A REVISÃO ADMINISTRATIVA E A REFORMATIO IN PEJUS Vinicius de Paula Rezende* RESUMO O artigo em questão visa assegurar ao administrado a verdadeira ampla defesa e contribuir para o fortalecimento do próprio Estado de Direito democrático. Especificamente, objetiva-se demonstrar que, ante os princípios da verdade material e da razoabilidade, a revisão administrativa pode alterar a decisão emitida por meio de sentença judicial. Assim, com o estudo em tela, almeja-se compreender que a Administração, por meio do processo revisional, poderá beneficiar o administrado, modificando deliberação condenatória da Jurisdição. A justificativa do debate consiste na revelação das conseqüências da revisão de lide administrativa sancionatória, que foi objeto de processo judicial. A metodologia desenvolvida utilizou a pesquisa teórico-bibliográfica, com o método dedutivo e técnica de análise textual, visto que se discutiu conceitos gerais a fim de se alcançar conclusões específicas. O resultado foi o embate entre o princípio da segurança jurídica e o princípio da verdade material, optando-se pela razoabilidade, com a relativização da coisa julgada. Área do conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas Palavras chaves: revisão administrativa – coisa julgada judicial – razoabilidade 1- Noções Preliminares: Inicialmente, faz-se mister, nesta presente introdução, festejar a edição da lei federal n.º 9.784/99, a qual prescreve normas sobre o processo administrativo. Este estatuto consolidou a noção segundo a qual “... há processualidade em todo * Acadêmico da Faculdade de Direito Prof. Jacy de Assis da Universidade Federal de Uberlândia – MG exercício de uma função...” (MEDAUAR, 1993, p. 20), confirmando a existência de uma "processualidade ampla" (MEDAUAR, 1998, p. 192). "... num Estado Social e Democrático de Direito, o processo administrativo seja mesmo o conceito central do Direito Administrativo, ocupando o espaço que foi reservado durante muito tempo ao ato administrativo." (MELLO, 2002, p. 84), inclusive neste mesmo sentido a moderna doutrina italiana e alemã. A vontade do Estado somente se realiza validamente por meio da relação processual, a qual resulta na edição de um ato legislativo, jurisdicional ou administrativo, devido aos dois infra mencionados fundamentos. O primeiro confere à atividade estatal a noção de função1, ou seja, concebe-a como "exercício, no interesse de terceiro, de um poder que se dispõe exclusivamente para os efeitos de cumprir um dever de atender determinada finalidade legalmente estabelecida." (SUNFELD, 1987, p. 66) O segundo motivo consiste em entender esta referida atuação como "atos unilaterais que invadem a esfera jurídica dos indivíduos..." (SUNFELD, 1987, p. 6667)2 Na específica formação da vontade funcional da Administração "... o agente é mero intermediário entre a lei e o ato, necessário apenas para que uma vontade abstrata (a da lei) se concretize (no ato) ..." (SUNFELD, 1987, p. 67) Neste diapasão, ressalte-se que na esfera administrativa existe o deverpoder de autotutela. Esta prerrogativa advém da hierarquia (visto que a Administração se estrutura ante a relação superior-subornidado) e do princípio da 1 2 Sempre conveniente lembrar-se que a Administração Pública recebeu prerrogativas do ordenamento, a fim de perseguir e assegurar o interesse público. Ao contrário dos atos privados unilaterais, como as doações, cujos efeitos somente refletem sobre terceiros, se estes manifestarem sua anuência. supremacia do interesse público (o qual consiste na preponderância dos objetivos públicos sobre os desejos do particular)3. Assim, fundamentado na autotutela4, o administrador tem o dever de rever seus atos, em razão do mérito, revogando-os e em virtude da legalidade, convalidando-os se possível ou os invalidando5. Também por força desta posição de supremacia do interesse público e- em conseqüência- de quem o representa na esfera administrativa, reconhece-se à Administração a possibilidade de revogar os próprios atos inconvenientes ou inoportunos, conquanto dentro de certos limites, assim como o dever de anular os atos inválidos que haja praticado. (MELLO, 1999, p. 55) Por fim, como questão preliminar e necessária ao assunto, traz-se a baila, com o fim de iluminar a polêmica, os princípios da verdade material, da razoabilidade e do devido processo legal. A verdade material concebe-se como o dever de a Administração buscar a verdade dos fatos no mundo real, não se fundamentando somente nas alegações, apresentadas pelas partes6. A razoabilidade7 consiste em aceitabilidade do ato dentro dos padrões normais, exigindo uma motivação coerente. A mesma constitui-se de três elementos: adequação entre meios e fins (racionalidade entre os instrumentos usados e os objetivos buscados); necessidade-exigibilidade da medida (inexistência de meios 3 "O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral do Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência." (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 9º ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 55) 4 "... é poder que tem a Administração de fiscalizar os próprios atos editados, mantendo-os legais, oportunos, convenientes, desfazendo-os em caso contrário." (CRETELA JÚNIOR, José. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 309) 5 Vide súmulas do STF 346 e 473. 6 "Isto significa que o Poder Público não está adstrito a apreciar a relação jurídico-administrativa por meio do conteúdo trazido aos autos pelos interessados..." (MELLO, Shirlei Silmara de Freitas. Tutela Cautelar no Processo Administrativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 129) 7 "Do mesmo modo, é a razoabilidade que vai guiar a necessária ponderação que se deve fazer na aplicação simultânea de princípios na solução de questões de direito." (MELLO, Shirlei Silmara de Freitas. Tutela Cautelar no Processo Administrativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 105) menos gravosos) e proporcionalidade em sentido estrito (busca a legitimidade do ato, pois pondera os ônus e os benefícios). O devido processo legal8, em linhas gerais, revela-se como o dever de se garantir aos administrados o contraditório e a ampla defesa, sempre que exista possibilidade de interferência no patrimônio dos mesmos. Na defesa ampla inclui-se o encargo processual de se produzir provas, mesmo em momento posterior a decisão administrativa, e o direito de audiência. “Não se exige que a Administração instale processo todas as vezes que pretenda agir – mas que a ele se submeta, desde que cumpridamente requerido pelo particular. (...) Porém, casos há em que o processo é da essência da prática do provimento administrativo, tornando-se requisito obrigatório para sua regularidade.” (MOREIRA, 2003, p. 262) 2- Da revisão administrativa: Este instituto foi prescrito no art. 65 da lei federal n.º 9.784/99, embora sua possibilidade já fosse prevista na lei federal n.º 8.112/91, que estabeleceu o regime jurídico dos servidores públicos federais. A revisão administrativa9 consiste em requerimento deflagrador de novo processo administrativo, e não recurso10, que visa o desfazimento de ato 8 “... significa o conjunto de garantias que lhes são propiciadas para tutela de posições jurídicas ante a Administração (...) O devido processo legal desdobra-se, sobretudo, nas garantias do contraditório e ampla defesa, aplicadas ao processo administrativo.” (MEDAUAR, Odete. A Processualidade no Direito Administrativo. São Paulo: RT, 1993, p. 83) 9 "A revisão é o caminho para que a Administração possa desfazer o ato ilegal ou injusto, seja porque a autoridade aplicou mal o direito ao fato, seja porque a instauração processual se revestiu de vício, foi incompleta ou mesmo deficiente." (CRETELA, JÚNIOR, José. Lições de Direito Administrativo. São Paulo: Símbolo S.A. Industrias Gráficas, 1920) 10 "Não se trata propriamente de um recurso em sentido estrito, mas de um novo exame à luz de informações recentes, concretas e relevantes ao ponto de demonstrar o erro ou o desvio ocorridos quando da prolação da sanção original." (MOREIRA, Egon Bockmann. Processo Administrativo: Princípios Constitucionais e a lei 9.784/1999. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 339) administrativo deliberativo, proferido em processo administrativo findo, tendo em vista que ocorreu ilegalidade na prolação da referida decisão. Não obstante a nacional confusão terminológica11, “Cuida-se de recurso administrativo, porque o recorrente formula a pretensão de ver cancelado o ato punitivo.” (CARVALHO FILHO, 2001, p. 301). “A revisão se qualifica como recurso deflagrador, porque ao ser formulado o pedido revisional ocorre a instauração de novo processo administrativo.” (CARVALHO FILHO, 2001, p. 302) Na doutrina estrangeira também há falta de compreensão sobre a natureza jurídica do instituto. "Es um recurso excepcional y se interpone por motivos fundados em hechos objetivos." (FORINI, 1968, p. 1.031) e "Puede interponerse este recurso – por uma sola vez – hasta diez años desde la fecha de natificación de la resolución condenatoria que lo motiva." (BIELSA, 1966, p. 514) Contudo, a revisão instaura um novo processo administrativo, pois tem como objeto a decisão final e o recurso constitui um pedido de reexame no interior do mesmo processo. Com a primeira não pode ocorrer reformatio in pejus e com o segundo é possível, nos termos respectivamente, do art. 65, parágrafo único e art. 64, parágrafo