SEPARAÇÃO E PATRIMÔNIO DA EMPRESA FAMILIAR: DESCONSIDERAÇÃO
DA PERSONALIDADE JURÍDICA EMPRESARIAL NO DIREITO DE FAMÍLIA
Silvia de Abreu Andrade Portilho1
RESUMO
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica consolidou-se, no
direito brasileiro, como importante mecanismo na busca de soluções justas para as
questões negociais. Incorporada na legislação civil, esta teoria possui campo fértil de
aplicação quando se trata do Direito de Família, e da separação nas empresas
familiares. Por meio das fraudes societárias, especialmente a alteração do tipo
societário, tantas vezes a personalidade jurídica serve de escudo para propósitos
abusivos, no intuito de fraudar o pagamento da meação do cônjuge ou convivente.
Vislumbra-se, aqui, uma discussão a respeito da aplicação da teoria, buscando-se,
ao conciliar o artigo 50 do Código Civil com as normas de Direito Empresarial que
regem cada tipo societário, possibilitar o acesso do cônjuge ou convivente, vítima da
utilização abusiva da personalidade jurídica, ao pagamento de sua meação. A
aplicação da disregard visa garantir o bom uso da pessoa jurídica, e o
desenvolvimento lícito da atividade empresária.
PALAVRAS-CHAVE: direito; desconsideração; personalidade; jurídica; empresa;
família.
1. INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico confere às pessoas jurídicas personalidade
distinta da de seus membros. De acordo com o artigo 45 do Código Civil, uma
pessoa jurídica somente tem existência legal após o registro dos seus atos
constitutivos. Desta forma, o registro da pessoa jurídica é ato constitutivo de sua
personalidade, diferindo-se, portanto, das pessoas físicas, cujo registro é meramente
declaratório.
1
Advogada; Pós-Graduada em Direito Público (Newton Paiva) e Direito Processual Civil (UGF);
Mestranda em Direito Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Professora de Direito
Civil, Introdução ao Estudo do Direito e Hermenêutica Jurídica na Faculdade de Ciências Jurídicas
Professor Alberto Deodato.
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A construção teórica da personalidade das pessoas jurídicas, entretanto,
muitas vezes é utilizada de forma negativa, com abusos e desvios perpetrados para
acobertar fins ilícitos, utilizando a pessoa jurídica como “escudo”, “capa” ou “véu”,
para proteger negócios escusos e prejudicar terceiros.
Como respostas a esses abusos, criou-se a teoria da desconsideração
da personalidade jurídica. Originária da Inglaterra, esta teoria passou a ser
adotada no direito brasileiro, primeiramente em estudos doutrinários e na
jurisprudência dos Tribunais, até que foi incorporada pelo Código de Defesa do
Consumidor, em seu artigo 28. Não mencionada no Código Civil anterior, o atual
Código de 2002 incorporou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica
em seu texto, no artigo 50.
Consiste a teoria tradicional da desconsideração da personalidade jurídica
na declaração de ineficácia de determinados atos fraudulentos perpetrados em
nome da pessoa jurídica, com o objetivo de prejudicar terceiros, para responsabilizar
diretamente os sócios, que se utilizam da pessoa jurídica abusivamente, no maldoso
afã de fugir de suas responsabilidades pessoais.
No âmbito da empresa familiar, como será demonstrado, o mais comum é
que a desconsideração da personalidade jurídica ocorra de forma inversa, ou seja,
se o sócio se utiliza da pessoa jurídica de forma fraudulenta para se esquivar de
suas obrigações pessoais, muitas vezes fugindo da partilha de bens, e passando a
transferir o seu patrimônio pessoal para a empresa, o juiz deve aplicar a teoria para
determinar que os bens da sociedade respondam por atos praticados pelos sócios.
De qualquer modo, para que ocorra a quebra da autonomia da
personalidade jurídica, faz-se necessário o abuso de direito, o desvio de finalidade,
conforme se verifica do disposto no artigo 50 do Código Civil atual.
Por ocasião da separação entre cônjuges ou conviventes, tantas vezes a
sociedade passa a servir como um instrumento de obtenção de resultados ilícitos,
visando a fraudar o direito de meação, com a transferência de bens próprios do
casamento para a sociedade, ou mesmo a aquisição de bens próprios do casamento
em nome da pessoa jurídica.
Citando Maria Tereza Maldonado, Rolf Madaleno observa que:
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“(...) o amor recolhido pela negada correspondência afetiva cede espaço
fácil e absoluto a uma visão eminentemente mercantilista daquele
relacionamento que se esboroa, em que ganhos e patrimônio são
manipulados para a sua partilha desigual, quando não for possível esvaziar
completamente a meação do parceiro ainda desejado, mas cujo amor
2
feneceu.”
O presente trabalho, após tratar dos requisitos para a aplicação da
disregard doctrine no direito brasileiro, pretende efetuar uma breve análise acerca
desta teoria no âmbito da empresa familiar, levando em consideração o tipo
societário.
