TJ
Fls.------
SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO Nº 76655/2010 - CLASSE CNJ - 417 - COMARCA CAPITAL
APELANTE:
APELADO:
WANDERSON DOS SANTOS SILVA
MINISTÉRIO PÚBLICO
Número do Protocolo: 76655/2010
Data de Julgamento: 10-8-2011
EMENTA
RECURSO
DE
APELAÇÃO
CRIMINAL
–
ESTUPRO
DE
VULNERÁVEL, LESÃO CORPORAL E AMEAÇA – IRRESIGNAÇÃO –
PRELIMINAR
DE
NULIDADE
POR
SUPRESSÃO
DO
PARECER
MINISTERIAL – ARGUIÇÃO EX OFFICIO PELA DOUTA RELATORA –
OPORTUNIZADA A MANIFESTAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DE
JUSTIÇA – MISTER QUE DEIXOU DE CUMPRIR POR SEU LIVRE
ALVEDRIO E TALANTE – IRRESIGNAÇÃO COM A DECISÃO QUE LHE
INDEFERIU
O
AUDIOVISUAIS
PEDIDO
CONTIDOS
DE
NOS
DEGRAVAÇÃO
AUTOS
–
DOS
REGISTROS
INOCORRÊNCIA
DE
NULIDADE – PRELIMINAR DE NULIDADE POR CERCEAMENTO DE
DEFESA ANTE O INDEFERIMENTO DE REALIZAÇÃO DE EXAME
TOXICOLÓGICO E DE INSANIDADE MENTAL – ISAGÓGICA REJEITADA
– AUSÊNCIA DE DÚVIDA RAZOÁVEL QUANTO À HIGIDEZ DO AGENTE
– PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA –
INVIABILIDADE – MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE
COMPROVADAS – CONTEXTO PROBATÓRIO HARMONIOSO A ATESTAR
A AUTORIA DELITIVA – PALAVRAS FIRMES DA VÍTIMA EM
CONSONÂNCIA COM AS DEMAIS PROVAS AJUNTADAS AOS AUTOS –
REDUÇÃO DA PENA IMPOSTA – IMPOSSIBILIDADE – REPRIMENDA
FIXADA DE MODO PROPORCIONAL ÀS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS
DESFAVORÁVEIS AO RECORRENTE – DECOTE DA CAUSA DE
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AUMENTO DE PENA DELINEADA NO ART. 226, INCISO II, CP –
INVIABILIDADE – COMPROVAÇÃO NOS AUTOS DE QUE O AGENTE
VALEU-SE DE RELAÇÃO DE CUNHADIO – RECONHECIMENTO DA
CONTINUIDADE DELITIVA – IMPOSSIBILIDADE – CRIMES DE ESPÉCIES
DIFERENTES – APELO DESPROVIDO.
Nenhuma nulidade advém da inércia da Procuradoria-Geral de Justiça
que, nada obstante intimada a emitir parecer, deixa de fazê-lo por seu livre alvedrio
e talante, pois, o que constitui causa de nulidade processual não é a falta de efetiva
atuação do Parquet, que eventualmente deixe de emitir parecer no processo, mas,
isso sim, a falta de intimação que inviabilize a participação do Ministério Público
na causa em julgamento.
Não constitui cerceamento de defesa o indeferimento de pedido de
realização de exame toxicológico e de insanidade mental, quando não exsurgir dos
autos dúvida razoável quanto à higidez mental do agente, ainda que dependente de
drogas.
Acertada a decisão pela procedência da ação penal quando o conjunto
fático-probatório ajuntado aos autos, sobretudo as declarações da vítima, de
testemunhas e o laudo de constatação de violência sexual, demonstra ter o
recorrente ofendido a integridade física, ameaçado e praticado atos libidinosos com
a ofendida, que possuía onze anos de idade.
Em matéria de crimes sexuais, por ocorrerem quase sempre à sorrelfa,
sem testemunhas de visu, a palavra da vítima assume especial relevo, notadamente
quando amparada pelas demais provas trazidas aos autos.
O juiz, ao fixar a pena-base, deve se orientar pelo rol de oito
circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP, de molde que a negatividade de
algumas delas justifica o afastamento do piso legal.
Imperiosa a aplicação da causa de aumento prevista no art. 226, inciso
II, do Código Penal, quando ficar provado nos autos que o agente utilizou-se de
uma relação de intimidade e confiança [cunhadio] que possuía com a infante como
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forma de facilitar a prática do delito contra a liberdade sexual.
Em se tratando de hipótese de cometimento de delitos de espécies
diferentes, não há falar em reconhecimento da continuidade delitiva, em face do
desatendimento de um dos requisitos previstos no art. 71 do Código Penal.
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APELANTE:
APELADO:
WANDERSON DOS SANTOS SILVA
MINISTÉRIO PÚBLICO
RELATÓRIO
EXMA. SRA. DRA. GRACIEMA R. DE CARAVELLAS
Egrégia Câmara:
Cuida-se de recurso de apelação criminal interposto pela defesa de
Wanderson dos Santos Silva em face da sentença constante das fls. 81/95 dos autos da Ação
Penal nº 1740/2009 que tramitou pela 2ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar
Contra a Mulher de Cuiabá, que declarou procedente a denúncia e o condenou ao cumprimento
de 21 (vinte e um) anos de reclusão e 03 (três) anos de detenção, em regime inicial fechado,
pela prática do crime de estupro de vulnerável (artigo 217-A) c/c art. 129, § 9º c/c art. 147,
caput, c/c art. 69 e art. 226, II, última parte, todos do Código Penal, com a alteração da Lei nº
12.015/09 c/c Lei. nº 8.072/90.