único da lei 9.784/99. Com efeito, se o recurso apresenta-se como instrumento de rediscussão de decisão integrante de um dado do processo administrativo, representando, portanto, um instrumento interno do processo à mão do administrado, a revisão é forma de reapreciação de processo em si, sobre o qual incidem fatos novos que possam interferir a decisão administrativa terminativa, ou ainda, sujeita a circunstâncias relevantes que possam interferir na sanção aplicada. (FIGUEIREDO, 2003, p. 257-258) 11 Sobre a revisão " ... tem caráter de recurso." (MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 556) Compreendida esta distinção, analisam-se o cabimento, os pressupostos e o fundamento da revisão administrativa. Nos termos da lei, somente as deliberações em processos administrativos sancionadores12 podem ser objeto da revisão administrativa, a qual se inicia por requerimento do punido, ou de seus familiares, ou ex-officio pela própria Administração, desde que preenchidos certos pressupostos. Os pressupostos13 são a novidade de certo fato, a relevância de circunstância e a inadequação entre a punição e o motivo. Fatos novos são aqueles não levados em consideração no processo original de que resultou a sanção por terem ocorrido a posteriori. (...) Do exposto, não é difícil notar que, se um fato já existia ao momento em que tramitava o processo original, mas, por qualquer razão, não foi levado em conta na apreciação global do processo, ... não se pode considerar o evento como fato novo. O pedido revisional, por isso, deve ser indeferido. (CARVALHO FILHO, 2001, p. 304) Todavia, em que pese o mencionado entendimento, os fatos posteriores não podem alterar a decisão, pois esta foi legal e embasada em evento realmente ocorrido. Não há relevância e razoabilidade para a revisão se o fato, gerador da sanção, ocorreu, mas se modificou, surgindo fato novo. Melhor compreender como novo o "... que não foi apresentado, não o que foi elaborado depois." (SANTOS, 1993, p. 624). O fato novo deve ser entendido 12 13 Os processos administrativos se classificam em: "não punitivos ou não sancionadores e punitivos ou sancionadores" (MELLO, Shirlei Silmara de Freitas. Tutela Cautelar no Processo Administrativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 129). Os processos com objeto punitivo podem ser classificados em “... internos e externos. Os primeiros são instaurados em face da relação Administração-servidor público e decorre da hierarquia e do dever de disciplina existentes na Administração Pública, destacando-se que sempre se estará diante de relação de trabalho subordinado.... Já os últimos derivam da relação Administração-administrado, sendo inexistente qualquer relação de trabalho subordinado entre ambos. Os processos externos se originam do poder de polícia geral de que é dotada a Administração...” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal. Rio de Janeiro, Lumen Juris: 2001, p. 30) "A revisão do processo administrativo tem como pressuposto a alegação de erro de fato ou de direito." (CRETALA JÚNIOR, José. Dicionário de Direito Administrativo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 477) como contemporâneo a sanção, mas não trazido ao processo administrativo, por algum motivo. A noção de circunstância relevante "... leva em conta não o tempo, mas a importância do fato para chegar-se à revisão da sanção ..." (CARVALHO FILHO, 2001, p. 305) A inadequação se interpreta como “não deveria ter sido aplicada a sanção ... ou a sanção deveria ter sido aplicada com graduação mais leve.” (CARVALHO FILHO, 2001, p. 305). Esta ausência de adequação fere a razoabilidade e o “.. princípio da adequabilidade probatória, segundo o qual é preciso que tais elementos sejam efetivamente justificadores da conclusão de que a aplicação da sanção se afigurou inadequada.” (CARVALHO FILHO, 2001, p. 305) Embora exista fato novo ou circunstância relevante, se não houver desproporção entre a medida e o evento, não pode ocorrer a revisão administrativa. Em síntese, será possível a revisão: "...quando os fatos no contraditório não corresponderem a decisão imposta; quando outras provas puderem ser aduzidas em favor da verdade jurídica; quando a decisão comprovadamente baseou-se em documentos falsos ou provas inadequadas; quando a decisão contrariar texto expresso em lei." (FRANCO SOBRINHO, 1979, p. 293) Cumpre salientar que o administrador, após analisar a presença destes verdadeiros pressupostos processuais de validade, poderá indeferir a revisão sem analisar o mérito, ante a falta de quaisquer destes requisitos. Concluindo, com clareza: Por meio do pedido de revisão o que se pretende é alterar a situação jurídica decorrente de uma decisão definitiva no