SEPARAÇÃO E PATRIMÔNIO DA EMPRESA FAMILIAR: DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EMPRESARIAL NO DIREITO DE FAMÍLIA Silvia de Abreu Andrade Portilho1 RESUMO A teoria da desconsideração da personalidade jurídica consolidou-se, no direito brasileiro, como importante mecanismo na busca de soluções justas para as questões negociais. Incorporada na legislação civil, esta teoria possui campo fértil de aplicação quando se trata do Direito de Família, e da separação nas empresas familiares. Por meio das fraudes societárias, especialmente a alteração do tipo societário, tantas vezes a personalidade jurídica serve de escudo para propósitos abusivos, no intuito de fraudar o pagamento da meação do cônjuge ou convivente. Vislumbra-se, aqui, uma discussão a respeito da aplicação da teoria, buscando-se, ao conciliar o artigo 50 do Código Civil com as normas de Direito Empresarial que regem cada tipo societário, possibilitar o acesso do cônjuge ou convivente, vítima da utilização abusiva da personalidade jurídica, ao pagamento de sua meação. A aplicação da disregard visa garantir o bom uso da pessoa jurídica, e o desenvolvimento lícito da atividade empresária. PALAVRAS-CHAVE: direito; desconsideração; personalidade; jurídica; empresa; família. 1. INTRODUÇÃO O ordenamento jurídico confere às pessoas jurídicas personalidade distinta da de seus membros. De acordo com o artigo 45 do Código Civil, uma pessoa jurídica somente tem existência legal após o registro dos seus atos constitutivos. Desta forma, o registro da pessoa jurídica é ato constitutivo de sua personalidade, diferindo-se, portanto, das pessoas físicas, cujo registro é meramente declaratório. 1 Advogada; Pós-Graduada em Direito Público (Newton Paiva) e Direito Processual Civil (UGF); Mestranda em Direito Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Professora de Direito Civil, Introdução ao Estudo do Direito e Hermenêutica Jurídica na Faculdade de Ciências Jurídicas Professor Alberto Deodato. Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391 A construção teórica da personalidade das pessoas jurídicas, entretanto, muitas vezes é utilizada de forma negativa, com abusos e desvios perpetrados para acobertar fins ilícitos, utilizando a pessoa jurídica como “escudo”, “capa” ou “véu”, para proteger negócios escusos e prejudicar terceiros. Como respostas a esses abusos, criou-se a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Originária da Inglaterra, esta teoria passou a ser adotada no direito brasileiro, primeiramente em estudos doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais, até que foi incorporada pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 28. Não mencionada no Código Civil anterior, o atual Código de 2002 incorporou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica em seu texto, no artigo 50. Consiste a teoria tradicional da desconsideração da personalidade jurídica na declaração de ineficácia de determinados atos fraudulentos perpetrados em nome da pessoa jurídica, com o objetivo de prejudicar terceiros, para responsabilizar diretamente os sócios, que se utilizam da pessoa jurídica abusivamente, no maldoso afã de fugir de suas responsabilidades pessoais. No âmbito da empresa familiar, como será demonstrado, o mais comum é que a desconsideração da personalidade jurídica ocorra de forma inversa, ou seja, se o sócio se utiliza da pessoa jurídica de forma fraudulenta para se esquivar de suas obrigações pessoais, muitas vezes fugindo da partilha de bens, e passando a transferir o seu patrimônio pessoal para a empresa, o juiz deve aplicar a teoria para determinar que os bens da sociedade respondam por atos praticados pelos sócios. De qualquer modo, para que ocorra a quebra da autonomia da personalidade jurídica, faz-se necessário o abuso de direito, o desvio de finalidade, conforme se verifica do disposto no artigo 50 do Código Civil atual. Por ocasião da separação entre cônjuges ou conviventes, tantas vezes a sociedade passa a servir como um instrumento de obtenção de resultados ilícitos, visando a fraudar o direito de meação, com a transferência de bens próprios do casamento para a sociedade, ou mesmo a aquisição de bens próprios do casamento em nome da pessoa jurídica. Citando Maria Tereza Maldonado, Rolf Madaleno observa que: Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391 “(...) o amor recolhido pela negada correspondência afetiva cede espaço fácil e absoluto a uma visão eminentemente mercantilista daquele relacionamento que se esboroa, em que ganhos e patrimônio são manipulados para a sua partilha desigual, quando não for possível esvaziar completamente a meação do parceiro ainda desejado, mas cujo amor 2 feneceu.” O presente trabalho, após tratar dos requisitos para a aplicação da disregard doctrine no