O SER-PARA-A-MORTE EM HEIDEGGER
Rodrigo Duarte*
Gilzane Naves**
RESUMO
Este artigo tem por objetivo situar o problema do ser-para-a-morte em Martin Heidegger na
perspectiva da investigação fenomenologica-existencial. Detendo-nos, sobretudo, nos
conceitos heideggerianos de Dasein, ser-no-mundo, ser-com-outro. Assim como nos modos
de ser do Dasein: ser-de-angústia, ser-de-projeto e, em especial, o que o filósofo da floresta
negra chamou de ser-para-a-morte. Daí apontar estes conceitos existenciais no Dasein, o qual
está determinado pela mais real possibilidade, a finitude, que pode ser um caminho de
encontro da autenticidade.
Palavras-chave: Ser-para-a-morte. Morte. Existência. Autenticidade.
1 - INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como propósito abordar o pensamento heideggeriano em sua
primeira fase, em especial a partir de Ser e Tempo, no qual procuramos fazer uma leitura em
torno do ser-para-a-morte, apresentando um viés positivo desta possibilidade inevitável, como
meio para que o existente possa projetar-se e abrir-se a uma existência autêntica.
O Dasein como ser limitado por circunstâncias que compreendem o seu mundo
compartilhado é levado a pensar sobre a dimensão futura de sua existência e a lançar-se para
seu encontro. É chamado a projetar-se mediante tal desafio, vendo-se sempre limitado no
tempo como ser mortal, frágil sujeito a incompletude, marcado pela angústia.
Nosso trabalho inicia por meio de uma apresentação dos principais conceitos em Ser e
Tempo, em especial aqueles que estão mais próximos de nossa investigação.
2 - CARACTERIZAÇÃO PRÉVIA DOS CONCEITOS DE HEIDEGGER
Neste tópico pretendemos examinar os conceitos de Dasein (ser-ai), de ser-no-mundo
e de ser-com-outro, na medida em que estes três conceitos cumprem um papel fundamental no
pensamento de Heidegger, ao recolocar a questão do sentido do ser, depois de um longo
período de esquecimento do ser provocado pela metafísica ocidental.
* Graduado pela Faculdade Católica de Uberlândia.
** Professor do Curso de Filosofia da Faculdade Católica de Uberlândia.
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2.1 - Dasein
O destino declarado da filosofia heideggeriana é o de erigir uma ontologia, que
partindo de uma compreensão vaga do ser permita ao menos compreendê-lo e interrogá-lo,
alcançando assim uma determinação plena e completa do sentido do ser. Para isso, aconselha
um afastamento do conceito de ente em particular, enquanto este ou aquele.
Através da existência humana Heidegger procura uma abertura até o ser. Para
apresentar uma prova de que tal caminho é possível, recorre a uma nova linguagem. Daí o
conceito de Dasein, que é uma resultante de dois elementos, uma palavra composta (Da-sein),
“da” que significa “ai” e “sein” que significa “ser”. Portanto Da-sein significa a existência e
o ser-que-está-aí, ou ser-aí, ou ainda como outros interpretam: presença †. Ou seja, a análise
do Dasein é análise da existência e do ser.
A filosofia tradicional canaliza a investigação do ser para uma antropologia e nisto,
segundo Heidegger, consiste o seu fracasso. Pois na visão de Heidegger o Dasein não pode ser
analisado como simples ente. O vício da metafísica é ignorar o que separa o ser dos entes.
Tem a esperança ilusória de elevar o valor, a idéia acima do ser.
O ponto de partida de Heidegger, ou o que coloca o problema do ser é o seu
esquecimento, ou seja, o que o autor diagnostica em toda tradição filosofia ocidental,
começando por Platão e se estendendo até Nietzsche. Os primeiros gregos, pré-socráticos,
segundo Heidegger, produziam conhecimento sobre os dois pólos: do homem e do ser. Em
seguida, porém, vem Platão que dissocia o ser do homem, colocando o ser no mundo das
idéias. Tendo o seu declínio definitivo na filosofia de Hegel onde o ser não passa de lógica.
Husserl por sua vez considera uma mera investigação de tipo transcendental, determinada por
um ego também transcendental. Nietzsche consegue sair desta dinâmica do pensamento
abstrato para o pensamento sobre o mundo dionisíaco e apolíneo. Porém, perde-se ao criar um
super-homem que decide soberanamente a história da verdade. Desde os gregos o pensamento
não teria distinguido adequadamente a diferença entre ente e o ser, entre o que existe
simplesmente como uma coisa e entre o que é enquanto ser. O tema do ser, com o qual
começou o pensamento ocidental com os pré-socráticos, tem de ser novamente levantado a
partir de uma ontologia fundamental, e isto tomando como fio condutor o único ente que tem
†
O termo “presença” é usado para traduzir o termo Dasein, pela tradutora Márcia de Sá Cavalcante, a qual
significa em Heidegger a condição do homem no mundo. O pré remete ao movimento de aproximação,
constitutivo da dinâmica do ser, através das localizações. Não é sinônimo de homem, nem de humanidade,
embora conserve uma relação estrutural. Mas, evoca o processo de constituição ontológica de homem.
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a possibilidade de questionar o ser, que é o Dasein. Pois é dentre todos os entes o único que
compreende o ser, o sentido do fato de que ele é, de que existe.
Heidegger salienta a importância de não apegar-se a qualquer ente particular, enquanto
este ou aquele. A intenção é a investigação dos entes como um todo, mas sem preferência.
Toma o Dasein pelo fato dele se insinuar estranhamente: o ser-aí que investiga a questão, que
tem a capacidade de questionar sobre o ser.
Faz-se importante a distinção entre ente e o ser do ente:
O que é o ente inclui todos os objetos, todas as pessoas e em certo sentido o próprio Deus. O
ser do ente, como tal que é o fato de que todos estes objetos e todas estas pessoas são não se
identifica com nenhum destes entes, nem sequer com a idéia de ser em geral. (GILES, 1989, p.
