D E M O C RA C I A V I VA 40 SETEMBRO 2008 ESPAÇO E S PA Ç O ABERTO André Sant’Anna de Oliveira*1 Um novo olhar sobre as cotas raciais 1 Este texto foi produzido com base no trabalho monográfico “Cotas para negro na Universidade Estadual do Rio de Janeiro”, apresentado, em dezembro de 2007, ao curso de graduação em pedagogia do Centro Universitário Celso Lisboa, no Rio de Janeiro, e orientado pela professora Zilda Guapyassú, leitora da revista Democracia Viva. 76 As discussões relacionadas à questão etnorracial tiveram grande destaque a partir do nazi-facismo, criado na Europa entre as décadas de 1930 e 1940. Desde então, embates ferrenhos foram realizados acerca das diferenças existentes entre as diversas etnias, nos campos científico; social; educacional; psicológico etc. No Brasil contemporâneo, os debates sobre as diferenças raciais tomaram novo fôlego com o advento das cotas sociais/educacionais destinadas a minorias desfavorecidas. Nesse contexto, a Lei 4.151/03 foi sancionada, no estado do Rio de Janeiro, DEMOCRACIA VIVA Nº 40 com intuito de reservar nas universidades públicas estaduais 45% das vagas a pessoas oriundas de escolas públicas e pertencentes às minorias étnicas, sendo 20% dessas vagas destinadas a estudantes negros(as). A partir de sua sanção, a lei tornou-se objeto de estudo da sociedade carioca, polarizando a população em dois grupos distintos: os pró-cotas e os anticotas. De um lado, pessoas defensoras dos ideais cotistas vêem as cotas como um direito historicamente construído e forjado na desigualdade social e no racismo latente. De outro, pessoas opositoras que acreditam na inviabilidade ABERTO de tal sistema por considerar o Brasil um país de mestiços. No que se refere à lei, salientam que o único objetivo é atestar inferioridade inexistente. Negritude e educação O Brasil – Colônia, Império, República – teve, historicamente, postura permissiva diante da discriminação e do racismo para com os(as) africanos(as), estendida a seus(suas) descendentes até os dias de hoje. O Decreto 1.331, de 17 de fevereiro de 1854, estabelecia que nas escolas públicas do país não poderiam estudar pessoas negras, sendo a instrução da pessoa adulta negra dependente da disponibilidade de professores. Em 1878, o Decreto 7.031-A dava aos(às) negros(as) o direito de estudar no período noturno. No entanto, diversas estratégias foram montadas para impedir o acesso pleno da população negra aos bancos escolares. Durante a evolução histórico-social do Brasil, foi possível constatar a existência de diversos mecanismos dissimulados – criados pela elite brasileira – cujo escopo principal era o de impedir o acesso ou a permanência do “cidadão de cor” (termo depreciativo utilizado para denominar a pessoa negra) na escola. Christian Baudelot e Roger Establet, no livro L´École capitaliste en France (1971), elaboram um viés ideológico – denominado posteriormente por Demerval Saviani, no livro Escola e democracia (2006), como Teoria da escola dualista. Segundo os autores da epistemologia, a escola que, a priori, se caracteriza por sua aparência unitária e unificadora é, na verdade, dividida em duas redes, as quais estão em conformidade com a divisão da sociedade capitalista: a burguesia e o proletariado. O pensamento desenvolvido na teoria da Escola Dualista salta aos olhos da sociedade no desenrolar do processo histórico brasileiro, em especial na contemporaneidade, com o aparecimento de dois tipos de escola para a educação básica: pública e particular. Por causa dos padrões adotados no processo seletivo das universidades do Brasil, a educação básica figura como o mais poderoso meio de aquisição de competências e habilidades necessárias para a aprovação no vestibular. Nesse contexto, fica evidenciado que o ensino público, com suas limitações, mutilado, sucateado e destruído pelo Estado capitalista, configura-se como barreira quase intransponível para estudantes da rede pública – haja vista os diversos entraves que dificultam a evolução da aprendizagem plena (escolas abandonadas; professorado mal-remunerado; greves), impedindo, assim, o acesso desses(as) estudantes a cadeiras universitárias. Em contrapartida, nas escolas particulares, o ensino de qualidade – livre das obstruções dos mecanismos capitalistas perversos – visa à aprovação nas grandes instituições de ensino superior, favorecendo o acesso de grande parte da prole burguesa a cursos extremamente valorizados no âmbito social. Parafraseando algumas idéias explicitadas na teoria de Christian Baudelot e Roger Establet (1971), torna-se evidente a função da escola (pública ou particular) como instrumento ideológico do Estado burguês a serviço de seus interesses capitalistas. Com efeito, a rede pública escolar, longe de ser instrumento de equalização/eqüidade social, é, na verdade, fator de marginalização cujo único objetivo é deixar à margem da sociedade todas as pessoas que ingressam no ensino público, em especial as pessoas negras, que, segundo Ricardo Henriques (2001), compõem a maioria da população pobre e miserável do país e têm a escola pública como via única de acesso aos bens culturais. Baseado nesses aspectos, Kabengele Munanga (2003) inferiu que: Se, por um milagre, os ensinos básico e fundamental melhorassem seus níveis para que os alunos pudessem competir igualmente no vestibular com os alunos oriundos dos colégios particulares bem abastecidos, os alunos negros levariam cerca de 32 anos para atingir o atual nível dos alunos brancos. Isso supondo que os brancos ficassem parados em suas posições atuais, esperando a chegada dos negros, para juntos caminharem no mesmo pé de igualdade (Munanga, 2003, p. 119). Uma hipótese improvável, ou melhor, inimaginável. O que se pode vislumbrar, na prática, é a supremacia cada vez maior de pessoas brancas nos cursos universitários do Brasil. Ricardo Henriques (2001) evidencia SETEMBRO 2008 77 ESPA Ç O A B E RT O claramente essa disparidade ao afirmar que 97% dos universitários brasileiros são pessoas brancas, 2% negras e 1% descendentes de orientais. Discriminação positiva As políticas afirmativas têm um histórico recente no cenário mundial. Seu caráter ideológico-racial despertou sentimentos sociais antagônicos em países que adotaram o sistema de cotas (Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Índia, Alemanha, Austrália, Nova Zelândia, Malásia e, mais recentemente, o Brasil) como um viés compensatório para a população etnicamente discriminada. No Brasil, o tema veio à tona com o advento de leis distrital e estadual, por exemplo, a Lei 4.151/03, do estado do Rio de Janeiro, que reserva percentual de vagas para afrodescendentes nas universidades públicas cariocas. O objetivo dessas medidas seria o de compensar 119 anos de discriminação e preconceitos sociais baseados na etnia que impediram a pessoa negra e Por dentro da lei Para análise mais aprofundada, segue a transcrição de dois artigos da Lei 4.151/03, do estado do Rio de Janeiro, de reserva de vagas nas universidades públicas para afrodescendentes: Art. 1º – Com vistas à redução de desigualdades étnicas, sociais e econômicas, deverão as universidades públicas estaduais estabelecer cotas para ingresso nos seus cursos de graduação aos seguintes estudantes carentes: I – oriundos da rede pública de ensino; II – negros; III – pessoas com deficiência, nos termos da legislação em vigor, e integrantes de minorias étnicas. Art. 5º – Atendidos os princípios e as regras instituídos nos incisos I a IV do artigo 2º e seu parágrafo único, nos primeiros 5 (cinco) anos de vigência desta Lei, deverão as universidades públicas estaduais estabelecer vagas reservadas aos estudantes carentes no percentual mínimo total de 45% (quarenta e cinco por cento), distribuído da seguinte forma: I – 20% (vinte por cento) para estudantes oriundos da rede pública de ensino; II – 20% (vinte por cento) para negros; e III – 5% (cinco por cento) para pessoas com deficiência, nos termos da legislação em vigor, e integrantes de minorias étnicas. 