossos conhecimentos em diversas questões e conceitos que puderam auxiliar nas discussões sobre o problema abordado no presente trabalho. Nossa pesquisa foi realizada por meio de entrevista gravada utilizando um roteiro, com a intenção de apreender se os professores utilizam as áreas do conhecimento para alfabetizar e letrar. As gravações foram transcritas em sua íntegra e o conteúdo transcrito a partir das fitas foi cuidadosamente verificado pelo grupo que realizou as entrevistas a fim de garantir sua total veracidade. A seguir apresentaremos a análise do conteúdo da entrevista argumentando com os textos levantados na pesquisa bibliográfica, priorizando o aspecto qualitativo, para que os resultados pudessem ser mais esclarecedores. Para coleta de dados foram realizadas pesquisas em duas escolas municipais da região periférica de Campo Grande MS. A coleta de dados foi realizada entre os dias 16 a 22 de março de 2006. Para responder a entrevista foram escolhidas três professoras, de cada escola, que trabalham no 1º ano do ensino fundamental. Na escolha desses sujeitos não foi utilizado nenhum critério de seleção. Pelas respostas obtidas quanto à realização do letramento em todas as áreas do conhecimento todas as professoras afirmaram realizar o letramento em todas as áreas do conhecimento. No entanto, ao observarmos os seus planejamentos percebemos a ênfase dada somente às atividades voltadas para a base alfabética em Língua Portuguesa e para a construção do número em matemática. Ao serem questionadas como desenvolvem esse trabalho na perspectiva do letramento em todas as áreas do conhecimento responderam trabalhar o letramento por meio de diferentes tipos de textos, como afirma a professora A1: Eu procuro trabalhar de todas as formas envolvendo o cotidiano e a realidade escolar da criança ... procurando envolvê-los com os textos e as atividades que estão no contexto da criança, seja jornal diário da região, panfletos de mercado, notas de jornais, recados, avisos, cartazes que circulam pela escola.2 Reportando à sua prática nota-se que as atividades não são trabalhadas dentro dos quatro eixos da Língua Portuguesa como preconiza os PCN’s e que o conhecimento sobre o letramento está equivocado, uma vez que os textos são apresentados como mera formalidade, sendo explorado somente na oralidade, pois, as atividades de sistematização 1 2 Os nomes foram preservados por uma questão de ética. Informação transcrita da entrevista gravada realizada no período de 16 a 22 de março de 2007. propostas são mecanicistas enfatizando a repetição. Exemplo: os alunos devem fazer várias vezes o número “1”, a letra “a”, ligar “a” letra à figura. Com relação ao questionamento sobre qual área do conhecimento é mais importante letrar, unanimemente responderam que todas são relevantes no processo de alfabetização, porém, ao analisarmos suas práticas constatamos que somente as áreas de Língua Portuguesa e Matemática foram trabalhadas até a data da pesquisa. Ler e escrever proporciona a circulação e transferência de informações, portanto não pode ser tarefa exclusiva da língua portuguesa. Partindo desse pressuposto não podemos perceber as disciplinas como simples transmissoras de saberes fragmentados, mas co-participes na construção de conhecimentos, utilizando-se da língua materna como veículo desta construção. As diretrizes curriculares da Rede Municipal de Educação (REME) propõem um trabalho baseado na diversidade textual: História, Geografia e Ciências, desde que sejam trabalhadas de forma interdisciplinar, tornam-se ferramentas fundamentais para a leitura, compreensão de mundo e ampliação do letramento por parte da criança, pois promovem uma visão da realidade como um todo, caso contrário, configuram como simples disciplinas escolares a serem assimiladas pela criança. (Referencial Curricular da REME para o 1º e 2º ano do ensino fundamental, 2006, – versão preliminar, p. 23) O que podemos perceber é que as professoras demonstraram em seu discurso um bom embasamento teórico, todavia, notou-se que há uma distância entre essa teoria e a prática de sala de aula. A impressão que tivemos é a de que as professoras constroem uma imagem que as proteja frente aos profissionais que acompanham o seu trabalho pedagógico, como, supervisão, direção e técnicos da alfabetização da REME. As professoras entrevistadas admitiram que sentem maior dificuldade em trabalhar o letramento em Geografia, História e Ciências, mas não conseguiram explicar quais são as suas reais dificuldades, conforme o relato da professora A Atualmente eu tenho sentido uma grande dificuldade de trabalhar com, Ciência, Geografia e História, porque nós temos que trabalhar partindo da realidade da criança, da vida da criança, da história dela e como a gente não tem parceria com a família é muito difícil você resgatar isso da criança, porque a história dela a gente não conhece, a gente não sabe como é a sua estrutura familiar, se a criança tem um pai, tem uma mãe, com quem ela mora. Eu tenho que estar trabalhando estes conteúdos dentro de sala de aula e tenho que ter um jogo de cintura pra estar conduzindo esta situação pra trabalhar bem próximo da realidade da criança e é uma realidade que eu não sei qual é. Diante do exposto podemos perceber que as professoras estão com dificuldades em trabalhar o texto, que é a unidade básica da língua verbal, como instrumento em suas aulas e torna-lo mais presente no cotidiano escolar dos seus alunos, trazendo para sala os diferentes gêneros textuais disponíveis na sociedade. Como afirma os PCN’s. Cabe a escola viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los e a interpretá-los. Isso inclui os textos das diferentes disciplinas, com os quais o aluno se defronta sistematicamente no cotidiano escolar e, mesmo assim, não consegue manejar, pois não há um trabalho planejado com essa finalidade. (PCN, 1997, p. 30) Nesse sentido, o texto poderia ser um instrumento para unir componentes curriculares instigando à leitura e provocando a reflexão. Desta forma, a variedade textual poderia orientar a programação curricular, definindo objetivos, conteúdos e atividades. Expandindo o conhecimento letrado do aluno (PCN´s, 1997, p. 34). 