98)
Heidegger vai manter clara esta distinção, considerando o ser do ente como objeto da
Ontologia, ao passo que os entes são campos de investigação das ciências ônticas. Que são
duas maneiras hermenêuticas do Dasein: a primeira procura penetrar na compreensão que o
Dasein tem do significado do ser e iluminá-la de dentro, e a segunda trata-se de uma descrição
exterior das características que o distinguem, como Dasein, de entidades de outro tipo. Mas
Heidegger diz que ambos irão entrelaçar-se uma a outra.
Para Heidegger a essência humana deve ser pensada para além de uma definição
enfática de homem, por exemplo: como animal racional, já que o que distingue o homem é a
sua relação com o ser, e não na medida em que é definida como um ser dotado de razão.
O Dasein tem como característica própria dele, ser o local onde o ser se esconde e se revela, ele
é a sua morada; ao contrário dos outros entes, que não são dotados, como ele de tal capacidade.
O homem é por tudo isso, um ser diferenciado. Ele é abertura constante na relação ontologia
com o ser e não outro ente qualquer, um simples ente (Daseiende) que não possui tal
constituição; nem tão pouco uma espécie evolutiva como insiste em teorizar a ciência moderna.
(NAVES, 2004, p. 22)
O Dasein é um ente privilegiado porque é capaz de questionar o ser, e possui uma
compreensão do ser. Ele existe imediatamente em um mundo. Ou seja, Dasein é o homem na
medida em que existe na existência cotidiana, junto com os demais entes em seus afazeres e
preocupações. Porém, para investigar o Dasein, enquanto possuidor perene de uma
compreensão do ser, impõem-se uma analítica existencial, que tem como tarefa explorar a
conexão das estruturas que definem a existência do Dasein, a saber, os existenciais. O método
da analítica é buscado tanto na fenomenologia quanto na hermenêutica, de modo que se
chama método fenomenológico-hermenêutico.
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Um dos pressupostos fundamentais da analítica da existência‡ é que a existência se
manifesta ao Dasein, sendo sempre primeiramente concernente ao Dasein mesmo, à sua
compreensão, que se coloca para o ser-ai antes de qualquer teorização ou horizonte teórico,
num nível pré-ontológico.
O ente que temos a tarefa de analisar somos nós mesmos. O ser deste ente é sempre e cada vez
meu. Em seu ser, isto é, sendo, este ente se comporta com o seu ser. Como um ente deste ser, a
pré-sença se entrega á responsabilidade de assumir seu próprio ser. (HEIDEGGER, 1989, p.
77).
A analítica existencial tem de partir, portanto, do ser que é sempre Dasein, que apenas
pertence a ele, e não se acomodar previamente numa teoria que explique de fora o que é
existência humana.
O ser-aí é imediatamente o homem e o mundo ao mesmo tempo, em sua realidade
finita e imediata, entregue ao seu destino. Desse modo, o homem também não é uma mera
coisa que reside inerte em um mundo da necessidade, pelo contrário, na medida em que
compreende o ser, o homem se coloca no campo da possibilidade e elabora as possibilidades
de sua existência. Portanto a investigação do ser perpassa necessariamente o Dasein, por se
tratar deste, do único ente que está em condições de pensar o próprio ser, pensar os outros
(daseins) e demais entes. Somente o ser-aí existente está capacitado para esta análise, pelo
fato de realizar o caminho obrigatório, a perene caminhada rumo à questão do ser.
2.2 - Ser-no-mundo
Ser-no-mundo é uma característica desvelada pela estrutura fundamental do Dasein.
Logo, trata-se de um traço primordial na existência do homem que o limita e o torna possível.
O ser-ai, o Dasein imerso em sua existência, é um ser-no-mundo§ “pertence
essencialmente á pre-sença ser em um mundo” (HEIDEGGER, 1989, p.39) que quando se
‡
Existência significa para Heidegger em Ser e Tempo, o modo de ser do homem como um ente privilegiado.
Designa este termo as relações recíprocas entre pré-sença e ser, entre pré-sença e os demais entes. Portanto, só o
homem existe. Pedra “é” mas não existe. este privilégio do Dasein é como um dom da existência que lhe é
entregue a responsabilidade e a tarefa de ser.
§
O conceito mundo é definido por Heidegger principalmente em Ser e Tempo como um certo âmbito
constituído pelo Dasein, no sentido de que o Dasein confere ao mundo o caráter de mundo, a sua mundaneidade.
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percebe já se encontra sempre situado num contexto de vivência no mundo, ou seja, em um
espaço físico, em uma cultura, com determinados valores, etc. Este mundo no qual ele está
inserido mostra-se a ele como um desafio a ser conhecido e enfrentado. O Dasein é lançado
em meio ao já dado. No entanto, ele se realiza com o mundo que o circunda.
O conceito ser-no-mundo é antes de tudo, algo que demonstra uma estrutura
fundamental do ser-ai, que indica não ser possível separar o homem do mundo assim como o
mundo do homem. “A expressão composta ‘ser-no-mundo’, já na sua cunhagem, mostra que
pretende referir-se a um fenômeno de unidade” (HEIDEGGER, 1989 p. 90)
Estar no mundo significa habitar o mundo, morar nele, e não simplesmente povoar um
mundo dado. “ser simplesmente dado ‘dentro’ de um dado, o ser simplesmente dado junto
com algo dotado do mesmo modo de ser, no sentido de uma determinada relação de lugar, são
caracteres ontológicos que chamamos de categorias” (HEIDEGGER, 1989, p. 92). Ou ainda
como afirma Naves (2004):
O ser-no-mundo é alguém que espacializa o mundo em função de suas preocupações. Ao
mesmo tempo, que é uma preza fácil da factualidade, também é agente de transformação que
organiza as coisas conforme suas necessidades. Só o homem tem esta capacidade de criar e dar
sentido aos seus projetos, o que os simples entes não são capazes de fazer. (NAVES, 2004, p.
