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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA
GABINETE DO DESEMBARGADOR JOÃO BENEDITO DA SILVA
ACÓRDÃO
APELAÇÃO CRIMINAL N°. 051.2006.000699-9/001 — Pirpirituba
Relator : Exmo. Des. João Benedito da Silva
Apelante : Marcos Antonio Pereira Nascimento (Adv.: Nelson Davi Xavier)
Apelada : A Justiça Pública
CRIME CONTRA OS COSTUMES. Atentado violento ao pudor.
Violência presumida. Vitima menor de 14(quatorze) anos. Sentença
Condenatória. Apelo. Alegação de insuficiência de provas. Palavra da
vitima isolada e contraditória. In dubio pra reo. Absolvição que se
impõe. Provimento
•
Nos crimes contra os costumes, que geralmente ocorrem na
clandestinidade, necessário se faz, para um decreto condenatório, que a
palavra da vítima esteja em consonância com os demais elementos de
provas.
Assim, não havendo nos autos elementos necessários de convicção para
uma sentença condenató ria, o que assim se deduz, pela dúvida e
incerteza que paira sobra a autoria delitiva. em razão da palavra da
vítima encontrar-se confusa e contraditória, impõe-se, por
conseqüência, a aplicação do princípio do in dubio pro reo.
VISTOS, RELATADOS E DISCUTIDOS os autos identificados acima:
AC ORDAa Colenda Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça
do Estado da Paraíba, em desarmonia com o parecer da douta Procuradoria de Justiça, dar
provimento ao recurso para absolver o apelante. Unânime.
RELATÓRIO
•
Perante o Juizo da Comarca de Pirpirituba, o acusado e ora apelante
Marcos Antonio Pereira Nascimento foi denunciado pela Promotoria de Justiça como
incurso nas sanções do artigo 214 e 224, "a", do CP, com aplicação dos preceitos contidos na
na Lei n° 8.072/90, sob acusação de ter constrangido o menor Filipe de Souza Fazolin a
permitir que com ele se praticasse ato libidinoso diverso da conjunção carnal (fls. 02/04).
Regularmente processado o feito e encerrada a instrução criminal restou
o acusado condenado a uma pena de 08(oito) ano e 09(nove) meses de reclusão, em regime
inicialmente fechado, pela prática do crime previ o no art. 214 e 224, alínea "a" do CP (fls.
67/71).
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Foram opostos embargos de declaração (fls.74/75), os quais foram
rejeitados. tendo sido porém observado o erro material quanto ao ato praticado pelo réu.
Irresignado com a referida decisão, interpôs o réu o presente apelo (fl.
80). alegando em suas razões recursais de fls. 85/92, preliminarmente, a nulidade da sentença
ante a ocorrência de bis in ident. No mérito, sustenta a negativa de autoria, requerendo a
absolvição na forma do art. 386, VI, do CPP.
Contra-razões ministeriais ofertadas às fls. 96/104. pugnando pelo
desprovimento do recurso e a manutenção integral da sentença.
Com vista dos autos, a douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não
provimento do recurso (fls. 109/110).
É o relatório.
VOTO: Exmo. Des. João Benedito da Silva
110
Segundo os autos o apelante Marcos Antonio Pereira Nascimento, foi
denunciado pelo representante do Ministério Público que oficia perante o Juízo de Direito da
Comarca de Pirpirituba, pela suposta prática do crime previsto nos artigos 214 e 224, "a",
do Código Penal, pelo fato de, no dia 11 de novembro do ano de 2.006. por volta das
14hs:00min, convidar o menor Filipe de Souza Fazolin, com 07 anos de idade à época, para
dar um passeio a cavalo, e ao chegar no sitio localizado na cidade de Sertãozinho o acusado
exigiu que a vítima tirasse a calça, pelo que, logo após, também sem roupa, debruçou-se sobre
o ofendido, penetrando seu membro sexual erétil na cavidade anal do menor, praticando,
dessa forma, ato libidinoso diverso da conjunção carnal, ocasião em que a criança chorava e
gritava muito pedindo para o imputado não fazer mais aquilo, provocando as lesões descritas
no auto de exame de corpo de delito de fl. 10.
