1 A INCLUSÃO DOS NEGROS ATRAVÉS DAS COTAS RACIAIS Leandro Thomaz da Silva Souto Maior Vítor Santos de Godoi O Brasil é formado pela mistura de culturas diferentes, razão pela qual somos conhecidos como um país multicultual. A nossa formação histórica, contudo, é marcada pela notória supremacia dos brancos sobre os negros. Foram exatos 388 anos de escravidão legalizada, sendo certo que libertação dos escravos foi realizada sem que lhes fosse oferecido qualquer amparo do poder público e da sociedade em geral, propiciando a marginalização desse grande contingente da sociedade. Passaram-‐se 126 anos desde a abolição da escravatura, porém, seus graves efeitos ainda são claramente observados no Brasil. A população negra, que representa metade do povo brasileiro, não é metade nas instituições de ensino, nos cargos gerenciais, na presidência de empresas, nas novelas, filmes, propagandas comerciais. Infelizmente, negros ainda são maioria nas favelas, nos subempregos e penitenciárias e essa situação parece ser aceita com naturalidade por uma parcela significativa da população. Em 2011, o IBGE divulgou pesquisa na qual 63,7% das pessoas admitem que a cor ou a raça influenciam na vida1. Dessa forma, fica evidente que a vida econômica, social, cultural e política do país, ainda é dominada por brancos. As leis que implementam cotas raciais são criadas como forma de minimizar essa assombrosa opressão histórica, promovendo a inclusão da população negra em todos os seguimentos da sociedade. Não parece aceitável aguardar passivamente que as sequelas da escravidão sejam desfeitas com tempo e que o povo negro deva 1 http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=193 3 1 2 paulatinamente ocupar seu devido espaço na sociedade com conquistas heroicas individuais. A escravidão foi uma forma não natural de opressão, e até que se restabeleça a verdadeira igualdade, é viável a utilização de meios igualmente artificiais, como são as cotas, na tentativa de se estabelecer a igualdade. Há uma dívida histórica que jamais será paga, mas que pode ser suavizada. A dívida não é do cidadão de hoje que não escraviza, mas da humanidade, o que por si só justifica ações afirmativas. Importante salientar que discutimos nesse artigo sobre cotas raciais. Sim, é sobre cor e sobre consciência negra. Não se discute aqui sobre as cotas sociais, como a de estudantes de escolas públicas e baixa renda em universidades; e cotas para deficientes. Todas as formas de buscar a efetivação da verdadeira isonomia são louváveis e cumprem uma função específica. As ações sociais pretendem o distanciamento de classes sociais e de condições físicas, as ações raciais promovem a inclusão dos negros em toda a sociedade. Em filmes e novelas, por exemplo, há pouquíssima retratação de negros em papel de destaque, estando quase sempre figurando como empregados domésticos. Nas lojas de shoppings, nos bancos, multinacionais, os funcionários são eminentemente brancos. Habitualmente na relação empregatícia são exigidos currículos com fotos e “boa aparência”, como forma velada de discriminação racial, entre outras. É a parcela branca da população que aparece nas propagandas de televisão e revista ditando moda. Poderiam ser citadas inúmeras outras formas de discriminação camufladas no dia-‐a-‐ dia e que demonstram a importância de políticas afirmativas para mudança definitiva desse cenário segregacionista. O argumento muito difundido na sociedade de que as políticas públicas de cotas deveriam observar apenas critérios sociais, e não raciais, também não nos parece correta. Isso porque, a experiência observada nestes 126 anos de “liberdade” é a de que, ainda que duas pessoas, uma branca e outra negra, venham da mesma classe social, o negro encontra mais barreiras na sociedade e geralmente é preterido pelo preconceito, simplesmente pela cor de sua pele. 2 3 Ainda na tentativa de se conservar o modelo anterior, afirma-‐se que cotas raciais favorecem o conflito entre brancos e negros, porém, o que se esquece é de que o conflito apenas acabará quando houver igualdade de oportunidades. Nada adianta falar em igualdade se partimos de premissas diferentes, de contexto histórico divergente e de realidade opostas. É fácil argumentar que cotas, em si, são preconceituosas quando se nasce com uma aceitação social favorável. Difícil é admitir a dor de ser discriminado por algo tão básico como a cor da pele; é pensar que seu povo foi explorado brutalmente e jogado às margens da sociedade quando da imigração de mão de obra europeia; é ter consciência que em menos de 200 anos ser negro era similar a ser “coisa”, não gente. Onde está a igualdade com uma discrepância histórica tão berrante? A nossa Constituição Federal é assertiva ao impor o princípio da igualdade. Exatamente nesse argumento que se defende a propositura de cotas juridicamente já que somente haverá igualdade, de fato, quando todos independentemente de cor, tiverem as mesmas oportunidades. Por hora, estamos dando os primeiros passos. Com mérito para os resultados, tímidos, mais positivos. Após algumas universidades estaduais e federais aderirem ao sistema de cotas, os números apresentados começaram a apresentar melhoras. Subiu de 2,2% (1997) para 11% o número de pardos que cursam ou concluíram um curso superior no Brasil; e de 1,8% (1997) para 8,8% de negros. Os dados são do Ministério da Educação (MEC), em levantamento realizado em 2013. Quanto ao argumento contrário às cotas no que diz respeito à autodeclaração falsa de cor para benefício indevido, certamente ocorrerem tais situações, e devem ser combatidas. Porém, isso não deve ser utilizado para negar o direito de todos os negros. Não é o fato de existirem aqueles que estacionam indevidamente em vagas destinadas a deficientes, que tais vagas devem ser eliminadas. Assim como a existência sonegadores de imposto de renda não invalida a obrigatoriedade do pagamento do tributo. 3 4 Com efeito, recentemente foi sancionada pela presidência da república a Lei 12.990/2014 que reserva aos negros 20% das vagas em concursos públicos da União (apenas no poder executivo). A lei permite expressamente a eliminação do candidato na hipótese de autodeclaração falsa sobre a cor. Referida norma, igualmente polêmica, deve caminhar para o mesmo sucesso que as universidades públicas tiveram, propiciando a classe mais um instrumento para sua integral inserção na sociedade brasileira, inclusive no que diz respeito às decisões políticas. As ações afirmativas são frutos de uma política que pretende amenizar as desigualdades sociais, econômicas e educacionais entre brancos e negros. Ir contra essas ações é fechar os olhos para o sofrimento de milhares de pessoas, ignorar o passado e nitidamente proteger uma classe elitista e segregadora. Por fim, citamos o líder negro Nelson Mandela que uma vez disse: “Uma nação não deveria ser julgada pela forma que trata seus mais ilustres cidadãos, mas como trata os seus mais simplórios. Democracia com fome, sem educação e saúde para a maioria, é uma concha vazia.”. 4