Comumente, o sócio, no intuito de fraudar o direito de meação do cônjuge
ou convivente, altera a estrutura da sociedade para dificultar ainda mais a partilha,
como, por exemplo, transforma, no curso da separação (ou mesmo antes dela), a
sociedade por quotas de responsabilidade limitada em uma sociedade anônima de
capital fechado.
Nestas situações, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica
encontra larga aplicação, e os operadores do Direito não podem se eximir de aplicála, quando se trata de caso típico de finalidade ilícita no uso da personalidade.
É o caso, conforme será demonstrado, de penetrar por detrás da
“máscara societária” sob a qual o sócio se esconde, seja qual for o tipo societário, e,
ao desconsiderá-la, frustrar o resultado antijurídico buscado pelo sócio fraudador.
2. A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO
DIREITO PRIVADO: CONCEITO E REQUISITOS
2
MADALENO, Rolf. A efetivação da disregard no juízo de família. In: A Família na Travessia do
Milênio. Anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família, IBDFAM, Belo Horizonte, 2000, p. 520.
Disponível em http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Rolf_Madaleno/EfetivDisregard.pdf>.
Acesso em 20.12.2010.
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Há um consenso na doutrina de que a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica teve origem na Inglaterra, em 1896, com o nome de disregard
of the legal entity ou disregard doctrine, em razão do caso SALOMON x SALOMON
COMPANY3.
Tal teoria, tradicionalmente, permite que o juiz, em casos de abuso,
autorize a superação episódica ou temporária da personalidade da entidade, para
permitir que os credores ou terceiros prejudicados satisfaçam os seus créditos no
patrimônio pessoal dos administradores ou sócios daquela pessoa.
No Brasil, o primeiro doutrinador a tratar do tema foi o Professor Rubens
Requião. Como não havia lei que expressamente permitisse a aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, valiam-se os tribunais para aplicá-la,
analogicamente, da regra do artigo 135 do Código Tributário Nacional, que
responsabiliza pessoalmente os diretores, gerentes ou representantes de pessoas
jurídicas de direito privado por créditos correspondentes a obrigações tributárias
resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato
social ou estatutos.
A primeira lei de natureza civil no Brasil que adotou essa teoria foi o
Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90), em seu artigo 28.
O
Código
Civil
de
1916
não
possuía
dispositivo
consagrando
expressamente esta teoria; ao contrário, o artigo 20 do Código Civil revogado
proibia, sob qualquer pretexto, que pudesse ocorrer a confusão entre o patrimônio
da sociedade e os bens particulares dos sócios.
Como a doutrina e a jurisprudência, há muito, já aplicavam a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica como modo de coibir e reprimir os
3
Aaron Salomon queria formar uma nova sociedade (company) e para tanto se reuniu com outros
seis membros de sua família, ficando bastante clara a intenção de criar um ente social puramente
fictício, na medida em que a cada um dos familiares foi concedida uma única ação enquanto que para
Aaron Salomon foram reservadas vinte mil ações, integralizadas com seu anterior estabelecimento
comercial. Salomon, que já exercia atividades mercantis de forma individual, fez com que seus
antigos credores ficassem preocupados porque a garantia patrimonial que aparentemente possuíam,
havia sido desviada para a recém criada company. A tese dos credores, no sentido de alcançar os
bens do sócio Salomon, foi aceita em primeira instância, mas reformada pela House of Lords, que
entendeu perfeita a constituição da sociedade e a conseqüente separação patrimonial.
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abusos e fraudes praticados sob o “véu” da pessoa jurídica, o Código Civil atual, em
seu artigo 50, passou finalmente a prever, de forma textual, tal possibilidade:
“Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de
finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento
da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo,
que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam
estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa
jurídica”.
No âmbito da empresa familiar, quando vêm a tona os desentendimentos
cotidianos, especialmente em se tratando de separação entre cônjuges, é comum
que ocorram manipulações na celebração dos mais variados contratos empresariais,
ou operações societárias que contrariem interesses de credores, ou, especialmente,
do cônjuge separando.
O problema encontra-se, especialmente, no caso da separação entre
cônjuges, sejam ambos sócios da empresa, ou na situação em que apenas um dos
cônjuges é sócio, pois, de qualquer forma, há um direito de meação nas quotas em
sociedade limitada, ou nas ações em sociedade de capital.
Quando há manipulação na celebração dos contratos, ou operações
societárias que escondam verdadeiros abusos,
“A autonomia da pessoa jurídica pode ser derrogada por um fenômeno a
que se tem dado o nome de desconsideração da pessoa jurídica, isto é, não
se consideram os efeitos da personificação para atingir a responsabilidade
pessoal dos sócios. Significa que, em determinadas situações, não é
considerada existente tal autonomia, como forma de possibilitar a correção
da fraude ou do abuso a que o sócio perpetrou utilizando-se do véu, do
escudo da personalidade jurídica da sociedade, que lhe serviu de
4
anteparo.”