A título de ilustração, a Lei n° 12.015/2009, de 10/08/2009, passou a
denominar o antigo Título VI do CP — Dos Crimes Contra os Costumes em: Dos Crimes
Contra a Dignidade Sexual -, trazendo várias alterações, dentre elas, a revogação do crime de
atentado violento ao pudor e nova contextualização do art. 213 do CP.
O atual crime de estupro compreende, além do estupro propriamente dito,
o antigo atentado violento ao pudor, razão pela qual é evidente que o art. 214 não existe mais,
houve, na verdade, uma fusão.
Registre-se que, apesar do art. 214 haver sido revogado, não houve
abolição do crime de atentado violento ao pudor, pois ele passou a fazer parte do crime de
estupro. Não é caso de abolitio criminis, mas de simples mudança do nomen juris da infração.
•
Pois bem! In casu, a condenação do acusado lastreou-se na palavra da
vítima, na declaração de sua genitora e testemunhas que tiveram contato com a mesma, logo
depois do fato, além do laudo pericial suso mencionado.
Todavia, vislumbra-se que as declarações prestadas pela vítima não
guardam similitude, bem como são contraditórias, uma vez que afirmado na esfera policial
"Que no sábado pela manhã o acusado 'Ninho Fubá'. chegou no ginásio de Esporte. onde o
declarante já se encontrava olhando um jogo e foi conVidado pelo mesmo para andar de
cavalo"' (fl. 08), e em juizo "que no dia do faro(estava na feira na cidade de Sertãozinho,
•
.•
quando o denunciado o convidou para andar de cavalo" (fl. 42), pelo que acabam por tornar
duvidosa a ocorrência do fato delituoso.
Já o acusado, sempre afirmou a inocorrência do ato, asseverando no
inquérito que no dia narrado na denúncia (11 de novembro de 2006), "pela manhã, por volta
de 5:00 horas, foi a rua da linha onde trocou um cavalo e em seguida se dirigiu ao Sítio Pau
amarelo, mais precisamente a residência do Senhor Zé Fernandes, onde trocou outro cavalo
e em seguida retornou a sua residência, onde chegou por volta das 10:00 horas, amarrou seu
cavalo no terreno do Prefeito e não mais saiu de casa durante todo dia de sábado" (fl. 16v), e
em juízo. "que ficou o dia inteiro junto com sua família" (fl. 36). o que também implica em
parte contradição.
Porém, como o fato narrado na peça acusatória teria ocorrido no período
vespertino, por volta das 14hs:00min, e nesse momento o recorrente estaria na companhia da
testemunha José de Anchieta Virginio Ferreira, eis que teria dito em Juízo "que chegou na
casa do acusado de 01.30 h da tarde e ficou com ele até as 03.40 h da tarde
aproximadamente", data venha do nobre magistrado. ao contrário do que se contém na
sentença, a testemunha arrolada pela defesa pronunciou-se sobre o fato, apontando, inclusive
um álibi, que sequer chegou a ser contraditado.
Como se vê, não existem provas contundentes no sentido de que o
apelante tenha, efetivamente, praticado o crime descrito na denúncia, uma vez que a versão da
acusação não se sustenta, fazendo com que os fatos narrados por ela se tomem confusos e
contraditórios, sendo por demais frágil, haja vista a discrepância dos lugares onde o acusado
1110 teria encontrado a vítima, e ainda diante do álibi existente, o que garante ao réu, ao menos, o
benefício da dúvida.
Ora, como se sabe, em matéria de condenação criminal, não são
suficientes meros indícios da prática delitiva. A prova da autoria deve ser concludente e sem
qualquer dúvida, pois só a certeza autoriza condenação no juízo criminal.
É cediço que, em se tratando de crime contra a liberdade sexual,
habitualmente praticado na clandestinidade, a palavra da vítima é de suma relevância, porém,
não há como fazê-la prevalecer se a versão apresentada pela acusação encontra divergência
nas declarações da própria vítima.
Vê-se, pois, pelas provas colacionadas nestes autos, que não existem
elementos de convicção para uma sentença condenatória, o que assim se deduz, pela dúvida e
incerteza que paira sobra a autoria delitiva que se quer fazer imposta ao recorrente, sendo
conseqüência lógica da dedução probatória a aplicação do brocardo latino in dubio pro reo.