Segundo se apurou, por volta das 16h30min do dia 03/10/2009, em
concurso material de delitos e por três vezes, Wanderson constrangeu D. G. S., mediante
violência e grave ameaça, a ter com ele conjunção carnal, bem como em atos libidinosos,
consistentes na introdução do dedo na vagina da menor e à prática de sexo oral. Teria ainda, o
apelante ofendido a integridade física da vítima com puxões de cabelo e empurrões, causandolhe lesões corporais de natureza leve em suas mãos e nas regiões escapular e torácica. Não
satisfeito, após cometer os crimes já mencionados, ameaçou de morte a vítima D. G. S. (de
quem é cunhado, pois é casado com uma de suas irmãs), sua irmã Luzia e seus sobrinhos e que,
em seguida, cometeria suicídio.
Nas razões recursais jungidas às fls. 98/111, postula a anulação da
sentença, arguindo cerceamento de defesa, pelo não acolhimento do pedido de realização de
exame toxicológico e de insanidade mental. No mérito, protesta pela absolvição por
insuficiência probatória, com fulcro no art. 386, VI do CPP. Subsidiariamente, pede a redução
da pena-base para o mínimo legal, bem como o afastamento da especial aumentativa de pena
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prevista no art. 226, II do CP, posto que a vítima é apenas “cunhada”.
Em contrarrazões ao recurso, constantes das fls. 113/123, o órgão
ministerial pede o seu desprovimento, argumentando que ficou devidamente demonstrada a
prática dos crimes, sendo firmes e coerentes as provas produzidas durante a instrução criminal,
eliminando qualquer dúvida acerca da autoria imputada ao apelante.
Instada a se manifestar, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, aduziu a
imprescindibilidade da degravação do CD de fls. 67, consistentes nos depoimentos da vítima,
testemunhas e do apelante, e ante o indeferimento deste pleito, deixou de emitir o seu parecer
quanto o mérito recursal.
É o relatório.
PARECER (ORAL)
O SR. DR. LEONIR COLOMBO
Egrégia Câmara:
Foi impetrado Mandado de Segurança contra a decisão que indeferiu a
degravação da oitiva das provas testemunhais e a emissão de parecer implicaria na
prejudicialidade da Ação Mandamental.
Por essa razão, ratifico a manifestação emitida pela eminente
Procurador Benedito Xavier de Souza Corbelino.
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VOTO
(PRELIMINAR
EXMA.
SRA.
-
SUPRESSÃO
DO
PARECER
MINISTERIAL)
DRA.
GRACIEMA
R.
DE
CARAVELLAS
(RELATORA)
Egrégia Câmara:
Conforme relatado, trata-se de recurso de apelação criminal interposto
por Wanderson dos Santos Silva em face da sentença de fls. 81/95, que o condenou ao
cumprimento de 21 anos de reclusão e 03 anos de detenção, em regime inicial fechado, pela
prática dos delitos tipificados no art. 217-A c/c art. 129, § 9º c/c art. 147, caput, c/c art. 69 e art.
226, II, última parte, todos do Código Penal, com alteração da Lei nº 12.015/09 c/c Lei nº
8.072/90.
A denúncia que deu origem ao procedimento persecutório relatou que o
apelante, por volta das 16h30min do dia 03/10/09, no Bairro Tijucal, nesta Capital, em
concurso material de delitos, por três vezes, mediante violência e grave ameaça, constrangeu D.
G. S., de 11 anos de idade, à conjunção carnal, bem como à prática de atos libidinosos,
consistentes na introdução do dedo na vagina da menor e em sexo oral.
Segundo consta, por meio de puxões de cabelo e empurrões, o apelante
agrediu a integridade física da ofendida, causando-lhe lesões corporais de natureza leve. Após
ameaçou-a de morte, afirmando ainda que mataria sua irmã, seu sobrinho e que por fim se
mataria, caso ela levasse o fato a conhecimento de terceira pessoa.
I – Preliminar de supressão do parecer ministerial
Antes de ingressar na matéria do apelo, cumpre averbar que, embora
nos termos do art. 564, inciso III, alínea ‘d’, do Código de Processo Penal, a supressão do
parecer ministerial acarrete nulidade do julgamento, certo é que – no caso dos autos – a
Procuradoria-Geral de Justiça foi intimada para o mister e deixou de cumpri-lo por seu livre
alvedrio e talante, porque irresignada com a decisão que lhe indeferiu o pedido de degravação
dos registros audiovisuais contidos nos autos (fls. 180/183).
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Anoto, nesse tocante, que a fonte causal de nulidade consiste na
ausência de intimação do parecerista e, não, na recusa deste em lançar manifestação nos autos,
pois na hipótese de sua não cientificação estar-se-ia subtraindo do custos legis a sua função
constitucional, o que não ocorre quando ele próprio, por motivos que lhe pareçam legítimos,
deixa de emitir o parecer.