No Brasil, grande parte das situações em que a teoria foi aplicada, diz
respeito à existência, dentro da sociedade, de um supersócio, detentor de 90% a
99% das cotas ou ações, distribuído o resto entre seus familiares, tratando-se, na
verdade, de sociedades fictícias, unipessoais ou imaginárias. Numa sociedade
4
CASTRO, Moema Augusta Soares. Manual de Direito Empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 2007,
p. 192.
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assim, o “supersócio” tem bens particulares, mas a sociedade nada tem de bens a
oferecer aos seus credores.
Penhoram-se, então, os bens dos sócios, desconsiderando-se a
existência da pessoa jurídica.
Em todas as situações, o que dá motivo à desconsideração é a
configuração de um abuso intolerável e chocante, praticado por intermédio da
pessoa jurídica da sociedade.
O Código Civil atual, no seu artigo 50, contempla o princípio nos
seguintes casos: abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio da
finalidade, ou pela confusão patrimonial, fazendo com que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos
administradores ou sócios da pessoa jurídica.
A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica deve
se dar, sempre, em favor da sociedade, privilegiando e garantindo seu bom uso e o
desenvolvimento lícito da atividade empresária.
A desconsideração da personalidade jurídica não busca a anulação da
personalidade jurídica em toda a sua extensão, mas apenas a declaração de sua
ineficácia para determinado ato. Também não visa a destruir o princípio da
separação da personalidade jurídica da sociedade da dos sócios, funcionando como
um reforço ao instituto da pessoa jurídica, atingindo apenas o episódio sem atingir a
validade do ato constitutivo da sociedade.
Ou seja, a desconsideração da personalidade jurídica jamais deverá ser
aplicada em benefício dos credores da sociedade, mas única e exclusivamente do
instituto da personalidade jurídica.
Com isso, naturalmente não basta a insolvência econômica da sociedade
para que a desconsideração seja aplicada, sendo indispensável a má-fé decorrente
da fraude ou do abuso da personalidade jurídica, tal como prescreve o artigo 50 do
Código Civil Brasileiro. Até mesmo porque a teoria da desconsideração não se
resume em obrigações pecuniárias, na medida em que é também permitida para
coibir atos aparentemente lícitos, que perdem esse caráter quando passam a ser
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imputados à pessoa física dos sócios escondidos atrás da personalidade jurídica da
sociedade.
Esta é a considerada “teoria maior” da desconsideração da personalidade
jurídica, que é associada ao abuso do direito e ao desvio de função. A teoria maior
é a regra, adotada pelo artigo 50 do Código Civil atual, e portanto, somente é
aplicada quando demonstrado o desvio de finalidade da pessoa jurídica ou a
confusão patrimonial.
Já a “teoria menor” autoriza a desconsideração da personalidade jurídica
com a simples prova da insolvência da pessoa jurídica para o pagamento das suas
obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de
confusão patrimonial. Esta teoria é adotada nas legislações especiais, tais como o
Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 28, na Lei Antitruste (Lei 8.884/94),
em seu artigo 18, e também no Direito Ambiental, no artigo 4º da Lei 9.605/98.
Para a teoria menor, o risco empresarial normal não pode ser suportado
pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou
administradores desta, ainda que não haja prova capaz de identificar conduta
culposa ou dolosa por parte dos sócios ou administradores da pessoa jurídica.5
Como este breve estudo concentra-se na aplicação da disregard doctrine
na seara da empresa familiar, faz-se necessário ter em mente a adoção da teoria
maior, consagrada no artigo 50 do Código Civil.
Assim sendo, é fundamental, para a sua aplicação, que ocorra o abuso do
direito, a utilização indevida da personalidade jurídica; portanto, é aplicável quando
ocorre a violação dos valores que justificam o reconhecimento do direito pelo
ordenamento, com a inobservância dos seus limites.
Ressalta-se que a simples falta de patrimônio não é admitida como
hipótese de desconsideração, significando que a incursão sobre os bens particulares
dos sócios requer a prova do abuso ou o simples desvio de finalidade, numa clara
adoção da mens legis do Código Civil de 2002.
Segundo Guilherme Calmon Nogueira da Gama,
5
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira (Coord). Desconsideração da Personalidade da Pessoa
Jurídica: Visão Crítica da Jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2009, p. XXIII - XXIV
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“A teoria da desconsideração da personalidade jurídica visa, justamente, a
impedir que essas fraudes e esses abusos de direito, perpetrados com
utilização do instituto da pessoa jurídica, sejam realizados. Trata-se de uma
elaboração teórica destinada à coibição das práticas fraudulentas que se
valem da pessoa jurídica. E é, ao mesmo tempo, uma tentativa de preservar
o instituto da pessoa jurídica, ao mostrar que o problema não reside no
6
próprio instituto, mas no mau uso que se pode fazer dele.”