direito brasileiro, pretende efetuar uma breve análise acerca desta teoria no âmbito da empresa familiar, levando em consideração o tipo societário. Comumente, o sócio, no intuito de fraudar o direito de meação do cônjuge ou convivente, altera a estrutura da sociedade para dificultar ainda mais a partilha, como, por exemplo, transforma, no curso da separação (ou mesmo antes dela), a sociedade por quotas de responsabilidade limitada em uma sociedade anônima de capital fechado. Nestas situações, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica encontra larga aplicação, e os operadores do Direito não podem se eximir de aplicála, quando se trata de caso típico de finalidade ilícita no uso da personalidade. É o caso, conforme será demonstrado, de penetrar por detrás da “máscara societária” sob a qual o sócio se esconde, seja qual for o tipo societário, e, ao desconsiderá-la, frustrar o resultado antijurídico buscado pelo sócio fraudador. 2. A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO PRIVADO: CONCEITO E REQUISITOS 2 MADALENO, Rolf. A efetivação da disregard no juízo de família. In: A Família na Travessia do Milênio. Anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família, IBDFAM, Belo Horizonte, 2000, p. 520. Disponível em http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Rolf_Madaleno/EfetivDisregard.pdf>. Acesso em 20.12.2010. Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391 Há um consenso na doutrina de que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica teve origem na Inglaterra, em 1896, com o nome de disregard of the legal entity ou disregard doctrine, em razão do caso SALOMON x SALOMON COMPANY3. Tal teoria, tradicionalmente, permite que o juiz, em casos de abuso, autorize a superação episódica ou temporária da personalidade da entidade, para permitir que os credores ou terceiros prejudicados satisfaçam os seus créditos no patrimônio pessoal dos administradores ou sócios daquela pessoa. No Brasil, o primeiro doutrinador a tratar do tema foi o Professor Rubens Requião. Como não havia lei que expressamente permitisse a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, valiam-se os tribunais para aplicá-la, analogicamente, da regra do artigo 135 do Código Tributário Nacional, que responsabiliza pessoalmente os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado por créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. A primeira lei de natureza civil no Brasil que adotou essa teoria foi o Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90), em seu artigo 28. O Código Civil de 1916 não possuía dispositivo consagrando expressamente esta teoria; ao contrário, o artigo 20 do Código Civil revogado proibia, sob qualquer pretexto, que pudesse ocorrer a confusão entre o patrimônio da sociedade e os bens particulares dos sócios. Como a doutrina e a jurisprudência, há muito, já aplicavam a teoria da desconsideração da personalidade jurídica como modo de coibir e reprimir os 3 Aaron Salomon queria formar uma nova sociedade (company) e para tanto se reuniu com outros seis membros de sua família, ficando bastante clara a intenção de criar um ente social puramente fictício, na medida em que a cada um dos familiares foi concedida uma única ação enquanto que para Aaron Salomon foram reservadas vinte mil ações, integralizadas com seu anterior estabelecimento comercial. Salomon, que já exercia atividades mercantis de forma individual, fez com que seus antigos credores ficassem preocupados porque a garantia patrimonial que aparentemente possuíam, havia sido desviada para a recém criada company. A tese dos credores, no sentido de alcançar os bens do sócio Salomon, foi aceita em primeira instância, mas reformada pela House of Lords, que entendeu perfeita a constituição da sociedade e a conseqüente separação patrimonial. Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391 abusos e fraudes praticados sob o “véu” da pessoa jurídica, o Código Civil atual, em seu artigo 50, passou finalmente a prever, de forma textual, tal possibilidade: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”. No âmbito da empresa familiar, quando vêm a tona os desentendimentos cotidianos, especialmente em se tratando de separação entre cônjuges, é comum que ocorram manipulações na celebração dos mais variados contratos empresariais, ou operações societárias que contrariem interesses de credores, ou, especialmente, do cônjuge separando. O problema encontra-se, especialmente, no caso da separação entre cônjuges, sejam ambos sócios da empresa, ou na situação em que apenas um dos cônjuges é sócio, pois, de qualquer forma, há um direito de meação nas quotas em sociedade limitada, ou nas ações em sociedade de capital. Quando há manipulação na celebração dos contratos, ou operações societárias que escondam