Neste sentido, já decidiu este eg. Sodalício:
“AÇÃO PENAL - TRÁFICO DE DROGAS - PROVA ORAL
COLHIDA POR MEIO AUDIOVISUAL - PEDIDO DE DEGRAVAÇÃO
FORMULADO PELO PARQUET - INDFERIMENTO - LEGALIDADE APLICABILIDADE DO ART. 405 DO CPP C/C PROVIMENTO Nº 08/2010/CM
- NULIDADE PROCESSUAL - INOCORRÊNCIA - INTELIGÊNCIA DO ART.
565 DO CPP - MATERIALIDADE E AUTORIA CONFIGURADAS - PROVAS
SUFICIENTES PARA EMBASAR A CONDENAÇÃO - PENA-BASE FIXADA
ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - ADMISSIBILIDADE - RECURSO NÃO
PROVIDO. O registro, por meio audiovisual, dos depoimentos colhidos na
instrução processual encontra amparo no art. 405 do CPP. Desse modo, não há
que se falar em nulidade processual decorrente da recusa do Membro do Parquet
em emitir o parecer, quando a este foi oportunizado se manifestar sobre elas e
conferido livre acesso às provas testemunhais contidas no CD colacionado aos
autos. Noutro giro, a norma do art. 565 do CPP veda a arguição de nulidade pela
parte que lhe houver dado causa. É imperiosa a condenação quando há provas
suficientes de autoria e de materialidade delitivas. A existência de circunstâncias
judiciais desfavoráveis ao réu conduz à fixação da pena-base acima do mínimo
legal.” (3ª Câmara Criminal, ApCrim nº 125031/2009, Rel. Des. José Jurandir
de Lima, julgado em 26/01/2011)
Também perfilha este entendimento o colendo Superior Tribunal de
Justiça:
“O que verdadeiramente constitui causa de nulidade processual não é
a falta de efetiva atuação do Parquet, que eventualmente deixe de emitir parecer
no processo, mas, isso sim, a falta de intimação que inviabilize a participação do
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Ministério Público na causa em julgamento. Hipótese inocorrente na espécie,
pois ensejou-se a Procuradoria-Geral da República a possibilidade de opinar no
processo.” (STJ, AI 139671 Agr/DF)
Assim, tendo sido oportunizada a manifestação ao parquet, não vejo
nulidade em proceder ao julgamento do presente recuso de apelação criminal sem que a douta
Procuradoria-Geral de Justiça tenha exarado o seu parecer.
VOTO
EXMO. SR. DES. ALBERTO FERREIRA DE SOUZA (REVISOR)
Egrégia Câmara:
Rejeito a preliminar.
VOTO
EXMO. SR. DES. GÉRSON FERREIRA PAES (VOGAL)
Egrégia Câmara:
Rejeito a preliminar.
VOTO (PRELIMINAR - CERCEAMENTO DE DEFESA)
EXMA.
SRA.
DRA.
GRACIEMA
R.
DE
CARAVELLAS
(RELATORA)
Egrégia Câmara:
A defesa argui preliminar de nulidade por entender que houve
cerceamento de defesa no indeferimento da realização dos exames de insanidade mental e
toxicológico, requeridos ao término da instrução criminal, após a oitiva da vítima, testemunhas
e interrogatório do apelante.
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A preliminar arguida não prospera, pois o exame de insanidade mental
somente é cabível quando houver fundada dúvida sobre a integridade mental do acusado. A
mera arguição, sem respaldo algum, não justifica a diligência requerida.
No caso, o apelante se mostrou lúcido em todos as vezes em que foi
ouvido, e o requerimento de instauração do incidente em vias de o processo ser sentenciado, na
audiência una, apresenta caráter nitidamente protelatório (fls. 58/59).
As próprias testemunhas de defesa, Célia Aparecida Duarte e Waldecy
Francisco de Leite (este último ouvido como informante, por ser amigo do apelante), ao
enaltecer a personalidade de Wanderson, afirmaram que ele é pessoa trabalhadora e digna, e
nenhum dos dois relatou que sofria de qualquer tipo de transtorno psicológico, embora afirmem
que ele seja usuário de droga e dado ao consumo de bebidas alcoólicas (arquivo audiovisual, fl.
67).
Como consignou o Ministério Público naquela audiência, “o réu é
pessoa absolutamente capaz e normal, conversou normalmente nesta audiência, trabalhava
antes da prisão, conduzia veículo automotor e foi tido como cidadão de bem pelas
testemunhas de defesa arroladas nesta oportunidade.” (fl. 59)
Também se ponderou ali que a embriaguez do apelante no momento
dos fatos foi preordenada, e a ebriedade habitual, bem como a condição de usuário de droga,
não determina, tampouco pressupõe, a inimputabilidade. A própria pedofilia constitui um
comportamento
patológico
que
não
deriva,
necessariamente,
da
incapacidade
de
autodeterminação da pessoa.