Campo
fértil
para
aplicação
da
teoria
da
desconsideração
da
personalidade jurídica é o Direito de Família, pois muitas vezes o “véu” societário se
torna uma poderosa arma contra a parte mais débil do relacionamento afetivo, vítima
da fraude ou do abuso societário.
3. A DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA
A expressão “desconsideração inversa da personalidade jurídica”, como o
próprio nome sugere, é utilizada pela doutrina e jurisprudência como sendo a busca
pela responsabilização da sociedade no que se refere às dívidas ou aos atos
praticados pelos sócios, utilizando-se para isto, a quebra da autonomia patrimonial.
No Direito de Família, a utilização da desconsideração da personalidade
jurídica de forma inversa passa a ser, no geral, a regra, pois é comum no campo das
relações conjugais a aquisição de bens próprios do casamento (ou da união) em
nome da empresa, ou ainda a maliciosa transferência dos primitivos bens do casal
para o acervo social, visando fraudar a meação conjugal.
Fábio
Ulhôa
Coelho
define
o
instituto
da
seguinte
forma:
“desconsideração inversa é o afastamento do princípio da autonomia patrimonial da
pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio.”7
Na desconsideração inversa, comum no âmbito do direito familiar, a
responsabilidade ocorre no sentido oposto, isto é, os bens da sociedade respondem
por atos praticados pelos sócios. São aplicados, portanto, os mesmos princípios da
tradicional teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
Para ser aplicada a desconsideração inversa da personalidade jurídica,
assim como na teoria tradicional, deverá restar caracterizado o desvio de bens, a
6
7
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira (Coord). Op. cit., p. 07.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2002, 2.v. p. 45
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fraude ou abuso de direito por parte dos sócios que se utilizam da personalidade
jurídica para transferir ou esconder bens, prejudicando assim os credores, ou ainda,
em casos de separação judicial, onde se verifica o esvaziamento do patrimônio do
casal como forma de burlar a meação.8
Diante disso, o ordenamento jurídico impõe que seja observada a
existência dos pressupostos essenciais para a aplicação desta modalidade de
desconsideração que usualmente vem a ser empregada pelos julgadores no Direito
de Família.
Para isso, será aplicada a desconsideração inversa na esfera familiar
sempre que o cônjuge empresário esconde-se sob as vestes da pessoa jurídica,
vislumbrando fraude à partilha matrimonial e, por conseqüência, encobrir a
capacidade econômica e financeira da pessoa física, equiparando o sócio à
sociedade.
Cita-se, a exemplo da aplicação desta teoria, o julgado abaixo, do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO.
PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL
INSUFICIENTE.
INOCORRECIA. MARCO INICIAL DA UNIAO ESTÁVEL.
ESPECIFICAÇÃO.
VALORIZAÇÃO
DE
COTAS
SOCIAIS.
PARTILHA.
DESCONSIDERAÇÃO
DA
PERSONALIDADE
JURÍDICA. CABIMENTO. (...) As cotas sociais das empresas eram de
patrimônio exclusivo do de cujus. No entanto, a valorização
experimentada por tais cotas durante o período em que o de cujus
viveu em união estável é patrimônio comum que, por isso, deve ser
partilhado. Ficou demonstrado que o de cujus abusou da
personalidade jurídica de suas empresas, ao utilizar de forma
indevida delas para o fim de ocultar bens passíveis de partilha.
Nesse contexto, cabível desconsiderar a personalidade jurídica das
empresas.
REJEITARAM
A
PRELIMINAR
E
NEGARAM
PROVIMENTO AO PRIMEIRO APELO. UNANIME. DERAM PARCIAL
9
PROVIMENTO AO SEGUNDO. (Apelação Cível nº 70012310058. 8ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS. Relator Rui Portanova.
Julgado em 27/04/2006).
8
FIGUEIRAS, Isaura Meira Cartaxo. Desconsideração inversa da personalidade jurídica. Disponível
em: <http://jusvi.com/artigos/26439/3>. Acesso em 05.12.2010.
9
BRASIL.Tribunal de Justiça Do Rio Grande do Sul. 8º Câmara Cível. Apelação Cível nº
70012310058.
Relator
Rui
Portanova.
Julgado
em
27/04/2006.
Disponível
em
<http://www.tj.rs.jus.br/>. Acesso em 28.12.2010.
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A aplicação da desconsideração inversa, da mesma forma que a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, não visa à anulação da personalidade
jurídica, mas apenas à declaração da ineficácia para determinado ato, qual seja, o
ato fraudulento, perpetrado com o objetivo único de favorecer a pessoa de um sócio
em detrimento de terceiro, in casu, o cônjuge ou convivente.
4. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ÂMBITO DA
EMPRESA FAMILIAR
Na seara da empresa familiar, o assunto torna-se especialmente
interessante, e objeto de inúmeras discussões, especialmente quando o uso abusivo
da forma societária acontece em sociedades anônimas de capital fechado.
Feitas as considerações acerca da desconsideração inversa da
personalidade jurídica, cumpre analisar a aplicação desta teoria no Direito de
Família, mais especialmente no âmbito da empresa familiar, levando-se em
consideração o tipo societário.
Em se tratando de sociedade por quotas, uma vez dissolvida a sociedade
conjugal, há que se apurar se o cônjuge ou convivente separado poderá ingressar
na sociedade em decorrência da partilha das quotas sociais. Se não for possível o
seu ingresso na condição de sócio (por ausência de previsão contratual, ou
consentimento dos sócios), o parceiro separado receberá o valor monetário
equivalente, podendo recorrer a uma ação de apuração de haveres em participação
social contra o ex-cônjuge. O parceiro separado é considerado um “subsócio”, sócio
do sócio, já que é condômino de quotas com seu ex-cônjuge.
Já nas sociedades de capitais, a Lei 6.404/76, como se sabe, separa as
sociedades abertas das sociedades de capital fechado, pela admissão ou não dos
seus valores mobiliários à negociação na CVM (Comissão de Valores Mobiliários)
Com a separação entre os cônjuges, problema algum haverá na
liquidação da partilha, para reembolsar o cônjuge co-acionista, no caso das
companhias abertas, pois as ações serão amplamente negociadas no mercado de
Valores Mobiliários.
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O cerne do problema encontra-se no caso da partilha das ações em uma
companhia de capital fechado; assim sendo, como proceder?
Suas ações não
gozam de oferta pública, e, é sabido, torna-se especialmente difícil vender um
pacote de ações recebidas em pagamento de uma meação na partilha conjugal.
Nesta situação, é comum que, na relação entre cônjuges, o esposo
fraudador venha se valer da estrutura societária para subtrair bens do acervo
comum, ou então, vale-se de uma empresa especialmente criada para desenvolver
a fraude, subtraindo do meeiro o que lhe é de direito na comunhão.
Defendem alguns doutrinadores, dentre eles Rolf Madaleno10 que, nestes
casos, em empresa de capital fechado, pode ser relativizada a proibição da venda
de ações da companhia fechada familiar, como sendo a única solução para libertar o
cônjuge, que fica prisioneiro desta sociedade de exclusiva formatação familiar.
As sociedades anônimas, assim, não estariam imunes à desconsideração
de sua personalidade jurídica, especialmente quando se verificar que a
transformação da sociedade de responsabilidade limitada para companhia fechada
serviu apenas para fins ilícitos, no intuito fraudulento de subtrair a partilha do acervo
conjugal.
4.1. Tipos de Fraude
4.1.1. Fraude societária
Rolf Madaleno11 destaca, primeiramente, a fraude instaurada pela
mudança do tipo societário, muitas vezes efetuada apenas para privar o cônjuge do
exercício de seus direitos sobre os bens comunicáveis.
Neste sentido, o Direito de Família tem aplicado a superação da
personalidade jurídica sempre que o sócio cônjuge (ou convivente) procurar, por
meio do abuso da sociedade, deslocar bens particulares pertencentes à sociedade
afetiva para a sociedade empresária. Ou ainda: quando os bens da empresa são
10
MADALENO, Rolf. A Companhia de Capital Fechado no Direito de Família. Revista Jurídica, n.º
371, Ano 56, Setembro de 2008, p. 39-60.
11
MADALENO, Rolf. Op. cit., p. 40-41.
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desviados ou reduzidos a um valor irrisório, de forma a nada representar no acerto
final da partilha.
Rolf Madaleno, citando Arnaldo Rizzardo, destaca que, para este jurista,
devem ser citados, dentre outros, os seguintes expedientes fraudatórios:
“a aparente retirada do cônjuge da sociedade comercial; a transferência da
participação societária a outro sócio, ou mesmo a estranho, com o retorno
depois da separação; a alteração do estatuto social, com a redução das
quotas ou patrimônio da sociedade; a transformação de um tipo de
12
sociedade em outro, como de sociedade por quotas para a anônima.”
São inúmeros os exemplos de procedimentos fraudatórios, perpetrados
durante, ou previamente à separação dos cônjuges ou conviventes.
Quando um dos integrantes de uma empresa familiar enfrenta processo
de separação judicial, é comum que, repentinamente, venha a alterar o tipo
societário destas empresas.
No curso da separação, o sócio altera o tipo societário – por exemplo, de
sociedade por quotas para sociedade anônima de capital fechado, para proteger o
patrimônio societário que procura excluir da partilha.