3. O LETRAMENTO ALÉM DA ÁREA DE LÍNGUA PORTUGUESA Vivemos em uma sociedade letrada e o domínio do código escrito faz-se necessário em vários contextos e em várias práticas sociais. São cada vez mais comuns as situações nas quais temos que preencher um formulário, ou mesmo um cupom para participarmos de um sorteio; que temos que ler um folheto explicativo de um eletrodoméstico que compramos; e assim por diante. Portanto, é impossível negarmos que, de uma forma ou de outra, o código escrito não está presente em nossas vidas de alguma maneira. No entanto, ao utilizarmos tais habilidades não constatamos que só o fazemos dentro da escola e nas aulas de língua portuguesa. O mundo é uma totalidade complexa. Mas, mesmo assim a escola teima em dividir seu conhecimento em partes. A idéia de que a fragmentação facilitaria a compreensão do conhecimento científico orientou a elaboração de currículos básicos durante algum tempo e, com eles, certo número de disciplinas foi considerado indispensável à construção do saber escolar. Dentre outras: Português, Matemática, História, Geografia e Ciências que em suas particularidades e conteúdos específicos contemplam uma gama de conhecimento que a escola oferece aos seus alunos, comprimindo o conhecimento em recipientes fechados e lacrados. No entanto, não há como separar as áreas do conhecimento, pois uma complementa a outra, um assunto puxa outro. A formação do indivíduo é integral, não podemos então legar o alfabetizar letrando somente nas aulas de Língua Portuguesa, se nas outras aulas também se lê e se escreve. Pois hoje, tão importante quanto conhecer o funcionamento do sistema de escrita e trabalhar os conteúdos de cada disciplina é engajar pela busca do conhecimento em práticas sociais letradas. Ao permitir que o sujeito leia e interprete jornais, revistas, livros, tabelas, quadros, formulários, sua carteira de trabalho, suas contas de água, luz, telefone, saiba escrever cartas, bilhetes, mensagens, e-mails sem dificuldade, preencher um formulário, redigir um ofício, um requerimento, uma ata, que se divirta através da leitura, sistematize, confronte idéias, induza, documente, informe, oriente-se, reivindique e garanta a sua memória, o efetivo uso da escrita e da leitura garante-lhe uma condição diferenciada na sua relação com o mundo, um estado não necessariamente conquistado por aquele que apenas domina o código. Por isso, aprender a ler e a escrever implica não apenas o conhecimento das letras e do modo de decodificá-las utilizadas nas aulas de Língua Portuguesa, mas na possibilidade de usar esse conhecimento em benefício de formas de expressão e comunicação possíveis, reconhecidas, necessárias e legítimas no seu dia a dia dentro e fora da escola, dentro da Língua Portuguesa e também nas outras áreas de conhecimento. Em função disso, a diretriz pedagógica mais importante no trabalho dos professores, é a utilização da escrita e da leitura nas diversas atividades pedagógicas, isto é, a utilização da escrita, em sala, correspondendo às formas pelas quais ela é utilizada verdadeiramente nas práticas sociais. Nesta perspectiva, assume-se que o ponto de partida e de chegada do processo de alfabetização e letramento na escola é o texto, falado ou escrito, em todas as áreas do conhecimento, porque “alfabetizar letrando” é o desafio de todos os educadores. Ler e escrever são tarefas da escola, questões para todas as áreas, uma vez que são habilidades indispensáveis para a formação de um estudante, que é responsabilidade da escola. Ensinar é dar condições ao aluno para que ele se aproprie do conhecimento historicamente construído e se insira nessa construção como produtor de conhecimento. Ensinar é ensinar a ler para que o aluno se torne capaz dessa apropriação, pois o conhecimento acumulado está escrito em livros, revistas jornais, relatórios, arquivos. Ensinar é ensinar a escrever porque a reflexão sobre a produção de conhecimento se expressa por escrito. (GUEDES e SOUZA. 2006 p. 15) Em todas as áreas de conhecimento, em todas as disciplinas, os alunos aprendem através de práticas de leitura e de escrita: em História, em Geografia, em Ciências, mesmo na Matemática, enfim, em todas as disciplinas, os alunos aprendem lendo e escrevendo. É um engano pensar que o processo de letramento é um problema apenas do professor de Português: letrar é função e obrigação de todos os professores. Mesmo porque em cada área de conhecimento a escrita tem peculiaridades, que os professores que nela atuam é que conhecem e dominam. Guedes e Souza (2006) afirmam que: A escola insere o aluno no contexto de diálogo da cultura, um diálogo que se dá por escrito; por isso, ensinar o aluno a escrever para que ele possa participar desse diálogo é tarefa de toda escola. E, para que ele possa participar desse diálogo na condição de produtor de conhecimento, nenhuma das disciplinas da escola pode adotar o resumo, a paráfrase, o esquema, a anotação como seu texto preferencial: nenhuma área pode privilegiar formas textuais em detrimento da escrita para exercitar o entendimento e produzir sentido. (2006. p.15) A quantidade de informações, conceitos, princípios, em cada área de conhecimento, no mundo atual, e a velocidade com que essas informações, conceitos, princípios são ampliados, reformulados, substituídos, faz com que o estudo e a aprendizagem devam ser, fundamentalmente, a identificação de ferramentas de busca de informação e de habilidades de usá-las, através de leitura, interpretação, relacionamento de conhecimentos. E isso é letramento, atribuição, portanto, de todos os professores, de toda