Sendo assim, não vislumbro qualquer tipo de cerceamento de defesa,
sendo que neste sentido já decidiu este eg. Tribunal, senão vejamos:
“APELAÇÃO CRIMINAL - CRIMES DE ESTUPRO E ATENTADO
VIOLENTO AO PUDOR - PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE EXAME DE INSANIDADE MENTAL AUSÊNCIA DE ELEMENTOS DEMONSTRATIVOS DA HIGIDEZ MENTAL
- IRRESIGNAÇÃO CONTRA O RECONHECIMENTO DO CONCURSO
MATERIAL - PRETENSÃO DE SE APLICAR CONTINUIDADE DELITIVA CONDUTAS DELITIVAS INDIVIDUAIS QUE ENSEJAM O CONCURSO Fl. 9 de 22
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APELO IMPROVIDO. Não havendo dúvidas sobre a integridade mental do réu, à
vista dos elementos de convicção dos autos, o indeferimento do exame de
insanidade mental do paciente, não configura cerceamento de defesa. O estupro e
o atentado violento ao pudor, embora do mesmo gênero, são crimes de espécie
diferentes, o que afasta a idéia de continuidade delitiva para enquadrar-se como
concurso material, ainda que praticados contra a mesma pessoa.” (TJ/MT Ap.Crim. nº 4600/2003 - 1ª CCrim - Rel. Drª Maria Aparecida Ribeiro - julg.
02/9/03)
Rejeito, pois, a preliminar de cerceamento de defesa.
VOTO
EXMO. SR. DES. ALBERTO FERREIRA DE SOUZA (REVISOR)
Egrégia Câmara:
Se nos depara recurso de apelação manejado por Wanderson dos Santos
Silva, em face da r. sentença que o condenou pela prática das condutas típicas capituladas nos
artigos 217-A [três vezes] c.c. 226, inciso II, art. 129, § 9º e art. 147, caput, c.c. art. 69, todos
do Código Penal, às penas privativas de liberdade de 21 (vinte e um) anos de reclusão [art. 217A, CP] e de 03 (três) anos detenção [arts. 129, § 9º, e 147, caput, ambos do CP].
Preliminarmente, aduz o apelante ter havido cerceamento de defesa
apto a nulificar a sentença, vez que a magistrada a quo indeferiu-lhe instância por realização de
exame toxicológico e de insanidade mental. No mérito, assere a insuficiência do contexto
probatório ajuntado aos autos durante a persecutio criminis in iudicium, a seu juízo, escasso
para respaldar um decreto condenatório, daí por que insta sua absolvição com fulcro no
princípio do in dubio pro reo. Subsidiariamente, requer, ainda: a redução da pena-base do
delito insculpido no art. 217-A, CP [estupro de vulnerável] para o quantum mínimo; a exclusão
da causa de aumento delineada no art. 226, inciso II, do Código Penal; o reconhecimento da
continuidade delitiva.
Preliminar de nulidade – Cerceamento de defesa
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Não vem de prosperar a alegação defensiva de suposta ocorrência de
cerceamento de defesa mercê do indeferimento do pedido de realização de exame toxicológico
e de insanidade mental.
Ora, a realização do exame de insanidade está condicionada à
existência de dúvida razoável quanto à higidez mental do acusado [art. 149, CPP], o que não se
verificou na espécie, porquanto, como bem ponderou a magistrada de primeira instância, “as
demais provas colhidas nos autos indicam ser ele pessoa normal já que trabalhava dirigia
veículo e como bem ressaltou o MP tinha tanta consciência do fato que lhe é proferido que não
praticou as claras, mas procurou, segundo a vítima narrou, um lugar ermo.” (fls. 59/60 – sic)
No pertinente ao exame toxicológico, não se pode olvidar que a
realização de tal perícia torna-se imprescindível apenas quando existirem fundadas razões de
que o réu seja, efetivamente, dependente de droga e tenha comprometido, por isso, a higidez
mental, a ponto de se aplicar o benefício contido no artigo 45 da Lei nº 11.343/06.
Por fim, temos que eventual instauração de incidente processual para a
realização dos referidos exames médicos-legais fica a cargo do juiz, ao vislumbrar a ocorrência
de tais hipóteses. Logo, não verificando a magistrada a necessidade dos reclamados exames,
não há falar em cerceamento de defesa.
Destarte, rejeitamos a preliminar.
VOTO
EXMO. SR. DES. GÉRSON FERREIRA PAES (VOGAL)
Egrégia Câmara:
Estou de acordo com os entendimentos precedentes.
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VOTO (MÉRITO)
EXMA.
SRA.
DRA.
GRACIEMA
R.
DE
CARAVELLAS
(RELATORA)
Egrégia Câmara:
a) Ingressando na seara meritória, tenho que o pretendido decreto
absolutório se mostra inviável, pois a partir das provas coligidas aos autos, restaram
comprovadas a materialidade e autoria do crime previsto no art. 217-A do Código Penal em
relação ao apelante, bem como dos demais delitos a ele correlatos (lesões corporais e ameaça).
Com efeito, o exame pericial se mostrou conclusivo, pois demonstrou a
existência de vestígios de conjunção carnal, registrando que a vítima sofreu rotura himenal
recente com hematomas nas bordas às 6:00 hs, de modo que a prova pericial, aliada aos relatos
da vítima e das demais testemunhas, não deixam margem a dúvidas quanto a existência
material dos fatos.
O exame de fls. 08/13 também constatou que a menor sofreu as
seguintes lesões: “equimose nas regiões escapular à esquerda, torácica lateral e escoriação
na região dorsal da mão esquerda.”, todas compatíveis com a descrição dos fatos por ela
ofertada.
Observa-se ainda que tanto na fase inquisitorial quanto em juízo, D. G.