Delineia-se, então, o seguinte quadro: a sociedade familiar, cujo tipo
societário era (por exemplo), por quotas de responsabilidade limitada, transforma-se
em uma sociedade anônima, com meia dúzia de acionistas, todos membros da
mesma família, unidos no único propósito de dificultar a partilha da empresa na
meação do cônjuge dissidente. Sua administração confunde-se com a dos próprios
acionistas controladores, que na maioria das vezes são também diretores, não
realizam assembléias, abusam de seu poder na direção das atividades da empresa,
em formato nada diferente daquele controle já exercido na limitada. Seria esta uma
verdadeira sociedade de capitais, ou continua sendo uma sociedade “intuitu
personae”?
Resta óbvio que a intenção, neste caso, é a de lesar o cônjuge ou
convivente separado, que não pode acessar as quotas sociais por meio da apuração
12
MADALENO, Rolf. A Companhia de Capital Fechado no Direito de Família. Revista Jurídica, n.º
371, Ano 56, Setembro de 2008, p. 41.
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de haveres, procedimento típico para sócios da sociedade limitada, e que, em regra,
não seria cabível na sociedade anônima, pois esta prevê, tão somente, o direito de
retirada do acionista dissidente, mediante reembolso do valor das suas ações,
conforme disposto no artigo 137 da Lei de S/A.
Para as sociedades limitadas, o Código Civil atual prevê a possibilidade
de dissolução parcial, quando se tem a exclusão dos quadros sociais de um ou mais
sócios, remanescendo os demais. Nesta ocasião, segundo o artigo 1.031 do
diploma, as quotas são liquidadas por meio do procedimento de apuração de
haveres, verificado em balanço especialmente levantado. Ainda assim, o artigo
1.027 do Código Civil não permite que o cônjuge do sócio que se separou (ou os
herdeiros do cônjuge de sócio) exija, diretamente, a parte que lhe couber na quota
social.
Tornam-se, assim, subsócios (condôminos dos sócios), pois não podem
ingressar como sócios da empresa, salvo alteração do contrato e consentimento dos
demais sócios. Entretanto, nesta hipótese, o subsócio pode recorrer a uma ação de
apuração de haveres em quota diretamente contra o sócio e ex-cônjuge.
Já nas sociedades anônimas, o procedimento de apuração de haveres
não é cabível, mas tão somente o direito de retirada mediante o reembolso do valor
das ações.
Evidente que, nestes casos, há o uso abusivo e o desvio da função
societária, especialmente manejada para afastar o ingresso do cônjuge na empresa
familiar, o que enseja, segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial atual, a
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, para tornar ineficaz o ato
constitutivo.
O entendimento, portanto, é de que se deve tornar ineficaz o ato
constitutivo do novo tipo societário relativamente ao cônjuge prejudicado, que
reivindica sua meação, para que tenha direito ao primitivo pacote de quotas e à sua
parcial dissolução judicial, se não for possível compensar as quotas com outros bens
do casamento ou com bens particulares do cônjuge empresário.
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Priscila M. P. Correa da Fonseca13 lembra, ainda, a possibilidade de
aplicação do artigo 206, II, b, da Lei 6.404/76, que determina a dissolução da
companhia “quando provado que não pode preencher o seu fim”. Tal dispositivo
poderia ser aplicável nos casos em que, uma sociedade anônima de “fachada”, nada
mais representa que uma verdadeira sociedade de pessoas.
4.1.2. Confusão de Patrimônios
Segundo disposto no artigo 50 do Código Civil, a confusão de patrimônios
é outro motivo que permite a aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica.
A exemplo, a Lei 6.404/76 dispõe, em seu artigo 154, que o administrador
deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem na consecução dos
fins e dos interesses da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da
função social da empresa.
Quando o administrador ou controlador da sociedade confunde o seu
patrimônio com o patrimônio da sociedade, encontram-se presentes os pressupostos
para a desconsideração da personalidade jurídica.
Sobre a confusão patrimonial no âmbito da empresa familiar, interessante
exemplo é Recurso Especial n.º 418385/SP do STJ, julgado em 19.06.2007, que
aplicou a desconsideração da personalidade jurídica de duas empresas, para as
quais os bens imóveis da empresa Barnet Indústria e Comércio haviam sido
transferidos.14
13
FONSECA, Priscila M. P. Correa da. Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio. São Paulo:
Atlas, 2002.
14
Hoje falida, a Barnet era a holding controlada pelo empresário Ricardo Mansur, que administrava
as redes Mappin e Mesbla. A transferência teria sido uma tentativa de esvaziar o patrimônio
empresarial da Barnet. Com a desconsideração, os bens voltam à massa falida. A manobra teve a
participação de duas filhas de Mansur que receberam por transferência bens imóveis de alto valor de
propriedade da Barnet. Esses bens foram conferidos à Market Consultoria em Leilões. O capital
social desta empresa foi formado exclusivamente pelos imóveis. Posteriormente, as irmãs
hipotecaram os bens a outra empresa, que seria gerida por pessoa ligada a Ricardo Mansur, em
garantia de uma dívida da hoje falida Barnet. Em desacordo, o síndico da massa falida levou o fato ao
conhecimento do juiz de falência, que entendeu caracterizada a fraude e, no bojo do próprio processo
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O mencionado acórdão do Superior Tribunal de Justiça assim dispõe:
RECURSO ESPECIAL Nº 418.385 - SP (2002/0025822-0)
RELATOR : MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR
RECORRENTE : MARKET CONSULTORIA EM LEILÕES S/C LTDA
E OUTRO
RECORRIDO : BARNET INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A - MASSA
FALIDA
EMENTA
COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO ESTADUAL.
