UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Ernani Sabota Lopes A RESPONSABILIDADE DO ESTADO FACE AO LIMITE DOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE CURITIBA 2010 1 A RESPONSABILIDADE DO ESTADO FACE AO LIMITE DOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE CURITIBA 2010 2 Ernani Sabota Lopes A RESPONSABILIDADE DO ESTADO FACE AO LIMITE DOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE Monografia apresentada ao curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em direito. Orientador: Professor Marcos Aurélio de Lima Jr. CURITIBA 2010 3 Ernani Sabota Lopes A RESPONSABILIDADE DO ESTADO FACE AO LIMITE DOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná Curitiba, 19 de Abril de 2010. Prof. João Baptista Nogueira Neto Coordenador do Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná Orientador: Prof. Dr. Marcos Aurélio de Lima Jr. Prof. Dr. Prof. Dr. 4 RESUMO A presente monografia tem objetivo de trazer a lume a discussão acerca das decisões judiciais que extrapolam os limites contratuais e da legislação vigente para o mercado da saúde suplementar no Brasil. Buscar-se-á imprimir um desenvolvimento cronológico, que inicia-se na contextualização do setor de saúde brasileiro, identificando a lacuna deixada pelo Estado e, que permitiu o crescimento da participação da iniciativa privada nesta área tão importante para toda a sociedade brasileira. Na sequência, será realizado um apanhado geral de informações que servirão de substrato para entendimento do tamanho e importância da saúde suplementar, bem como sua forma de funcionamento e características. Ao final, será sugerido o melhor comportamento a ser adotado, visando o bem comum da sociedade. Palavras-chave: cobertura dos planos de saúde pós regulamentados; responsabilidade do Estado. 5 LISTA DE SIGLAS ABRAMGE Associação Brasileira de Medicina de Grupo ANS Agência Nacional de Saúde Suplementar CF Constituição Federal CIEFAS Comitê de Integração de Entidades Fechadas de Assistência à Saúde CNSP Conselho Nacional de Seguros Privados CONSU Conselho de Saúde Suplementar EC Emenda Constitucional INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social CDC Código de Defesa do Consumidor OMS Organização Mundial de Saúde PIB Produto Interno Bruto RN Resolução Normativa SIB Sistema de Informação de Beneficiários SUS Sistema Único de Saúde SUSEP Superintendência de Seguros Privados 6 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO................................................................................................... 2. O CONTEXTO DA SAÚDE NO BRASIL …...................................................... 2.1. O DIREITO À SAÚDE PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ….......... 2.2. O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS …..................................................... 2.3. A MEDICINA DE GRUPO E A SAÚDE SUPLEMENTAR …........................... 3. A REGULAMENTAÇÃO DO SETOR DA SAÚDE SUPLEMENTAR ............... 3.1. A LEI 9.656/98 …............................................................................................ 3.2. A AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR – ANS …................... 4. DOS PLANOS DE SAÚDE …........................................................................... 4.1. DAS MODALIDADES DE PLANOS DE SAÚDE …........................................ 4.2. DAS COBERTURAS OBRIGATÓRIAS …...................................................... 4.3. CARACTERÍSTICAS DE FUNCIONAMENTO DOS PLANOS DE SAÚDE ... 5. DA INTERVENÇÃO ESTATAL ......................................................................... 5.1. A SEPARAÇÃO DOS PODERES .................................................................. 5.2. A RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DOS PLANOS DE SAÚDE .......... 5.3. O INCISO II DO ARTIGO 5º DA CONSTITUÇÃO FEDERAL ..….................. 6. CONCLUSÃO ................................................................................................... REFERÊNCIAS..................................................................................................... 7 10 12 15 17 22 22 25 29 29 31 36 43 43 46 49 51 55 7 1. INTRODUÇÃO Estão entre os princípios basilares do direito brasileiro, o direito a vida e a dignidade humana. Diante desses princípios, a saúde ocupa lugar de destaque, vez que trata-se de item fundamental para o efetivo alcance de tais princípios. Segundo a Constituição Federal Brasileira de 1988, a saúde é direito de todos e dever do Estado, que deve garanti-la mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos, bem como o acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Ainda nesse sentido, cumpre ressaltar que as ações e serviços de saúde são de relevância pública e, cabe ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Portanto, a própria Constituição autoriza a atuação da iniciativa privada na assistência à saúde, podendo as instituições privadas participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, ou seja, é o próprio Estado que autoriza, fiscaliza e regulamenta a participação da iniciativa privada na área da saúde, conforme disposto na própria Constituição Federal. Tal previsão, demonstra, dentre outros aspectos, a preocupação do legislador com a importância do assunto, bem como a dificuldade de tratá-lo, permitindo dessa forma, a participação da iniciativa privada nessa área. Diante da notória ineficiência do serviço público na prestação de serviços de saúde, restou configurada a lacuna a ser preenchida pelos entes privados. O resultado do preenchimento dessa lacuna, é o crescimento substancioso do mercado da saúde suplementar, que, num primeiro momento, sem a necessária regulamentação, acabou por gerar inúmeras situações prejudiciais, causando especialmente, desequilíbrios nas 8 relações de consumo e, também, na própria concorrência entres as empresas participantes do setor. Diante desse contexto, surge a Lei 9.656/98, que entrou em vigor noventa dias após sua publicação no Diário Oficial do dia 04 de junho de 1998, marco regulatório que representou um salto significante na melhoria da qualidade dos serviços prestados pelas empresas e, consequentemente, proporcionando uma maior segurança aos consumidores contra determinadas práticas abusivas. É editada a Lei 9.961 de 28 de Janeiro de 2000, criando a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, uma autarquia federal, responsável, dentre outras atribuições, pela regulamentação do setor e sua fiscalização, de forma a atender os anseios da sociedade e auxiliar o Estado no exercício de sua responsabilidade relativa a prestação da saúde. No entanto, existe uma diferença significativa entre a responsabilidade do Estado e a assumida pelos entes privados que atuam no setor da saúde, pois, o primeiro, conforme a já citada previsão constitucional, tem a prestação da saúde como dever, ao passo que os segundos, tem responsabilidade eminentemente contratual. Porém, existem decisões dos tribunais pátrios que extrapolam as regras e obrigações estabelecidas em contratos e, muitas vezes, as previsões estabelecidas na legislação emanada pelo próprio Estado aos entes privados que atuam na área da saúde suplementar, normalmente sob a alegação de que o direito a vida está acima dos interesses financeiros e econômicos. O foco principal do presente trabalho, será direcionado para a atuação da iniciativa privada no setor de saúde suplementar, especialmente em relação as empresas vulgarmente chamadas planos de saúde. O resultado esperado ao final do presente estudo, é a verificação dos impactos 9 das decisões que extrapolam os limites definidos em contrato e na legislação pertinente, definindo se estas são ou não corretas e sustentáveis, ou, se podem acarretar algum prejuízo para o setor da saúde suplementar e, consequentemente o da saúde brasileira como um todo, consubstanciando-se em verdadeiro efeito inverso ao esperado pelos julgadores. 10 2. O CONTEXTO DA SAÚDE NO BRASIL Antes de abordar o tema do presente estudo propriamente dito, necessário tecer algumas considerações acerca do mercado da saúde no Brasil, sua importância, estrutura, características e forma de funcionamento. De acordo com Organização Mundial da Saúde - OMS, saúde é o estado de mais completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de enfermidade. Ao tratar do tamanho do sistema público de saúde brasileiro e a destinação de verbas públicas para seu custeio, Fernanda Schaefer, ensina que: “O Brasil compreende um dos maiores sistemas públicos de saúde entre os países em desenvolvimento, no entanto possui também a mais reduzida participação no produto interno bruto das verbas destinadas à saúde (4,8%), o equivalente a US$ 428 per capita/ano, sendo que essa percentagem de recursos públicos para a área não se altera desde 1990, mesmo com a instituição em 1997 de um imposto 'provisório' para o seu financiamento (CPMF – contribuição provisória sobre movimentação financeira) que perdura até os presentes dias.” (2003, p. 28) Conforme depreende-se do texto acima, não é de agora que problemas acometem o setor da saúde brasileira, pois, até mesmo a CPMF citada pela autora, não mais existe para corroborar com a promoção da saúde no Brasil. Como é de conhecimento geral, a saúde no Brasil enfrenta dificuldades, que vão desde as filas enormes nos postos de atendimento e hospitais públicos, até desperdício de recursos, tais como exames desnecessários, remédios que tem seu prazo de validade vencido antes mesmo de chegar até as mãos dos usuários e a falta de recursos humanos para prestar o atendimento digno ao qual os usuários tem direito. Novamente remetendo aos ensinamentos de Fernanda Schaefer acerca do cumprimento dos dispositivos constitucionais, tem-se que: “Essa dificuldade em dar plena eficácia aos dispositivos constitucionais pode ser claramente vista e sentida no sistema público de saúde, no qual o Estado tem-se mostrado impotente para solucionar os problemas crônicos como falta de recursos financeiros e profissionais, falta de medicamentos e equipamentos, entre outros. A complexidade da efetivação do direito à saúde reside justamente na existência de mais possibilidades do que realmente hoje se podem efetivar.” (2003, p. 27) Diante dessa realidade, resta clara a lacuna deixada pelo setor público em 11 relação a prestação da saúde à população. Dessa forma, “Não sendo o sistema público capaz de atender integralmente aos seus preceitos constitucionais, como acesso universal e atendimento adequado, fez-se necessária e urgente a harmonização deste com o sistema privado.” (SCHAEFER, 2003, p. 27) Outrossim, a realidade brasileira não é animadora, pois, diante da sua incontestável má distribuição de renda, é bastante pequeno o número de pessoas que pode arcar com o custo da assistência a saúde de maneira particular, ou seja, pagando diretamente do próprio bolso, sem precisar contar com o atendimento oferecido pelo Estado. Em contrapartida há um grande número de pessoas que não tem essa condição, mas que não desejam depender do atendimento oferecido pelo Estado. Para estas pessoas, os Planos Privados de Assistência à Saúde são a saída para garantir um atendimento de saúde digno, mais próximo da previsão estabelecida na CF. Diante dessa necessidade de atendimento de qualidade, surge a iniciativa privada, preenchendo o espaço deixado pelo Estado. Inicialmente, o setor seguiu relativamente sem qualquer regulação, exceto a do próprio mercado, que de certa forma acaba por se auto-regular. Entretanto, isso não foi suficiente para atender os anseios da sociedade, surgindo a necessidade de uma regulação mais efetiva, com objetivo de conduzir essa atividade para a proteção dos consumidores e o atendimento dos princípios positivados na Constituição Federal, colocando a saúde no lugar de destaque que merece. É nesse contexto que se apresenta a regulamentação do setor privado de assistência à saúde, num primeiro momento subordinado ao Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP, passando pela Superintendência de Seguros Privados – 12 SUSEP e pelo Conselho de Saúde Suplementar – CONSU. Num segundo momento, surge a Lei 9.656/98 e a consequente criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, criada pela Lei 9.961 de 28 de Janeiro de 2000, tendo como objetivo precípuo a regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde no Brasil. 