âmbito administrativo, mas em função do surgimento ou da descoberta de fatos novos, de novas provas, que justifiquem a modificação pretendida. (DALARI, 2001, p. 191) O fundamento da revisão revela-se na autotutela e no próprio postulado da supremacia do interesse público, tendo em vista que a administração, enquanto função, consiste em atividade, a qual visa o bem comum. O maior objetivo é verificar se supostos infratores realmente são culpados, pois não há qualquer interesse público em se aplicar punição em inocentes. Por último, sobre este instituto, ressalta-se que a procedência da revisão gera um desfazimento do ato administrativo revisto. Desta maneira, como a autoridade revisora verificou a inadequação, considera-se que o ato anteriormente editado no processo sancionatório, foi ilegal, pois aplicou sanção indevida. A revisão promove, neste sentido, uma invalidação, ou anulação,14 da decisão proferida a priori, haja vista que a mesma, conforme comprovado ante ao novo fato ou a circunstância relevante, foi aplicada em contrário ao ordenamento jurídico. "Por meio da revisão, julgada procedente, ficará sem efeito a penalidade imposta, restabelecendo-se todos os direitos por ela atingidos" (CRETELA JÚNIOR, 1978, p. 477) O provimento da revisão anula a pena disciplinar e restaura o status quo ante, reposto o funcionário na situação anterior, restabelecendose todos os direitos por ela atingidos. Os efeitos da revisão são ex tunc, operando preteritamente, para reparação do patrimônio jurídico ofendido. (TÁCITO, 1956, p. 412) 14 "A anulação é, em suma, um dever do órgão estatal, ou para empregarmos a terminologia de Santi-Romano, um poder-dever que surge toda vez que se lhe depare uma ilegalidade ..." (REALE, Miguel. Revogação e Anulamento do Ato Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 80) Com a inadequação devido a comprovação de novos fatos, ou a verificação de circunstância relevante, a deliberação revista configura-se como ilegal, porque o real motivo do ato não foi o seu suporte. Assim, o ato revisto é nulo, ou seja, possui um vício insanável, visto que o motivo no qual se embasou não correspondia a verdadeira realidade. A decisão carecia de seu correto pressuposto de validade objetivo15. 3- Da coisa julgada: Ab initio, com tradicional magnitude, a definição 16 do instituto, o qual consiste na “imutabilidade que adquire a prestação jurisdicional do Estado, quando entregue definitivamente” (MARQUES, 2003, p. 517) Ante a explicação, sem retoque, verifica-se que a res iudicanda torna-se res iudicata, com força e autoridade de lei especial, regulando definitivamente a situação conflituosa, nos termos do art. 468 CPC. “A coisa julgada trata-se de exigência de ordem pública e do bem comum, a fim de que a tutela jurisdicional entregue se torne estável, segura e de absoluta indeclinabilidade...” (MARQUES, 2003, p. 517). Logo, seu fundamento revela-se precipuamente político17. “Decorrido o biênio sem a propositura da rescisória, há coisa soberanamente julgada, o que se verifica depois de transitada em julgado decisão declarando improcedente a rescisória.” (MARQUES, 2003, p. 533) 15 Em sentido contrário “A revisão não é um pedido de anulação da decisão proferida anteriormente; não se alega vício jurídico naquela decisão anterior. O que se alega é a inadequação ou inconveniência da manutenção da penalidade imposta. Trata-se portanto, claramente, de matéria de mérito. Por essa razão, a denegação da revisão, em princípio, não comporta exame pelo poder Judiciário, salvo se ela mesma apresentar algum vício jurídico ...” (DALARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 191) 16 Coisa julgada não é o efeito do julgamento final, mas qualidade desses efeitos. A coisa julgada consiste em irrevogabilidade dos efeitos do pronunciamento jurisdicional. 17 “Incertas ficariam as relações sociais, com a possibilidade de perpetuação dos litígios, se as decisões jurisdicionais não adquirissem a característica de definitividade.” (SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. 6ª ed. Revista, atualizada e ampliada. Saraiva: São Paulo, 1998, v.1, p. 528) No entanto, a lei federal n.