a escola. A tarefa da escola e de todos os educadores que nela atuam é aumentar o repertório dos aprendizes, facilitar a aprendizagem, gerar condições e ambiente para o estabelecimento de articulação entre informações e conexões múltiplas, análises e sínteses. É ensinar que ler e escrever promovem socialmente, dão acesso à cultura e ao conhecimento, são um modo de relacionar o que se faz na escola com o que existe fora dela. Em conseqüência, a sala de aula torna-se lugar de pensar, de reflexão compartilhada, de participação e diálogo. Constitui-se em ambiente de aprendizagem, que gera e possibilita múltiplas situações de leitura e escrita como atividades relevantes e comprometidas. O professor parte das experiências e conhecimentos dos alunos e oferece atividades significativas, favorecedoras da compreensão do que está sendo feito através do estabelecimento de relações entre a escola e o meio social. 4. O LETRAMENTO NAS ÁREAS ESPECÍFICAS DE CONHECIMENTO DO CURRÍCULO DO 1º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Em 2006 os professores pesquisadores e autores - Iara Conceição Bitencourt Neves, Jussara Vieira Souza, Neiva Otero Schäffer, Paulo Coimbra Guedes e Renita Klüsener – organizaram e publicaram o livro intitulado “Ler e escrever: compromisso de todas as áreas”. Trata-se de u livro que desencadeia reflexões importantes acerca do letramento em todas as áreas do conhecimento, no ensino fundamental. Dada a importância desse livro no sentido de apontar caminhos para se promover o letramento na escola, as sessões de texto que se seguem apresentam uma interlocução direta com os autores do referido livro. 4.1 O LETRAMENTO NA ÁREA DE HISTÓRIA Já é sabido que o papel da escola é formar sujeitos sociais leitores da realidade em que se inserem e capazes de usar a escrita como instrumento indispensável à sua participação na construção do mundo histórico e cultural, no entanto, isso implica em garantir uma prática voltada para o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno, da sua capacidade de interpretar/produzir construções simbólicas, para que ele interagir com o mundo Para tanto, faz-se necessário a utilização de materiais escritos diversificados, pois é de suma importância a utilização de diferentes fontes de conhecimentos. E, por meios dessas fontes, a criança perceberá que a História não é algo distante dela limitada aos livros, filmes, noticiários de TV e jornais, mas que a história é feita pelas pessoas e que ela própria, já possui uma história, pois segundo Seffner (2006), todo texto é revelador de uma determinada leitura de mundo, e é a partir daí que ele precisa ser discutido. Nesse sentido, a escolha das fontes de pesquisa histórica é importante, pois revela os “lugares da memória”. O mais importante é que a criança perceba-se integrante de uma cultura e que ela desempenha um papel histórico e que se torne um cidadão consciente e questionador, sendo capaz de indicar os problemas e apontar as soluções. Aprender história hoje é entender que os avanços da tecnologia, as mudanças que ocorrem na sociedade são conquistas do ser humano e que é responsabilidade de todas as pessoas que formam a sociedade a qual está inserido, sendo assim, um instrumento de leitura histórica de mundo, que como aborda Seffner (2006), uma leitura complexa de mundo que não pode prescindir da leitura da palavra, tarefa fundamental da escola. Por isso, não podemos vislumbrar uma aula de história sem atividades que contemplem a leitura e a escrita. O trabalho com a leitura e escrita, especialmente na alfabetização, objetiva ir muito além da simples codificação e decodificação de símbolos ou de reproduzir conceitos prontos e acabados, na verdade há a necessidade de se interagir sobre o conhecimento apresentado. Vivemos em um mundo superficial, onde recebemos a maioria das informações que temos da televisão, informações essas que já vêm processadas e avaliadas, cabendo-nos somente a receptação passiva, sem a necessidade de passar pelo crivo da análise ou da crítica. Dentro do processo de formação da identidade social, o professor poderá trabalhar segundo Seffner (2006), textos sobre a história dos alunos, caracterização de determinados períodos de sua vida, de seus antepassados, os ensaios sobre os projetos de vida e desejos profissionais futuros, montar atividades provocando reflexões acerca de cenas cotidianas, com esboço a principio coletivas (o professor sendo o escriba) de teatros, roteiros de entrevista, passeios e observações. A cada tema apresentado nessa construção do eu, enquanto pessoa e cidadão poderão ser realizadas inúmeras atividades que contribuem para o desenvolvimento da leitura e escrita as quais citaremos algumas. A lista é um gênero do discurso de amplo uso social. Elaborada com nomes de pessoas, da sala, da família, da escola, dos amigos de objetos, de atividades a realizar e outros, ela possibilita aprendizagem tanto do código lingüístico (letras, sílabas, palavras e enunciados) como de descrição de ações (planejamento de uma excursão da classe, por exemplo). Os bilhetes e as cartas familiares oferecem à criança a possibilidade de escrever a um destinatário real e podem se apresentar como documento histórico, pois há muitas cartas importantes que marcaram a trajetória histórica da família ou do local onde vivem. A cada assunto a ser explorado cabe ao professor enriquecê-lo com um texto diferente, podendo ser uma música, uma poesia, uma história em quadrinhos ou outro. Pode-se, iniciar o trabalho de interpretação a partir dos indicadores textuais, isto é, refletindo com as crianças sobre o título do texto, ilustrações (se houver), a fonte de onde foi retirado o texto, frases-guias, entre outros elementos que favoreçam a antecipação da leitura e o levantamento de hipóteses sobre o conteúdo textual. Partindo desse texto, realiza-se a análise coletiva, pois, cada aluno faz uma