Boletim
do
CIM
c e n t r o d e
i n f o r m a ç ã o
d o m e d i c a m e n t o
Reacções adversas a medicamentos
As reacções adversas a medicamentos (RAM) são uma das
principais causas de doença iatrogénica.1,2 Os medicamentos em
doses terapêuticas podem produzir reacções adversas previsíveis
e toleráveis relacionadas com a sua farmacologia; adicionalmente,
podem provocar toxicidade que não se pode prever, por não estar
relacionada com as suas acções farmacológicas.3
As instituições e os clínicos têm usado diferentes definições de
RAM.4 Segundo a definição clássica da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma RAM é “qualquer efeito prejudicial ou não desejado
que se apresenta depois da administração de um medicamento nas
doses normalmente utilizadas com fins profilácticos, de diagnóstico
ou terapêuticos ou com o objectivo de modificar uma função fisiológica”.3,5-7 É uma definição conservadora que exclui as intoxicações
por medicamentos em resultado de uma sobredosagem acidental ou
intencional.3,6 Esta definição da OMS é geralmente a mais referida,
mas exclui também os efeitos nocivos resultantes do uso inapropriado dos medicamentos, ou por incumprimento da prescrição;3 exclui
o erro como fonte de reacção adversa.6,8 Segundo alguns autores,
também não são incluídas de forma clara as reacções devidas a
contaminantes (por exemplo, de plantas) ou a excipientes supostamente inactivos da formulação,8 os efeitos adversos não perigosos,
mas inconvenientes e os efeitos secundários com doses usadas de
um modo não descrito na definição como, por exemplo, as doses
usadas como teste.7
Uma RAM grave é aquela que causa a morte, põe a vida em
risco, provoca incapacidade permanente ou significativa, motiva
ou prolonga a hospitalização, causa anomalia congénita ou requer
intervenção para prevenir dano permanente.8
Mais recentemente surgiu o conceito de acontecimentos adversos por medicamentos, definido como qualquer dano causado
pelo uso – incluindo a falta de uso – de um medicamento, que é mais
amplo que o de RAM e inclui estas, na acepção tradicional, assim
como os efeitos não desejados que se produzem como consequência
de erros na medicação.3,4,9,10
Um erro de medicação (EM) é qualquer acontecimento que
pode ser prevenido, que pode causar ou conduzir a dano no doente
ou a um uso inadequado dos medicamentos, enquanto estes estão
sob controlo do profissional de saúde, doente ou consumidor. Podem
estar relacionados com prática profissional, produtos de saúde, procedimentos e sistemas, incluindo a prescrição, comunicação, embalagem, rotulagem, nomenclatura, preparação, dispensa, distribuição,
administração, educação e monitorização.9,10 Em 2002, foram publicados no Boletim do CIM dois artigos sobre este tema.
Para alguns autores, os termos efeito adverso e reacção adversa são
intercambiáveis;8 o medicamento causa um efeito, enquanto o doente
tem uma reacção.7,8 Aronson e Ferner7 definem RAM como uma reacção
apreciável, perigosa ou desagradável, resultante de uma intervenção
relacionada com o uso de um medicamento; geralmente prefiguram um
perigo em administrações futuras e precisam de prevenção, tratamento
específico, alteração do regime posológico ou da retirada do produto.
O termo “intervenção” significa que a reacção adversa pode ser originada por causas alheias ao produto em si mesmo como, por exemplo,
uma má técnica de administração; foi definido previamente o termo
“medicamento” como incluindo excipientes e contaminantes.7
Uma RAM pode ser devida também a uma interacção, definida
como uma resposta farmacológica que não pode ser explicada pela
acção de um só medicamento, mas sim devida a dois ou mais medicamentos que actuam simultaneamente.4
A importância do problema
As RAM são um problema com implicações significativas para a saúde e finanças dos doentes e das instituições.5,6 O crescente número de
novos medicamentos e a sua maior potência, juntamente com a complexidade dos tratamentos, têm contribuído para o aumento do risco de
RAM no ambulatório.5 Como cada vez são comercializados mais medicamentos e mais indivíduos tomam um maior número de medicamentos,
a ocorrência de RAM provavelmente continuará a aumentar.