Neste sentido:
•
"No processo criminal vigora o princípio segundo o qual, para
alicerçar um decreto condenatório, a prova deve ser clara, positiva e
indiscutível, não bastando a alta probabilidade acerca do delito e da
autoria" (Apelação Criminal n°. 1.0079.04.141184-8/001, I" Câmara
Criminal, rel. Des. Armando Freire. j. 22/03/2005. DJ 01/04/2005).
"Embora verdadeiro o argumento de que a palavra da vítima, em
crimes sexuais, tem rele ância especial, não deve, contudo, ser
recebida sem reserv , uando outros elementos probatórios se
9
.•
apresentam em conflito com suas declarações. Assim, existindo dúvida,
ainda que ínfima, no espírito do julgador, deve, naturalmente, ser
resolvida em favor do réu, pelo que merece provimento seu apelo, para
absolvê-lo por falta de provas." (TJSP, RT 681/330);
"Nos crimes contra os costumes, a palavra da vítima não merece
credibilidade se for incongruente e não se coadunar com os demais
elementos do processo, especialmente quando provado que os fatos não
se deram às escondidas e ficar demonstrada, outrossim, a ausência de
possibilidade para a ocorrência do delito, devendo-se, em tal hipótese,
absolver o réu". (TJMG - AP — Rel. Des. Gomes Lima, j. 1°.6.1999 -
149/338).
010
"APELAÇÃO - ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR PROVA - INSUFICIÊNCIA - 'IN DUBIO PRO REO' - ABSOLVIÇÃO
- INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 386, VI, DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL Uma sentença condenatória não pode ser
baseada única e exclusivamente em indícios. A prova nebulosa e
contraditória e geradora de dúvida quanto à configuração dos delitos
não tem o condão de autorizar a condenação do réu não confesso, vez
que ela não conduz a um juízo de certeza. O Estado que reprime o
delito é o mesmo que garante a liberdade. O Estado de Direito é
incompatível com a fórmula totalitária. Nele prevalece o império do
direito que assegura a aplicação da máxima 'in dubio pro reo'."
(TJMG - ACrim. N. 1.0000.00.346024- 3/000 - Rel. Des. Tibagy Salles i a CCr. -j. 16.9.2003 - DJ 19.9.2003).
O princípio do livre convencimento do juiz não pode conduzir à
arbitrária substituição da acurada busca da certeza, em termos objetivos e gerais, por uma
afirmação de "convencimento". Impõe-se, sempre, uma verificação histórica do thema
probandum, de forma a excluir qualquer possibilidade de dúvida.
Nenhuma pena pode ser aplicada sem a mais completa certeza da falta. A
pena, disciplinar ou criminal, atinge a dignidade, a honra e a estima da pessoa, ferindo-a
gravemente no plano moral, além de representar a perda de bens ou interesses materiais.
A rigor, poder-se-ia até duvidar da inocência do apelante. Todavia, para
tão grave condenação, cujas conseqüências hão de acompanhá-lo por toda a vida, a macularlhe a imagem perante a comunidade, o convencimento subjetivo há que restar, além de meros
argumentos, convincentemente provado.
•
Portanto, havendo, no espírito do julgador, incerteza, ainda que mínima,
deve ser ela resolvida em favor do acusado, em homenagem ao princípio in dubio pro reo.
Por tais razões, DOU PROVIMENTO ao apelo para, em desarmonia
com o parecer da douta Procuradoria de Justiça. decretar a absolvição do acusado Marcos
Antonio Pereira Nascimento, em conformidade com o art. 386. VI, do CPP, fundada a dúvida
sobre o cometimento do fato delituoso.
É como voto.fil
. •
Presidiu o julgamento o Exm°. Des. João Benedito da Silva, que também
funcionou como relator. Participaram ainda do julgamento o Exmo. Des. Nilo Luís Ramalho
Vieira e o Exmo. Dr. José Guedes Cavalcanti Neto (Juiz de Direito convocado para substituir
o Exmo. Des. Leôncio Teixeira Câmara).
Presente à Sessão o(a) Exmo.(a) Dr.(a) Kátia Rejane de Medeiros Lira
Lucena. Procurador(a) de Justiça.
Sala de Sessões da Colenda Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado da Paraíba, em João Pessoa, Capital, aos 11 (onze) dias do mês de fevereiro
do ano de 2010.
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João Benedito da Silva
ReYator
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Marcos Antonio Pereira Nascimento