2.1 O DIREITO À SAÚDE PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL José Luiz Toro da Silva, ao tratar da origem da ideia do direito à saúde, afirmou que: “A ideia do direito à saúde nasce no Estado de Bem-Estar Social. No Estado Liberal não exista qualquer preocupação com as questões sociais, haja vista que se acreditava que o mercado, através de sua mão invisível, resolveria todos os problemas, até mesmo os relacionados ao acesso d população aos serviços de saúde. Importante lembrar que o Direito Constitucional surgiu com o estabelecimento de um sentido negativo, ou seja, ele foi fruto da preocupação com a limitação do poder do soberano e o estabelecimento de direitos políticos. Todavia, inexistia naquela época qualquer preocupação de ordem social.” (2005, p. 19) E o autor continua, citando João Bosco Leopoldino da Fonseca, que ensina: “não se pode esquecer que o constitucionalismo dos séculos XVIII e XIX surgiu sob o pressuposto ideológico de defesa das liberdades individuais em confronto com o absolutismo até então imperante. E entre estas liberdades individuais estava o direito absoluto de propriedade individual, garantidor da atuação econômica individual no mercado. As normas constitucionais protetoras desses direitos têm um sentido negativo, porque têm por objetivo impedir que o Estado os desrespeite, os afronte”. (FONSECA, 2002, p. 221 citado por SILVA, 2005, p. 19) Ao tratar dos direitos de terceira geração, Toro da Silva afirma que “ A saúde como direito universal vincula-se à ideia do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), sendo considerado um direito de terceira geração” (SILVA, 2005, p. 19), e cita Tatiana Penharrubia Fagundes, que sobre o mesmo tema ensina: “também chamados de direitos de solidariedade ou de fraternidade, são os da coletividade, que não pertencem a um indivíduo unicamente, mas sim a todos – direitos difusos – ou a uma parcela deles – direitos coletivos. Exemplos destes são os direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da Constituição Federal de 1988), o direito à saúde, o direito do consumidor”. (FAGUNDES, 2002, p. 168 citada por SILVA, 2005, p. 19/20) Diante desses ensinamentos e antes de verificar a efetiva localização dos 13 institutos constitucionais que tratam do direito a saúde, cumpre ressaltar importante ensinamento do Professor Luís Roberto Barrozo, desenvolvido por solicitação da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro, intitulado: “DA FALTA DE EFETIVIDADE À JUDICIALIZAÇÃO EXCESSIVA: DIREITO À SAÚDE, FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS E PARÂMETROS PARA A ATUAÇÃO JUDICIAL”, senão vejamos: “O Estado constitucional de direito gravita em torno da dignidade da pessoa humana e da centralidade dos direitos fundamentais. A dignidade da pessoa humana é o centro de irradiação dos direitos fundamentais, sendo frequentemente identificada como o núcleo essencial de tais direitos. Os direitos fundamentais incluem: a) a liberdade, isto é, a autonomia da vontade, o direito de cada um eleger seus projetos existenciais; b) a igualdade, que é o direito de ser tratado com a mesma dignidade que todas as pessoas, sem discriminações arbitrárias e exclusões evitáveis; c) o mínimo existencial, que corresponde às condições elementares de educação, saúde e renda que permitam, em uma determinada sociedade, o acesso aos valores civilizatórios e a participação esclarecida no processo político e no debate público. Os três Poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – têm o dever de realizar os direitos fundamentais, na maior extensão possível, tendo como limite mínimo o núcleo essencial desses direitos.” Diante de tal ensinamento, cumpre ressaltar que o direito a saúde previsto na Constituição Federal, engloba-se no direito a vida, que é princípio fundamental da carta magna, conferindo dessa forma, caráter pétreo aos institutos que a ele se referem. Sobre a divisão da ordem social na CF/88, Fernanda Schaefer ensina: “Ao tratar da Ordem Social, a Constituição Federal de 1988 subdividiu a seguridade social em normas sobre a previdência social, assistência social e saúde, todas subordinadas ao princípio da universalidade de serviços, bem como ao caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa e ao princípio da dignidade e do respeito à pessoa.” (2003, p. 21) Feitas essas primeiras considerações, destaca-se que a Constituição Federal é clara ao afirmar em seu artigo 196, que a saúde é direito de todos e dever do Estado e, na sequência, o artigo 197 do mesmo instituto dispõe: “Art. 197 - São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.” Portanto, ainda que a iniciativa privada não atue de forma vinculada ao Sistema Único de Saúde, deve respeitar as regras emanadas do próprio poder público, em virtude 14 da disposição do artigo 197. Outro instituto fundamental para compreensão do conteúdo da Constituição Brasileira, está previsto no artigo 3º da Lei 8.080/90, qual seja, a Lei Orgânica da Saúde, que deve ser interpretado de maneira conjunta com os artigos antes destacados, especialmente o 196. É o conteúdo do artigo: “Art. 3º – A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.” Ademais, ciente da dificuldade e complexidade que representava a prestação de assistência à saúde da forma prevista na Carta Magna, é que o legislador previu a participação da iniciativa privada, conforme estabelecido no artigo 199 da CF, nos seguintes termos: “Art. 199 – A assistência à saúde é livre a iniciativa privada”. Entretanto, resguardou ao Estado a responsabilidade maior, seja no sentido de fornecer a própria prestação, seja no de fiscalizar e controlar os entes participantes dessa atividade. Tal entendimento extrai-se do § 1º do próprio artigo 199, que estabelece o seguinte: “§ 1º – As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.” É justamente em relação a essa responsabilidade prevista na CF que se desenvolve o presente estudo, de forma a identificar até onde vai a responsabilidade do Estado e, até onde vai a responsabilidade dos entes privados. 15 2.2 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS Ao tratar do Sistema Único de Saúde, Maury Ângelo Bottesini e Mauro Conti Machado ensinam: “É grande a quantidade de problemas relacionados ao SUS. Mesmo assim, todos os especialistas em saúde, com as exceções de sempre, afirmam que ocorreu uma melhoria nas ações e nos serviços públicos de saúde depois que o Congresso Nacional, nos anos de 1990 e em 1993, aprovou um conjunto de leis que completaram a estrutura jurídica do Sistema instituído pelos arts. 196 a 200 da CF. Essa melhoria nem sempre é percebida nas camadas elevadas da pirâmide social, as quais dificilmente se socorrem desses serviços públicos, pois têm acesso a outros atendimentos.” (2005, p. 31/32) E continuam: “As críticas ao SUS têm sujeitos de peso, entre eles George Alleyne, Diretor da Organização Pan-Americana da Saúde, que em entrevista publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, edição de 14.12.1998, afirmava que o governo brasileiro deveria abandonar os princípios e normas constitucionais referentes à saúde e adotar uma política de garantir um atendimento mínimo, para aquilo que ele denominou 'cesta básica' de doenças e procedimentos, abrangentes de vacinas, assistência primária e saneamento, acabando com o atendimento médicohospitalar gratuito e liquidando com o dogma constitucional da saúde como direito público, universal e igualitário.” (2005, p. 32) E finalizam: “O certo, porém, é que houve uma incorporação dos desassistidos e a adesão de uma classe média baixa ao Sistema Público, primeiro com o SUDS – Sistema Único Descentralizado de Saúde, depois com o SUS, e esse Sistema Público vem se mantendo vivo e funcionando muito precariamente em certas áreas, mas com bons resultados em outras.” (2005, p. 32) Segundo informações disponibilizadas pelo Ministério da Saúde em seu site, no espaço destinado ao SUS, verifica-se a informação de que o Sistema Único de Saúde – SUS é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, abrangendo desde simples atendimentos ambulatoriais até transplantes de órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país. E acrescenta: “Amparado por um conceito ampliado de saúde, o SUS foi criado, em 1988 pela Constituição Federal Brasileira, para ser o sistema de saúde dos mais de 180 milhões de brasileiros. Além de oferecer consultas, exames e internações, o Sistema também promove campanhas de vacinação e ações de prevenção e de vigilância sanitária – como fiscalização de alimentos e registro de medicamentos –, atingindo, assim, a vida de cada um dos brasileiros.” 1 1(http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/area.cfm?id_area=1395 ) 16 Ainda de acordo com informações retiradas do sitio do SUS, que completou 20 anos em 2008, antes de sua criação: “a saúde não era considerada um direito social. O modelo de saúde adotado até então dividia os brasileiros em três categorias: os que podiam pagar por serviços de saúde privados; os que tinham direito à saúde pública por serem segurados pela previdência social (trabalhadores com carteira assinada); e os que não possuíam direito algum. Assim, o SUS foi criado para oferecer atendimento igualitário e cuidar e promover a saúde de toda a população. O Sistema constitui um projeto social único que se materializa por meio de ações de promoção, prevenção e assistência à saúde dos brasileiros.” 2 A União, os Estados e Municípios são responsáveis pelas ações, serviços, organização do atendimento e outras relações existentes no sistema público de saúde, não havendo qualquer hierarquização entre os entes, mas apenas uma divisão de tarefas pré-estabelecida através de negociações e acordos firmados. Novamente citando informações retiradas do sitio do Ministério da Saúde, tem-se que: “no âmbito municipal, as políticas são aprovadas pelo CMS – Conselho Municipal de Saúde; no âmbito estadual, são negociadas e pactuadas pela CIB – Comissão Intergestores Bipartite (composta por representantes das secretarias municipais de saúde e secretaria estadual de saúde) e deliberadas pelo CES – Conselho Estadual de Saúde (composto por vários segmentos da sociedade: gestores, usuários, profissionais, entidades de classe, etc.); e, por fim, no âmbito federal, as políticas do SUS são negociadas e pactuadas na CIT – Comissão Intergestores Tripartite (composta por representantes do Ministério da Saúde, das secretarias municipais de saúde e das secretarias estaduais de saúde).” 3 Portanto, a União, através do Ministério da Saúde, é responsável pela formulação das políticas nacionais e, a implementação, fica a cargo dos parceiros (Estados e Municípios). O custeio do sistema é dividido, sendo que cerca da metade dos gastos é arcada pelo Governo Federal e a outra metade, pelos Estados e Municípios. Com relação a prestação do serviço à população propriamente dito, a responsabilidade maior é dos municípios, vez que a partir do firmamento do Pacto pela Saúde, assinado no ano de 2006, a gestão das ações e serviços de saúde devem ser 2(http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/visualizar_texto.cfm? idtxt=29178&janela=1) 3 http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/cartilha_entendendo_o_sus_2007.pdf 17 assumidos pelo gestor municipal. Os recursos que devem ser destinados para a saúde estão previstos na Emenda Constitucional número 29, editada em setembro do ano de 2000 e que, carece de regulamentação. No entanto, a referida EC estabelece que os gastos da União devem ser iguais ao do ano anterior, com correção pela variação do Produto Interno Bruto – PIB, enquanto os estados e municípios devem aplicar os percentuais de 12 e 15% de suas receitas, respectivamente. Portanto, diante das informações aqui apresentadas, possível se verificar que o Sistema Único de Saúde Brasileiro é um sistema bastante complexo e de grandes dimensões, seja pelo universo de cidadãos abrangidos, seja pela gama de ações e serviços que lhe são atribuídos. E outro ponto a se destacar é que, ainda que existam deficiências em certas áreas, o sistema como um todo não pode ser considerado ineficiente. 2.3 A MEDICINA DE GRUPO E A SAÚDE SUPLEMENTAR Para Maury Ângelo Bottesini e Mauro Conti Machado (2005), o início da medicina de grupo e da saúde suplementar remonta ao ano de 1923, com a promulgação do Decreto Legislativo 46.782/1923, de autoria de Eloy Chaves. Desde então, o governo brasileiro vem se empenhando para disciplinar a atividade previdenciária e de assistência médica, tratando do assunto como política governamental. No ano de 1975, instituiu-se o Sistema Nacional de Saúde, juntamente com a criação do Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social – INAMPS. Entretanto, em virtude da política de gestão adotada, a qual foi eliminada no ano de 1979, o INAMPS acabava sendo onerado em demasia, ao passo que seus conveniados 18 aliviavam-se dos encargos relativos aos tratamentos de maior, custo. (BOTTESINI & MACHADO, 2005) E sobre o surgimento da medicina de grupo, Bottesini e Machado afirmam: “As tentativas de oferecer uma solução para a deficiente e inoperante assistência médica oficial prestada pelo INAMPS fizeram surgir a chamada medicina de grupo, a criação dos seguros-saúde, a organização de médicos e clínicas sob o regime de cooperativas, as conhecidas Unimeds, e os serviços médicos administrados pelas próprias empresas, tendo como beneficiários os seus empregados e dependentes deles. A medicina de grupo tem como fonte inspiradora a Helth Maintenance Organizations, as HMP dos Estados Unidos da América, e no Brasil se instalou por volta de 1960 na região do ABC paulista.”. (2005 p. 43) E com relação ao desenvolvimento do referido mercado os autores ensinam: “Entre 1985 e 1995 houve uma explosão no mercado de planos de saúde e de seguros-saúde, havendo informações na publicação da CIEFAS, do ano de 2000, que havia mais de 1.000 empresas nestas atividades, envolvendo recursos de aproximadamente US$ 15 bilhões. Os críticos do sistema onde a saúde pode ser objeto de exploração empresarial com finalidade de lucro afirmam que tais fatos converteram o direito à saúde em mercadoria.”