º 9.784/99 prescreveu que a revisão poderá ocorrer a qualquer tempo. "Ao fixar a referida garantia, a lei, por via de conseqüência, está afirmando ser imprescritível a pretensão administrativa de revisão do ato punitivo, não podendo a Administração eximir-se de apreciar esse tipo de pedido sob a alegação de decurso de prazo.” (CARVALHO FILHO, 2001, p. 303) Assim, a revisão administrativa, por ser possível somente em específicos casos, poderia, em tese, promover a desconstituição da coisa julgada jurisdicional e gerar a relativização da mesma ? Uma resposta mais rápida, superficial e conservadora seria negativa. Contudo, no intuito da reflexão, percebe-se um confronto aparente de princípios. A favor da coisa julgada, vista como imutabilidade e indiscutibilidade da sentença, verifica-se a segurança jurídica. Considerando a possibilidade de revisão sobre questão já transitada em julgado no Juízo, surge a verdade material e a razoabilidade. Conforme explanado, a revisão administrativa possui como causa imediata a autotutela e como causa mediata, o próprio princípio da supremacia do interesse público. A mesma possui ressonância com a verdade real, o bom senso do julgados administrativos e sobremaneira, com o princípio do devido processo legal18. Entre a segurança jurídica e o devido processo legal, prefere-se o segundo com fundamento na razoabilidade. Neste caso, o interesse público de maior relevância constitui-se na possibilidade de invalidação de ato ilegal, a qual se sobrepõe a política da certeza jurídica. Punir somente para não se relativizar a coisa julgada fere não somente a Constituição, aniquila a razão de ser do Estado de Direito, no qual todos, inclusive o Poder Público tem o dever de fazer cumprir o ordenamento. 18 O “princípio do due process of law caracteriza-se pelo trinômio vida-liberdade-propriedade, vale dizer, temse o direito de tutela àqueles bens da vida em seu sentido mais amplo e genérico.” (NERY JÚNIOR, Nelson. Princípio do Processo Civil na Constituição Federal. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 30) Mutatis mutandi, a revisão criminal que se assemelha a revisão administrativa, por possuírem como objeto um processo punitivo, também pode ser promovida a qualquer tempo19. Enfim20, não “é lícito entrincheirar-se comodamente detrás da barreira da coisa julgada e, em nome desta, sistematicamente, assegurar a eternizarão de injustiças, de absurdos, de fraudes ou de inconstitucionalidade. (DINAMARCO, 2003, p.32-33) Não obstante a majoração da sanção em revisão revelar-se proibida, pois “neste caso, sobressai-se a prevalência do princípio da segurança jurídica.” (FIGUEIREDO, 2003, p. 258) Referências Bibliográficas: BIELSA, Rafael. Derecho Administrativo. Buenos Aires: La Ley, 1966. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2001. CASSGNE, Juan Carlos. Efectos da la Interposición del Recurso y la Supension de Efectos de los Actos Administrativos. Revista de Direito Administrativo. n.º 194. Rio de Janeiro. Out./Dez. 1993, p. 12-30. CRETELA JÚNIOR, José. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1997. __________. Dicionário de Direito Administrativo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. __________. Lições de Direito Administrativo. São Paulo: Símbolo S.A. Indústrias Gráficas, 1920. 19 “Pouco importa esteja o réu cumprindo pena, que já a tenha cumprido, haja ou não ocorrido causa extintiva da punibilidade. A finalidade da revisão não é apenas evitar o cumprimento de uma pena imposta injustamente, mas, precipuamente, a de corrigir uma injustiça, restaurando-se assim, com a rescisão do julgado, o status dignitatis do condenado.” (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 21ª ed., São Paulo: Saraiva, 1994, v. 4.) 20 “Existe, porém outro tipo de sentença que ainda que não contrária expressamente a direito, consagra violação a direito subjetivos. Correspondem às sentenças injustas (...) Nesse caso, pode-se relativizar a garantia constitucional da coisa julgada apelando-se para as regras destinadas à solução dos conflitos constitucionais ...” DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Considerações sobre a Desconstituição e Relativização da Coisa Julgada. RDCPC n.º 28. Mar./Abr. 2004. São Paulo, p. 42) DALARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001. DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Considerações sobre a Desconstituição e Relativização da Coisa Julgada. RDCPC n.º 28. Mar./Abr. 2004. São Paulo, p. 42- 52 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a Coisa Julgada Material. Revista de Direito de Processo n.º 109. Jan./Mar. 2003. São Paulo. p. 09-37. FIGUEIREDO, Lúcia Valle (org.). Comentários à Lei de Processo Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2004. FORINI, Bartolome A. Manual de Derecho Administrativo. Buenos Aires: La Ley, 1968, v. 2. FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1979. MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. 9ª ed. Atualizada por Ovídio Rocha Barros Sandoval. Campinas: Millennium, 2003, v. 2. MEDAUAR, Odete. A Processualidade no Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. __________. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: RT, 2000. MEIRELES, Hely Lopes. 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