78 DEMOCRACIA VIVA Nº 40 seus(suas) descendentes de ascenderem para classes mais abastadas da sociedade brasileira. A esse respeito, Ricardo Henriques (2001) afirma que dos 22 milhões de brasileiros e brasileiras que vivem abaixo da linha da pobreza, 70% são negros(as), e dos 53 milhões de brasileiros e brasileiras que vivem na pobreza, 63% são negros(as). A aprovação da lei da “discriminação positiva” pelo poder Legislativo do estado do Rio de Janeiro suscitou na elite carioca – em especial, na classe média – um sentimento de indignação e descontentamento, haja vista que 45% das vagas nas universidades estaduais deixaram de ser disputadas “democraticamente” e em condições “iguais” por estudantes egressos(as) do ensino médio. A postura das classes média e alta com relação às cotas pode ser historicamente elucidada, uma vez que as cadeiras universitárias são consideradas, desde o Estado burguês até os dias de hoje, um patrimônio sociocultural indissociável da sua condição de classe hegemônica. JeanJacques Rosseau (1991), no Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, escrito originalmente em 1750, advertia que as desigualdades não refletiriam atributos congênitos de tais ou quais grupos, mas sim construções socialmente produzidas, racionalmente explicáveis e, em alguma medida, controláveis pela ação do Estado (Rousseau, 1991). No momento em que informações relativas às cotas foram massificadas pela mídia de forma alienante e fragmentada, a sociedade carioca polarizou-se em duas vertentes distintas: a dos defensores e a dos opositores das cotas. Os opositores vêm sendo beneficiados por meio de apelos tendenciosos da imprensa elitizada e dissimulada que, utilizando o poder de persuasão característico dos meios de comunicação de massa, molda e manipula a opinião pública. Dessa forma, cumpre um perverso papel social como aparelho ideológico a serviço das oligarquias dominantes. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o professor de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB), José Jorge de Carvalho, afirmou que “a elite não quer perder o poder. Vagas nas universidades públicas boas são cotas de poder. E a elite não quer concorrentes negros” (Collucci, 2006). ESPAÇO UM NOVO OLHAR SOBRE AS COTAS RACIAIS A consolidação das leis de reparação discriminatória à população afrodescendente e os fecundos debates realizados em âmbito estadual contribuíram para o florescimento de novos e abrangentes pensamentos na Câmara e no Senado Federal. Segundo o que vem sendo divulgado amplamente pela mídia, tramitam, somente no Congresso Nacional, 130 projetos de lei sobre a questão racial. Reconstruindo a história Com o objetivo de corrigir os erros cometidos durante 500 anos de colonialismo, escravidão, extermínio físico, psicológico e simbólico de negros(as) africanos(as) e seus(suas) descendentes, os movimentos sociais envidaram esforços no intuito de mobilizar setores da sociedade carioca a participarem da luta em prol da democratização do ensino superior e de uma universidade multicultural. Coube às universidades estaduais do Rio de Janeiro e da Bahia o pioneirismo em estabelecer normas e estratégias que favoreceram a reserva de vagas para afrodescendentes como resposta aos anseios de grande parcela da população, que se encontrava historicamente excluída dos bancos universitários. Essa nova proposta de inclusão étnico-racial tem por escopo o advento de uma nova universidade democrática – multicultural, imbuída de espírito social pleno – e a possibilidade de inserção da pessoa negra no cerne da produção científica, para que possa contribuir, de maneira mais incisiva, no desenvolvimento da sociedade em todos os aspectos possíveis. Sobre isso, alerta Marlene Ribeiro: A construção de competências acadêmicas legítimas, no quadro de uma sociedade excludente, racista, discriminatória, que diz projetar ser justa, inclui experiências de ruptura com o modelo tradicional de universidade (Ribeiro, 1999, p. 240). unicamente aos interesses das classes mais abastadas. Significa que as instituições de ensino superior, ao reconhecerem a hierarquia social e econômica da sociedade brasileira como forma de dominação étnico-racial, ainda que latente, e avaliarem essa denominação como injusta, tendem a ampliar seu campo de visão e de construção do conhecimento. Transcendem, assim, o reacionário conceito unidirecional de mundo, legado do eurocentrismo, em busca de um novo paradigma: aquele das multifacetas e da diversidade, que tem como cunho principal a criação de um saber científico ominicultural e democrático. A presença cada vez maior de jovens negros(as) nas universidades públicas pode propiciar novo posicionamento deles(as) na sociedade, possibilitando o surgimento de cidadãs e cidadãos realmente livres, sujeitos da história e arquitetos(as) da própria história, e, assim, críticos(as) e desarticuladores(as) de todos os mecanismos excludentes existentes, contribuindo para o aparecimento de uma nova ordem social. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (2003), em consonância com esse pensamento, diz o seguinte: “Há que pensar a formação universitária como possibilidade de enfrentar, superar intolerâncias, o que implica buscar meios de suprimir desigualdades seculares” (Silva, 2003, p. 52). Críticas no alvo As políticas afirmativas trouxeram para o centro do debate social questões raciais que se encontravam diluídas na falsa ideologia da igualdade racial no Brasil. Kabengele Munanga (2003) refere-se a diversos argumentos usados por alguns segmentos da sociedade brasileira, que questionam a legitimidade da discriminação positiva na contemporaneidade. Dentre as várias vertentes de pensamentos contrários às cotas evidenciadas pelo autor no artigo “Políticas de ação afirmativa em benefício da população negra no Brasil: um ponto de vista em defesa de cotas” (2003), duas serão utilizadas como objeto de estudo. A primeira questão diz respeito à impossibilidade de implementar cotas para pessoas negras no Brasil, por ser difícil definir quem é negro por causa da mestiçagem. ABERTO Cumpre ressaltar que a universidade – como centro ativo de produção de conhecimento científico –, ao promover e executar medidas de inclusão de grupos étnicos marginalizados e oprimidos, passa a fazer parte da sociedade, assumindo compromisso com ela, uma vez que deixa de atender SETEMBRO 2008 79 ESPA Ç O A B E RT O O argumento baseia-se totalmente no mito da igualdade racial, ou seja, o Brasil seria um país harmonioso, formado unicamente por pessoas mestiças descendentes de três etnias distintas: a colonizadora, a escrava e a nativa. Esse pensamento não caracteriza a realidade vivida no interior das relações sociais, uma vez que o racismo brasileiro não se concretiza no plano do genótipo, mas sim do fenótipo. Em outros termos, negra é a pessoa que possui características externas de negro, pois, segundo Oracy Nogueira (1985), o preconceito é de marca e não de origem. Em um segundo momento, o autor evidencia outros argumentos contrários à implantação das políticas afirmativas, pois essa poderia prejudicar a imagem profissional de funcionários(as), estudantes e artistas negros(as), que seriam acusados(as) de terem entrado por uma porta diferente. Significa que, no momento das grandes concorrências, as cotas poderiam, perigosamente, estimular os preconceitos. Refutando essa linha de pensamento, Munanga faz uma analogia da recente história de lutas e conquistas das mulheres com a atual situação da população negra no Brasil e o reflexo da política de discriminação positiva. Em suas idéias, ele afirma o seguinte: A história da luta das mulheres ilustra melhor o que seria o futuro dos negros. A discriminação contra elas não foi totalmente desarmada, mas elas ocupam cada vez mais espaços na sociedade, não porque os homens tornaram-se menos machistas e mais tolerantes, mas porque, justamente graças ao conhecimento adquirido, elas demonstram competências e capacidades que lhes abrem portas antigamente fechadas (Munanga, 2003, p. 126). Finalmente, o clímax das discussões remete para duas vertentes principais. A primeira salienta a impossibilidade de ingresso e permanência das pessoas negras nas universidades públicas. Realmente, a dificuldade que cotistas encontram para se manter estudando é notória, causada exclusivamente pela situação econômica inerente à condição social dos(as) educandos(as) de baixa renda. Com o intuito de resolver esse problema, a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) elaborou o Projeto de Lei 3.378/2006, que modifica a Lei 80 DEMOCRACIA VIVA Nº 40 4.151/03, fazendo com que o programa de apoio relatado no Artigo 4º vigore durante todo o curso universitário do(a) estudante cotista. A segunda refere-se à violação do artigo 5º da Constituição Federal, que prevê a igualdade perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos(às) brasileiros(as) e aos(às) estrangeiros(as) residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Essa igualdade legal explicitada pela Constituição brasileira, em nenhum momento deixou o plano retórico. Basta