A magnitude do problema das RAM é difícil de quantificar, já que
muitas não são relatadas.11 Em alguns casos as RAM podem causar
só algumas moléstias, mas também são uma das principais causas
de mortalidade e morbilidade.1,4 As RAM são um importante problema
clínico que contribui para 2-6% dos internamentos hospitalares,1,12
ou cerca de 3-15 % noutros estudos.4
Lazarou et al., numa metaanálise muito citada de 39 estudos
realizados nos Estados Unidos, conclui que as RAM foram entre a
quarta e sexta causa de morte em 1994, causando mais de 100.000
mortes por ano.13 A metodologia do trabalho foi criticada; no entanto,
sublinha o facto de que as RAM podem matar doentes.2
Num estudo prospectivo baseado na análise de 18.820 internamentos hospitalares durante 6 meses, 1225 (6,5%) foram relacionados
com uma RAM. Calcula-se que a reacção adversa levou directamente
ao internamento em 80% dos casos, sendo os fármacos mais implicados o ácido acetilsalicílico, os anti-inflamatórios não esteróides
(AINE), a varfarina e os diuréticos.14
Bates, num estudo realizado sobre 4.031 internamentos em dois
hospitais, encontrou 247 acontecimentos adversos por medicamentos, indicando também que 42% dos casos graves e com risco para
a vida podiam ter sido prevenidos.15 Entre 6 e 15% dos doentes hospitalizados experimentam uma RAM grave.1 A incidência de RAM em
doentes hospitalizados pode chegar a 28%.4
Uma revisão sistemática16 constata que 3,73% dos internamentos
hospitalares estão relacionados com os medicamentos e podem ser prevenidos. Foram identificados quatro grupos (antiagregantes plaquetares,
diuréticos, AINE e anticoagulantes) como principais responsáveis.
Estima-se que 30-60% das RAM possam ser evitadas.4 No entanto,
outras não podem ser prevenidas, pois não compreendemos como e
por que acontecem.2 Os doentes individuais podem exibir susceptibilidade particular e imprevisível a certos medicamentos.17
A experiência tem mostrado que muitas das RAM (incluindo algumas graves) e interacções só se revelam após a comercialização de
um fármaco.17,18 Aproximadamente 10% dos novos medicamentos
comercializados nos EUA nos últimos 25 anos foram retirados do
mercado ou rotulados com importantes alertas ou restrições como
consequência de RAM graves, às vezes mortais.2
Os ensaios clínicos são úteis para estabelecer a eficácia e a relação benefício-risco mas, em muitos casos, podem não ser suficientemente amplos ou longos para proporcionar toda a informação sobre
a segurança dum medicamento.19 Os estudos pré-comercialização
são conduzidos em populações comparativamente pequenas, homogéneas, num prazo de tempo relativamente curto e sob condições
padronizadas. Por isso, muitas RAM não são descobertas nesta fase
inicial de desenvolvimento.3
março/abril 2008
Factores de risco
Factores de risco
Os dados epidemiológicos apoiam a existência de factores específicos que aumentam o risco de RAM.1
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Entre os principais factores responsáveis pelo surgimento de RAM
estão os relacionados com o doente, como a idade (os extremos de
vida), factores genéticos como polimorfismo genético,6,18,20-22 sexo,6,18,20
dieta,21,22 factores fisiológicos como a gravidez,6,18,21,22 estados alérgicos,6,18 número de medicamentos tomados concomitantemente
e tipo de medicação,6,20,21 por exemplo, uso de medicamentos com
baixo índice terapêutico18 e doenças que podem alterar a susceptibilidade de um doente às RAM. 6,20-22
A incidência de iatrogenia aumenta com o número de medicamentos.3,6,21,23 O número de fármacos usados (≥9) foi relacionado
com a ocorrência de RAM num estudo realizado em lares de idosos.23
As RAM podem ser mais prováveis quando dois fármacos dados em