. (2005, p. 46) É nesse contexto que está inserida a Lei 9.656/98, visando disciplinar a exploração dos serviços de plano de saúde, assistência médica e seguros de saúde, em estreita relação com o CDC - Código de defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990, vez que é cristalina a relação de consumo inserida neste tipo de contrato. Ainda com relação a Lei 9.656/98 e mais uma vez reportando aos autores Maury Bottesini e Mauro Conti: “Consta que o projeto que acabou resultando na Lei 9.656 foi elaborado pela Associação Brasileira de Medicina de Grupo – ABRAMGE, mas é certo que a CIEFAS e, bem antes dessas duas, a FENASEG, também tiveram grande influência nos rumos da elaboração daquilo que resultou no diploma legislado. No Congresso Nacional, o Projeto de Lei teve origem no Senado Federal, com o número PLS 93/1993 e teve sua leitura em 08.07.1993, somente conseguindo aprovação em 12.05.1998, sancionado pelo Presidente da República em 03.06.1998. Antes, havia em tramitação o Projeto de Lei Complementar 47, de 1991.” (2005, p. 46/47) E nesse contexto surge a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, que será objeto de tópico próprio. Entretanto, apenas com o objetivo contextualização, esclarece-se que esta tem como objetivos precípuos, a proteção dos consumidores de planos e serviços de saúde, bem como regular e fiscalizar os entes participantes do setor. 19 De acordo com dados fornecidos pela ANS, em dezembro de 2003, a saúde suplementar contava com 35.880.069 (trinta e cinco milhões, oitocentos e oitenta mil, e sessenta e nove) beneficiários em planos de assistência médica e odontológica. Após mais de dez anos da regulamentação, o setor conta com cerca de 54.210.637 (cinquenta e quatro milhões, duzentos e dez mil, seiscentos e trinta e sete) beneficiários, vinculados a planos de saúde, conforme números levantados pela ANS através do Sistema de Informação de Beneficiários – SIB, na data base de setembro do ano de 2009. Beneficiários de planos de saúde, por cobertura assistencial (Brasil - 20032009) Fonte: Sistema de Informações de Beneficiários - ANS/MS - 09/2009 Diante de tais números, resta clara a importância do setor, especialmente ao se pensar na quantidade de usuários que deixam de utilizar o Sistema Único de Saúde – SUS, contribuindo de maneira ímpar para um melhor desempenho do sistema de saúde brasileiro como um todo. Ademais, se compararmos o número de beneficiários de planos de saúde, conforme dados apresentador na tabela anterior, e compararmos com os dados da tabela a seguir, é possível verificar que as empresas atuantes no setor, tem sob sua 20 responsabilidade um número relevante de usuários e, portanto, mais uma vez ressalta-se que as decisões que as envolvem, devem ser olhadas com cautela, pois não é apenas o interesse dessas empresas que está em jogo. Diante dos números apresentados, que demonstram o tamanho e importância do setor da saúde suplementar no Brasil, cumpre esclarecer ensinamento de José Luiz Toro da Silva acerca da legislação pertinente ao referido setor: “A legislação brasileira aplicada à saúde suplementar, coerente com a definição da Organização Mundial de Saúde, em seu art. 35-F, assevera que a assistência prevista compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, observados os termos da Lei nº 9.656/98 e do contrato firmado entre as partes.” (2005, p. 31) E continua o autor: “Todavia, o grande desafio que existe para o direito moderno está em contemporizar a noção de saúde supramencionada, com o papel que deve ser desempenhado pela iniciativa privada, em face das dificuldades enfrentadas pelo modelo de Estado de Bem-Estar Social. Tem o direito que regular a intervenção que passa a ocorrer na livre iniciativa, quando essa atua na área da saúde.” (2005, p. 32) E em relação a complexidade do contexto acima exposto, o autor afirma: “que existe um direito da saúde suplementar, que se caracteriza por um microssistema de normas, com um campo de estudo próprio, voltado para as relações jurídicas existentes entre os usuários e as operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde, abrangendo também as relações com a agência reguladora deste setor e os inúmeros contratos que cercam a efetiva prestação de serviços. Até mesmo os contratos que as operadoras mantêm coma as entidades hospitalares, clinicas, laboratórios e consultórios credenciados estão sujeitos à regulamentação da agência reguladora (vide comentários sobre a 21 competência da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar).” (2005, p. 32) E continuando a tratar da regulação do setor, Toro da Silva (2005) cita Maury Ângelo Bottesini e Mauro Conti Machado, que chamam atenção para a forte tendência penal da lei que disciplina os planos privados de assistência à saúde (Lei 9.656/98), asseverando que: “É possível concluir, então, que dentro da Lei nº 9.656, de 1998, existe um verdadeiro código penal aplicável às operadoras de planos de e seguros privados de assistência à saúde e aos que com elas contratam. Essa codificação extravagante, fora da legislação penal, cria tipos penais e penas de grande força intimidatória, que se espera produza efeitos inibitórios bastante eficientes.” (BOTTESINI e MACHADO, 2003, p. 134 citado por SILVA, 2005, p. 33) E Toro da Silva finaliza: “Na realidade as normas do Direito da Saúde Suplementar são de natureza mista, pois, apesar de regularem atividade privada, utilizam-se de princípios do direito público, em face da relevância pública de sua atividade, como mencionado no art. 197 da Constituição Federal. Essas normas não apenas procuram manifestar uma realidade a elas subjacente, mas procuram criar uma nova realidade, repassando para a iniciativa privada, obrigações que são, precipuamente, do Estado. Caracterizam uma brutal intervenção no domínio econômico, tratando-se de uma verdadeira ordem econômica intervencionista.” (2005, p. 33) Portanto, diante dos ensinamentos acima demonstrados, cristalino que as operadoras de planos de saúde, ainda que tenham intenção de impor um caráter mais mercantilista a atividade, estão impedidas pelo forte controle e fiscalização dos órgão competentes, cabendo sanções significativas em caso de descumprimento das regras impostas ao setor. 22 3. A REGULAMENTAÇÃO DO SETOR DA SAÚDE SUPLEMENTAR Traçado o contexto e tecidos os primeiros comentários acerca da saúde no Brasil, bem como o surgimento e evolução da saúde suplementar, cumpre agora estudar dois pontos fundamentais para um entendimento mais profundo sobre o assunto, quais sejam: A Lei 9.656/98, instituto considerado o marco regulatório do setor e, a criação da ANS, ou seja, a Agência Nacional da Saúde Suplementar, que como dito anteriormente, é responsável pela regulação e fiscalização da saúde suplementar. 3.1. A LEI 9.656/98 A Lei 9.656/98, como já dito anteriormente, representa marco regulatório do setor da saúde suplementar no Brasil. Entretanto, cumpre esclarecer que suas disposições, em regra, aplicam-se apenas aos planos de saúde firmados após sua entrada em vigor. Tal entendimento pode ser verificado do próprio texto da Lei, que em seu artigo 35 dispõe: “Art. 35. Aplicam-se as disposições desta Lei a todos os contratos celebrados a partir de sua vigência, assegurada aos consumidores com contratos anteriores, bem como aqueles com contratos celebrados entre 2 de setembro de 1998 e 1º de janeiro de 1999, a possibilidade de optar pela adaptação ao sistema previsto nesta Lei.” Ainda em relação a aplicação do referido instituto aos planos firmados anteriormente a sua vigência, importante ressaltar que através de liminar deferida na ADIn 1931/1998, o Ministro Nelson Jobim suspendeu a vigência de partes dos artigos 10 e 35-E da 9.656/98, reafirmando a irretroatividade dos dispositivos. A seguir transcreve-se a ementa da referida ADIn, qual seja: “ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ORDINARIA 9656/98. PLANOS DE SEGUROS PRIVADOS DE ASSISTENCIA A SAUDE. MEDIDA PROVISORIA 1730/98. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE ATIVA. INEXISTENCIA. ACAO CONHECIDA. INCONSTITUCIONALIDADES FORMAIS E OBSERVANCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. OFENSA AO DIREITO ADQUIRIDO E AO ATO JURIDICO PERFEITO. (...). 5. Violação ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito. Pedido de inconstitucionalidade do artigo 35, caput e parágrafos 1o e 2o, da Medida Provisória 1730-7/98. Ação não conhecida tendo em vista as substanciais 23 alterações neles promovida pela medida provisória superveniente. 6. Artigo 35-G, caput, incisos I a IV, parágrafos 1o, incisos I a V, e 2o, com a nova versão dada pela Medida Provisória 1908-18/99. Incidência da norma sobre clausulas contratuais preexistentes, firmadas sob a égide do regime legal anterior. Ofensa aos princípios do direito adquirido e do ato jurídico perfeito. Ação conhecida, para suspender-lhes a eficácia ate decisão final da ação. (...)” (STF Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1931 - Relator Ministro Marco Aurelio. DJ 28/05/2004). Tecidos os primeiros comentários acerca do universo de aplicação da Lei 9.656/98, passa-se a tratar da importância de sua promulgação para o setor da saúde suplementar. Ao tratar dos motivos que levaram a promulgação da Lei 9.656/98, Fernanda Schaefer ensina: “Ciente de que a complexa relação de consumo entre as operadoras do sistema de assistência privada à saúde não poderia mais ser tutelada por uma ótica eminentemente individualista, consensualista e liberal, o legislador brasileiro publicou em 03.06.1998 a Lei 9.656/98, que já alterada pela Medida Provisória 1.685, de 29.06.1998. As normas que regulam o setor ainda se completam pelas Resoluções adotadas pelo Conselho de Saúde Suplementar e pela Agência Nacional de Saúde Suplementar.” (2003, p. 25) E ao tratar da contribuição e objetivo do referido texto legal, Schaefer continua: “A Lei 9.656/98, atendendo aos preceitos constitucionais e de defesa do consumidor, atenta à necessidade sociopolítica de justiça social e visando reequilibrar as relações de consumo, modificou todo o sistema legal, normativo e fiscalizador da assistência privada à saúde, concedendo-lhe maior organicidade, pois definiu a natureza das operadoras e criou órgãos de controle, regulamentação e fiscalização do setor.” (2003, p. 26) Já Maury Ângelo Bottesini e Mauro Conti Machado ressaltam o foco de atuação do instituto, afirmando que: “A Lei 9.656, de 03.06.1998, pretende disciplinar o universo dos empresários que exploram os serviços de seguros-saúde, planos de saúde e assistência médica, a normatização da administração dessas atividades, a modificação da disciplina das sociedades de profissionais cujo objeto é a prestação desses serviços às empresas do ramo. Nessa tarefa ocorre a incidência supletiva da Lei 8.078/1990, que é o Código de Defesa do Consumidor, em razão da manifesta presença da relação de consumo.” (2005, p. 47) Portanto, resta cristalino que um dos objetivos da regulamentação compreende a proteção do universo de consumidores dos planos de saúde, através da forte fiscalização e regulamentação exercida pelo próprio Estado, seja através de iniciativas do próprio legislador, seja pela atuação dos órgãos de proteção do consumidor – PROCONS – ou 24 através da atuação da Agência Nacional da Saúde Suplementar – ANS, sendo esta última, objeto de tópico próprio. Segundo Januário Montone, 1º Presidente da ANS, citado por José Luiz Toro da Silva, ao tratar dos objetivos que levaram a regulamentação, afirma: “os objetivos da regulamentação poderiam ser resumidos em seis pontos: 1. Assegurar aos consumidores de planos privados de assistência à saúde cobertura assistencial integral e regular as condições de acesso; 2. Definir e controlar as condições de ingresso, operação e saída das empresas e entidades que operam no setor; 3. Definir e implantar mecanismos de garantias assistenciais e financeiras que assegurem a continuidade da prestação de serviços de assistência à saúde contratados pelos consumidores; 4. Dar transparência e garantir a integração do setor de saúde suplementar ao SUS e o ressarcimento dos gastos gerados por usuários de planos privados de assistência à saúde no sistema público; 5. Estabelecer mecanismo de controle da abusividade de preços; 6. Definir o sistema de regulamentação, normatização e fiscalização do setor de saúde suplementar.” (MONTONE, 2001, citado por SILVA, 2005, p. 46) Portanto, ressalta-se novamente o cunho protetivo da regulamentação, bem como sua ampla abrangência, visto que não se limita apenas a regular a relação entre as operadoras de planos de saúde e os consumidores, mas sim entre todos os entes participantes do mercado, incluindo o próprio SUS. Ainda nesse sentido, destaca-se o entendimento de Toro da Silva, ao tratar da abrangência do marco regulatório: “Verifica-se que o marco regulatório não se limitou a disciplinar o contrato que os consumidores firmam com as operadoras privadas de assistência à saúde, mas passou a abranger desde a constituição das aludidas empresas, estabelecendo requisitos de funcionamento, capital social mínimo, garantias e reservas técnicas, atributos e responsabilidades de seus administradores, até mesmo os requisitos dos contratos firmados com aqueles que efetivamente prestarão os serviços de assistência à saúde (hospitais, clínicas, laboratórios, médicos, etc.), passando as empresas a se sujeitarem a diversas formas de intervenção, seja através do encaminhamento de informações e dados estatísticos até a decretação de sua direção fiscal/técnica ou a sua liquidação extrajudicial.” (2005, p. 46) Diante de tal ensinamento, verifica-se que a abrangência da regulação é realmente ampla, atendendo, sem dúvidas, a necessidade de controle desta atividade de relevância social por parte do Estado, em face da permissão da exploração do mercado da saúde pela iniciativa privada. 