verdadeiros abusos, “A autonomia da pessoa jurídica pode ser derrogada por um fenômeno a que se tem dado o nome de desconsideração da pessoa jurídica, isto é, não se consideram os efeitos da personificação para atingir a responsabilidade pessoal dos sócios. Significa que, em determinadas situações, não é considerada existente tal autonomia, como forma de possibilitar a correção da fraude ou do abuso a que o sócio perpetrou utilizando-se do véu, do escudo da personalidade jurídica da sociedade, que lhe serviu de 4 anteparo.” No Brasil, grande parte das situações em que a teoria foi aplicada, diz respeito à existência, dentro da sociedade, de um supersócio, detentor de 90% a 99% das cotas ou ações, distribuído o resto entre seus familiares, tratando-se, na verdade, de sociedades fictícias, unipessoais ou imaginárias. Numa sociedade 4 CASTRO, Moema Augusta Soares. Manual de Direito Empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 192. Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391 assim, o “supersócio” tem bens particulares, mas a sociedade nada tem de bens a oferecer aos seus credores. Penhoram-se, então, os bens dos sócios, desconsiderando-se a existência da pessoa jurídica. Em todas as situações, o que dá motivo à desconsideração é a configuração de um abuso intolerável e chocante, praticado por intermédio da pessoa jurídica da sociedade. O Código Civil atual, no seu artigo 50, contempla o princípio nos seguintes casos: abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio da finalidade, ou pela confusão patrimonial, fazendo com que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica deve se dar, sempre, em favor da sociedade, privilegiando e garantindo seu bom uso e o desenvolvimento lícito da atividade empresária. A desconsideração da personalidade jurídica não busca a anulação da personalidade jurídica em toda a sua extensão, mas apenas a declaração de sua ineficácia para determinado ato. Também não visa a destruir o princípio da separação da personalidade jurídica da sociedade da dos sócios, funcionando como um reforço ao instituto da pessoa jurídica, atingindo apenas o episódio sem atingir a validade do ato constitutivo da sociedade. Ou seja, a desconsideração da personalidade jurídica jamais deverá ser aplicada em benefício dos credores da sociedade, mas única e exclusivamente do instituto da personalidade jurídica. Com isso, naturalmente não basta a insolvência econômica da sociedade para que a desconsideração seja aplicada, sendo indispensável a má-fé decorrente da fraude ou do abuso da personalidade jurídica, tal como prescreve o artigo 50 do Código Civil Brasileiro. Até mesmo porque a teoria da desconsideração não se resume em obrigações pecuniárias, na medida em que é também permitida para coibir atos aparentemente lícitos, que perdem esse caráter quando passam a ser Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391 imputados à pessoa física dos sócios escondidos atrás da personalidade jurídica da sociedade. Esta é a considerada “teoria maior” da desconsideração da personalidade jurídica, que é associada ao abuso do direito e ao desvio de função. A teoria maior é a regra, adotada pelo artigo 50 do Código Civil atual, e portanto, somente é aplicada quando demonstrado o desvio de finalidade da pessoa jurídica ou a confusão patrimonial. Já a “teoria menor” autoriza a desconsideração da personalidade jurídica com a simples prova da insolvência da pessoa jurídica para o pagamento das suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Esta teoria é adotada nas legislações especiais, tais como o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 28, na Lei Antitruste (Lei 8.884/94), em seu artigo 18, e também no Direito Ambiental, no artigo 4º da Lei 9.605/98. Para a teoria menor, o risco empresarial normal não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que não haja prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios ou administradores da pessoa jurídica.5 Como este breve estudo concentra-se na aplicação da disregard doctrine na seara da empresa familiar, faz-se necessário ter em mente a adoção da teoria maior, consagrada no artigo 50 do Código Civil. Assim sendo, é fundamental, para a sua aplicação, que ocorra o abuso do direito, a utilização indevida da personalidade jurídica; portanto, é aplicável quando ocorre a violação dos valores que justificam o reconhecimento do direito pelo ordenamento, com a inobservância dos seus limites. Ressalta-se que a simples falta de patrimônio não é admitida como hipótese de desconsideração, significando que a incursão sobre os bens particulares dos sócios requer a prova do abuso ou o simples desvio de finalidade, numa clara adoção da mens legis do Código Civil de 2002. Segundo Guilherme Calmon Nogueira da Gama, 5 