S. forneceu considerável riqueza de detalhes na narração fática, desde o momento em que
festejava na residência de sua tia e foi chamada por Wanderson, até a forma precisa como os
fatos aconteceram, inclusive pontuando as expressões proferidas pelo agressor. Enfim,
descreveu com minúcias o modus operandi, outorgando coerência e verossimilhança às suas
palavras. Na primeira oportunidade em que foi ouvida, relatou que o ora apelante
“... a chamou dizendo que iria levá-la para a casa de uma tal de Néia,
onde sua irmã estaria esperando para que cuidasse de uma criança chamada
Artur (...) no momento em que suspeitou dele, tentou correr por duas vezes, mas
foi pega novamente por ele, momento em que foi pega novamente por ele (...) o
acusado tirou suas roupas, introduziu o dedo em sua vagina, momento que
sangrou, então limpou o sangue no banco do carro (...) segurou-a pelos cabelos
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introduzindo o seu pênis em sua boca e jogando seu sêmen em seu rosto e boca
(...) dizia que a trocaria por pneus de carro quando um outro homem que ele
dizia estar esperando chegasse até aquele lugar, dizendo que ele faria pior do que
ele fez (...) depois que ele terminou o ato, a ameaçou dizendo que se contasse a
alguém ele a mataria, também a sua irmã e seus sobrinhos e depois tiraria a vida
dele também (...).” (IP, fls. 23/24)
Depondo em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, D.
G. S. se reportou a um dos episódios criminosos e, com a mesma segurança antes demonstrada,
ofereceu uma narrativa plena de detalhes, relatando como o apelante praticamente a sequestrou,
levando-a para lugar ermo, a fim de consumar seus desideratos. Confira-se:
“(...) Dani, o Dani vamos lá que sua irmã vai no mercado, você fica lá
com o Artur pra nós ir lá fazer compra; eu nunca; nunca; eu só fui porque a
irmã vai; peguei e fui; aí ele pegou e passou direto; aí depois passou né; eu falei
você não vai virar aí no Mossoró onde você mora aí; não; ela ta lá no Atalaia; ali
em Néia; eu não conheço essa Néia (...) ele virou né no Atalaia aí na hora que
chegou lá; aí eu falei onde que é essa Néia (...) eu não sei; eu não sei; é o Atalaia
assim; ele virou onde tem um campo de bola; um rio lá pra baixo; eu não sei;
tinha dois paus marcados ali (...) pertinho do rio; ele ficava cuidando, cuidando e
falava: ah será que não vai dar certo; será que não vai dar certo; eu fui e
perguntei o que é que você ta falando que não vai dar certo; ele falou cala a sua
boca que eu vou trocar você por uns pneus de carro esportivo; eu fiquei
chorando lá dentro do carro; aí ele pegou, ficou cuidando; cuidando; ele falava
será que vai dar certo; ele falou na hora que esse cara chegar aí você tira a sua
roupa e fica quieta, calada, não fala nem um A; eu tava lá sozinha, eu fiquei
quieta; tava com medo; só tava eu lá sozinha, eu fiquei quieta; tava com medo; só
tava ele lá sozinho; aí depois ele assoviou Marco, eu comecei a chorar; ele pegou
na minha cintura; eu sai correndo; ele me segurou pelo braço não sei o que ele
fez que aqui em mim ficou roxo; perto do peito; ele pegou arrodiou, trancou a
porta do carro e rodiou e sentou no carro onde dirige; eu tava com uma blusa
regata ele pegou ficou passando a mão no meu peito; aí depois ele saiu do carro
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trancou a porta, rodiou e mandou eu tirar a roupa né; ai ficou passando a mão
em mim; e depois ele pegou e colocou o dedo dentro da minha vagina; aí que
saiu sangue; eu peguei e passei no banco do carro; ai minha calcinha ficou cheia
de sangue; ele falou não conta pra ninguém senão eu vou matar você, sua irmã,
seu sobrinho e todo mundo que aparecer na minha vida; ele falou eu vou te
matar; aí eu fiquei quieta e falei então você me larga lá em casa; você não me
leva pra canto nenhum; vamos fazer um trato; você me leva pra casa que eu não
conto pra ninguém; pra ninguém; aí ele pegou e me levou eu lá pra casa né; aí
não tem o Mossoró aqui que vira; aí tem uma farmácia né; ai tem uma rua que
sobe assim; ele pegou parou lá e falou vai para sua casa e não abre a boca, falou
duas vezes; não conta pra ninguém.” (arquivo audiovisual, fl. 67, 01min15seg)
Questionada pelo Ministério Público, a vítima disse que além de ter o
sentenciado introduzido o dedo em sua vagina, obrigou-a a praticar sexo oral com ele: “Ele
disse abre a boca; eu tive que abri porque eu tava sozinha; aí colocou na minha boca até sair
um trem nojento.” (11min50seg)
Em situações desse jaez, em que a ação delituosa é perpetrada na
clandestinidade, e cuja prova é de difícil configuração, a palavra da vítima assume excepcional
importância, como já restou assentado de forma pacífica na jurisprudência pátria.