leitura, visto que as experiências e as condições emocionais dos leitores são diferentes, propondo questionamentos a fim de levá-los à reflexão. O ato de ler, portanto, extrapola o texto escrito. Assim sendo, é necessário considerar elementos que orientem para uma noção de leitura que transcenda o conteúdo presente no texto verbal. Com isso, efetiva-se o papel dinâmico que a leitura deve exercer na vida dos alunos. Com esse propósito, o professor efetivamente estará investindo na formação de leitores ativos e críticos, capazes de interagir com os diferentes textos presentes no mundo atual. Em um segundo momento o professor poderá orientar os alunos localizar palavras e informações explícitas com os alunos a partir das marcas que o texto traz. Ao localizar informações, estabelece a relação imediata que as mesmas têm com o texto e o aluno avança naturalmente para outros níveis de leitura. Partindo para a interpretação do texto, busca-se a localização de informações explícitas, bem como a antecipação da leitura e as hipóteses que o professor levanta com os alunos sobre o texto, contribuindo para que nessa etapa da leitura, façam inferências a partir das informações já conhecidas, podendo o professor questionar os alunos sobre a intenção do autor e os efeitos de sentido que determinadas palavras ou expressões possuem ,refletindo também com os alunos sobre o tema do texto e as informações que conduzem ao entendimento do tema. È nessa etapa da leitura que se exercita a capacidade de inter-relacionar os conhecimentos do texto com os conhecimentos de mundo, de forma a confrontá-los com a realidade. E, em decorrência desse exercício, a leitura e a produção textual podem tornar-se uma prática freqüente. 4. 2 O LETRAMENTO NA ÁREA DE LÍNGUA PORTUGUESA A linguagem escrita estabeleceu, sem dúvida, um marco histórico no processo da comunicação humana. Foi o signo impresso que nos permitiu avançar para além do uso da memória como forma de conservação do conhecimento produzido, por isso, atualmente, muito se tem discutido acerca das questões referentes ao seu processo de aquisição. As metodologias têm se modernizado para atender a demanda de crianças que não mais se enquadram em tabulas rasas ou em mero receptores de conhecimento. Partindo desse pressuposto acreditamos que não basta ao cidadão saber escrever seu nome, ler e compreender textos simples. È preciso que ele seja capaz de executar as práticas sociais de leitura e de escrita como saber localizar e obter uma informação, produzir informações escritas associadas às práticas de linguagem oral, pois o efetivo domínio da língua garante ao sujeito maior capacidade de análise e compreensão do mundo, além de viabilizar-lhe uma atuação mais consciente como cidadão que exerce seus direitos e deveres, pois, segundo Soares (1998. p. 20): “[...] não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e escrita que a sociedade faz continuamente”. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) propõem ao ensino da língua portuguesa uma concepção interacionista da linguagem que, em suas modalidades oral e escrita, se concretizam nos gêneros do discurso, relacionando-os ao uso efetivo que se faz deles numa sociedade letrada. O termo “letramento” por ele é assim colocado: Produto da participação em práticas sociais que usam a escrita como sistema simbólico e tecnologia. São práticas discursivas que precisam da escrita para torná-las significativas, ainda que às vezes não envolvam as atividades específicas de ler ou escrever. Dessa concepção decorre o entendimento de que, nas sociedades urbanas modernas, não existe grau zero de letramento, pois nelas é impossível não participar, de alguma forma, de algumas dessas práticas. (PCN LP, 1997, p. 23) A proposta de alfabetizar letrando apresentada para a área de Língua Portuguesa deve ser encaminhada por meio de textos, resgatando assim, a função social do conhecimento para isso, poderão ser utilizados, parlendas, adivinhas, poemas, história em quadrinhos bilhetes, capas de livros, narrativas, etc., oportunizando uma imensa rede de inter-relações, Geraldi apud Neves (2006), afirma que se quisermos traçar uma especificidade para o ensino da língua portuguesa, é no trabalho com textos que a encontraremos. Ou seja, o específico da aula de Português é o trabalho com texto. Nessa perspectiva, considerando o texto como unidade básica do ensino da Língua Portuguesa, e como aborda os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), o trabalho seguirá pautado nos quatro eixos da língua: linguagem oral, prática de leitura, prática de escrita e na análise e reflexão da língua. Na Linguagem oral, o professor poderá propor situações em que o aluno desenvolverá a argumentação, a narração, a descrição, a conversação. Na exploração do texto iniciar o trabalho de interpretação a partir dos indicadores textuais, isto é, refletindo com as crianças sobre o título do texto, ilustrações (se houver), a fonte de onde foi retirado o texto, frases-guias, entre outros elementos que favoreçam a antecipação da leitura e o levantamento de hipóteses sobre o conteúdo textual. Essas estratégias de preparação favorecem a interação no espaço da sala de aula, tanto do aluno com o próprio texto, quanto à interação que se dá a partir do diálogo estabelecido com a turma no ato da leitura. Dessa forma, os alunos vivenciam essa prática de forma dinâmica e ativa à medida que, coletivamente, lêem, interpretam e, no decorrer do processo, tornam-se capazes de atribuir e construir significados. Na prática de leitura, ler para informar, para copiar um trecho, para distrair. Ler com o outro, para o outro, em voz alta ou silenciosamente, em diferentes lugares e momentos. Ler em diferentes suportes materiais de texto: jornal, livro, panfleto, cd_rom. Como defende Guedes (2006, p. 137): Ensinar a ler é levar o aluno a reconhecer a necessidade de aprender a ler tudo