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira (Coord). Desconsideração da Personalidade da Pessoa Jurídica: Visão Crítica da Jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2009, p. XXIII - XXIV Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391 “A teoria da desconsideração da personalidade jurídica visa, justamente, a impedir que essas fraudes e esses abusos de direito, perpetrados com utilização do instituto da pessoa jurídica, sejam realizados. Trata-se de uma elaboração teórica destinada à coibição das práticas fraudulentas que se valem da pessoa jurídica. E é, ao mesmo tempo, uma tentativa de preservar o instituto da pessoa jurídica, ao mostrar que o problema não reside no 6 próprio instituto, mas no mau uso que se pode fazer dele.” Campo fértil para aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica é o Direito de Família, pois muitas vezes o “véu” societário se torna uma poderosa arma contra a parte mais débil do relacionamento afetivo, vítima da fraude ou do abuso societário. 3. A DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA A expressão “desconsideração inversa da personalidade jurídica”, como o próprio nome sugere, é utilizada pela doutrina e jurisprudência como sendo a busca pela responsabilização da sociedade no que se refere às dívidas ou aos atos praticados pelos sócios, utilizando-se para isto, a quebra da autonomia patrimonial. No Direito de Família, a utilização da desconsideração da personalidade jurídica de forma inversa passa a ser, no geral, a regra, pois é comum no campo das relações conjugais a aquisição de bens próprios do casamento (ou da união) em nome da empresa, ou ainda a maliciosa transferência dos primitivos bens do casal para o acervo social, visando fraudar a meação conjugal. Fábio Ulhôa Coelho define o instituto da seguinte forma: “desconsideração inversa é o afastamento do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio.”7 Na desconsideração inversa, comum no âmbito do direito familiar, a responsabilidade ocorre no sentido oposto, isto é, os bens da sociedade respondem por atos praticados pelos sócios. São aplicados, portanto, os mesmos princípios da tradicional teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Para ser aplicada a desconsideração inversa da personalidade jurídica, assim como na teoria tradicional, deverá restar caracterizado o desvio de bens, a 6 7 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira (Coord). Op. cit., p. 07. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2002, 2.v. p. 45 Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391 fraude ou abuso de direito por parte dos sócios que se utilizam da personalidade jurídica para transferir ou esconder bens, prejudicando assim os credores, ou ainda, em casos de separação judicial, onde se verifica o esvaziamento do patrimônio do casal como forma de burlar a meação.8 Diante disso, o ordenamento jurídico impõe que seja observada a existência dos pressupostos essenciais para a aplicação desta modalidade de desconsideração que usualmente vem a ser empregada pelos julgadores no Direito de Família. Para isso, será aplicada a desconsideração inversa na esfera familiar sempre que o cônjuge empresário esconde-se sob as vestes da pessoa jurídica, vislumbrando fraude à partilha matrimonial e, por conseqüência, encobrir a capacidade econômica e financeira da pessoa física, equiparando o sócio à sociedade. Cita-se, a exemplo da aplicação desta teoria, o julgado abaixo, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: APELAÇÃO. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL INSUFICIENTE. INOCORRECIA. MARCO INICIAL DA UNIAO ESTÁVEL. ESPECIFICAÇÃO. VALORIZAÇÃO DE COTAS SOCIAIS. PARTILHA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CABIMENTO. (...) As cotas sociais das empresas eram de patrimônio exclusivo do de cujus. No entanto, a valorização experimentada por tais cotas durante o período em que o de cujus viveu em união estável é patrimônio comum que, por isso, deve ser partilhado. Ficou demonstrado que o de cujus abusou da personalidade jurídica de suas empresas, ao utilizar de forma indevida delas para o fim de ocultar bens passíveis de partilha. Nesse contexto, cabível desconsiderar a personalidade jurídica das empresas. REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO PRIMEIRO APELO. UNANIME. DERAM PARCIAL 9 PROVIMENTO AO SEGUNDO. (Apelação Cível nº 70012310058. 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS. Relator Rui Portanova. Julgado em 27/04/2006). 8 FIGUEIRAS, Isaura Meira Cartaxo. Desconsideração inversa da personalidade jurídica. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/26439/3>. Acesso em 05.12.2010. 9 BRASIL.Tribunal de Justiça Do Rio Grande do Sul. 8º Câmara Cível. Apelação Cível nº 70012310058. Relator Rui Portanova. Julgado em 27/04/2006. Disponível em <http://www.tj.rs.jus.br/>. Acesso em 28.12.2010. Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391 A aplicação da desconsideração inversa, da mesma forma que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, não visa à anulação da personalidade jurídica, mas apenas à declaração da ineficácia para determinado ato, qual seja, o ato fraudulento, perpetrado com o objetivo único de favorecer a pessoa de um sócio em detrimento de terceiro, in casu, o cônjuge ou convivente. 4. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ÂMBITO DA EMPRESA FAMILIAR Na seara da empresa familiar, o assunto torna-se especialmente interessante, e objeto de inúmeras discussões, especialmente quando o uso abusivo da forma societária acontece em sociedades anônimas de capital fechado. Feitas as considerações acerca da desconsideração inversa da personalidade jurídica, cumpre analisar a aplicação desta teoria no Direito de Família, mais especialmente no âmbito da empresa familiar, levando-se em consideração o tipo societário. Em se tratando de sociedade por quotas, uma vez dissolvida a sociedade conjugal, há que se apurar se o cônjuge ou convivente separado poderá ingressar na sociedade em decorrência da partilha das quotas sociais. Se não for possível o seu ingresso na condição de sócio (por ausência de previsão contratual, ou consentimento dos sócios), o parceiro separado receberá o valor monetário equivalente, podendo recorrer a uma ação de apuração de haveres em participação social contra o ex-cônjuge. O parceiro separado é considerado um “subsócio”, sócio do sócio, já que é condômino de quotas com seu ex-cônjuge. Já nas sociedades de capitais, a Lei 6.404/76, como se sabe, separa as sociedades abertas das sociedades de capital fechado, pela admissão ou não dos seus valores mobiliários à negociação na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) Com a separação entre os cônjuges, problema algum haverá na liquidação da partilha, para reembolsar o cônjuge co-acionista, no caso das companhias abertas, pois as ações serão amplamente negociadas no mercado de Valores Mobiliários. Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391 O cerne do problema encontra-se no caso da partilha das ações em uma companhia de capital fechado; assim sendo, como proceder? Suas ações não gozam de oferta pública, e, é sabido, torna-se especialmente difícil vender um pacote de ações recebidas em pagamento de uma meação na partilha conjugal. Nesta situação, é comum que, na relação entre cônjuges, o esposo fraudador venha se valer da estrutura societária para subtrair bens do acervo comum, ou então, vale-se de uma empresa especialmente criada para desenvolver a fraude, subtraindo do meeiro o que lhe é de direito na comunhão. Defendem alguns doutrinadores, dentre eles Rolf Madaleno10 que, nestes casos, em empresa de capital fechado, pode ser relativizada a proibição da venda de ações da companhia fechada familiar, como sendo a única solução para libertar o cônjuge, que fica prisioneiro desta sociedade de exclusiva formatação familiar. As sociedades anônimas, assim, não estariam imunes à desconsideração de sua personalidade jurídica, especialmente quando se verificar que a transformação da sociedade de responsabilidade limitada para companhia fechada serviu apenas para fins ilícitos, no intuito fraudulento de subtrair a partilha do acervo conjugal. 4.1. Tipos de Fraude 4.1.1. Fraude societária Rolf Madaleno11 destaca, primeiramente, a fraude instaurada pela mudança do tipo societário, muitas vezes efetuada apenas para privar o cônjuge do exercício de seus direitos sobre os bens comunicáveis. Neste sentido, o Direito de Família tem aplicado a superação da personalidade jurídica sempre que o sócio cônjuge (ou convivente) procurar, por meio do abuso da sociedade, deslocar bens particulares pertencentes à sociedade afetiva para a sociedade empresária. Ou ainda: quando os bens da empresa são 10 MADALENO, Rolf. A Companhia de Capital Fechado no Direito de Família. Revista Jurídica, n.º 371, Ano 56, Setembro de 2008, p. 39-60. 11 MADALENO, Rolf. Op. cit., p. 40-41. Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391 desviados ou reduzidos a um valor irrisório, de forma a nada representar no acerto final da partilha. Rolf Madaleno, citando Arnaldo Rizzardo, destaca que, para este jurista, devem ser citados, dentre outros, os seguintes expedientes fraudatórios: “a aparente retirada do cônjuge da sociedade comercial; a transferência da participação societária a outro sócio, ou mesmo a estranho, com o retorno depois da separação; a alteração do estatuto social, com a redução das quotas ou patrimônio da sociedade; a transformação de um tipo de 12 sociedade em outro, como de sociedade por quotas para a anônima.” São inúmeros os exemplos de procedimentos fraudatórios, perpetrados durante, ou previamente à separação dos cônjuges ou conviventes. Quando um dos integrantes de uma empresa familiar enfrenta processo de separação judicial, é comum que, repentinamente, venha a alterar o tipo societário destas empresas. No curso da separação, o sócio altera o tipo societário – por exemplo, de sociedade por quotas para sociedade anônima de capital fechado, para proteger o patrimônio societário que procura excluir da partilha. Delineia-se, então, o seguinte quadro: a sociedade familiar, cujo tipo societário era (por exemplo), por quotas de responsabilidade limitada, transforma-se em uma sociedade anônima, com meia dúzia de acionistas, todos membros da mesma família, unidos no único propósito de dificultar a partilha da empresa na meação do cônjuge dissidente. Sua administração confunde-se com a dos próprios acionistas controladores, que na maioria das vezes são também diretores, não realizam assembléias, abusam de seu poder na direção das atividades da empresa, em formato nada diferente daquele controle já exercido na limitada. Seria esta uma verdadeira sociedade de capitais, ou continua sendo uma sociedade “intuitu personae”? Resta óbvio que a intenção, neste caso, é a de lesar o cônjuge ou convivente separado, que não pode acessar as quotas sociais por meio da apuração 12 MADALENO, Rolf. A Companhia de Capital Fechado no Direito de Família. Revista Jurídica, n.º 371, Ano 56, Setembro de 2008, p. 41. Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391 de haveres, procedimento típico para sócios da sociedade limitada, e que, em regra, não seria cabível na sociedade anônima, pois esta prevê, tão somente, o direito de retirada do acionista dissidente, mediante reembolso do valor das suas ações, conforme disposto no artigo 137 da Lei de S/A. Para as sociedades limitadas, o Código Civil atual prevê a possibilidade de dissolução parcial, quando se tem a exclusão dos quadros sociais de um ou mais sócios, remanescendo os demais. Nesta ocasião, segundo o artigo 1.031 do diploma, as quotas são liquidadas por meio do procedimento de apuração de haveres, verificado em balanço especialmente levantado. Ainda assim, o artigo 1.027 do Código Civil não permite que o cônjuge do sócio que se separou (ou os herdeiros do cônjuge de sócio) exija, diretamente, a parte que lhe couber na quota social. Tornam-se, assim, subsócios (condôminos dos sócios), pois não podem ingressar como sócios da empresa, salvo alteração do contrato e consentimento dos demais sócios. Entretanto, nesta hipótese, o subsócio pode recorrer a uma ação de apuração de haveres em quota diretamente contra o sócio e ex-cônjuge. Já nas sociedades anônimas, o procedimento de apuração de haveres não é cabível, mas tão somente o direito de retirada mediante o reembolso do valor das ações. Evidente que, nestes casos, há o uso abusivo e o desvio da função societária, especialmente manejada para afastar o ingresso do cônjuge na empresa familiar, o que enseja, segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial atual, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, para tornar ineficaz o ato constitutivo. O entendimento, portanto, é de que se deve tornar ineficaz o ato constitutivo do novo tipo societário relativamente ao cônjuge prejudicado, que reivindica sua meação, para que tenha direito ao primitivo pacote de quotas e à sua parcial dissolução judicial, se não for possível compensar as quotas com outros bens do casamento ou com bens particulares do cônjuge empresário. Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391 Priscila M. P. Correa da Fonseca13 lembra, ainda, a possibilidade de aplicação do artigo 206, II, b, da Lei 6.404/76, que determina a dissolução da companhia “quando provado que não pode preencher o seu fim”. Tal dispositivo poderia ser aplicável nos casos em que, uma sociedade anônima de “fachada”, nada mais representa que uma verdadeira sociedade de pessoas. 4.1.2. Confusão de Patrimônios Segundo disposto no artigo 50 do Código Civil, a confusão de patrimônios é outro motivo que permite a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. A exemplo, a Lei 6.404/76 dispõe, em seu artigo 154, que o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem na consecução dos fins e dos interesses da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. Quando o administrador ou controlador da sociedade confunde o seu patrimônio com o patrimônio da sociedade, encontram-se presentes os pressupostos para a desconsideração da personalidade jurídica. Sobre a confusão patrimonial no âmbito da empresa familiar, interessante exemplo é Recurso Especial n.