3.2. A AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR – ANS 25 Diante do desafio de regulamentar e fiscalizar, representado pelo tamanho e importância do setor da saúde suplementar no Brasil, surge a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, criada pela Lei 9.961, que foi publicada no Diário Oficial de 29 de Janeiro de 2000, a qual, em seu artigo 1º estabelece: “É criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, autarquia sob o regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro - RJ, prazo de duração indeterminado e atuação em todo o território nacional, como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde”. De acordo com informação constante do próprio sitio da ANS, tem-se: “A Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS é uma agência reguladora vinculada ao Ministério da Saúde. A atuação da ANS visa promover o equilíbrio nas relações entre todas as partes interessadas na saúde suplementar, e construir, em parceria com a sociedade, um mercado sólido, equilibrado e socialmente justo.“ 4 Já a missão, também constante do referido sitio é a seguinte: “A ANS tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regular as operadoras setoriais - inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores - e contribuir para o desenvolvimento das ações de saúde no País.“ 5 As atividades inerentes a referida agência estão previstas nos artigos 3º e 4º da 9.961, dentre as quais, ressaltam-se a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País. Ademais, compete à ANS propor políticas e diretrizes gerais ao Conselho Nacional de Saúde Suplementar – Consu, para a regulação do setor da saúde suplementar, bem como estabelecer as características gerais dos instrumentos contratuais utilizados na atividade das operadoras, elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei nº 4 http://www.ans.gov.br/main.jsp?lumChannelId=8A9588D420CABE0101213F8 75D8D7CC1 5 http://www.ans.gov.br/main.jsp?lumChannelId=8A9588D420CABE0101211 B503E567E09 26 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades e, articular-se com os órgãos de defesa do consumidor visando a eficácia da proteção e defesa do consumidor de serviços privados de assistência à saúde, observado o disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Ao tratar do assunto, José Luiz Toro da Silva ressalta que: “por ocasião do advento da Lei nº 9.656/98, não se havia cogitado a criação de uma agência reguladora para o setor. Aliás, causou estranheza a adoção de tal forma de administração do setor, pois as agências reguladoras que haviam sido constituídas até então estavam vinculadas a setores que foram privatizados, ou seja, que pertencem ao Estado e que este os entregou à iniciativa privada, resguardando o seu poder regulador. Na saúde, reitera-se, não ocorreu qualquer privatização, pois aludido setor já era exercido por diversas empresas.” (2005, p. 46) E continua: “Na verdade, a regulação exercida pela ANS visa suprir as falhas do mercado (...)” (2005, p. 47) E Toro da Silva cita Leila Cuélar, que em sua obra intitulada “As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001” ressalta que tal entendimento está fundado no seguinte pressuposto: “a natural imperfeição do mercado e a exigência constitucional da tutela econômica por parte do Estado. Daí a necessidade da existência de mecanismos jurídicos preestabelecidos, que possibilitem, ainda que num plano ideal, a equalização da atividade dos agentes econômicos – sempre tendo em vista o interesse público posto à guarda da Administração” (CUÉLAR, 2001, p. 53 citada por SILVA, 2005, p. 47) Mas, voltando à ANS, Toro da Silva demonstra que da análise de suas resoluções, o foco dessa agência é: “a defesa dos interesses dos consumidores de planos de saúde, oferecidos pelas empresas do setor. O seu 1º presidente admitiu expressamente tal opção, salientando que o 'usuário é o segmento mais vulnerável nessa relação – tem pouco controle sobre as variáveis – chave do seu relacionamento com as empresas do setor; não tem instrumentos para coibir os abusos que contra ele são cometidos, tem baixa capacidade de negociação por não estar institucionalmente articulado e pouco pode influir nas questões referentes à melhoria da qualidade do atendimento de saúde. (…) Portanto, mesmo não sendo um órgão de defesa do consumidor, mas uma agência reguladora, é evidente que a ANS tem que suprir o desequilíbrio sistêmico que desfavorece o usuário no mercado e o desequilíbrio histórico fartamente demonstrado pelos abusos cometidos contra esses usuários ao longo do processo de expansão desse mercado”. (2005, p. 51) A finalidade da referida agência pode ser retirada do texto da Lei 9.961 de 28 de 27 Janeiro de 2000, que já em seu artigo 3º dispõe: “Art. 3º A ANS terá por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País.” Com relação à competência, cumpre transcrever algumas das previsões trazidas pelo artigo 4º da referida Lei, quais sejam: “Art. 4º Compete à ANS: I - propor políticas e diretrizes gerais ao Conselho Nacional de Saúde Suplementar - CONSU para a regulação do setor de saúde suplementar; II - estabelecer as características gerais dos instrumentos contratuais utilizados na atividade das operadoras; III - elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei n. 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades; VI - estabelecer normas para ressarcimento ao Sistema Único de Saúde – SUS; IX - normatizar os conceitos de doença e lesão preexistentes; XIII - decidir sobre o estabelecimento de subsegmentações aos tipos de planos definidos nos incisos I a IV do art. 12 da Lei n. 9.656, de 1998; XXIII - fiscalizar as atividades das operadoras de planos privados de assistência à saúde e zelar pelo cumprimento das normas atinentes ao seu funcionamento; XXVI - fiscalizar a atuação das operadoras e prestadores de serviços de saúde com relação à abrangência das coberturas de patologias e procedimentos; XXVII - fiscalizar aspectos concernentes às coberturas e o cumprimento da legislação referente aos aspectos sanitários e epidemiológicos, relativos à prestação de serviços médicos e hospitalares no âmbito da saúde suplementar; XXIX - fiscalizar o cumprimento das disposições da Lei n. 9.656, de 1998, e de sua regulamentação; XXXVI - articular-se com os órgãos de defesa do consumidor visando a eficácia da proteção e defesa do consumidor de serviços privados de assistência à saúde, observado o disposto na Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990; XXXVII - zelar pela qualidade dos serviços de assistência à saúde no âmbito da assistência à saúde suplementar; Diante da transcrição acima, é possível verificar que a atuação da ANS tem um caráter bastante intervencionista, como é possível verificar através do inciso II do texto acima e que estabelece como competência da agência regrar os instrumentos contratuais utilizados pelas operadoras. A ANS é também responsável pela elaboração do rol de procedimentos, conforme verifica-se no inciso III e que representa a referência básica de cobertura a ser praticada pelas empresas. Outro importante ponto está insculpido nos incisos XXIII, XXVI, XXVII e XXIX, os quais tratam da fiscalização das entidades participantes do setor pela ANS. 28 Dessa forma, resta comprovada a importância da referida agência, bem como sua capacidade de alcance no que se refere a fiscalização e controle do setor, pois a responsabilidade desta vai desde os contratos firmados entre os consumidores e empresas, até a instituição do regime de direção fiscal ou técnica nas operadoras, bem como a liquidação judicial e alienação da carteira de clientes. 4. DOS PLANOS DE SAÚDE 29 Apesar de não ser o foco específico do presente trabalho, mas apenas para que se tenha um melhor entendimento do tema, é de fundamental importância tecer alguns breves cometários acerca das características inerentes aos produtos comercializados pelas empresas operadoras de planos de saúde, tais como, suas modalidades, suas coberturas obrigatórias. Além disso, importante também entender a natureza jurídica e forma de funcionamento dessas empresas, senão vejamos: 4.1. DAS MODALIDADES DE PLANOS DE SAÚDE Basicamente, as modalidades de planos de saúde referem-se a forma de contratação, a cobertura oferecida e a conveniência dos valores agregados por determinadas características de cada produto. As formas de contratos oferecidas no mercado pelas empresas de planos de saúde consistem em, planos individuais e familiares, coletivos por adesão e coletivos empresariais. Os planos individuais familiares são aqueles que o consumidor pessoa física adere, podendo ou não incluir seus dependentes e familiares. Os coletivos por adesão, são produtos oferecidos a um universo delimitado de consumidores, como por exemplo, sindicalizados de determinada categoria, que através do sindicato, aderem de maneira opcional e espontânea. Já no contrato coletivo empresarial, o plano é oferecido para um grupo fechado de consumidores, normalmente ligados a uma determinada empresa, contando com a adesão de todos os consumidores vinculados a esta pessoa jurídica. Com relação aos tipos de cobertura oferecidos, as modalidades de planos de saúde estão previstas no artigo 12 da Lei 9.656/98, o qual será tratado em tópico próprio, 30 mas consistem na combinação entre as segmentações de cobertura ambulatorial, hospitalar, obstétrica e odontológica. Portanto, além das três formas de contratação, a cobertura dos “produtos” comercializados pelas empresas operadoras de saúde consistem basicamente na combinação entre as diversas modalidades de cobertura, ambulatorial, hospitalar, obstétrica e odontológica, ou seja, o consumidor pode escolher o plano mais abrangente em termos de cobertura, que seria o plano ambulatorial e hospitalar com obstetrícia, com a cobertura odontológica, ou o mais básico, que consiste na cobertura ambulatorial apenas e tão somente. Nesse sentido, reportando-nos mais uma vez aos autores Maury Bottesini e Mauro Machado, estes afirmam, com relação aos tipos de planos possíveis de oferecimento pelas empresas operadoras de planos, que: “Bem examinado o texto desse art. 12 da Lei 9.656/98, é possível afirmar que ele dispõe a respeito dos planos que podem ser objeto de registro pelas operadoras, na ANS, e depois disso, comercializados. Esses planos que se posicionam imediatamente acima do plano-referência são denominados ambulatorial, de internação hospitalar; de atendimento obstétrico e de atendimento odontológico. O dispositivo certamente tem a finalidade de permitir a montagem de planos que atendam aos interesses mercadológicos das operadoras. Haverá aquelas que se concentram na prestação de serviços de odontologia, outras que tenham seus interesses nas demais áreas, ou em algumas delas, e, para que possam melhor explorar empresarialmente a atividade, é indispensável que a lei não proíba a combinação dos elementos contidos no planos comercializado, embora restrinja a combinação entre os elementos básicos de cada tipo de contrato. Afinal, uma vez que se autoriza a exploração empresarial dos serviços de saúde, não se pode coarctar a atividade de empresário, tirando dele a iniciativa e embotando a criatividade própria de empreendedor. Interessa observar que é o consumidor do plano ou do seguro-saúde que fará a opção no momento em que contratar, a respeito do quanto de cobertura pretende, sabendo que tudo terá um preço incluído na mensalidade.” (2005, p. 126/127) Outros pontos que diferenciam os planos oferecidos no mercado é a sua conveniência, ou seja, referem-se ao tipo de acomodação, região de abrangência geográfica, rede de atendimento e participação do consumidor no custeio de eventos ocorrido. Com relação ao tipo de acomodação, temos duas modalidades, a acomodação 31 coletiva, ou seja, enfermaria, ou então, individual, que consiste em quarto privativo. A região de abrangência refere-se ao plano oferecer atendimento no âmbito, nacional, estadual ou regional. A rede credenciada é aquela disponibilizada para atendimento do beneficiários vinculados a determinado plano, podendo ter diferentes características, que vão desde a quantidade de estabelecimentos disponibilizados, até redes que ofereçam opções de clínicas e hospitais de conceito mais elevado em determinadas técnicas e no próprio atendimento, ou seja,uma rede mais luxuosa. Com relação à participação do consumidor nos eventos ocorridos, temos os planos chamados de sem co-participação e os com co-participação. Estas modalidades diferem-se apenas pelo fato de que no primeiro, os atendimentos realizados são custeado de maneira integral pela empresa operadora do plano de saúde, cabendo ao consumidor arcar apenas com as mensalidades. Já no segundo modelo, o consumidor deve contribuir com o custeio de determinados procedimentos, os quais devem ser previamente estabelecidos e constar do instrumento contratual, além de atender às regras impostas pela ANS, como por exemplo, não representar o custeio integral do procedimento, nem inviabilizar a realização do procedimento pelo usuário. A vantagem do plano com co-participação consiste basicamente na redução do valor da mensalidade. 