25)
As coisas estão no mundo como algo que está em uma “outra coisa”, diferentemente o
Dasein está no mundo na forma dos existenciais. Acostumado, habituado, familiarizado.
Mesmo que o Dasein se encontre lançado, não é, contudo, vítima do acaso, mas agente de
transformação, com capacidade de organizar as coisas conforme suas necessidades, pois só o
Dasein tem capacidade de criar e dar sentido aos seus projetos, realiza-se através do mundo
que o circunda.
A compreensão do ser próprio da pré-sença, inclui, de maneira igualmente originária, a
compreensão de ‘mundo’ e a compreensão do ser dos entes que se tornam acessíveis dentro do
mundo. Dessa maneira, as ontologias que possuem por tema os entes desprovidos do modo de
ser da pré-sença se funda e motivam na estrutura ôntica da própria pré-sença, que acolhe em si
a determinação de uma compreensão pré-ontológica do ser. (HEIDEGGER, 1986 p. 40)
Portanto, o que define o mundo para o Dasein passa pelo modo como ele se relaciona
de modo imediato com o mundo, ao operar, ao trabalhar com instrumentos do seu dia-a-dia. O
que se pretende mostrar é que é possível pensar a realização do homem sobre a terra como
Dasein sob a forma de ser-no-mundo, condição que o torna existente; mas como veremos a
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seguir, o ser-no-mundo é por essência um ser-com-outro, um ser de relação, ou seja no mundo
o ser-ai não vive só, mas compartilha o mundo.
2.3 - Ser-com-outro
O próximo passo na analítica existencial se define pelo fato do Dasein viver em um
mundo com outros entes, temos aqui o caráter social do Dasein.
O ser-ai por ser um ser-no-mundo, constitui-se por suas relações com o ambiente de
coisas e de outras pessoas. Ou seja, o Dasein vive em um mundo que também se manifesta e
não apenas se dá como instrumentos e objetos que o cercam, mas fundamentalmente existe
com outros entes com o modo de ser do Dasein, outros seres-ai. E isto Heidegger denomina
ser-com (mitsein) e estar-ai-com (mitdasein).
O Dasein é chamado a conviver em um mundo. Onde se relaciona com os outros
Daseins e com os seres simplesmente dados. A relação entre Daseins dá-se por meio da
preocupação (fürsorge). Com os entes “simplesmente dados” o dasein se ocupa, ao passo que
com os homens se pré-ocupa.
O ser-aí é constituído tanto pelas preocupações que condicionam o uso que faz dos objetos
como utensílios, como pela solicitude que sente pelas pessoas que compartilham a existência
com ele. A existência humana é “ser com, tanto com as pessoas como com as coisas. (GILES,
1989, p. 101)
Nesta idéia de preocupação há um sentido negativo de que o Dasein se antecipe à
existência do outro, tirando-a dele. Nesta preocupação pelo outro, acaba muitas vezes
assumindo o seu lugar, substituindo-o em seu sofrimento e responsabilidades, mas se esquece
de si mesmo. Esta preocupação é negativa, pois assume a forma de uma impessoalidade (das
man) hipócrita. Preocupa-se de mais com o outro e com o que se pensa e “acha”, se esquece
do verdadeiro sentido de sua própria existência.
A vida social para Heidegger é regida por uma noção obscura de convivência, em que
não há sujeitos e sim domina o império do impessoal, “cada um é como o outro”
(HEIDEGGER 1986, p. 179). Em que nem o eu nem o nós se distinguem, ocorre então uma
perda do Dasein no espaço da “opinião pública” que determina o que cada um deve fazer: diz
Heidegger: “o ‘quem’ é o neutro, o impessoal... o impessoal, que não é nada determinado,
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mas o que todos são, embora não como soma, que prescreve o modo de ser da cotidianidade”.
(HEIDEGGER, 1986 p. 179)
O que acontece é que o autêntico “ser-com-outros” degenera em mero “ser-entreoutros” (untereinandersein), e, assim, em inautenticidade (uneigentlichkeit). Inautenticidade
para Heidegger é quando o Dasein não “possui” a si mesmo, quando ignora a peculariedade
da existência de ser intérprete do mundo, agindo como se fosse apenas mais uma das
entidades ou simples existências com que se depara no cotidiano da experiência.
A inautenticidade não é um defeito ético dos fracos da vontade, mas uma estrutura
necessária de nossa existência como entidades auto-interpretantes que não podem evitar
interpretar a si mesmos de forma não apropriada, ou ser, com relação ao mundo. (RÉE, 2000)
A existência deve ser, no entanto algo que se experiencie de forma pessoal. É o Dasein
mesmo que constrói o mundo que o cerca. No entanto, com consciência de ser-com-outro, e
que de certa “forma” auxilia na afirmação do próprio Dasein.
Por outro lado, os Daseins, podem estabelecer uma relação onde sejam utilizadas as
coisas, de maneira que venha contribuir e satisfazer, ambas as partes. Assim, o Dasein se
constrói como um ser de relações, com seus semelhantes e com os objetos que compõe o seu
universo:
O Ser-aí é constituído tanto pelas preocupações que condicionam o uso que faz dos objetos
como utensílios, como pela solicitude que sente pelas pessoas que compartilham a existência
com ele. A existência humana é ‘ser com’, tanto com as pessoas como com as coisas. O outro é
essencialmente o homem companheiro essencial e não apenas acidental. O ser-com pertence a
própria natureza do ser-aì e é constitutivo da essência da existência. (GILES, 1975, p. 228)
Os instrumentos só ganham sentido se alguém lhe der utilidade, valor, uso. Quem pode
fazer isto é o Dasein, caracterizado aqui como ser-com, tendo a capacidade de lhe conferir
sentido e nomear sua função.
Não há existência do Dasein como ser-no-mundo, se este não se realizar como sercom-outro, pois, isto é essencial ao sentido do ser. E isto é independente se este outro está
próximo ou não.