o que já foi escrito, desde o letreiro do ônibus e os nomes da s ruas, dos bancos, das casas comerciais, leituras fundamentais para a sua sobrevivência e orientação numa civilização construída a partir da língua escrita; ler o jornal que vai relaciona-lo minimamente com o mundo lá fora; ler os poemas, que vão dar concretude, qualificar e expandir os limites de seus sentimentos; ler narrativas, que vão organizar sua relação com a complexidade da vida social, ler as leis e os regulamentos que regem a sua cidadania, ler os ensaios que apelam à sua racionalidade e a desenvolvem. Na Prática de escrita, propiciar momentos de produção de textos orais, planejamentos de exposições, passeios, peças teatrais, produção de textos escritos diversos, como: pedidos, bilhetes, narrativas, história em quadrinhos e poesias. Guedes (2006) aborda que escrever nas aulas de Língua Portuguesa não que dizer obrigatoriamente, seguir rigorosamente a estrutura de uma notícia tal como ela é, ou um conto, ou mesmo um relatório, o importante é solicitar ao aluno que escreva o que viu , vivenciou, leu ou ouviu e cabe ao professor criar situações para que exercite esta escrita, e que seja um exercício intelectual, onde escreva para produzir, registrar, comunicar, influir, entender, comover, criar e não somente para resumir, parafrasear, ou como meramente uma cópia, um exercício mecânico. Guedes (2006, p. 155) ainda defende: Ensinar a escrever é uma tarefa de uma escola disposta a olhar para frente e não para a repetição do passado que nos trouxe à escola que temos hoje: trabalhar com o texto implica trabalhar com a incerteza e com o erro e não com resposta certa, porque escrever é produzir e não reproduzir velhas certezas, pois certezas nos deixam no mesmo lugar: é o erro que nos leva na direção do novo. Dentro da análise e reflexão da língua, poderá se propor a formulação e a verificação de hipóteses sobre o funcionamento da linguagem, comparação de expressões, da experimentação de novos modos de escrever e a atribuição de novos sentidos a formas lingüísticas já utilizadas, da observação de regularidades (no que se refere tanto ao sistema de escrita quanto aos aspectos ortográficos ou gramaticais), explorar de diferentes possibilidades as transformações dos textos (supressões, ampliações, substituições, alterações de ordem, etc.), e revisar o texto de forma coletiva e individual (acrescentando, retirando, deslocando ou transformando porções do texto com o objetivo de torná-lo mais legível para o leitor, que pode significar tanto torná-lo mais claro e compreensível quanto mais bonito e agradável de ler.). Guedes (2006) expõe que a preocupação do professor na reescrita não deverá ser a de adequar a escrita do aluno á forma consagrada, mas principalmente levar o autor do texto a repensar a pertinência do que foi escrito, sua coerência, adequação ,percebendo as informações que faltam para completar sua idéia e se fazer entender. Propiciar o acesso ao mundo letrado não significa superlotar a sala de aula de recortes de jornal, rótulos, embalagens, cartazes publicitários e colocar livros numa estante, causando aquela poluição visual e que na maioria dos casos nem são utilizados como fonte de pesquisa no dia a dia. O importante na verdade é que o aluno vivencie, na sala de aula, situações em que textos são lidos e escritos porque possuem uma finalidade, podendo até mesmo ser por puro prazer, ou para se encontrar uma determinada informação, quer seja para alcançar uma meta, ou a necessidade de registrar algo que não poderá ser esquecido, etc. Mas, o objetivo primordial é o de ler e produzir textos e não simplesmente utilizar de textos e pseudotextos como pretexto para memorizar letras ou sílabas soltas. Desta forma, a leitura e a produção de texto devem ocorrer dentro de um contexto motivador, com finalidades específicas. Não servindo apenas para atender exigências da escola. 4.3 O LETRAMENTO NA ÁREA DE MATEMÁTICA Em uma avaliação superficial poderíamos dizer que esta área não tem nada para discutir a respeito da leitura e da escrita, a não ser no interior de sua própria área de conhecimento, ficando ela, envolvida especificamente com seu universo conceitual. No entanto, é sabido que as relações que são estabelecidas dentro dela são construídas com diferentes textos, diferentes códigos, na medida em que a leitura e a escrita apresentam-se sob múltiplas formas. A Matemática, principalmente dentro da escola entre os alunos, salvo uma minoria, tem visto como algo de outro mundo, quase que inacessível, em decorrência, poucos podem compreendê-la, e por sua linguagem quase própria e fechada, apesar de ela estar presente em nossas ações cotidianas, graças a forma como a disciplina vem sendo trabalhada dentro da escola. A escola não tem tido a preocupação de estabelecer vínculos com a realidade e o cotidiano do aluno. Como enfatiza D’Ambrosio (1993) apud Klüsener (2006), não encontraremos, no cotidiano dos povos e de suas culturas, atividades que não envolvam alguma forma de Matemática. E preciso então, dentro do ensino da matemática, ao invés do tecnicismo instigar o aprender e utilizar suas diferentes linguagens – aritmética, geométrica, algébrica, gráfica, entre outras como nos coloca Klüsener (2006), pois na atualidade, as linguagens matemáticas estão presentes em quase todas as áreas do conhecimento. Por isso, o fato de dominá-las passa a se constituir um saber necessário. Danyluk (1991) apud Klüsener (2006) expõe que ler e escrever não diz respeito unicamente à nossa língua materna. Temos que compreender todas as formas humanas de interpretar, explicar e analisar o mundo. A Matemática tem sido uma dessa formas: tem seus códigos e suas linguagens; tem um sistema de comunicação e de representação da realidade construído ao longo de sua história. Ainda segundo o mesmo autor, é fundamental compreender o sentido do fenômeno da alfabetização