No caso, contudo, a palavra da vítima não se mostra isolada, pois vem
amparada por relatos testemunhais. Com efeito, Luiza Duarte de Miranda, primeira pessoa a
socorrer a ofendida após os acontecimentos, corroborou os relatos dela, como se vê:
“Ele deixou ela numa esquina; na terceira casa longe da minha; eu
sai no portão pra levar meus netinhos na casa da mãe, topei com ela que vinha
vindo; ela topou no meu braço; Dona Luiza vou contar uma coisa pra senhora e
você não vai conta pra ninguém; mas eu nunca podia imaginar que era isso;
fala, o que é?; não; vou contar lá dentro da casa da Senhora; aí voltei, levei ela
lá dentro; aí ela começou a gritar e chorar mas que não era para contar pra
ninguém; pediu pra mim pelo amor de Deus, porque ele disse que ia voltar lá e
matar a Daiane e o neném que ia nascer (...) aí ela pegou e falou pelo amor de
Deus não conta; não conta; ela disse que queria tomar banho; porque ele fez ela
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engoli; disse que saiu um negócio branco dele e ele fez ela engoli aquilo; levei ela
no banheiro; ela disse que queria urinar; pus ela no vaso; só que tava sangrando
muito; bastante; e ela não conseguiu urinar; voltei com ela (...) ela gritava muito;
gritava e chorava; pedia pra não contar pra ninguém, por conta das ameaças.”
(arquivo audiovisual, fl. 67, 03min35seg)
O depoimento da genitora da vítima é no mesmo sentido. Diz ela que o
apelante “torturou muito minha filha”, e confirma o teor das palavras de Luiza.
As próprias testemunhas trazidas pela defesa, Célia e Waldecy, contam
que vieram a saber dos episódios como fatos certos, pois a notícia correu toda a comunidade.
No entanto, tentam justificar a conduta do apelante atribuindo-a ao consumo exagerado de
álcool e entorpecentes naquela ocasião (fl. 67).
Assim, as provas orais e o laudo pericial autorizam a condenação, não
havendo qualquer dúvida a ser solucionada em favor do réu. Desprovejo o pleito, também por
esse aspecto.
b) Em outra frente recursal, a defesa pede seja reduzida a pena-base e
afastado o aumento de pena previsto no art. 226, inciso II, do CP.
Razão assiste à defesa, em parte, nesse particular, porque, embora
repugnante seja o delito em questão, a pena-base, imposta em 14 nos de reclusão, se mostra
exacerbada.
Wanderson é primário, sem registro de antecedentes; sua conduta
social costumava ser a de um homem bom; persistindo como negativos os motivos do crime e
suas circunstâncias, de fato deveras danosas para a vítima, considerando que o apelante a levou
para local ermo, ludibriando-a, e prolongou desnecessariamente o seu sofrimento. As
consequências, com certeza, são profundas e certamente irreparáveis, dadas as condições em
que a pequena vítima perdeu sua virgindade e considerando que ela sangrou durante longo
período após a agressão, sofrendo alterações fisiológicas.
Entendo, contudo, como justa e necessária para a reprovação da
conduta do apelante, impor-lhe a pena-base em 10 (dez) anos de reclusão.
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No que tange à causa de aumento do art. 226, inciso II, do Código
Penal, algumas considerações devem ser feitas, pois, na hipótese dos autos, o apelante é casado
com a irmã da vítima, ou seja, são ligados pela relação de cunhadio.
Com efeito, denota-se que a aproximação do acusado em relação à
infante irmã de sua esposa (parentesco por afinidade) decorreu do convívio deste com a
impúbere em um seio comum, tendo inclusive o ato sexual ocorrido quando Wanderson foi
buscá-la de carro dizendo que sua esposa Luzia precisava dela para cuidar de seu filho Artur.
No caso, portanto, tenho que a douta magistrada não impôs a especial
aumentativa de pena por força da relação de cunhadio que ligava o apelante à vítima, vês que
era casado com a Irmã desta, mas pela relação de autoridade por ele exercida sobre ela,
plenamente comprovada nos autos, tanto assim que, tão logo comunicada por Wanderson que
a irmã a chamava para cuidar do sobrinho, D. G. S. prontamente obedeceu, sem pestanejar,
entrando em seu carro e seguindo em sua companhia.
Na lição de Bento de Faria, in “Codigo Penal Brasileiro (Comentado) –
Vol. VI, 3ª Ed. Atual., 1961, pag. 81: “O conceito de – autoridade – pressupõe, portanto, uma
relação de sujeição da vítima para com o agente, e tal ocorre sempre que este dispõe de um
poder qualquer legítimo ou lícito, suscetível de colocar o sujeito passivo em condição de
subordinado à sua vontade.”
E prossegue, mais adiante:
“A - autoridade - pode, pois, resultar de - qualquer título.”
Logo, não vejo como extirpar da pena o acréscimo a ela imposto pela
especial aumentativa em comento.
Com tais considerações, portanto, dou parcial provimento ao recurso de
apelação interposto por Wanderson dos Santos Silva, para o fim de readequar a pena-base a
ele imposta pelo delito de estupro, em 10 anos de reclusão, sobre ela incidindo o art. 226, II, do
Código Penal, o que a faz resultar definitiva em 15 (quinze) anos de reclusão no regime inicial
fechado, mantida ainda a condenação de 03 anos de detenção pelas práticas delitivas previstas
nos arts. 129, § 9º c/c 61, II, “h” e 147 do Código Penal.
É como voto.
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VOTO
EXMO. SR. DES. ALBERTO FERREIRA DE SOUZA (REVISOR)
Egrégia Câmara:
Borbota dos autos que no dia 03 de outubro de 2009, por volta das
16h30min, dentro de um veículo estacionado num matagal, nas proximidades de um rio e do
bairro Tijucal, em Cuiabá-MT, o apelante constrangeu a menor Daniele Gomes de Souza, de
apenas 11 (onze) anos de idade, mediante violência e grave ameaça, a praticar atos libidinosos,
“consistentes em introdução do dedo na vagina da Ofendida e sexo oral [...].” (fl. 03)
Quanto ao pleito absolutório, a despeito da larga parla vertida pelo
preclaro recorrente estamos que a r. sentença verberada desmerece a emenda perseguida neste
particular.