3 - DASEIN COMO ANGÚSTIA E PROJETO
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Tendo em vista o tópico anterior, podemos afirmar que é indispensável ao Dasein o
seu ser-no-mundo, que implica ser-com-outro. Ou seja, um ser de possibilidades e caminhos
para uma existência autêntica. Pois sendo no mundo imerso em existência inautêntica, em
uma situação de decadência, o homem deve emergir em busca do seu verdadeiro caminho.
3.1 - Dasein como ser de angústia
É por meio da angústia, estrutura fundamental que dá condição ao Dasein rumar à
autenticidade, que o Dasein pode se livrar do peso imposto pela cotidianeidade e o impessoal:
“a angústia revela o ser para o poder ser mais próprio, ou seja, o ser livre para a liberdade de
assumir e escolher a si mesmo” (HEIDEGGER, 1986, p. 252)
Diz Heidegger ser no conceito de angústia que se encontra o traço totalizante que
define a essência do ser-ai, isto é a angústia enquanto disposição compreensiva que oferece o
solo fenomenológico-hermenêutico para a compreensão explicita da totalidade originária do
Dasein. Levando em consideração tais fatores, podemos dizer que angústia não é somente um
fenômeno psicológico e ôntico, isto é, que se refere somente a um ente, mas sim à sua
dimensão é ontológica, pelo fato de nos remeter à totalidade da existência como ser-nomundo.
A angústia assume em Heidegger um cunho existencial essencialmente humano. Só o
homem se angústia. O homem existe e tem uma compreensão do ser. O rochedo é, mas não
existe, Deus é, mas não existe. Somente o homem existe.
Aqui entendemos que a consciência tem um papel de importância crucial, pois
disponibiliza o homem para o exercício da angústia, o instrumento que mostra o Dasein a si
mesmo como especial e livre. A liberdade para Heidegger é a capacidade de transcender
inerente ao homem e que possibilita uma maneira diferente de se expressar, de dar passos a
construção de si mesmo. “A transcendência é da própria essência do Ser-aí, pois não é tanto o
que é mas também foi e não é, será o que agora não é. É de alguma maneira uma possibilidade
colocada entre dois nadas, o passado e o futuro” (GILES, 1989 p. 234)
É a consciência o mecanismo chave do processo libertador do homem frente ao seu
ser-no-mundo para suas capacidades mais próprias, inclusive o de ser-para-a-morte.
É a consciência que conduz o homem a “decisão”, que é para Heidegger uma resposta
eficaz e verdadeira ao exercício da consciência, escolha livre para o encontro consigo mesmo.
É válido, porém, salientar que a decisão é uma escolha, diante da qual o Dasein se angustia,
mas como já dissemos a angústia é o meio para o poder ser mais próprio e autêntico.
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A partir da decisão o homem tem a condição de delimitar o que é autenticidade ou
inautenticidade. E com isto a condição de poder optar. Porém, mesmo a liberdade sendo algo
intrínseco ao homem, depende do Dasein permanecer no nível do inautêntico ou passar a
autenticidade.
No quotidiano, no impessoal, em meio a seus cuidados e responsabilidades, o Dasein
já tem certeza de sua liberdade. Contudo não é autêntica, pois esta só será alcançada
verdadeiramente no “pleno exercício da existência”(NAVES, 2004, p.37). Portanto, a
liberdade para o Dasein está frente à decisão existencial, do encontro ou não do seu ser mais
próprio. Que se trata de uma decisão corajosa. Deste modo, tal liberdade caracteriza o homem
como ser de possibilidades, ou seja, aberto à angústia.
Faz-se necessário salientar que a angústia não deve ser tomada como um mero temor
(furcht), embora seja o temor um existente fundamental mediante o qual o homem se encontra
no mundo. O temor é, portanto, um estágio mais suave da angústia. Diz Heidegger em Ser e
Tempo: “o que se teme, o ‘temível’, é sempre um ente que vem ao encontro dentro do mundo
e que possui o modo de ser simplesmente dado ou ainda da co-pre-sença.” (HEIDEGGER,
1986, p.195) o temor é sempre de algo dentro do mundo, localizado, podendo ser de alguma
coisa, ou de um outro Dasein. O temor é uma disposição anímica que nos desvia ou nos
afasta de algo que tememos e assim manifesta o todo do mundo, em sua estranheza e
assombro. No temor há muito mais força de revelação do mundo que qualquer outro tipo de
acesso, como por exemplo, na alegria ou na felicidade, pois são transitórios e menos
marcante.
O medo, portanto trata-se de uma disposição central na nossa existência pelo fato que
manifesta o mundo no momento de fuga do Dasein de si mesmo. Embora o Dasein tema algo
determinado, fora de si, o endereço último de seu temor é ele mesmo e não o objeto ou o
outro. O homem sente temor por algo porque é ele mesmo o afetado e o interessado. O fato do
medo se voltar para fora é somente aparente, na verdade ele se dirige ao nosso ser íntimo.
O temor é sempre um fenômeno privado, mesmo sendo possível temer por outrem.
“nós tememos em lugar do outro justamente quando ele não teme e audaciosamente enfrenta o
que o ameaça”. (HEIDEGGER,1986, p. 196) E desta forma, o temer é também uma maneira
de estar com os outros na medida em que tememos por alguém, lembrando que “não se trata
de graus de ‘sentimentos’ e, sim modos existenciais” (HEIDEGGER,1986, p.197). Enfim o
temor pode ter variações: o temor pode ser o assustador, o horror ou a decepção. “Todas as
modificações do temor, enquanto possibilidades da disposição apontam para o fato de que a
presença, como ser-no-mundo, é ‘temerosa’. (HEIDEGGER, 1986, p.197)
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Entre temor e angústia, portanto, existe uma diferença precisamente no fato de que a
angústia é mais ampla que o temor. Como já assinalamos, o temor é direcionado a um ente
determinado da nossa existência; já o objeto da angústia não tem um objeto determinado. Na
angústia, enquanto disposição fundamental, não se sabe, diante de que nos angustiamos, ela
passa a apresentar-se na medida em que em meio às ocupações do cotidiano, sobrevém certo
tédio. E em nenhum ente é possível encontrar apoio para nos tirar tal desconforto, pelo
contrário uma vez que há procura por conforto, o Dasein lança-se desenfreadamente no
contato com as coisas, quando a angústia se intensifica. O Dasein sente-se cada vez mais
estranho na angústia.