Matemática. Ser alfabetizado em Matemática é entender o que se lê e escreve a respeito das primeiras noções de aritmética, geometria e lógica, sem perder a dimensão social e cultural desse processo: a busca do significado do ato de ler e de escrever, presentes na prática cotidiana do ensino e da aprendizagem da Matemática. Temos que priorizar o dentro das aulas de matemática a linguagem em suas diferentes expressões como a oral, leitura escrita e também a visual, formando assim conceitos e ampliando seu vocabulário, outrora limitado, diminuindo assim, a distância entre a Matemática ensinada na escola e a realidade matemática vivenciada pelo nosso aluno. Na linguagem oral, aprendemos que a matemática exige comunicação, pois é através de recursos de comunicação que as informações, os conceitos e as representações são veiculadas entre as pessoas. Nesse sentido, promover a linguagem oral nas aulas de matemática é dar aos alunos uma possibilidade de organizar, explorar e esclarecer seus pensamentos. Na prática de leitura, propiciar diferentes momentos de leitura, de forma contínua e sistematizada, com diferentes objetivos, auxiliará aos alunos tornarem-se leitores e também em matemática, como por exemplo, ler para aprender, onde o aluno pode interpretar um texto matemático familiarizando com as linguagens e os símbolos próprios desse componente curricular, encontrando sentido no que lê, compreendendo o significado das formas escritas que são inerentes ao texto matemático, percebendo como ele se articula e expressa conhecimentos. A produção escrita em matemática encoraja a reflexão, clareia as idéias e age como um catalisador para as discussões em grupo, texto coletivo (em dupla ou grupo), um problema no formato de um poema, elaboração de histórias envolvendo figuras geométricas, escrita de bilhetes e cartas entre os colegas sobre o que foi aprendido e o que querem aprender sobre um tema ou idéia matemática, favorecem a compreensão de conceitos e procedimentos matemáticos e ao mesmo tempo em que aproxima a aprendizagem da área da língua materna numa perspectiva de letramento, proporcionado ao aluno a busca de seus conhecimentos, por meio de uma aprendizagem significativa. 4. 4 O LETRAMENTO NA ÁREA DE CIÊNCIAS Os novos rumos da sociedade, na qual se convive com a supervalorização do conhecimento cientifico e com a crescente intervenção da tecnologia no cotidiano, levaram a uma retomada dos objetivos gerais do ensino. O desenvolvimento de uma nova consciência sobre a importância da cidadania está em discussão no mundo todo. E a disciplina de Ciências o que tem a ver com isso? A área de Ciências busca uma maior compreensão desse mundo, de fenômenos da natureza, do Universo; uma reflexão sobre os avanços tecnológicos, sobre as questões de saúde e meio ambiente, visando a melhoria da qualidade de vida. Percebemos o enorme interesse dos alunos. Eles têm uma curiosidade espontânea, natural dos seres humanos; querem saber como funciona, o que acontece, porque acontece, o que é, do que é feito, o que vem depois, para que serve... Então por que não aproveitar essas curiosidades e permitir a busca de descoberta aos alunos através de textos informativos, experiências, pesquisas, entrevistas, textos memorizados, cantigas, parlendas e outros, fazendo uma leitura de mundo aos olhos da ciência? Como aborda Lopes (2006) ler o mundo pode significar apropriar-se das diversas formas de explicar os fenômenos que ocorrem no cotidiano, assim como estabelecer relações entre os diferentes saberes que fazem parte da nossa cultura. A criança desde cedo cria hipóteses sobre o mundo a sua volta; esse é o chamado de conhecimento prévio, ou seja, marcos interpretativos a partir dos quais são construídos significados. Ele se constitui a partir das experiências, informações e observações advindas de processo informais, da relação individual e cooperativa da criança em diversos ambientes e situações de diferentes naturezas, sobre as quais não se tem planejamento ou controle. Na escola, o papel do professor é dar continuidade à aprendizagem da criança. Por isso, deve-se investigar o conhecimento prévio do aluno para depois colocá-lo em contato com os saberes da escola. Assim, estaremos possibilitando a aprendizagem significativa e de relevância social para termos, como conseqüência, cidadãos conscientes e instrumentalizados para transformar a realidade em que vivem. Algumas crianças aprendem a ler e escrever antes de ingressar na escola. Nos seus primeiros contatos como o “mundo da leitura e da escrita”, o mundo letrado, pensam a respeito da base alfabética, bem como sobre os diferentes materiais e usos da escrita e da leitura. Isso ocorre quando tentam descobrir o que está escrito em determinado local, produto, material impresso, etc., ou seja, quando tentam interpretar o mundo por meio da leitura tanto dentro quanto fora da escola. Existe uma condição para aproveitarmos esse conhecimento prévio do aluno: é preciso acreditar que todas as crianças podem aprender e valorizar o que já sabem, em vez de enfatizar, o tempo todo, aquilo que ainda não sabem. O desafio pedagógico, como sempre, está na articulação entre o difícil e o possível de ser realizado pelos alunos, tarefa desafiadora e exclusiva do professor. A aprendizagem da escrita é, então, um processo de construção, apoiado na reflexão sobre suas características e seu funcionamento, isto é, a criança precisa compreender as regularidades que caracterizam os textos escritos e não apenas ouvir informações que um adulto traz ou ainda memorizar sílabas e copiar textos de cartilha que não apresentam significado no mundo real para as crianças. É necessário oferecer à criança a possibilidade de interagir com textos e diversas situações de prática social de leitura e de escrita, na área de ciências, Ler e escrever transcende o simples ato, tornando-se uma das principais formas de