4.2. DAS COBERTURAS OBRIGATÓRIAS Conforme dito no tópico anterior, as coberturas de cada modalidade de plano de saúde estão previstas especialmente no artigo 12 da Lei 9.656/98, o qual estabelece a cobertura mínima obrigatória em cada segmentação de cobertura. Entretanto, importante salientar também a previsão disposta no artigo 10 da Lei 32 9.656, que estabelece o seguinte: “Art. 10 É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: I - tratamento clínico ou cirúrgico experimental; II - procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim; III - inseminação artificial; IV - tratamento de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética; V - fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados; VI - fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar; VII - fornecimento de próteses, órteses e seus acessórios não ligados ao ato cirúrgico; IX - tratamentos ilícitos ou antiéticos, assim definidos sob o aspecto médico, ou não reconhecidos pelas autoridades competentes; X - casos de cataclismos, guerras e comoções internas, quando declarados pela autoridade competente. § 1º As exceções constantes dos incisos deste artigo serão objeto de regulamentação pela ANS. § 2º As pessoas jurídicas que comercializam produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei oferecerão, obrigatoriamente, a partir de 3 de dezembro de 1999, o plano-referência de que trata este artigo a todos os seus atuais e futuros consumidores. § 3º Excluem-se da obrigatoriedade a que se refere o § 2º deste artigo as pessoas jurídicas que mantêm sistemas de assistência à saúde pela modalidade de autogestão e as pessoas jurídicas que operem exclusivamente planos odontológicos. § 4º A amplitude das coberturas, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será definida por normas editadas pela ANS. Art. 10-A. Cabe às operadoras definidas nos incisos I e II do § 1º do art. 1º desta Lei, por meio de sua rede de unidades conveniadas, prestar serviço de cirurgia plástica reconstrutiva de mama, utilizando-se de todos os meios e técnicas necessárias, para o tratamento de mutilação decorrente de utilização de técnica de tratamento de câncer.” Diante do texto acima transcrito, importante destacar que o plano-referência previsto no caput do artigo não representa o plano básico como muitos acreditam, mas sim, como o próprio nome já diz, uma referência, ressaltando-se que possui uma cobertura abrangente, pois engloba os atendimentos no âmbito ambulatorial e hospitalar com obstetrícia. A respeito da intenção do legislador com a implementação do plano-referência, os já citados autores Maury Bottesini e Mauro Machado destacam o seguinte: “A experiência na aplicação das Resoluções da ANS e do CONSU, juntamente com as normas da Lei 9.656/98 permite afirmar que o plano básico, denominado plano referência pelo artigo 10, sob exame, é o ideal visado pelo Ministério da 33 Saúde como necessário ao atendimento das necessidades básicas da população, no que diz respeito às metas programáticas postas da Constituição Federal a respeito da saúde, especificadamente nos artigo 196 a 200.” (2005, p. 92) Entretanto, as empresas atuantes no mercado podem oferecer aos seus consumidores diferentes tipos de planos, com coberturas diferenciadas do planoreferência, desde que atendidos os requisitos previstos na Lei 9.656 e na legislação complementar. Dessa forma, necessária a análise do texto do artigo 12 da Lei 9.656, o qual dispõe o seguinte: “Art. 12. São facultadas a oferta, contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas: I - quando incluir atendimento ambulatorial: a) cobertura de consultas médicas, em número ilimitado, em clínicas básicas e especializadas, reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina; b) cobertura de serviços de apoio diagnóstico, tratamentos e demais procedimentos ambulatoriais, solicitados pelo médico assistente; II - quando incluir internação hospitalar: a) cobertura de internações hospitalares, vedada a limitação de prazo, valor máximo e quantidade, em clínicas básicas e especializadas, reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina, admitindo-se a exclusão dos procedimentos obstétricos; b) cobertura de internações hospitalares em centro de terapia intensiva, ou similar, vedada a limitação de prazo, valor máximo e quantidade, a critério do médico assistente; c) cobertura de despesas referentes a honorários médicos, serviços gerais de enfermagem e alimentação; d) cobertura de exames complementares indispensáveis para o controle da evolução da doença e elucidação diagnóstica, fornecimento de medicamentos, anestésicos, gases medicinais, transfusões e sessões de quimioterapia e radioterapia, conforme prescrição do médico assistente, realizados ou ministrados durante o período de internação hospitalar; e) cobertura de toda e qualquer taxa, incluindo materiais utilizados, assim como da remoção do paciente, comprovadamente necessária, para outro estabelecimento hospitalar, dentro dos limites de abrangência geográfica previstos no contrato, em território brasileiro; e f) cobertura de despesas de acompanhante, no caso de pacientes menores de dezoito anos; III - quando incluir atendimento obstétrico: a) cobertura assistencial ao recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor, ou de seu dependente, durante os primeiros trinta dias após o parto; b) inscrição assegurada ao recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor, como dependente, isento do cumprimento dos períodos de carência, desde que a inscrição ocorra no prazo máximo de trinta dias do nascimento ou da adoção; IV - quando incluir atendimento odontológico: a) cobertura de consultas e exames auxiliares ou complementares, solicitados pelo odontólogo assistente; b) cobertura de procedimentos preventivos, de dentística e endodontia; c) cobertura de cirurgias orais menores, assim consideradas as realizadas em 34 ambiente ambulatorial e sem anestesia geral;” Diante do texto de lei aqui transcrito, verifica-se que a informação sobre a cobertura obrigatória que deve ser fornecida pelos planos de saúde é clara e expressa. Entretanto, a quantidade de procedimentos e serviços inerentes ao atendimento à saúde são vastos, não podendo ser integralmente tratada em um único artigo de lei. Dessa forma, pode-se considerar as previsões do artigo 12 da Lei 9.656 como uma espécie de princípios norteadores. Por esse motivo, para se ter a real ideia da cobertura obrigatória que deve ser disponibilizada pelos planos de saúde, há que se recorrer a legislação complementar, que apesar de extensa, é clara. Diante dessas considerações, importante ressaltar que vige a Resolução do Conselho de Saúde – CONSU nº 10, de 04.11.1998, que está intrinsecamente ligada ao contido nos artigos 10 e 12 da Lei 9.656/98, vez que já em seu artigo primeiro estabelece: “Art. 1º O Rol de Procedimentos Médicos, anexo a esta Resolução, deverá ser utilizado como referência de cobertura pelas operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde de que trata os arts. 10 e 12 da Lei 9.656/98. Parágrafo único. A inclusão de novos procedimentos dependerá de proposição do Ministério da Saúde para aprovação pelo Consu.” Portanto, como pode-se verificar da análise dos institutos acima transcritos, existe um detalhamento da cobertura obrigatória, partindo do plano referência previsto no artigo 10, passando pelo artigo 12 e suas previsões específicas para cada tipo de cobertura, chegando ao texto da resolução número 10 do CONSU, que além de trazer ainda mais informações sobre as coberturas em cada modalidade de plano, institui o rol de procedimentos a ser adotado pelas empesas operadoras de planos de saúde. De acordo com informações retiradas do sítio da ANS: “o Rol de Procedimentos é a listagem dos procedimentos em saúde cuja cobertura é garantida a todos os usuários dos planos adquiridos a partir de 2 de janeiro de 1999. (…) O Rol é revisado periodicamente por Câmaras Técnicas designadas especificamente para tal fim, que contam com a participação de representantes dos diversos segmentos da sociedade envolvidos na assistência à saúde 35 suplementar. A necessidade de atualizações periódicas no Rol de Procedimentos se dá em função da evolução da prática médica, o que exige um processo permanente de incorporação de novas tecnologias com segurança e eficácia comprovadas e de exclusão de outras, tornadas obsoletas.” 6 Estão relacionadas a atualização do rol, as resoluções do CONSU, nº 10 de 4 de novembro de 1998, nº 15 de 29 de março de 1999, bem como as resoluções da diretoria colegiada da ANS, nº 41 de 14 de dezembro de 2000, nº 67 de 7 de maio de 2001 e as resoluções normativas da ANS, nº 82 de 28 de setembro de 2004 e nº 167 de 9 de janeiro de 2008. Com relação aos procedimentos odontológicos, a atualização dos procedimentos deu-se através das resoluções normativas nº 9 de 26 de janeiro de 2002 e nº 154 de 5 de junho de 2007 e a resolução da diretoria colegiada nº 21 de 12 de maio de 2000. Diante dessas informações, tem-se que, atualmente, o rol mais atualizado é o estabelecido pela RN 167 de 2008. Verifica-se, então, que para entendimento das coberturas obrigatórias, deve-se partir dos artigos previstos na Lei 9.656/98, passando-se pela legislação complementar, pois, como visto nas transcrições do texto de lei acima, pode-se dizer que as previsões da Lei 9.656 são detalhadas pelas previsões da resolução nº 10 do CONSU, que remetem ainda ao rol de procedimentos, que é atualizado de tempos em tempos pela ANS e representa o detalhamento da cobertura obrigatória que deve ser respeitada pelas empresas operadoras dos planos. Portanto, ainda que as operadoras tenham intenção de oferecer planos com coberturas diferenciadas, objetivando, por exemplo, a redução do preço, podem fazê-lo, desde que atendendo as disposições da legislação pertinente. É possível, ainda, perceber que são claras as regras impostas aos planos de assistência à saúde, sendo importante ressaltar que diante do compromisso da ANS de 6 http://www.ans.gov.br/portal/site/roldeprocedimentos/roldeprocedimentos.asp 36 defender o interesse público e o consumidor, aliado ao conhecimento do setor, inerente a sua constituição, combinada com o conhecimento adquirido durante estes mais de dez anos de atuação na regulação do mercado da saúde suplementar, credenciam-na para o estabelecimento da cobertura contratual necessária para garantia da prestação continuada de serviços de saúde aos consumidores. 4.3. NATUREZA JURÍDICA E FUNCIONAMENTO DOS PLANOS DE SAÚDE O objetivo deste tópico, um dos mais importantes deste trabalho, é demonstrar a forma de funcionamento dos planos de saúde, especialmente no que diz respeito a sua complexidade e sensibilidade em relação ao meio em que estão inseridos. Maury Bottesini e Mauro Machado (2005), ao comentar sobre a estrutura dos planos de saúde, afirmam que: “O que não se pode perder de vista quando se examina as questões referentes a planos e seguros privados de assistência à saúde é o traço de mutualidade que permeia o assunto.” E os autores prosseguem: “Os planos de saúde se inserem num nicho criado pelo descompasso entre a necessidade de uma proteção universal à saúde e assistência médico hospitalar, instituído como um direito de todos e dever do Estado pelo art. 196 da CF, e a carência de recursos públicos necessários para garantirem a execução eficiente das políticas sociais e econômicas destinadas à redução do risco de doença e de outros agravos. É a insuficiência de recursos financeiros que permitam prover o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde que faz aparecer o chamado mercado para a medicina suplementar privada.” (2005, p. 53) E ainda afirmam: “A carência de recursos públicos para o custeio e manutenção dos serviços públicos de saúde faz emergir um mercado formado por uma clientela que pode pagar um plano privado de assistência à saúde, ou contratar a cobertura de um seguro. Tais seguros diferem substancialmente daqueles contratados individualmente com as companhias seguradoras, em razão de rigoroso escrutínio dos riscos cobertos e da uniformidade das coberturas.” (2005, p. 53) Já o autor Toro da Silva, ao tratar da natureza jurídica dos planos de saúde afirma que: 37 “É evidente que a Lei 9.656/98 parte de uma base securitária, restando demonstrada a cobertura de um evento, a princípio, futuro e incerto, a socialização dos riscos, que é o mutualismo, e a forma de se prevenir (previdência) o custo para cobertura de despesas médico-hospitalares que, no momento da contratação, não se consegue mensurar. Dizemos que a cobertura é, a princípio, de um evento futuro e incerto, porque a Lei 9.656/98, em seu art. 10, determina a cobertura das doenças e lesões preexistentes, determinando apenas a aplicação de um período diferenciado de carência, de até 24 (vinte e quatro) meses, denominado de cobertura parcial temporária para os leitos cirúrgicos, procedimentos de alta tecnologia ou de alta complexidade. Portanto, no caso das doenças e lesões preexistentes, não se trata de cobertura de um evento incerto, pois com certeza o consumidor necessitará do tratamento das patologias já existentes no momento da contratação, ficando facultado ao consumidor, ao