O por quê a angústia se angustia não é um modo determinado de ser e uma possibilidade da
pre-sença. A própria ameaça é determinada, não chegando, portanto, a penetrar como ameaça
neste ou naquele poder-ser concreto e de fato. A angústia se angustia pelo próprio ser-nomundo. Na angústia o que se encontra à mão no mundo circundante, ou seja, o ente
intramundano em geral, se perde. O ‘mundo’ não é mais capaz de oferecer alguma coisa nem
se quer a co-pre-sença dos outros. A angústia retira, pois, da presença a possibilidade de, na
decadência, compreender assim mesma a partir do ‘mundo’ e na interpretação pública.
(HEIDEGGER, 1986, p. 251)
O Dasein se angustia pelo simples fato de estar no mundo. É a existência enquanto tal
que é angustiante. Desta maneira o Dasein não encontra sossego em nenhum ente. Não
sabendo determinar a angústia.
O nada que angustia o Dasein está acima de um ente determinado, trata-se do próprio
véu do ser que se revela em nossa existência por meio da angústia. Enquanto modo de
disposição é a angústia que abriu o mundo como mundo. Isto, porém não quer dizer que na
angústia se conceba a mundaneidade do mundo. O ser tem em comum com o nada o fato de
não se esgotar em nenhum ente determinado e não poder ser nunca definido, pois ambos
determinam o todo de nossa existência.
[...]‘estamos suspenso’ na angustia... a angústia nos suspende porque ela põe em fuga o ente
em sua totalidade. Nisto consiste o fato de nós próprios, os homens que somos, refugiarmo-nos
no seio dos entes. É por isso que, em última análise não sou ‘eu’ ou não és ‘tu’ que se sente
estranho mas a gente se sente assim. Somente continua presente o puro ser-ai no
estremecimento deste estar suspenso onde não há em que apoiar-se. (HEIDEGGER, 1973 p.
237)
O Dasein está suspenso na angústia e muitas vezes nem a percebe, na maioria das
vezes ela oferece uma estranha tranqüilidade. O homem angustia-se e não sabe definir de
onde vem, qual seja o causador. Tal angústia não surge a todo momento, pelo contrário ela
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tende a ser muito rara. “[...] a angústia, entretanto, é um fenômeno que raramente ocorre,
porque o homem cotidiano foge constantemente de si mesmo, e do significado próprio de serele-mesmo, de sua angústia”. (LUIJPEN, 1973 p. 384). Porém, o Dasein que está sempre
angustiado pode estar menos relacionado á angústia fundamental do que o Dasein que parece
estar calmo.
A angústia e o nada tomam o todo do ser do Dasein. A angústia está no puro fato de
existir o simples ser-no-mundo, o mundo como mundo é a origem da angústia que nos toma
por inteiro.
[...] na angústia, se está “estranho”. Com isso se exprime, antes de qualquer coisa, a
indeterminação característica em que se encontra a presença na angústia: o nada e o ‘em lugar
algum’. Mas, estranheza significa igualmente ‘não sentir-se em casa. (HEIDEGGER, 1986,
p.252)
O Dasein torna-se estranho na angústia, uma estranheza que é ao mesmo tempo um
não sentir-se em casa. O lado positivo do fenômeno da angústia é que ele coloca a existência
diante de si mesma, “na presença, a angústia revela o ser para o poder ser mais próprio, ou
seja,o ser-livre para a liberdade de assumir e escolher a si mesmo” (HEIDEGGER, 1986,
p.252). Faz com que o Dasein ultrapasse a si mesmo, alcançando uma situação de
transcendência. Portanto, o ser-no-mundo tranqüilizado, familiarizado é um modo de
estranheza do Dasein e não o contrário. O não sentir-se tranqüilo, em casa deve ser
considerado, existencial e ontologicamente, como o fenômeno mais originário.
Segundo Heidegger, só diante do fenômeno da angústia subsiste a possibilidade de
uma abertura privilegiada, pelo fato de singularizar, a angústia retira o Dasein de sua
decadência, ou seja, lhe revela a autenticidade e inautenticidade como possibilidades de seu
ser (HEIDEGGER, 1986). Embora a angústia não seja ela mesma singular ela singulariza-se.
Portanto, o homem é chamado a experimentar este antecipar diante do já dado, da existência
fáctica e lançada na decadência.
3.2 - Dasein como ser de projeto
O Dasein como já mencionamos é um ser-em, pois é sempre lançado no mundo. Ele
assume esse ser-lançado no projeto. Sendo consciente da sua situação de abandono, pois ser-ai
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significa ser lançado no mundo para existir. Uma vez consciente de sua liberdade e colocado
diante de suas possibilidades pelo sentimento da angústia é essencialmente ser de projeto.
Isto nos remonta a análise do Dasein como abertura, ou local onde o ser se manifesta,
e o seu ser no mundo o local em potência da realização de suas capacidades. “a presença é um
ente que, sendo, está em jogo seu próprio ser. Na constituição ontológica da compreensão, o
‘estar em jogo’ evidenciou-se como o ser que se projeta para o poder-ser mais próprio.”
(HEIDEGGER, 1986, p. 256)
O Dasein tem capacidade consciente de sua situação de lançado, abandonado a sua
responsabilidade, guiar-se em meio ao mundo, lugar onde é chamado a ser projeto, a articular
o seu projeto.