aprendizagem utilizadas, não podendo considerar-se a linguagem somente como mais uma habilidade do ser humano, mas atribuindo-lhe o caráter de construtora de realidades, do conhecimento e da ciência. (LOPES, 2006, p.40) Se a criança não desenvolveu a capacidade de escrever, o professor deverá valer-se do trabalho em duplas, em que a criança mais experiente se torna informante ou escriba ou ainda o próprio professor, como escriba, registra na lousa as repostas, idéias, etc., e as crianças registram. Vale lembrar que nas situações de discussão entre as crianças, ou mesmo na hora do registro, há a possibilidade de aprendizagem, pois ao organizar o texto oralmente para o amigo escrever, e observar como o colega ou o professor escreve, o aluno adquire informações novas e confronta com as que já tem. A leitura, por sua vez, é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto a partir do que busca nele, do conhecimento que já possui a respeito do assunto, do autor e do que sabe sobre a língua escrita. Portanto, uma criança que ainda não compreende a estrutura do sistema alfabético também pode ler, porque ler é muito mais que decodificar. Sendo assim, [...] ler e escrever é específico e, portanto compromisso de todas as áreas escolares. Nesta perspectiva, o trabalho na área específica das ciências naturais se utiliza das habilidades de leitura e escrita em diferentes situações de aula, que vão desde a elaboração de questionários, de apontamentos, até a interpretação e construção de representações gráficas diversas. Porém, mais importante que estes usos funcionais, a linguagem escrita pode ser considerada como um dos meios mais eficazes através dos quais a ciência constitui-se e constrói realidades. (LOPES, 2006, p.40) O trabalho com a história das ciências e suas contribuições atuais, aliado à pesquisa e problematização de sua realidade, dará aos alunos a perspectiva de que o conhecimento está sempre em movimento, que vai sendo construídos a partir de necessidade e de novas descobertas. E que aquisição do conhecimento ocorra a partir do pensamento contextualizado e não da simples memorização. Sabemos que no mundo contemporâneo há a necessidade de colocar o conhecimento científico ao alcance e a serviço de todos os membros da sociedade. E a criança não pode ser desvalorizada como sujeito social, não deve ser vista apenas como cidadão do futuro, mas sim como sujeito integrante da sociedade de hoje. Ela tem direito ao acesso à apropriação da cultura para utilizá-la na explicação e na transformação do mundo, não há como negar à criança o direito de apropriar-se de outros vocabulários, outra linguagem, como no caso da ciência, como expõe Lopes (2006) a ciência tem uma linguagem específica, particular para explicar e construir o mundo que nos cerca, a nós mesmos e a todas as inter-relações possíveis, então cabe ao professor estabelecer as devidas relações em suas aulas do que diz a ciência com a realidade e vivência dos alunos. Lopes (2006, p. 41) aborda ainda que: Representar e ler este mundo tem uma amplitude maior que entender os conceitos cristalizados pela linguagem cientifica. Implica, isto sim, perceber a ciência-linguagem cientifica como um recorte da realidade que deve ter um compromisso com o todo, estabelecendo relações significativas com as demais formas de ler este mundo. As crianças, de um modo geral, fazem inúmeras perguntas sobre os fenômenos naturais que as cercam. Esse conhecimento cotidiano ou do senso comum permite que interajam eficientemente com a realidade natural e social em que vivem. Mas não basta considerarmos a complexidade do mundo em que vivemos e as possibilidades que elas têm de aprender. Hoje, como o conhecimento científico está na base de grande parte das opções pessoais que a prática social exige, é importante que ele possibilite uma participação ativa e com senso crítico. As crianças podem ser responsáveis pelo cuidado do meio ambiente, agir de maneira consciente e solidária em relação ao bem-estar da sociedade a que fazem parte e ser exigentes diante daqueles que tomam as decisões. Daí cabe ao professor proporcionar aos alunos atividades de alfabetização desafiadoras como: produção de slogan (conservação do meio ambiente), criar paródias com melodias de cantigas conhecidas como Atirei o pau no gato ou Ciranda Cirandinha propondo o cuidado e bem-estar do meio ambiente, escrita de bilhete à um colega pedindo ajuda na conservação e preservação do meio ambiente. O aluno deve aprender também a utilizar instrumentos de medida, apresentar com clareza suas idéias e conclusões para a classe, fazer uma pesquisa bibliográfica, elaborar um texto escrito em que defenda suas idéias. Para que a continuidade da aprendizagem ocorra de maneira adequada, são indispensáveis intencionalidade e planejamento. 4.5 O LETRAMENTO NA ÁREA DE GEOGRAFIA O processo de aprendizagem torna-se um desafio permanente para o professor, que deve ter a preocupação de contribuir para desenvolver a capacidade, nele próprio e no aluno, de pensar, refletir, criticar, criar etc. E não deveria ser esse sempre o papel do professor? Caso contrário, tanto ele quanto o aluno serão seres de existência passiva na sociedade. O ensino de geografia como um conjunto de saberes que não só ocupam os conceitos próprios, mas os contextos sociais nos quais se apóiam. Ensinar na perspectiva da construção dos saberes não é apenas dominar conteúdos, mas ter, ao mesmo tempo, um discurso conceitual organizado com uma proposta adequada de atividades, buscando superar os obstáculos da aprendizagem. As descobertas e as experiências individuais e coletivas são valorizadas por meio de jogos, brincadeiras e atividades envolventes, que estimulam o ato de pensar. Dessa maneira, o professor introduz os conteúdos de forma dinâmica e agradável e os alunos participam ativa e reflexivamente, desenvolvendo-se como indivíduos críticos, capazes de