º 418385/SP do STJ, julgado em 19.06.2007, que aplicou a desconsideração da personalidade jurídica de duas empresas, para as quais os bens imóveis da empresa Barnet Indústria e Comércio haviam sido transferidos.14 13 FONSECA, Priscila M. P. Correa da. Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio. São Paulo: Atlas, 2002. 14 Hoje falida, a Barnet era a holding controlada pelo empresário Ricardo Mansur, que administrava as redes Mappin e Mesbla. A transferência teria sido uma tentativa de esvaziar o patrimônio empresarial da Barnet. Com a desconsideração, os bens voltam à massa falida. A manobra teve a participação de duas filhas de Mansur que receberam por transferência bens imóveis de alto valor de propriedade da Barnet. Esses bens foram conferidos à Market Consultoria em Leilões. O capital social desta empresa foi formado exclusivamente pelos imóveis. Posteriormente, as irmãs hipotecaram os bens a outra empresa, que seria gerida por pessoa ligada a Ricardo Mansur, em garantia de uma dívida da hoje falida Barnet. Em desacordo, o síndico da massa falida levou o fato ao conhecimento do juiz de falência, que entendeu caracterizada a fraude e, no bojo do próprio processo Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391 O mencionado acórdão do Superior Tribunal de Justiça assim dispõe: RECURSO ESPECIAL Nº 418.385 - SP (2002/0025822-0) RELATOR : MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR RECORRENTE : MARKET CONSULTORIA EM LEILÕES S/C LTDA E OUTRO RECORRIDO : BARNET INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A - MASSA FALIDA EMENTA COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO ESTADUAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. EMBARGOS DECLARATÓRIOS INEPTOS EM PROVOCAR PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. FALÊNCIA. DAÇÕES EM PAGAMENTO FRAUDULENTAS AOS INTERESSES DA MASSA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO BOJO DO PROCESSO FALENCIAL. DESNECESSIDADE DE AÇÃO REVOCATÓRIA. DECRETO-LEI N. 7.661/1945, ARTS. 52 E SEGUINTES. I. Não padece de omissão o acórdão estadual que enfrentou suficientemente as questões essenciais ao embasamento das conclusões a que chegou, apenas que desfavoráveis ao interesse da parte. II. Embargos declaratórios opostos perante a Corte a quo que padecem de inépcia, eis que se limitam a simplisticamente enumerar os dispositivos legais que desejam ver debatidos, sem apresentar, como compete ao recorrente, os fundamentos respectivos. III. Detectada a fraude na dação de bens em pagamento, esvaziando o patrimônio empresarial em prejuízo da massa falida, pode o julgador decretar a desconsideração da personalidade jurídica no bojo do próprio processo, facultado aos prejudicados oferecerem defesa perante o mesmo juízo. IV. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial" (Súmula n. 7-STJ). V. Recurso especial conhecido e improvido. (Julgado em 15 19.06.2007) Também na confusão de patrimônios, encontra-se presente uma das presunções do abuso de personalidade, este sim o verdadeiro fundamento da aplicação da teoria. de falência, desconsiderou a personalidade jurídica das empresas. A decisão baseou-se no entendimento de que, havendo confusão patrimonial entre a sociedade e o seu controlador, é possível fazer incidir sobre os bens deste a responsabilidade pelas dívidas sociais. No caso, a confusão foi gerada pela seqüência de negócios envolvendo bens originariamente pertencentes à Barnet, negócios que se deram às vésperas da quebra da empresa. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/noticias_detail.asp?cod=4009>. Acesso em 04.12.2010. 15 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 418.385 - SP. 4ª Turma. Relator: Ministro Aldir Passarinho Júnior. Brasília, 19 de Junho de 2007. Disponível em <http:// www.stj.jus.br.> Acesso em 04.12.2010. Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391 4.2. A dissolução parcial e apuração de haveres em casos de separação no âmbito da empresa familiar Quando um casal dissolve seu casamento e decide pela partilha de bens, caso haja a comunhão de quotas ou ações de uma companhia que está registrada apenas em nome de um dos parceiros, o seu consorte não será sócio, salvo expressa previsão contratual, mas terá um crédito pelo valor das quotas ou ações contra o seu esposo sócio. Conforme já ressaltado, o artigo 1.027 do Código Civil vetou aos herdeiros do cônjuge de sócio, ou ao cônjuge do que se separou judicialmente, o direito de exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, apenas concorrendo à divisão dos lucros, até que se liquide a sociedade. Portanto, apenas os sócios retirantes poderiam exigir a liquidação das suas quotas, segundo os ditames do artigo 1.031. Entretanto, é de se questionar: seria esta a solução justa nos casos de abuso da personalidade jurídica, feitos no único intuito de lesar o patrimônio do cônjuge meeiro? Em primeiro lugar, não seria