O poder ser inclui de forma simples o Dasein, imerso no mundo do qual é parte
integrante e não o outro, o próprio sujeito do projeto que é condutor livre diante de uma
enorme gama de possibilidades. “o ser-no-mundo, ao qual pertence, de maneira igualmente
originária, tanto o ser junto ao que está a mão quanto o ser-com os outros, é sempre em
função de si próprio.” (HEIDEGGER, 1986 p.244)
Como já assinalamos neste trabalho, a inautenticidade trata-se daquela existência que
está envolvida com as coisas, com as responsabilidades e consequentemente discrimina a
singularidade na existência. O poder-ser implica, porém uma delimitação das possibilidades,
ou seja, as opções, as escolhas que darão significado a existência individual. Sendo assim
cabe a cada um, fazer suas escolhas individualmente. É a partir das escolhas que o projeto vai
se concretizando ou então perdendo-se.
O poder-ser enquanto possibilidade de autenticidade, “o homem... que toma ‘decisão
resoluta ‘antecipante’, ‘projetando’ no futuro seu plano de vida e de ação, escolhe a
autenticidade.” (ARVON, 1978, ps. 225 e 226) e por isso se realizará, se o ser livre, através da
angústia superar o simples desejo.
Enfim, o Dasein tem a capacidade de transcender diante de suas possibilidades, suas
capacidades. O que exige esforço e renúncias no decorrer da existência. Portanto é pela
transcendência que lhe é essencial frente a sua liberdade consciente que o Dasein é chamado a
conferir significação a sua existência.
4 – O DASEIN EM HEIDEGGER COMO UM SER-PARA-A-MORTE
Neste tópico procuramos analisar a estrutura fundamental que restringe toda a
possibilidade do ser-no-mundo, de todo ser-com-outro. É pensando o Dasein como ser-para-a- 75 -
morte que melhor entenderemos este ser que possui finitude e uma relação concreta com o
sentido do ser em geral.
4.1 Ser-para-a-morte
A questão da constituição ontológica de ‘fim’ e ‘totalidade’, obriga a tarefa de uma
análise positiva dos fenômenos da existência até aqui postergados. No centro destas
considerações, acha-se a caracterização ontológica do ser-para-o-fim em sentido
próprio da presença e a conquista de um conceito existencial da morte.
(HEIDEGGER, 1997, p. 17)
Em sua estrutura existencial o homem é ser-no-mundo, inautêntico e que traz em si a
capacidade de angustiar-se, de contemplar toda sua estrutura existencial, além de temporal e
de ser-para-a-morte.
A temporalidade é revelada na mortalidade inevitável, uma condição existencial
impossível de evitar. Haverá um momento em que cada Dasein chegará ao fim de sua jornada
existencial, quer isto lhe agrade ou não, “com a morte, a pré-sença completou o seu curso”
(HEIDEGGER, 1986 p.25). Isto, no entanto, remete à questão: como o Dasein poderia estar
em posição de conceber a totalidade? Justamente pela capacidade de antecipar o futuro. O
ser-aí é imbuído de uma constante incompletude. Portanto, não é apenas o presente, mas
também é este estender-se temporalmente que tem um fim com na morte.
Fazer uma analogia da morte dos outros e aplicar o que aprende ao seu próprio caso,
talvez fosse uma maneira de totalizar a existência. Porém, encontra-se aí um problema que
impossibilita, a morte de outros é o fim do mundo deles: “em sentido genuíno, não fazemos a
experiência da morte dos outros, no máximo, estamos apenas ‘junto’.” (HEIDEGGER, 1997,
p. 19) A morte ocorre no interior do mundo e será lembrado pelos que permanecem.
Recolocando a questão da morte, poderia se pensar a vida e seu termino como a plena
realização, como um fruto que cresce até chegar ao seu ponto mais elevado de maturação.
Mas esta comparação também não será de utilidade, como afirma o próprio Heidegger:
O fruto imaturo, por exemplo, encaminha-se para o seu amadurecimento. No amadurecimento,
aquilo que é ainda não é, de modo algum, se oferece como algo que se lhe junta, no sentido de
algo que ainda-não é simplesmente dado. O próprio fruto amadurece. O amadurecimento e o
amadurecer caracterizam-lhe o ser enquanto fruto. Não fosse o fruto um ente que chegasse por
si mesmo ao próprio amadurecimento, nada que lhe acrescentasse de fora poderia eliminar-lhe
a imaturidade. O ainda-não da imaturidade não significa uma coisa exterior a qual, indiferente
ao fruto, poderia ser simplesmente dada nele ou com ele. O ainda-não indica o próprio fruto em
seu modo específico de ser. Enquanto algo a mão, a soma incompleta é “indiferente” ao resto
que falta e não está a mão. Em sentido rigoroso, a soma não pode ser nem indiferente nem não
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indiferente. Em seu amadurecimento, o fruto é não apenas não indiferente em relação à
maturidade entendida como o outro de si mesmo, mas o fruto em amadurecimento á a sua
imaturidade. O ainda não já está incluído em seu próprio ser, não como uma determinação
arbitrária mas como um constitutivo. Analogamente, a presença, enquanto ela é, já é seu aindanão. (HEIDEGGER, 1997, p.24 e 25)
Sempre se é muito jovem ou muito cedo para morrer.
Sugere Heidegger que a maneira do Dasein entender a significação da totalidade de
sua existência é este não considerar a morte como contingente, distante, bem definida, mas
sim como uma certeza indefinida, mas eminente que é possível a cada instante.
Assumindo conscientemente a realidade como tal, em que a morte não pode ser esquecida, nem
tão pouco camuflada, o homem orienta-se através da consciência de fim fatal, fim este, sem
data e horário determinados. Assim, ele defronta-se com o possível término das possibilidades,
por não ser capaz de dizer, com precisão, que realizará tudo o que espera no ano vindouro, no
mês que se aproxima; no dia de amanhã, tão pouco daqui a alguns instantes. (NAVES, 2004,
p. 45)
Para Heidegger, cada momento da existência é afetado por morte, ou pelo “ser-para-amorte” (Zein zum tode). O Dasein não vive por um determinado tempo depois pára, como um
motor que acabou o combustível. O ser-aí é essencialmente finito.