Prepositivamente, verificamos que a materialidade dos delitos
imputados ao apelante remanesceu inequívoca em face do Laudo de Constatação de Violência
Sexual (fls. 08/13) e das firmes declarações da vítima.
Em relação à autoria, dúvidas não existem.
Isto porque, não bastasse o Laudo de Constatação de Violência Sexual
ter comprovado a ocorrência de rotura himenal recente, a narrativa dos fatos dada pela vítima
está em perfeita consonância com as demais provas ajuntadas aos autos. Senão vejamos.
Em juízo, aos prantos, revelando elevado abalo psicológico, narrou a
vítima:
“Que estava na casa de sua tia, ajudando a sua prima a fazer umas
‘lembrancinhas’ de aniversário, quando o denunciado chegou, chamou a vítima e
disse que a sua irmã iria ao supermercado fazer compras e que era para ela ir
ficar na casa do denunciado cuidando do Arthur, seu sobrinho. Que atendendo ao
chamado de sua irmã, entrou no carro do denunciado. Que o denunciado passou
em frente a casa e não parou para a vítima descer, e quando indagado onde estava
indo, ele alegou que iria buscar a sua esposa no Atalaia. Ele virou onde tem um
campo de bola; um rio lá pra baixo; tinha dois paus marcados ali [...] pertinho do
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rio; ele ficava cuidando, cuidando e falava: ah, será que não vai dar certo; será
que não vai dar certo; eu fui e perguntei o que é que você está falando que não vai
dar certo; ele falou: você cala a sua boca que eu vou trocar você por uns pneus de
carro esportivo; eu fiquei chorando lá dentro do carro; [...] ele falou: na hora que
esse cara chegar aí você tira a roupa e fica quieta, calada, não fala nem um ‘a’;
[...] aí depois ele chamou ‘Marco’, eu comecei a chorar; ele pegou na minha
cintura; eu sai correndo; ele me segurou pelo braço não sei o que ele fez que aqui
em mim ficou roxo; perto do peito; [...] eu tava com uma blusa regata ele pegou e
ficou passando a mão no meu peito; aí depois ele saiu do carro trancou a porta,
rodiou e mandou eu tirar a roupa né; aí ficou passando a mão em mim; e depois
ele pegou e colocou o dedo dentro da minha vagina; aí que saiu sangue; depois ele
colocou o pênis em minha boca e saiu um trem branco; ele falou: não conta pra
ninguém senão eu vou matar você, sua irmã, seu sobrinho e todo mundo que
aparecer na minha vida; ele falou: eu vou te matar; aí eu fiquei quieta e falei [...]
vamos fazer um trato; você me leva pra minha casa que eu não conto pra ninguém;
[...] aí ele pegou e me levou [...] ele pegou parou lá e falou: vai para sua casa e
não abre a boca, falou duas vezes; [...] eu peguei e fui; aí pensei, se eu for pra
minha avó meu pai mata um cara desse, aí eu falei eu vou pra Dona Luiza; [...] ela
tava saindo, eu falei: Dona Luiza, Dona Luiza vem cá que eu vou te contar um
negócio pra você, mas não conta pra ninguém; [...] aí eu peguei, contei pra ela, aí
ela pegou e falou: não, nós vamos ter que chamar a polícia [...].” (gravação – fl.
67; grifamos)
A par desta minuciosa narrativa da vítima pode-se firmar um juízo de
certeza quanto à autoria delitiva do acusado, que se limitou a dizer que não se lembrava de
nada, até mesmo porque a negativa de autoria mostra-se incredível frente a sinceridade do
relato da ofendida. Não obstante isso, as demais provas orais roboram as declarações da vítima,
notadamente o relato de Luiza Duarte Miranda [“Dona Luiza”].
Disse a aludida senhora que, quando saiu de casa, encontrou a vítima,
que a segurou em seu braço, dizendo que queria contar algo a ela e que era para manter sigilo.
Ao entrarem na casa da testemunha, a infante começou a chorar e gritar desesperadamente e
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narrou o que havia acontecido, pedindo novamente que Luiza não contasse a ninguém, pois o
acusado a teria ameaçado. Relatou a testemunha que, empós a vítima ter narrado os fatos, ela
pediu para tomar banho e lavar a boca, pois, segundo confidenciou a ofendida, o réu a teria
feito engolir “um negócio branco”. Por fim, consignou Luiza Duarte Miranda que a infante quis
urinar, mas não conseguiu, vez que sua vagina sangrava muito.
Logo, verifica-se que as declarações da vítima foram roboradas em sua
inteireza pela narrativa de Luiza Duarte Miranda, o que nos permite concluir, sem dúvidas, pela
autoria do apelante por ter praticado os delitos que lhe foram imputados, sendo imperiosa a
manutenção da sentença vituperada.
Por fim, vale lembrar que, em matéria de crimes sexuais, por ocorrerem
quase sempre à sorrelfa, sem testemunhas de visu, a palavra da vítima assume especial relevo,
notadamente quando amparada pelas demais provas trazidas aos autos, o que é a hipótese dos
autos.