NULIDADE NÃO CONFIGURADA. EMBARGOS DECLARATÓRIOS
INEPTOS EM PROVOCAR PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA
DE FUNDAMENTAÇÃO. FALÊNCIA. DAÇÕES EM PAGAMENTO
FRAUDULENTAS
AOS
INTERESSES
DA
MASSA.
DESCONSIDERAÇÃO
DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO BOJO DO PROCESSO
FALENCIAL. DESNECESSIDADE DE AÇÃO REVOCATÓRIA.
DECRETO-LEI N. 7.661/1945, ARTS. 52 E SEGUINTES.
I. Não padece de omissão o acórdão estadual que enfrentou
suficientemente as questões essenciais ao embasamento das
conclusões a que chegou, apenas que desfavoráveis ao interesse da
parte.
II. Embargos declaratórios opostos perante a Corte a quo que
padecem de inépcia, eis que se limitam a simplisticamente enumerar
os dispositivos legais que desejam ver debatidos, sem apresentar,
como compete ao recorrente, os fundamentos respectivos.
III. Detectada a fraude na dação de bens em pagamento, esvaziando
o patrimônio empresarial em prejuízo da massa falida, pode o
julgador decretar a desconsideração da personalidade jurídica no
bojo do próprio processo, facultado aos prejudicados oferecerem
defesa perante o mesmo juízo.
IV. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso
especial"
(Súmula n. 7-STJ).
V. Recurso especial conhecido e improvido. (Julgado em
15
19.06.2007)
Também na confusão de patrimônios, encontra-se presente uma das
presunções do abuso de personalidade, este sim o verdadeiro fundamento da
aplicação da teoria.
de falência, desconsiderou a personalidade jurídica das empresas. A decisão baseou-se no
entendimento de que, havendo confusão patrimonial entre a sociedade e o seu controlador, é
possível fazer incidir sobre os bens deste a responsabilidade pelas dívidas sociais. No caso, a
confusão foi gerada pela seqüência de negócios envolvendo bens originariamente pertencentes à
Barnet, negócios que se deram às vésperas da quebra da empresa. Disponível em:
<http://www.direitodoestado.com.br/noticias_detail.asp?cod=4009>. Acesso em 04.12.2010.
15
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 418.385 - SP. 4ª Turma. Relator: Ministro
Aldir Passarinho Júnior. Brasília, 19 de Junho de 2007. Disponível em <http:// www.stj.jus.br.> Acesso
em 04.12.2010.
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4.2. A dissolução parcial e apuração de haveres em casos de separação no
âmbito da empresa familiar
Quando um casal dissolve seu casamento e decide pela partilha de bens,
caso haja a comunhão de quotas ou ações de uma companhia que está registrada
apenas em nome de um dos parceiros, o seu consorte não será sócio, salvo
expressa previsão contratual, mas terá um crédito pelo valor das quotas ou ações
contra o seu esposo sócio.
Conforme já ressaltado, o artigo 1.027 do Código Civil vetou aos
herdeiros do cônjuge de sócio, ou ao cônjuge do que se separou judicialmente, o
direito de exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, apenas
concorrendo à divisão dos lucros, até que se liquide a sociedade. Portanto, apenas
os sócios retirantes poderiam exigir a liquidação das suas quotas, segundo os
ditames do artigo 1.031.
Entretanto, é de se questionar: seria esta a solução justa nos casos de
abuso da personalidade jurídica, feitos no único intuito de lesar o patrimônio do
cônjuge meeiro?
Em primeiro lugar, não seria esta uma solução constitucional, pois
inconciliável com a regra do artigo 5º, XX da Constituição da República, que
determina que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer
associado.
Em segundo lugar, a situação seria ainda pior em relação às companhias
fechadas, em que o cônjuge ou companheiro poderia se vir indefinidamente
vinculado à sociedade, de cunho eminentemente familiar.
A apuração de haveres, portanto, poderia sim ser aplicável ao meeiro do
sócio, ainda que nas sociedades anônimas de capital fechado, mas tão somente
nestas situações peculiares de abuso da personalidade jurídica, e salvo se o
estatuto social previr outra solução contratual, ou, é claro, se houver a possibilidade
de liquidar o crédito do meeiro com outros bens disponíveis.