invés de cumprir o período de cobertura parcial temporária, efetuar o pagamento de um agravo, para não se sujeitar à aludida restrição parcial, por um período determinado.” (2005, p. 83) Portanto, conforme depreende-se do ensinamento dos autores citados, verifica-se que o surgimento dos planos e seguros de saúde deve-se, principalmente, à incapacidade do poder público prover a saúde a todos, de acordo com as previsões constitucionais. Entretanto, diante do contexto econômico brasileiro, caracterizado por uma baixa renda per capita, dificilmente a população poderia arcar com os custos inerentes a saúde de maneira particular e isolada. É por esse motivo que surgem os planos de saúde, cujo caráter de mutualismo permite que inúmeros indivíduos associem-se, contribuindo com pequenas quantias, que unidas, permitirão garantir a prestação do atendimento necessário, em virtude de doenças que venham acometer os participantes desse grupo. Na concepção de Cláudia Lima Marques, o que se deve considerar ao tratar de planos e seguros de saúde é: “que a ideia dos seguros, e hoje dos planos de saúde, está intimamente ligada ao anseio humano de controle dos riscos e de socialização dos riscos atuais e futuros entre todos na sociedade. Se inicialmente os seguros, assim como ainda descritos em nosso Código Civil de 1916 (e também no CCBr./2002) envolviam apenas 'indenizar', o 'responder' monetariamente, é esta visão superada, pois os serviços de seguro evoluíram para incluir também a performance bond, isto é, o contrato de seguro envolvendo a 'execução' de uma obrigação, um verdadeiro 'prestar', em fazer futuro muito mais complexo que a simples entrega de uma quantia monetária.” (2002, p. 412) E a autora continua, afirmando que: “Além da finalidade comum de assegurar ao consumidor e seus dependentes contra os riscos relacionados com a saúde e a manutenção da vida, parece-nos 38 que a característica comum principal dos contratos de planos e seguros-saúde é o fato de ambas as modalidades envolverem serviços (de prestação médica ou de seguro) de trato sucessivo, ou seja, contratos de fazer de longa duração e que possuem uma grande importância social e individual.” (2002, p. 412) E com relação ao objeto principal dos contratos de plano de saúde, MARQUES afirma que: “é a transferência (onerosa e contratual) de riscos/garantia referentes a futura necessidade de assistência médica ou hospitalar. A efetiva cobertura (reembolso) dos riscos futuros à sua saúde e de seus dependentes, a adequada prestação direta ou indireta dos serviços de assistência médica (pré-pagamento) é o que objetivam os consumidores que contratam com estas empresas. Para atingir este objetivo os consumidores manterão relações de convivência e dependência com os fornecedores desses serviços de saúde por anos, pagando mensalmente suas contribuições, seguindo as instruções (por vezes, exigentes, burocráticas e mais impeditivas do que) regulamentadoras dos fornecedores, usufruindo ou não dos serviços, a depender da ocorrência ou não do evento danoso à saúde do consumidor e seus dependentes (consumidores-equiparados).” (2002, p. 413) E ainda segundo MARQUES (2002), os contratos de plano de saúde tem caráter aleatório, pois a contraprestação da empresa operadora do plano em favor do consumidor depende da ocorrência de evento futuro e incerto, consubstanciado na doença que venha a acometer o consumidor. Considerando os ensinamentos de Cláudia Lima Marques, é possível verificar que os planos de saúde e a evolução dos seguros até o modelo atual, demonstram a complexidade do setor, pois como dito pela autora, não significa apenas a entrega de uma quantia monetária, mas sim, a execução de uma prestação, que só pelo simples fato de estar relacionado com a saúde já representa uma dificuldade enorme. Diante das informações trazidas pelos autores citados, resta evidente a importância dos caráteres aleatório e de mutualismo que permeiam os planos de saúde, em que cada participante contribui com pequenos valores, para compor um fundo monetário comum que visa garantir o pagamento dos custos de atendimento dos usuário que por ventura venham a necessitar das coberturas dos planos, em função de uma patologia que os acometa. Diante do entendimento dos autores acima citados, importante destacar que as 39 operadoras atuam como meras gestoras dos fundos compostos pela contribuição dos consumidores a elas vinculados. Neste ponto, cabe trazer a lume o disposto no artigo 1º da Lei 9.656/98, especialmente seu inciso I que dispõe: “Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições: I – Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós-estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando à assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor:” (Grifo nosso) Portanto, conforme depreende-se do texto de lei acima transcrito, a ideia é que o fundo pertence aos consumidores, e por isso, o pagamento das expensas dever ser realizado pelas empresas operadoras por conta e ordem dos consumidores, ou seja, numa análise mais aprofundada, verifica-se que quem arca com os custos dos atendimentos médicos-hospitalares dos beneficiários de um plano de saúde, são todos participantes deste mesmo plano. Em trabalho intitulado “Os Aspectos Jurídicos da Atenção Domiciliar na Saúde Suplementar”7 de autoria de Síndia Leonor de Paula e Souza, esta, ao tratar da natureza jurídica dos planos de saúde, cita o entendimento dos autores José Reinaldo Lopes e Paulo Neto, de que tais serviços são sempre de caráter coletivo, mútuo ou solidário em algum aspecto fundamental e anotaram: “Os planos de saúde, mesmo que se considerem diferentes dos contratos de seguro, são muito próximos a eles e funcionam de forma semelhante. Uma empresa que ofereça planos de saúde é uma organização que constitui um fundo comum, cuja distribuição se faz por meio de contratos individualizados ou por meio de grupos constituídos. Logo, o que está em jogo em primeiro lugar é a constituição desses fundos e sua distribuição. Ao contrário de uma empresa comercial comum, a empresa de saúde não oferece à venda mercadorias a um público que tem para com elas relações episódicas. São relações não one-shot, 7 http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/6656/Os_Aspectos_Juridicos_da_Atencao_Domiciliar_na_S aude_Suplementar 40 como diz de modo feliz a expressão inglesa.” (LOPES e NETO, citados por SOUZA) Com relação aos mecanismos que garantem a prestação do serviços pelas operadoras, cabe ainda ressaltar o disposto no artigo 12 da resolução normativa 160 da ANS, qual seja: “Art. 12 - As OPS deverão constituir, mensalmente, atendendo às boas práticas contábeis, as seguintes provisões técnicas: I - Provisão de Risco, para garantia da parcela das contraprestações cuja vigência do risco ainda não tenha findado; II - Provisão para Remissão, para garantia das obrigações decorrentes das cláusulas contratuais de remissão das contraprestações pecuniárias referentes à cobertura de assistência à saúde, quando existentes; III - Provisão para Eventos Ocorridos e Não Avisados – PEONA, estimada atuarialmente para fazer frente ao pagamento dos eventos que já tenham ocorrido e que não tenham sido registrados contabilmente pela OPS; IV – Outras provisões técnicas que a OPS julgue necessárias visando a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, desde que consubstanciadas em Nota Técnica Atuarial de Provisões – NTAP e aprovadas previamente pela DIOPE, sendo de constituição obrigatória a partir da data da efetiva aprovação. Parágrafo único - Para fins desta norma, consideram-se cláusulas contratuais de remissão das contraprestações pecuniárias referentes à cobertura de assistência à saúde aquelas que prevêem a manutenção de cobertura de assistência à saúde, com dispensa de pagamento da contraprestação pecuniária, no caso de ocorrência de um fato futuro e incerto previsto contratualmente. Art. 13 - As provisões técnicas de que tratam os incisos II, III e IV, do art. 12 deverão ser apuradas conforme metodologia definida por atuário legalmente habilitado, em NTAP, a ser encaminhada para análise e aprovação da DIOPE. § 1º - Deverão ser observados, no que couber, os critérios técnicos constantes do Anexo II, quando da elaboração da NTAP a ser enviada. § 2º - Até que haja aprovação da metodologia de cálculo da PEONA, deverão ser observados os valores mínimos constantes da Seção III do presente Capítulo. Art. 14 - A totalidade do valor constituído das provisões técnicas de que trata esta Resolução deverá, obrigatoriamente, ser lastreada por ativos garantidores nos termos da legislação vigente.” O texto acima transcrito, demonstra de forma substancial a ideia de que as operadoras de planos de saúde são meras gestoras dos fundos compostos pelas contribuições dos beneficiários. Outro ponto possível de verificação, é a preocupação da ANS com a garantia da saúde financeira do fundo gerido, de forma a permitir a prestação dos serviços necessários. Importante ressaltar também, o conteúdo do artigo 35-L da Lei 9.656/98, que demonstra a preocupação da ANS com a garantia da continuidade de atendimento através da saúde financeira das empresas, bem como demonstra o fato das operadoras serem meras gestoras dos fundos formados pelos consumidores, senão vejamos: 41 “Art. 35-L. Os bens garantidores das provisões técnicas, fundos e provisões deverão ser registrados na ANS e não poderão ser alienados, prometidos a alienar ou, de qualquer forma, gravados sem prévia e expressa autorização, sendo nulas, de pleno direito, as alienações realizadas ou os gravames constituídos com violação deste artigo. Parágrafo único. Quando a garantia recair em bem imóvel, será obrigatoriamente inscrita no competente Cartório do Registro Geral de Imóveis, mediante requerimento firmado pela operadora de plano de assistência à saúde e pela ANS.” Portanto, como dito anteriormente, o montante representado pelas reservas técnicas, mantido pelas operadoras, tem como objetivo precípuo a garantia e manutenção da saúde financeira das empresas, com foco na manutenção da prestação dos atendimentos aos consumidores. Tecidas as primeiras considerações sobre a natureza jurídica e funcionamento dos planos de saúde, importante ressaltar como é calculado o preço necessário a ser cobrado dos consumidores, de forma a manter o equilíbrio econômico e financeiro das empresa, e consequentemente garantir a prestação dos serviços contratados. Basicamente, esse equilíbrio é garantido pelo cálculo atuarial, o que o torna absolutamente imprescindível. Tamanha é sua importância, que ao tratar do assunto, Toro da Silva ensina: “O cálculo atuarial é de tamanha importância, em face dessa característica de contrato relacional dos planos e seguros privados de assistência à saúde que a ANS, através da Resolução RDC nº 28, de 26 de junho de 2000, determina que todos os produtos (contratos) que venham a ser comercializados necessitem, para aprovação da ANS, da apresentação de uma 'Nota Técnica de Registro de Produto – NTRP', justificativa da formação inicial dos preços dos planos e produtos de assistência suplementar à saúde. Essa NTRP deve ser atualizada a cada período de 12 meses contado a partir da data de registro inicial do plano ou produto. Se constatadas irregularidades nas informações prestadas, poderá ser instaurado processo administrativo para aplicação das penalidades cabíveis.” (2005, p. 90) Para oferecer um melhor entendimento do que vem a ser o cálculo atuarial, interessante transcrever a descrição realizada por Lígia Bahia, citada por Toro da Silva, que ensina: “Os elementos básicos para a determinação do valor atuarial dos planos e seguros saúde, são: 1) morbidade e conseqüentes despesas relativas ao consumo de procedimentos médico e hospitalares; 2) despesas de comercialização e administrativas; 3) garantias e reservas; 4) lucro. Entre os fatores considerados tradicionalmente para classificar os riscos envolvidos com as despesas médicas situam-se: idade, sexo, ocupação e área geográfica. Dessa maneira, a base 42 atuarial para os planos e seguros-saúde inclui a estimativa de probabilidades da ocorrência de despesas médico-hospitalares, por idade, sexo e região geográfica, cálculo do denominado 'carregamento' do prêmio (lucro + despesas administrativas e de comercialização) e fixação de tarifas. Esse painel tradicional de instrumentos atuariais não leva em conta os elementos considerados exógenos aos riscos cobertos com a indução de despesas pelos prestadores de serviços.” (BAHIA, 2001, p. 15 citada por SILVA, 2005, p. 89) Dessa forma, diante das informações aqui apresentadas, é possível se verificar que os planos de saúde funcionam dentro de um sensível equilíbrio, permitido pela imposição de determinadas regras que visam garantir a prestação dos serviços por essas empresas. Nesse sentido, e reportando ao ensinamento de Lígia Bahia (2001), os cálculos atuariais “não levam em consideração elementos considerados exógenos aos riscos cobertos”, até porque não cabe à ciência atuarial, prever o futuro, mas, baseada em dados e informações do presente e passado, projetar o futuro, com vistas à redução dos riscos advindos de eventos que possivelmente acontecerão. 43 5. DA INTERVENÇÃO ESTATAL Neste tópico, buscar-se-á entender, dentre tudo que foi até agora exposto, qual a relação entre o Estado e as empresas que operam planos de saúde, buscando definir as efetivas responsabilidades, confrontando o público e o privado. 