Diante da certeza da morte, o homem tem a oportunidade de escolher entre encará-la,
aceitando tudo o que engloba esta condição, ou ainda, por ser essencialmente livre, se fazer
indiferente na presença do inevitável, isto é, da possibilidade de existir, fim definitivo.
Interromper uma gama de outras possibilidades que estavam por vir.
Esta vivência na cotidianidade, no inautêntico, se dá devido ao medo que tem o Dasein
de pensar a inexistência, de experienciar a angústia; isso conduz a um envolvimento com os
objetos, com os instrumentos corriqueiros que os ‘engole’, não permitindo um confronto
consciente com seu destino mais próprio: a morte.
Nessa fuga diante da morte, mais uma vez o ser-aí torna-se escravo do Impessoal que força seu
ponto de vista e seu comportamento sobre a existência do ser-aí, tirando-lhe toda capacidade de
decisão autentica e toda responsabilidade própria, pois leva a viver uma atitude de fuga
constante diante da sua existência que é fundamentalmente a existência para a morte. (GILES,
1975, p. 237)
Um dos motivos que levam o ser-aí a fugir de seu destino mais próprio é o medo do
desconhecido. “Encontra-se aí o motivo maior de fuga: o medo do desconhecido. Além de
seres racionais, somos também empíricos e desejamos continuamente habitar o reino do
cognoscível, onde a segurança nos ancora e somos tomados por ela.” (NAVES, 2004, p. 43)
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O fato da morte ser inevitável a todos os viventes a torna igualizadora, porém em outro
sentido diz Heidegger ser o que individualiza de maneira mais absoluta. Individualidade não
no sentido de uma personalidade interna distinta, mas por estabelecer as diferenças entre uma
e outra existência: “ser-com o morto não faz a experiência do ter-chegado-ao-fim do finado.
[...] em sentido genuíno, não fazemos a experiência da morte dos outros. No máximo, estamos
apenas “junto”. (HEIDEGGER, 1997, p. 19) Ou como diz Giles:
É impossível experimentar a morte de outro. Não importa quanto sofra diante da agonia da
morte de outro; não importa quanto eu possa estar aflito pessoalmente por causa da perda de
um ser querido. A morte dele não é a minha. O próprio sentido da morte é que ela rouba o “eu”
do seu próprio ser individual. (GILES, 1975, p. 237)
O Dasein imerso no cotidiano “conhece” casos de morte. Este ou aquele, próximo ou
distante “morre”. A morte vem como um acontecimento conhecido que ocorre dentro do
mundo. Tornou-se uma não surpresa característica de tudo o que vem ao encontro na
quotidianidade. Algum dia se morre, mas de imediato, não se é atingido por ela. Portanto
reconhece-se que a morte vai chegar mas, no entanto, evita pensar em suas implicações.
Escapar da morte encobrindo a domina, com tamanha teimosia, a cotidianidade que, na
convivência, os “mais próximos” freqüentemente ainda convém o ‘moribundo’ que ele haverá
de escapar da morte e, assim, retornar á cotidianidade tranqüila de seu mundo de ocupações.
Essa ‘preocupação’ significa inclusive a tentativa de ‘consolar’ o ‘moribundo’. Embora
pretenda restituir a presença, não faz se não ajudar a entranhar-lhe ainda mais sua possibilidade
de ser mais própria e irremissível. É desta maneira que o impessoal busca continuamente
tranqüilizar a respeito da morte. No fundo, essa tranqüilidade Vale não apenas par o
‘moribundo’ mas, sobretudo, para aqueles que ‘consolam’. E, quando deixa de viver, esse
acontecimento não deve chegar a perturbar e a desestabilizar a public-idade em sua ocupação
despreocupada. Não é raro perceber na morte dos outros um desagrado e até mesmo uma falta
de tato social de que a public-idade deve se precaver. (HEIDEGGER, 1997, p. 36)
A existência não é dada ao Dasein como um caminho certo, traçado, no final do qual
está a morte, ela é antes uma possibilidade, e como tal pode surpreender-se a qualquer
momento com a chegada do fim.
Esta constatação de que um dia se morre é fruto da cotidianidade do Dasein que o
tranqüiliza e o mantém anestesiado perante a morte. Diferente dos que estão sob influência da
angústia, capaz de arrancar da inautenticidade quem está nela imerso, e por isso que se pode
dizer que é na disposição da angústia que o estar-lançado na morte se desentranha para a presença de modo mais originário e penetrante. A angústia com a morte é angústia com o poder-
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ser mais próprio, irremissível e insuperável certa e, como tal indeterminada. (HEIDEGGER,
1997)
Movido pelo inautêntico, o homem fica impossibilitado de realizar uma “eclosão” da
consciência de sua finitude, não consegue vislumbrar a sua temporalidade como aquela a qual
a morte pode surpreender, interrompendo sua existência e com isso todas as outras
possibilidades. Como diz Heidegger, “a morte se revela como a possibilidade mais própria,
incondicionada e insuperável.”
A voz da consciência, por conseguinte, remete ao sentido da morte e revela a nulidade
de todo projeto. Deste modo, a morte impede que alguém se fixe apenas na situação em
questão, mostrando a nulidade dos projetos temporais, alicerçando assim a história. O que
reafirma o Dasein, portanto, como um ser-para-a-morte. Logo, é assumindo esta possibilidade
mais própria com decisão antecipadora que o homem encontrará o seu ser mais autêntico.
Diante do ser-para-a-morte o Dasein é impulsionado a decidir-se perante as demais
possibilidades que se apresentam a ele, ou seja, escolher qual maneira de existir, pois ao
chegar á morte, toda possibilidade será definitivamente retirada sejam elas quais quer que
sejam.