esta uma solução constitucional, pois inconciliável com a regra do artigo 5º, XX da Constituição da República, que determina que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado. Em segundo lugar, a situação seria ainda pior em relação às companhias fechadas, em que o cônjuge ou companheiro poderia se vir indefinidamente vinculado à sociedade, de cunho eminentemente familiar. A apuração de haveres, portanto, poderia sim ser aplicável ao meeiro do sócio, ainda que nas sociedades anônimas de capital fechado, mas tão somente nestas situações peculiares de abuso da personalidade jurídica, e salvo se o estatuto social previr outra solução contratual, ou, é claro, se houver a possibilidade de liquidar o crédito do meeiro com outros bens disponíveis. Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391 Esta solução, segundo Rolf Madaleno, seria obtida mesclando-se os artigos 50 e 1.031 do CC, no intuito de repor ao meeiro a correspondência econômica e financeira de sua participação social.16 Desta forma, é certo que tanto a desconsideração da personalidade jurídica, quanto a aplicação do artigo 1.031 (dissolução parcial) ao cônjuge do sócio, podem ser aplicadas para coibir fraudes, para correção de abuso de direito, o que sem dúvida traduz a intenção do legislador, exposta no artigo 50 do Código Civil, sempre que o “escudo protetor” da personalidade jurídica for abusivamente utilizado, para frustrar o pagamento da meação do cônjuge ou companheiro, ainda que com a maliciosa modificação do tipo societário. 5. CONCLUSÃO De tudo o que foi aqui discutido, verifica-se que o Código Civil atual, ao incorporar textualmente o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, pretende corrigir o uso abusivo da “fachada” societária, sempre que esta for utilizada com intuito de frustrar direito de terceiros. Mais especificamente no Direito de Família, verificou-se que é múltipla a diversidade de manobras engendradas pelos sócios, para que se vejam livres do pagamento da meação do cônjuge ou convivente, tantas vezes com a maliciosa modificação do tipo social. Verificando-se o intuito fraudatório e abusivo, faz-se mister dar aplicação à teoria para, desconsiderando o ato, alcançar bem da sociedade, para pagamento ao cônjuge ou convivente, e para que o cônjuge empresário não se esconda sob as vestes da sociedade, na qual despeja, muitas vezes, rol significativo de bens comuns. Nas sociedades de capital familiar, é preciso efetuar a correta interpretação do instituto aqui discutido, conciliando-o com as normas de Direito Empresarial aplicáveis a cada tipo societário, para que não se corra o risco de lesar 16 MADALENO, Rolf. A Companhia de Capital Fechado no Direito de Família. Revista Jurídica, n.º 371, Ano 56, Setembro de 2008, p. 58-59. Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391 direitos dos meeiros, que tantas vezes são obrigados a se vincularem como subsócios, sem ter qualquer acesso à liquidação de seu crédito. Defende-se, portanto, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica todas as vezes em que ocorra a transformação de tipo societário com intuito de fraudar o pagamento de meação ao cônjuge ou companheiro. Neste caso, plausível ainda a aplicação do artigo 1.031 do Código Civil ao cônjuge do sócio, ainda que se trate de sociedade anônima familiar de capital fechado, para que, através do procedimento de apuração de haveres, o cônjuge vítima do uso abusivo da personalidade jurídica possa ter acesso à sua meação, sem que fique obrigado a se ver eternamente vinculado à sociedade de capital familiar. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 5ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 418.385 - SP. 4ª Turma. Relator: Ministro Aldir Passarinho Júnior. Brasília, 19 de Junho de 2007. Disponível em <http:// www.stj.jus.br.> Acesso em 04.12.2010. BRASIL. Tribunal de Justiça Do Rio Grande do Sul. 8º Câmara Cível. Apelação Cível nº 70012310058. Relator Rui Portanova. Julgado em 27/04/2006. Disponível em <http://www.tj.rs.jus.br/>. Acesso em 28.12.2010. 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Disponível em <http://www.gontijofamilia.adv.br/2008/artigos_pdf/Rolf_Madaleno/EfetivDisregard.pdf>. Acesso em 20.12.2010. Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relação contratuais. 5ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. WALD, Arnoldo; FONSECA, Rodrigo Garcia (Coord.). A Empresa no Terceiro Milênio: Aspectos Jurídicos. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2005. SOUZA, Carlos Gustavo Lemos de Souza. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica aplicada na lei de licitações. Disponível em <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/19660/1 9224>. Acesso em 27.12.2010. Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391