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Esta solução, segundo Rolf Madaleno, seria obtida mesclando-se os
artigos 50 e 1.031 do CC, no intuito de repor ao meeiro a correspondência
econômica e financeira de sua participação social.16
Desta forma, é certo que tanto a desconsideração da personalidade
jurídica, quanto a aplicação do artigo 1.031 (dissolução parcial) ao cônjuge do sócio,
podem ser aplicadas para coibir fraudes, para correção de abuso de direito, o que
sem dúvida traduz a intenção do legislador, exposta no artigo 50 do Código Civil,
sempre que o “escudo protetor” da personalidade jurídica for abusivamente utilizado,
para frustrar o pagamento da meação do cônjuge ou companheiro, ainda que com a
maliciosa modificação do tipo societário.
5. CONCLUSÃO
De tudo o que foi aqui discutido, verifica-se que o Código Civil atual, ao
incorporar textualmente o instituto da desconsideração da personalidade jurídica,
pretende corrigir o uso abusivo da “fachada” societária, sempre que esta for utilizada
com intuito de frustrar direito de terceiros.
Mais especificamente no Direito de Família, verificou-se que é múltipla a
diversidade de manobras engendradas pelos sócios, para que se vejam livres do
pagamento da meação do cônjuge ou convivente, tantas vezes com a maliciosa
modificação do tipo social.
Verificando-se o intuito fraudatório e abusivo, faz-se mister dar aplicação
à teoria para, desconsiderando o ato, alcançar bem da sociedade, para pagamento
ao cônjuge ou convivente, e para que o cônjuge empresário não se esconda sob as
vestes da sociedade, na qual despeja, muitas vezes, rol significativo de bens
comuns.
Nas sociedades de capital familiar, é preciso efetuar a correta
interpretação do instituto aqui discutido, conciliando-o com as normas de Direito
Empresarial aplicáveis a cada tipo societário, para que não se corra o risco de lesar
16
MADALENO, Rolf. A Companhia de Capital Fechado no Direito de Família. Revista Jurídica, n.º
371, Ano 56, Setembro de 2008, p. 58-59.
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direitos dos meeiros, que tantas vezes são obrigados a se vincularem como
subsócios, sem ter qualquer acesso à liquidação de seu crédito.
Defende-se, portanto, a aplicação da desconsideração da personalidade
jurídica todas as vezes em que ocorra a transformação de tipo societário com intuito
de fraudar o pagamento de meação ao cônjuge ou companheiro.
Neste caso, plausível ainda a aplicação do artigo 1.031 do Código Civil ao
cônjuge do sócio, ainda que se trate de sociedade anônima familiar de capital
fechado, para que, através do procedimento de apuração de haveres, o cônjuge
vítima do uso abusivo da personalidade jurídica possa ter acesso à sua meação,
sem que fique obrigado a se ver eternamente vinculado à sociedade de capital
familiar.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito
Comercial. 5ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 418.385 - SP. 4ª Turma.
Relator: Ministro Aldir Passarinho Júnior. Brasília, 19 de Junho de 2007. Disponível
em <http:// www.stj.jus.br.> Acesso em 04.12.2010.
BRASIL. Tribunal de Justiça Do Rio Grande do Sul. 8º Câmara Cível. Apelação Cível
nº 70012310058. Relator Rui Portanova. Julgado em 27/04/2006. Disponível em
<http://www.tj.rs.jus.br/>. Acesso em 28.12.2010.
CASTRO, Moema Augusta Soares. Manual de Direito Empresarial. Rio de Janeiro:
Forense, 2007.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. v. 2. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2002.
FIGUEIRAS, Isaura Meira Cartaxo. Desconsideração inversa da personalidade
jurídica. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/26439/3>. Acesso em 05.12.2010.
FONSECA, Priscila M. P. Correa da. Dissolução parcial, retirada e exclusão de
sócio. São Paulo: Atlas, 2002.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira (Coord). Desconsideração da Personalidade da
Pessoa Jurídica: Visão Crítica da Jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2009.
MADALENO, Rolf. A Companhia de Capital Fechado no Direito de Família. Revista
Jurídica, n.º 371, Ano 56, Setembro de 2008.
________________. A efetivação da disregard no juízo de família. In: A Família na
Travessia do Milênio. Anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família,
IBDFAM, Belo Horizonte, 2000, p. 517-550. Disponível em <http://www.gontijofamilia.adv.br/2008/artigos_pdf/Rolf_Madaleno/EfetivDisregard.pdf>. Acesso em
20.12.2010.
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MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relação contratuais. 5ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
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WALD, Arnoldo; FONSECA, Rodrigo Garcia (Coord.). A Empresa no Terceiro
Milênio: Aspectos Jurídicos. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2005.
SOUZA, Carlos Gustavo Lemos de Souza. A teoria da desconsideração da
personalidade jurídica aplicada na lei de licitações. Disponível em
<http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/19660/1
9224>. Acesso em 27.12.2010.
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