solucionar racionalmente os problemas e de transformar sua realidade, promovendo o desenvolvimento da postura crítica, participativa e dialogada. Nesta ótica é importante que o professor tenha os livros didáticos ou paradidáticos como referências da construção do saber do aluno na sua prática profissional. Assim, o livro didático escolar não pode ser nossa única orientação de leitura na sala de aula (REICHWALD, 2006, p. 71). Quando o professor define seus objetivos, estrutura os conteúdos, conceitos e conhece os seus alunos, fica mais fácil perceber e criar condições para que ocorra de fato uma aprendizagem significativa. Desse modo, consideramos que a aula tem uma função relevante, pois é o momento no qual se pode organizar o conhecimento e o pensamento do aluno, a partir de atividade de aprendizagem. Contudo nem todas as ações docentes garantem uma aprendizagem suficientemente construtivista para todos, mesmo não esquecendo que cada aluno tem seu processo interior, o qual pode ser estimulado quando mediado pelo professor e por seus pares. Observa-se que a escola vai se constituindo não só como um lugar de assimilação de conteúdos, pois, segundo Reichwald (2006), o conteúdo deve estar a serviço do professor e em benefício do aluno e não ser o senhor do processo pedagógico. Para isso, ela deverá ser um local especial, gerador de conhecimentos e de aprendizagens conscientizadoras, que são partilhados, socializados e discutidos entre as pessoas que dele participam. O acesso à informação de diferentes assuntos da realidade e fomenta o aparecimento de espaços de discussão e o desenvolvimento de opinião crítica, além de contribuir para familiarização das crianças e o ato da escrita não significa apenas o ato mecânico de desenhar palavras, mas, realizar, inclusive, a leitura delas, construir o sentido, experimentar o gosto provocado pelo saber, oportunizando um início significativo do domínio da leitura e da escrita do mundo. Acreditamos que o desenvolvimento de ações educativas, como produções de textos pelos educandos, contribui para a conquista e o fortalecimento da autonomia dos mesmos, na medida em que as crianças se habituam a registrar suas vivências ou a expor pontos de vista. Tornam-se, dessa maneira, sujeitos reconhecidos e capazes de articular a linguagem oral, tão familiar, à linguagem escrita de características tão mais complexas. Uma outra estratégia é o uso da narrativa como um processo de rememorar passagens significativas de suas vidas. Produzir textos para os nossos próprios alunos no ajudam a interagir e a valorizar mais a tarefa de textualização em sala de aula. Oportunizar, possibilitar leitura e escrita pela geografia também não é simples, mas pode ser prazerosos e colaborar na formação de pessoas mais atentas para entender o mundo e participar na transformação do mesmo. (REICHWALD, 2006, p. 71) Pensar pedagogicamente os saberes geográficos numa perspectiva metodológica e significativa para os alunos, implica desenvolver ações que reestruturem os conteúdos, inovem os procedimentos e estabeleçam com clareza os objetivos. Reichwald (2006) aborda que é preciso exercitar nossos alunos a escrever, ler e dizer a sua palavra em sala de aula e nas aulas de geografia. Para tanto, faz-se necessário que o professor considere as histórias vividas e inventadas pelos alunos, a história pessoal do aluno, as noções temporais (ontem, hoje, amanhã) e estimulem a fazer registros, textos e que ocorra troca de leituras dos registros entre os alunos. Atividades que propõem a representação dos espaços conhecidos pelo aluno (casa – escola e outros), a representação da Terra e dos demais astros, do meio urbano e rural, de elementos naturais e culturais que compõem cada uma dessas localidades levam a entender o espaço geográfico através de textos significativos aos alunos como: poemas, cantigas e parlendas. Também é necessário a manipulação de material concreto ou experiências vivenciadas pelos alunos como: aulaspasseio com registro da aula, filmes e entrevistas. 5. CONCLUSÃO Em nossa pesquisa, percebemos que aparentemente os paradigmas tradicionais de alfabetização foram teoricamente abolidos, no entanto, em nossas observações, o professor deixa uma lacuna entre a intenção e o gesto, agindo com o propósito e a crença de que estão alfabetizando de modo contextualizado. Todavia, estabelecer critérios para analisar a prática pedagógica, enquanto profissionais atuantes em sala de aula, nem sempre é tarefa muito fácil. O fato de se estar envolvido neste processo, faz com que nem sempre se tenha um olhar verdadeiramente crítico para uma tentativa de mudança. Percebemos que mesmo os professores participando de cursos, com o intuito de aprofundar seus conhecimentos teoricamente, para construir e reconstruir uma prática pedagógica consistente, que garanta a qualidade do ensino, ainda falta o saber fazer, conciliando a teoria com a prática. Diante das questões apresentadas é possível sugerir que os órgãos oficiais continuem a oferecer não cursos rápidos e vazios de conteúdos, mas cursos de Lato-Senso e Stricto-Senso, aos professores que trabalham diretamente com os primeiros anos do ensino fundamental, pois, nos parece que é nesse nível de ensino que se localiza as maiores dificuldades didáticas dos professores alfabetizadores. Acreditamos que a realização desse trabalho nos possibilitou incorporar novas aprendizagens, que engrandeceram de forma marcante a nossa formação acadêmica. 6. RERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN. Brasília-DF: Secretaria de Educação Básica – MEC, 1997 GUEDES, Paulo Coimbra; SOUZA, Jane Mari de. Leitura e escrita são tarefas da escola e não só do professor de Português ; Não apenas o texto mas o diálogo em língua escrita é o conteúdo da aula de Português. In:____. Ler e escrever: um compromisso de todas as áreas. 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