Respeitante ao pedido de redução da pena imposta pela prática do crime
delineado no art. 217-A do Código Penal, não assiste razão à Defesa.
Para melhor compreensão, reproduzimos a motivação apresentada pela
juíza de primeira instância na fixação da pena-base:
“Considero como circunstâncias judiciais preponderantes do artigo 59
do Código Penal:
a) Antecedentes: O acusado é tecnicamente primário, conforme
certidões de antecedentes apresentada nos autos.
b) Conduta social e personalidade do agente: as testemunhas de defesa
informaram que o acusado costumava ser um bom homem, se exaltando apenas
quando estava sob efeito de drogas. No entanto, em seu interrogatório, o acusado
demonstrou ser pessoa fria e não demonstrou arrependimento ou compaixão pela
dor da vítima.
c) Motivos do crime: A conduta se deu para saciar desejos sexuais.
d) Circunstâncias do crime: as circunstâncias do crime foram as
piores possíveis, o acusado levou a vítima para um local ermo e ali disse que a
trocaria por um jogo de rodas nova para o seu carro. O acusado praticou o crime
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por três vezes prolongando a dor e sofrimento da vítima.
e) As consequências: São irreparáveis, uma vez que os crimes contra a
liberdade sexual são condutas que causam danos psicológicos eternos e
imensuráveis.
f) O Comportamento da vítima: A vítima nada contribuiu para a
prática delitiva.
Com as considerações acima fixo a pena-base em 14 (quatorze) anos
de reclusão.” (fl. 93 – sic)
Não obstante tenha a magistrada a quo claudicado ao examinar a
circunstância alusiva aos motivos do crime, imputando razões inerentes ao tipo realizado,
estamos que as demais circunstâncias judiciais analisadas em desfavor do réu, notadamente as
circunstâncias e conseqüências do crime, são suficientes à mantença do aumento vazado pela
magistrada [seis anos], uma vez que a pejoratividade de alguns dos parâmetros do art. 59 basta
para que a pena-base afaste-se do mínimo legal.
Demais disso, insta consignar que, consoante verificamos no arquivo
audiovisual, a vítima, que contava com apenas onze anos ao tempo dos fatos, sofreu forte abalo
psicológico, tanto que descreveu os acontecimentos aos prantos, o que comprova o desvalor
das consequências do crime.
Em relação ao pleito que diz com o decote da causa de aumento de pena
delineada no art. 226, inciso II, do Código Penal, não prospera o pleito defensivo.
Consoante demonstraram as provas dos autos, o acusado valeu-se de
relação de cunhadio, que mantinha com a ofendida, para facilitar a perpetração da conduta
ilícita.
Com efeito, conforme demonstrado, o apelante chamou a vítima sob o
pretexto de que a irmã desta, esposa do réu, a chamava para cuidar do sobrinho da ofendida,
filho do recorrente, fazendo com que a ofendida não se opusesse em ir junto ao réu, o que
impõe uma maior reprovação à conduta do agente, vez que se utilizou da relação de intimidade
e confiança que possuía com a infante como forma de facilitar a prática do delito contra a
liberdade sexual.
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Por fim, requer a Defesa o reconhecimento do crime continuado. Sem
razão, contudo.
Assim porque os crimes praticados pelo recorrente [estupro de
vulnerável, ameaça e lesão corporal] são de espécies diferentes, o que desatende a um dos
requisitos exigidos pelo art. 71 do Código Penal.
Com os argumentos suso expendidos, rejeitamos a isagógica e, no
mérito, negamos provimento ao recurso intentado por WANDERSON DOS SANTOS SILVA.
VOTO
EXMO. SR. DES. GÉRSON FERREIRA PAES (VOGAL)
Egrégia Câmara:
Evidentemente que tenho que proferir o voto para completar o
julgamento.
No caso, peço vênia à douta relatoria para acompanhar a revisão,
porque os fatos imputados ao apelante ao meu ponto de vista são de natureza muito grave.
Penso que embora a pena-base aplicada pelo delito de estupro de
vulnerável tenha sido elevada, mas não superou o meu ponto de vista e o quê está estabelecido
na norma penal, vou acompanhar a revisão para manter a sentença como tal posta.
É como voto.
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA
CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do
DES. GÉRSON FERREIRA PAES, por meio da Câmara Julgadora, composta pela DRA.
GRACIEMA R. DE CARAVELLAS (Relatora), DES. ALBERTO FERREIRA DE SOUZA
(Revisor) e DES. GÉRSON FERREIRA PAES (Vogal), proferiu a seguinte decisão: POR
UNANIMIDADE, REJEITARAM AS PRELIMINARES ARGUIDAS, E, NO MÉRITO,
POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO NOS TERMOS DO
VOTO DO REVISOR, VENCIDA A D. RELATORA QUE DAVA PROVIMENTO
PARCIAL AO APELO.
Cuiabá, 10 de agosto de 2011.
---------------------------------------------------------------------------------------------------DESEMBARGADOR GÉRSON FERREIRA PAES - PRESIDENTE DA
SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL
---------------------------------------------------------------------------------------------------DESEMBARGADOR ALBERTO FERREIRA DE SOUZA - REDATOR
DESIGNADO
---------------------------------------------------------------------------------------------------PROCURADOR DE JUSTIÇA
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GEACOR
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