observar a atual situação do país. Salta aos olhos o descaso da sociedade com os direitos básicos das camadas mais pobres da população. Saúde, educação e habitação são alguns exemplos de que os preceitos previstos na Lei Maior não conseguiram alcançar significativamente a maioria da população, em nenhuma medida. Nega, assim, à classe pobre (onde se encontra o maior percentual de pessoas negras) o acesso aos bens historicamente construídos pela sociedade e indispensáveis ao desenvolvimento da cidadania em todos os seus aspectos. Cotas e TV É inegável que, dentre os veículos de comunicação de massa, a televisão ocupe papel de destaque na divulgação de informações graças ao poder das imagens. Nos termos de Pierre Bourdieu (1997), dispondo desta força excepcional que é a da imagem televisiva, os jornalistas podem produzir efeitos sem equivalentes. Esse poder construído historicamente por meio de imposições simbólicas, propiciou o surgimento de um novo império burguês, ideológico, político e econômico, cujo único escopo (da maioria das emissoras de televisão) é defender os interesses das oligarquias imperialistas em detrimento das necessidades da população, particularmente da mais pobre. No que tange às políticas afirmativas, observou-se que, desde a criação até a consolidação, um arsenal de matérias jornalísticas, tendenciosas e fragmentadas, foram veiculadas maciçamente pela mídia televisiva com o objetivo de depreciar, em qualquer medida, todos os aspectos ideológicos oriundos desse movimento social. ESPAÇO UM NOVO OLHAR SOBRE AS COTAS RACIAIS O cunho das diversas reportagens exibidas, normalmente em horário nobre, era a defesa latente dos direitos da burguesia aos bens culturais da sociedade como classe dominante. Essas mensagens foram facilmente diluídas por meio de mecanismos alienadores, cujo objetivo era, paradoxalmente, ocultar mostrando. A televisão, como expoente do ideal burguês, atuou – e atua – como instrumento de manipulação de idéias em massa, favorecendo-se do poderoso recurso chamado imagem como ferramenta de construção de uma realidade paralela imersa na alienação e no controle velado da opinião pública. Nesse contexto, Pierre Bourdieu alerta: Os perigos políticos inerentes ao uso ordinário da televisão devem-se ao fato de que a imagem tem a particularidade de poder produzir o que os críticos literários chamam o efeito de real, ela pode fazer ver e fazer crer no que faz ver (Bourdieu, 1997, p.28). A reserva de vagas para pessoas negras nas universidades do Estado do Rio de Janeiro tem papel fundamental na implantação de um novo paradigma social. Cria possibilidades para o acesso de cidadãos e cidadãs, outrora esquecidos, aos conhecimentos científicos difundidos no âmbito acadêmico. Com efeito, possibilita a construção de uma universidade diferente, multicultural, multiétnica, que responda aos anseios de toda a população, uma instituição imbuída com o verdadeiro espírito de redenção e democratização da sociedade. O que se propõe aqui é a possibilidade de outro viés argumentativo, diferente daquele veiculado pela mídia comercial, trazendo à tona os diversos entraves latentes que, historicamente, impediram a pessoa negra, como agente social, de ascender culturalmente. Diante dos questionamentos e das hipóteses explicitados, pode-se inferir que o sistema de cotas – consolidado no Rio de Janeiro com a Lei 4.151/03 –, longe de ser ferramenta discriminatória, caracteriza-se, na verdade, como poderoso instrumento de libertação para os quilombos contemporâneos, que se encontram oprimidos pela violência simbólica imposta à cultura afro-brasileira desde o primeiro dia após a pseudolibertação dos(as) escravos(as) no Brasil. Nessa perspectiva, Pierre Bourdieu enfatiza: “Todo poder de violência simbólica, isto é, todo poder que chega a impor significações, e a impô-las como legítimas, dissimulando as relações de força que estão na base de sua força, acrescenta sua própria força, isto é, propriamente simbólica, a essas relações de força” (Bourdieu; Passeron, 1975, p.19). *André Sant’Anna de Oliveira Pedagogo REFERÊNCIAS BAUDELOT, C.; ESTABLET, R. L’école capitaliste en France. Paris: Maspero, 1971. BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. 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