5.1. A SEPARAÇÃO DOS PODERES Ponto fundamental para entender a responsabilidades dos entes públicos e privados atuantes no setor de saúde no Brasil, em especial o da saúde suplementar, é o entendimento da teoria da separação dos poderes, a qual não será aprofundada no presente trabalho, por não se tratar de seu foco. Diante desses comentários iniciais, cumpre apresentar importante lição de Darcy Azambuja, acerca das atividades inerentes a cada um dos poderes estatais, qual seja: “De modo geral, examinada a atividade do Estado moderno, não obstante sua extrema complexidade, podemos distinguir três modalidades ou espécies de funções. Em primeiro lugar vemos o poder manifestar-se sob a forma de normas gerais e obrigatórias para todos os habitantes, isto é, atos do Estado que se impões a todos os que se encontram em determinadas situações. É a função legislativa, ou o Poder Legislativo, como se diz na linguagem clássica do Direito Público. Do mesmo modo que nos organismos cada função tem um órgão especial que a desempenha, assim também no Estado à função de fazer as leis corresponde um órgão peculiar, que é o órgão legislativo, também chamado Poder Legislativo: é o Parlamento, Assembleia Nacional, Congresso etc. Sua Denominação varia nas diversas Constituições. Além dessa, há outra função importantíssima, que o Estado executa, não tendo em vista promulgar leis que regulem a vida social, e sim por meio de atos singulares, visando objetivos concretos, particulares. Assim acontece quando o Estado nomeia funcionários, cria cargos, executa serviços públicos, como os relacionados com a educação e a saúde públicas, construção de estradas, portos etc.; arrecadação de impostos, organizações das forças de terra, mar e ar etc., etc. Essa função denomina-se, com manifesta impropriedade, função executiva ou Poder Executivo. Outros preferem designá-la função administrativa ou administração, simplesmente. (…) Por fim, a terceira grande função do estado aparece quando ele dirime os dissídios surgidos entre os cidadãos por motivo da aplicação das leis, quando julga e pune os infratores dessas leis, quando, em resumo, ele declara o Direito, aplica as leis aos casos particulares, faz reinar a justiça nas relações sociais, assegura os direitos individuais. Essa é a função judiciária e o órgão respectivo é formado pelos tribunais e juízes, o Poder Judiciário. Vemos, assim, que nos Estados modernos as funções estão especializadas, tendo cada uma seu órgão próprio. É o que se denomina divisão dos poderes.” (1977, p. 176/177) Sobre o mesmo assunto, Carlos Ary Sundfeld, afirma que: “Para ser real o respeito da Constituição e dos direitos individuais por parte do 44 Estado, é necessário dividir o exercício do poder político entre órgãos distintos, que se controlem mutuamente. A cada um desses órgãos damos o nome de Poder: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário. A separação dos Poderes estatais é elemento lógico essencial do Estado de Direito. Cada Poder (isto é, cada órgão) exerce uma espécie de função. Ao Legislativo cabe a função legislativa, correspondente à edição de normas gerais e abstratas (as leis), seja para regular os demais atos estatais, seja para regular a vida dos cidadãos. Ao Executivo cabe a função administrativa, isto é, a atividade de, em aplicação da lei anteriormente editada, cobrar tributos (dos quais o imposto é uma espécie), prestar serviços (como a distribuição de água encanada, de geração de energia elétrica, de transporte aéreo), ordenar a vida privada (multando industrias poluidoras, controlando o trânsito de veículos pelas ruas, autorizando a construção de edifícios), e assim por diante. Ao Judiciário cabe a função jurisdicional: julga, sob provocação do interessado, os conflitos entre os indivíduos (a disputa em torno da propriedade de terreno, a cobrança de dívida, a ação de divórcio), ou entre indivíduos e Estado (a ação proposta por empresa para anular multa imposta pelo Executivo, ou por cidadão para se livrar de imposto cobrado de forma inconstitucional). (2006, p. 42) O entendimento exposto pelos autores acima citados, contribui para a compreensão do problema objeto do presente estudo, vez que não se pode aceitar que um poder se sobreponha a outro simplesmente pelo fato de que não concorda ou não compartilha da mesma ideia acerca de determinado assunto, sob pena de se estar causando uma verdadeira insegurança jurídica e política que repercute sobre toda a sociedade. Isto é o que ocorre quando uma decisão emanada pelo poder judiciário sobrepõese aos dispositivos emanados do legislativo, e que, importante ressaltar, passaram por todo um processo até sua aprovação e aplicação no contexto real. Diante desses ensinamentos, cumpre transcrever as ementas de algumas decisões nesse sentido, iniciando pela Apelação Cível nº 70029066941 da quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, de relatoria do Desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto: “APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO. PLANO DE SAÚDE. LIMITAÇÃO DE COBERTURA. PRAZO DE INTERNAÇÃO. HOSPITAL PSIQUIÁTRICO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 1. O objeto principal do seguro é a cobertura do risco contratado, ou seja, o evento futuro e incerto que poderá gerar o dever de indenizar por parte da seguradora. Outro elemento essencial desta espécie contratual é a boa-fé, na forma do art. 422 do Código Civil, caracterizada pela lealdade e clareza das informações prestadas pelas partes. 2. Há perfeita incidência normativa do Código de Defesa do Consumidor nos contratos atinentes aos planos ou seguros de saúde, como aquele avençado entre 45 as partes, podendo se definir como sendo um serviço a cobertura do seguro médico ofertada pela demandada, consubstanciada no pagamento dos procedimentos clínicos decorrentes de riscos futuros estipulados no contrato aos seus clientes, os quais são destinatários finais deste serviço. 3. Injustificada a recusa da demandada com base em cláusula contratual que limita a cobertura integral do período de internação psiquiátrica, pois esta limita o período de internação hospitalar, o que é expressamente vedado pelo art. 12, inciso II, alíneas “a” e “b” da Lei 9.656. 4. Inaplicável ao caso em tela a Resolução nº. 11 do Conselho da Saúde Suplementar (CONSU), que estabelece a obrigatoriedade de cobertura pelas operadoras de pelo menos 30 dias de internação, por ano, em hospital psiquiátrico. Isso se deve ao fato de que não é permitido à Agência fiscalizadora estabelecer restrições não previstas em lei e em detrimento do consumidor. 5. O segurado, na condição de enfermo, deve ter assegurado tratamento condigno e de acordo com as suas necessidades clínicas prementes, não podendo ser estabelecida data para cura, jogando o paciente a própria sorte, caso o restabelecimento da saúde tenha ocorrido ou não naquele interregno de tempo, o que atenta ao princípio da dignidade humana. Negado provimento ao apelo.” Ademais, tem-se a decisão da Ministra Nancy Andrighi, relatora do Agravo de Instrumento de nº 1.099.052, com a seguinte ementa: “Civil. Agravo de instrumento. Seguro saúde. Contrato que limita o tempo de permanência do segurado em internação hospitalar. Abusividade reconhecida por reiterada jurisprudência do STJ, que deu origem à Súmula nº 302/STJ. Fundamentação deficiente. Dissídio não comprovado. - Rejeitam-se corretamente os embargos declaratórios se ausentes os requisitos da omissão, contradição ou obscuridade. - Não se conhece do recurso especial na parte em que se encontra deficientemente fundamentado. - É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado. - Não se conhece do recurso especial, pela divergência, se não comprovado o dissídio jurisprudencial, nos moldes legal e regimental. Agravo de instrumento não provido.” Diante dessas duas decisões, importante ressaltar o contido na resolução normativa número 11 do CONSU, que estabelece: “Art. 2º É obrigatória a cobertura pelas operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde: (...) II – nos planos ou seguros do segmento hospitalar: 1. o custeio integral de, pelo menos, 30 (trinta) dias de internação, por ano, em hospital psiquiátrico ou em unidade ou enfermaria psiquiátrica em hospital geral, para portadores de transtornos psiquiátricos em situação de crise; 2. o custeio integral de, pelo menos, 15 (quinze) dias de internação, por ano, em hospital geral, para pacientes portadores de quadros de intoxicação ou abstinência provocados por alcoolismo ou outras formas de dependência química que necessitem de hospitalização;" Diante do trecho da resolução acima transcrito, evidente que as decisões antes apresentadas implicam em custos não previstos pelas operadoras, gerando risco para o 46 equilíbrio financeiro dessas empresas e consequentemente a prestação dos serviços estabelecidos em contrato. A seguir, apresenta-se ementa do julgamento de Agravo de Instrumento no Recurso Especial nº 668.216/SP, de relatoria do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, qual seja: “AGRAVO REGIMENTAL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - NÃO OCORRÊNCIA - RECUSA DE COBERTURA DOS MEDICAMENTOS CORRELATOS AO TRATAMENTO DE QUIMIOTERAPIA, MINISTRADOS EM AMBIENTE DOMICILIAR IMPOSSIBILIDADE - ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA RESTRITIVA VERIFICAÇÃO - AGRAVO IMPROVIDO.” E no corpo do voto, dispôs: “Seguro saúde. Cobertura. Câncer de pulmão. Tratamento com quimioterapia. Cláusula abusiva. 1. O plano de saúde pode estabelecer quais doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento está alcançado para a respectiva cura. Se a patologia está coberta, no caso, o câncer, é inviável vedar a quimioterapia pelo simples fato de ser esta uma das alternativas possíveis para a cura da doença. A abusividade da cláusula reside exatamente nesse preciso aspecto, qual seja, não pode o paciente, em razão de cláusula limitativa, ser impedido de receber tratamento com o método mais moderno disponível no momento em que instalada a doença coberta. 2. Recurso especial conhecido e provido.” Neste voto, foi violado o disposto no inciso VI do artigo 10 da Lei 9.656/98, que é claro ao estabelecer a cobertura dos planos de saúde, e que excetua o fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar. Diante dessa decisão, ressalta-se mais uma vez a insegurança jurídica causada, pois o texto da Lei é claro a respeito da não obrigatoriedade da cobertura, entretanto, o judiciário entende diferentemente disso, como visto pelo voto acima. Portanto, evidente a insegurança jurídica causada pelas referidas decisões, como já afirmado anteriormente. 5.2. A RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DOS PLANOS DE SAÚDE No presente tópico, tratar-se-á dos contratos de plano de saúde, porém, antes de 47 abordar os contratos de planos de saúde propriamente ditos, cumpre ressaltar alguns importantes ensinamentos, que servirão de substrato para uma análise mais profunda e apurada do assunto. Ao delimitar o conceito de planos e seguros de saúde, Cláudia Lima Marques esclarece que: “hoje a expressão genérica contrato de assistência médica engloba o contrato legalmente incluído como seguro ou plano de saúde e os demais contratos de assistência médica. Nesse sentido, pode-se conceituar o contrato de assistência médica-hospitalar como contrato de obrigação de fazer prestado por terceiros, cujo fornecedor é geralmente um hospital, grupo de médicos ou de hospitais, os quais oferecem locação se serviços médicos e de internação hospitalar ou planos de saúde em grupo, a particulares e empresas (...)” (2002, p. 411) E, ao comentar a evolução dos contratos, Schaefer afirma: “Com a massificação das relações contratuais no século XX, constatou-se que o conceito clássico dos contratos como negócio jurídico bilateral ou plurilateral, cujo efeito jurídico pretendido pelas partes (acordo de vontades) é a criação, modificação ou extinção de uma relação obrigacional de conteúdo patrimonial, não era adequado à realidade da sociedade de consumo. O contrato é instrumento jurídico vinculante que possibilita a circulação de riquezas, e, por isso, a sua análise não pode estar dissociada da interpretação das práticas sociais, morais, econômicas e mercadológicas.” (2003, p. 47) O conceito trazido por Schaefer é absolutamente relevante ao tema em debate, pois como verificado em tópicos anteriores, os planos de saúde não envolvem apenas as partes que firmam diretamente os contratos, mas todo um grupo de pessoas que participam em caráter de mutualismo da formação de um fundo comum. Ademais, há que se considerar a repercussão das decisões que envolvem tais contratos, pois, de certa forma, causam reflexos na sociedade como um todo, na medida que o próprio SUS recebe influências dos movimentos sofridos pelos planos de saúde privados. Como exemplo, pode-se citar o aumento das mensalidades dos planos de saúde, o que certamente causaria um êxodo de beneficiários em direção ao SUS. Schaefer ainda ensina em relação ao desenvolvimento dos contrato que: “Desenvolveu-se a nova teoria contratual, fruto da transição do Estado liberal (garantidor das liberdades individuais) para o Estado social (intervencionista e garantidor do equilíbrio formal e material das relações privadas), capaz de atender às dinâmicas e complexas relações de consumo.” (2003, p. 47) 48 E sobre esse mesmo ponto, Marques afirma: “Os contratos de seguro foram responsáveis por uma grande evolução jurisprudencial no sentido de conscientizar-se da necessidade de um direito dos contratos mais social, mais comprometido com a eqüidade, boa-fé e menos influenciado pelo dogma da autonomia da vontade. As linhas de interpretação asseguradas pela jurisprudência brasileira aos consumidores em matéria de seguros são um bom exemplo da implementação de uma tutela especial para aquele contratante em posição mais vulnerável na relação contratual, antes e depois d entrada em vigor do CDC. Aqui há de se presumir a boa-fé subjetiva dos consumidores e se impor deveres de boa-fé objetiva (informação, cooperação e cuidado) para os fornecedores, especialmente tendo em conta o modo coletivo de contratação e por adesão.” (2002, p. 394/395) Com relação ao conteúdo dos contratos, cumpre ressaltar o conteúdo do artigo 16 da Lei 9.656/98, o qual dispõe: “Art. 16. Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza: I - as condições de admissão; II - o início da vigência; III - os períodos de carência para consultas, internações, procedimentos e exames; IV - as faixas etárias e os percentuais a que alude o caput do art. 15; V - as condições de perda da qualidade de beneficiário; VI - os eventos cobertos e excluídos; VII - o regime, ou tipo de contratação: a) individual ou familiar; b) coletivo empresarial; c) coletivo por adesão; VIII - a franquia, os limites financeiros ou o percentual de co-participação do consumidor ou beneficiário, contratualmente previstos nas despesas com assistência médica, hospitalar e odontológica; IX - os bônus, os descontos ou os agravamentos da contraprestação pecuniária; X - a área geográfica de abrangência; XI - os critérios de reajuste e revisão das contraprestações pecuniárias. XII - número de registro na ANS. Parágrafo único. A todo consumidor titular de plano individual ou familiar será obrigatoriamente entregue, quando de sua inscrição, cópia do contrato, do regulamento ou das condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o, além de material explicativo que descreva, em linguagem simples e precisa, todas as suas características, direitos e obrigações.” A transcrição acima, deixa clara a preocupação do legislador com a adequação dos contratos de planos de saúde com o CDC e suas exigências. Outro ponto a ser destacado, consiste na verificação do nível de intervenção do Estado no referido setor, pois até mesmo a forma dos contratos está detalhadamente prevista em lei. Ademais, verifica-se, que, apesar de extensa, a legislação pertinente aos 49 contratos de plano de saúde, especialmente no que concerne as coberturas de atendimento, é simples, clara e expressa. Dessa forma, a amplitude de cobertura deveria ser assunto pacífico, pois a lei é absolutamente clara com relação aos limites mínimos e máximos. Diante do exposto, é de se esperar que as regras estabelecidas pelo Estado através do legislador, sejam cumpridas, não só pelas empresas de planos de saúde, mas também pelo Estado, que além de ter instituído tais regras, deve, através do poder judiciário, zelar pelo seu cumprimento, em estrita observância ao seu conteúdo e alcance. 5.3. O INCISO II DO ARTIGO 5º DA COSNTITUIÇÃO FEDERAL Considerando todo o conteúdo até aqui tratado neste trabalho, há que se ressaltar a previsão do inciso II do artigo 5º da Constituição Federal, o qual estabelece que: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;” (Grifo nosso) E, ainda que o tema aborde pessoas jurídicas, Carlos Alberto Bittar, ao tratar da aplicação dos direitos da personalidade, afirma que: “Por fim, são eles plenamente compatíveis com pessoas jurídicas, pois, como entes dotados de personalidade pelo ordenamento positivo (C. Civil, arts. 13, 18 e 20), fazem jus ao reconhecimento de atributos intrínsecos à sua essencialidade, como, por exemplo, os direitos ao nome, à marca, a símbolos e à honra. Nascem com o registro da pessoa jurídica, subsistem enquanto estiverem em atuação e terminam com a baixa do registro, repeitada a prevalência de certos efeitos posteriores, a exemplo do que ocorre com as pessoas físicas (como, por exemplo, com o direito moral sobre criações coletivas e o direito à honra).” (1995, p. 13) Portanto, com base na transcrição acima, nítida a aplicação do disposto no inciso II do artigo 5º da CF às pessoas jurídicas. Nesse mesmo sentido, importante destacar o conteúdo do artigo 52 do Código Civil Brasileiro, que trata da proteção dos direitos da personalidade das pessoas jurídicas, 50 senão vejamos: “Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.” Diante disso, não se pode admitir que as empresas atuantes nesse setor, sejam obrigadas a arcar com gastos que extrapolam o determinado pela legislação vigente, ou conforme citado por Toro da Silva (2005), que invocou os ensinamentos de Lígia Bahia, com “elementos considerados exógenos aos riscos cobertos” (BAHIA, 2001, p.15 citada por SILVA, 2005, p. 90). Caso não se atente para o referido instituto constitucional, certamente ter-se-á uma grande insegurança jurídica, vez que para o empresário brasileiro, nunca será dado saber quais são as imposições legais ao seu negócio, pois quando menos se espera, as regras mudam ou deixam de ser aplicadas. 51 6. CONCLUSÃO Face a todo o exposto, e do fato que tem-se tornado recorrente nas decisões judiciais envolvendo planos de saúde e seus consumidores o entendimento por uma cobertura irrestrita, que extrapola muitas vezes a legislação posta, e consequentemente a previsão contratual estabelecida entre as partes, importante considerar que o resultado e consequências podem ser prejudiciais ao sistema como um todo, tanto para a saúde no âmbito privado, quanto no público. Essas decisões, mesmo sob o argumento de proteção dos consumidores, podem colocar em risco a atividade das operadoras de planos privados de assistência à saúde, e num contexto mais amplo, o próprio setor da saúde suplementar, pois, como visto, o equilíbrio econômico e financeiro da atividade é mantido graças as regras impostas pela legislação. Nesse sentido, o ponto mais importante, sem dúvida é o cálculo atuarial, que como demonstrado, trata-se da principal ferramenta para manutenção do equilíbrio das constas das empresas. Ademais, verificou-se que não se trata de previsão do futuro, mas de estatística aplicada de acordo com as regras estabelecidas para o setor. Portanto, quando as regras não são seguidas, não há como a ciência atuarial garantir o tão importante equilíbrio, pois conforme Lígia Bahia, citada por Toro da Silva (2005), “esse painel tradicional de instrumentos atuariais não leva em consideração elementos considerados exógenos aos riscos cobertos”. Ademais, restou claro que a saúde nos âmbitos privado e público estão intrinsecamente ligadas, sendo que atividades realizadas em uma das esferas, tem reflexos diretos na outra. Nesse contexto, conforme ressaltado nesse trabalho, o aumento de preços dos planos de saúde, certamente irá levar uma quantidade de consumidores para o SUS, aumentando ainda mais as dificuldades e ineficiência do sistema, 52 representando um real retrocesso para o sistema como um todo. Obviamente que o resultado imediato dessas decisões que extrapolam a legislação, se traduzir em aumentos de preço das contraprestações pecuniárias pagas pelos beneficiários enquanto o mediato, no caso do colapso do setor, a falta de assistência e desproteção dos usuários do sistema de saúde suplementar. É importante este entendimento, uma vez que se fosse oferecido apenas e tão somente um plano completo, com a maior abrangência de coberturas possível, nítido se torna que os valores referentes às contraprestações pecuniárias seriam elevados, o que excluiria desse mercado uma quantidade enorme de beneficiários. Entretanto, ainda que nas decisões que envolvem planos de saúde e seus consumidores/beneficiários sejam confrontados os princípios constitucionais do direito a vida e a dignidade da pessoa humana com o interesse econômico da empresa operadora, não há o que se discutir, pois é óbvia a prevalência dos referidos princípios em relação ao interesse econômico das empresas. No entanto, estes princípios não deveriam nem mesmo estar sendo confrontados, pois, conforme demonstrado, a responsabilidade pela prestação integral da saúde compete ao Estado e não à iniciativa privada. O que se está aqui dizendo é que a empresa operadora assumiu contratualmente a responsabilidade dentro de determinados limites, em especial os previstos nos já apresentados artigos 10 e 12 da Lei 9.656/98, combinados com as disposições da Resolução do CONSU nº 10, e não a cobertura integral e irrestrita de serviços de saúde como se pretende em determinadas decisões. Mais uma vez, cabe ressaltar que esta cobertura integral e irrestrita cabe ao Estado, por força de disposição constitucional, prevista no artigo 196, corroborado pelos artigos 197 e 199. 53 Outro ponto importante a ser destacado, relaciona-se à insegurança jurídica causada pelas decisões que extrapolam os limites impostos pela legislação, pois como tratado, consubstanciam-se em verdadeira mudança de regra no meio do jogo. Ora, não se está aqui defendendo que o sistema posto seja perfeito e que não necessite de mudanças, especialmente no sentido de proteção do consumidor desses serviços. Entretanto, não é aceitável que essas mudanças ocorram de forma a colocar todo o universo de consumidores vinculados a uma determinada empresa de planos de saúde sob risco de não terem satisfeitas suas necessidades conforme contratadas, em detrimento de atendimentos realizados fora da cobertura contratual para outros beneficiários. Aqui, cabe lembrar que os planos de saúde são fundos comuns, com caráter de mutualismo. Diante disso, absolutamente injusto que determinados usuários, que buscam o judiciário, consigam ter acesso a coberturas que as quais não fazem jus e que serão pagas pelos demais participantes do fundo, que, em regra, respeitam os limites dos contratos firmados. Não resta dúvida que nessas situações a injustiça ocorre quando um determinado usuário, que cumpre as regras paga valores muito mais altos para obter a mesma cobertura de um usuário, que através de plano básico e por força de determinação judicial, consegue uma cobertura igual ou ainda mais ampla de atendimento. Outro ponto a ser salientado relaciona-se a afirmativa de que sem a cobertura prestada pela operadora de plano de saúde, o usuário não teria atendimento. No entanto, esta afirmação é infundada, pois o SUS está aí justamente para realizar a disposição constitucional prevista no artigo 196, ou seja, se não há cobertura pelo plano de saúde, obrigatoriamente esta deve ser prestada pelo SUS por força da constituição. Este entendimento relaciona-se a inúmeros princípios, que vão desde o já citado 54 princípio da segurança jurídica, o da igualdade, o da legalidade, o pacta sunt servanda (ultrapassando sua relativização), dentre outros. Portanto, diante do presente estudo, verifica-se que as empresas de planos de saúde têm responsabilidade contratual com seus usuários, enquanto o Estado, por força de disposição constitucional, tem responsabilidade de prestar atendimento completo, através do SUS, para todos que dele necessitarem, ou seja, diante da limitação dos contratos de planos de saúde, imposta pela legislação emanada pelo próprio Estado, evidente que a responsabilidade pelos atendimentos que extrapolem essas previsões são responsabilidade que deve ser assumida pelo ente público. 55 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 16ª ed. Porto Alegre: Globo, 1977. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. BOTTESINI, Ângelo Machado; MACHADO, Mauro Conti. Lei dos Planos e Seguros de Saúde: comentada artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4ª ed. São Paulo: RT, 2002 SCHAEFER, Fernanda. Responsabilidade Civil dos Planos e Seguros de Saúde. São Paulo: Juruá, 2003. SILVA, José Luiz Toro da. Manual de Direito da Saúde Suplementar: a iniciativa privada e os planos de saúde. 1ª ed. São Paulo: Ed. M.A. Pontes. 2005. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4ª ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2007. BARROZO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Disponível em http://www.lrbarroso.com.br/pt/casos/direito/artigo_prof_luis_roberto_barroso_da_falta_de _efetividade_a_judicializacao_excessiva.pdf. Acesso em: 04 de abril de 2010. SOUZA, Síndia Leonor de Paula e. Disponível em: http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/6656/Os_Aspectos_Juridicos_da_Atencao_Do miciliar_na_Saude_Suplementar. Acesso em: 02 de abril de 2010. BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. 56 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em 01 de abril de 2010. BRASIL. Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. 04 de junho de 1998. BRASIL. Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000. Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. 29 de janeiro de 2000. BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 2002. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. 20 de setembro de 1990. BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. 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