simultâneo são metabolizados pela mesma via, causando aumento
nos níveis plasmáticos de um deles.6 Um número não desprezível
de reacções é devido a interacções medicamentosas.3
A natureza e gravidade da doença associada são também factores
de risco de desenvolvimento de RAM. O fígado é o órgão primário de
metabolismo e o rim o de excreção,6 pode esperar-se que as doenças
destes órgãos dificultem a eliminação;6,25 Uma das causas mais importante de RAM farmacocinéticas – a diminuição da taxa de eliminação – pode causar toxicidade ao elevar a concentração plasmática.25
Os doentes graves requerem doses mais altas de medicamentos e
durante mais tempo.6 A doença cardíaca pode reduzir a actividade
metabólica pela fraca oxigenação e perfusão dos órgãos.25
Ocorrem RAM em todos os grupos etários, mas são mais frequentes
em doentes maiores de 65 anos.6 As RAM são uma causa importante
de morbilidade e mortalidade no idoso.24 Os estudos mostram que
grande número de internamentos de idosos estão relacionados com
efeitos indesejáveis induzidos pela medicação.25 Uma das principais
causas de RAM no idoso é a insuficiência no funcionamento dos órgãos,18 pelas variadas e frequentes patologias e regimes terapêuticos
múltiplos a que estão sujeitos.6,24 Não é claro se a idade isoladamente
é um factor de risco ou se contribuem outros factores que podem
surgir associados com a idade.6,26 Um estudo para identificar os potenciais factores de risco de RAM em idosos em ambulatório encontrou factores comuns (polifarmácia, fármacos específicos, patologias
crónicas, insuficiência renal), mas será necessária mais investigação
para determinar a sua validade para predizer RAM.26 O idoso deve
ser alvo de programas de vigilância e de prevenção.6
Um factor de predisposição para RAM em recém-nascidos é a imaturidade dos sistemas enzimáticos responsáveis pelo metabolismo
dos medicamentos, que pode ocasionar uma eliminação diminuída.18
Há também causas indirectas, como a maior prevalência de polifarmacoterapia (por exemplo, nos cuidados intensivos de neonatologia),
duração prolongada de internamento (por exemplo, crianças com
doenças congénitas) e causas iatrogénicas como o uso de fármacos
para indicações não autorizadas com pouca informação sobre qual a
dose apropriada (por exemplo, uso de medicamentos órfãos). 27
Tem sido observado que geralmente parece existir uma maior
tendência para sofrer RAM nas mulheres.1,18,28 Factores como a
prontidão na procura de atenção médica, o uso inadequado de medicamentos ou a diferente importância dada às doenças têm sido
apontados como responsáveis por este fenómeno.18 É necessária
mais investigação para elucidar os mecanismos que expliquem as
diferenças observadas relativamente ao género.28
Tem sido sugerido que a falta de conhecimento adequado pelos médicos dos novos produtos ou o seu uso inadequado pelos doentes são
importantes factores de risco para o desenvolvimento de RAM. 18
Os factores de risco são difíceis de evitar, mas o seu conhecimento
proporciona áreas em que os profissionais de saúde podem aumentar
a vigilância para prevenção de RAM.6 A farmacogenética pode ajudar
na vigilância pós-comercialização; através de testes genéticos podem
ser identificados doentes em risco de RAM graves e raras.29
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O farmacêutico tem um papel importante tanto na detecção de
RAM, que são um dos tipos frequentes de problemas relacionados
com medicamentos, como na sua comunicação ao Sistema Nacional
de Farmacovigilância. Os farmacêuticos devem incentivar os doentes
a contactá-los de novo se identificarem alguma RAM, especialmente
se for grave, ou se surgirem sintomas invulgares ou inesperados.
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