O homem que se defronta com a morte em conseqüência da angústia, na qual se
encontra, decide assumi-la, torna sua existência autêntica e compreende o destino que está
dando no presente, ao seu existir.
Autenticamente é a existência marcada pelo autodomínio das possibilidades, ou seja, o
próprio Dasein, consciente de sua finitude, assume seu destino e responsabilidade de existente
no mundo em ser-com-outro.
Esta capacidade que o Dasein tem de se antecipar perante a morte é um sinal de que
ele é possuidor do seu futuro, no entanto é necessário firmar os pés no presente, para que
possa projetar então as suas potencialidades.
Como ser consciente de sua finitude e autêntico, o Dasein se vê diante de uma tri
dimensão temporal: passado, presente e futuro. Sendo que o passado é a base para o presente,
onde se pode beber para edificar o presente; desta maneira, o momento atual terá sentido, e a
partir de então virá o futuro, como projeto cheio de possibilidades.
O ser humano, portanto, não é e nunca seria um ser acabado e tudo aquilo que pode
ser, estaria sempre diante de uma infinita gama de possibilidades. Estas possibilidades geram
no Dasein um mal estar constante, uma permanente tensão entre o real, o que ele é, e aquilo
que virá a ser. Geraria assim no Dasein, segundo Heidegger, a inquietação. Ou seja,
assumindo seu passado, ao mesmo tempo, seu projeto de ser, o ser-aí afirma sua presença no
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mundo. Desta maneira ultrapassa o estágio da angústia e toma o seu destino em suas próprias
mãos.
Cabe assim ao Dasein, como ser livre, dar a sua existência o sentido que lhe convém.
Seguindo desta maneira o Dasein vai dar a sua existência um sentido plenamente autêntico e
verdadeiro, pois se liberta da inautenticidade, caracterizada pela preocupação exagerada com
as coisas e com a vida igualmente experienciada pelos demais Daseins.
Portanto, a existência do ser-para-a-morte, se dá em um determinado tempo que
constitui o ser-no-mundo. Caberá ao ser-ai dar o devido sentido à sua existência, dentro deste
período histórico. Porém, o Dasein deve projetar-se tendo em vista a autenticidade, pois é por
meio desta que ele realiza a verdadeira temporalidade que dá sentido a existência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Martin Heidegger é um dos principais expoentes da filosofia, das correntes
fenomenológica e existencial. Seu pensamento sem dúvida é um marco na história ocidental.
Em nosso trabalho, através de uma análise dos conceitos axiais de Heidegger, presente em Ser
e Tempo, embasado em escritos posteriores e em alguns comentadores que nos auxiliaram na
compreensão de sua filosofia, nos prepusemos a refletir por meio de seus conceitos a analítica
existencial da finitude, em especial o conceito de ser-para-a-morte.
Fizemos uma abordagem em relação aos conceitos essenciais a nossa investigação,
tendo por base a estrutura ontológica do Dasein e sua possibilidade existencial de
autenticidade e inautenticidade, já apontando para a finitude. Uma investigação dos possíveis
caminhos para uma autenticidade e automaticamente para o encontro do sentido da existência,
na relação com os Daseins e com as coisas, tomando consciência do seu ser-para-a-morte.
Logo, tratamos mais propriamente do conceito de ser-para-a-morte de Heidegger. Pois
segundo o filósofo a morte é a possibilidade mais própria, incondicionada e insuperável.
Portanto a possibilidade de não-poder-mais-ser-aí, fato que o Dasein deve estar consciente,
virá sobre ele mesmo dissipando todas as relações com os outros Daseins e com toda e
qualquer possibilidade. É possibilidade intransponível, no sentido de que a morte é a última
possibilidade da existência.
O viver para a morte, então, é o autêntico sentido da existência, pois nos afasta da
simples submissão aos fatos e circunstâncias. Mediante a experiência refletida com o seu nada
é possível a antecipação da morte e então o encontro com o sentido do ser.
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Enfim, foi objetivo nosso através desta investigação, demonstrar que é possível
mesmo que pelo viés negativo: angústia, finitude, nada etc., a possibilidade de dar um sentido
pleno a existência temporal, por encontrar-se sabedor da condição de fragilidade e finitude
que nos constitui como Dasein.
REFERÊNCIAS
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Queixote, 1978.
GILES, Thomas Ransom. História do existencialismo e da fenomenologia. São Paulo: EPU,
1989.
________________. História do existencialismo e da fenomenologia. São Paulo: EPU,
1975.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Trad. Márcia de Sá Cavalcante. 3ª Ed. Petrópolis RJ:
Vozes, 1989.
__________________. Ser e Tempo. Vol. 2. Trad. Márcia de Sá Cavalcante. 5º Ed.
Petrópolis RJ: Vozes, 1997.
_________________. Carta Sobre o Humanismo. Trad. Rubens Eduardo frias. 1ª Ed.
Moraes. São Paulo 1991.
_________________. Que é Metafísica. Tradução de Ernildo Estein. Abril cultural. São
Paulo: 1973. (os pensadores)
LUIJPEN, Wilhelmus Antonius Maria. Introdução à Fenomenologia existencial.Trad.
Carlos Lopes de Matos. São Paulo, EPU, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1973.
NAVES, Gilzane Silva. A ÉTICA EM SER E TEMPO: Uma análise interpretativa de caráter
ôntico e ontológico dos conceitos de Martin Heidegger. Dissertação de mestrado. Pontifícia
Universidade Católica de Campinas. PUC-CAMPINAS, 2004.
RÉE, Jonathan. Heidegger, História e Verdade em Ser e Tempo. Tradução de José de
Almeida Marques, Karem Volobuef. São Paulo: Editora UNESP, 2000 (coleção Grandes
Filósofos)
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REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: Do romantismo até nossos
dias. Vol.3. São Paulo. Edições Paulinas, 1991. (Coleção Filosofia)
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o ser-para-a-morte em heidegger - Faculdade Católica de Uberlândia