O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PELO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL NOS LIMITES DA DEMOCRACIA
THE JUDICIAL REVIEW, BY THE BRAZILIAN SUPREME FEDERAL
COURT, AT THE DEMOCRACY'S LIMITS
Thiago Caversan Antunes
Luiz Fernando Bellinetti
RESUMO
Trata da questão dos limites da denominada jurisdição constitucional, em geral, e da
possibilidade de controle de constitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal, em
particular, frente aos limites que seriam inerentes à idéia de Democracia. Parte das
definições de Poder, Direito, ordenamento jurídico e Processo para analisar o tema.
Investiga, perfunctoriamente, as funções do controle de constitucionalidade como
instrumento da Democracia. Traça considerações gerais sobre o problema da
interpretação, em Direito. Analisa, em linhas gerais, os riscos das posições extremadas,
frente ao tema, tratando da hipótese de inexistência de controle de constitucionalidade,
por um lado, e da exacerbação do exercício de tal controle, por outro.
PALAVRAS-CHAVES:
CONTROLE
DE
CONSTITUCIONALIDADE
DEMOCRACIA – INTERPRETAÇÃO DE NORMAS
–
ABSTRACT
It deals with the judicial review’s limits question, in general, and on the about the
constitutionality control possibility, by the Brazilian Supreme Federal Court, in
particular, considering the limits inherent to the idea of Democracy. It parts from Power,
Law, legal system and Process definitions to analyze the subject. It analyzes, in a
general way, judicial review’s functions as a Democracy instrument. It takes into
consideration the interpretation’s problem, in Law. It analyzes, the extreme positions’
risks, in relation to the subject, observing the hypothesis of judicial review’s
inexistence, in one hand, and such control’s exercize maximization, in another one.
KEYWORDS:
JUDICIAL
INTERPRETATION
REVIEW
–
DEMOCRACY
–
NORMS’
6645
INTRODUÇÃO.
O estudo que ora se apresenta tem o escopo de levantar questões e possibilidades a
respeito do poder inerente, principalmente, ao Supremo Tribunal Federal, de declarar a
inconstitucionalidade de dispositivos legais, ainda mais especificamente no chamado
controle concentrado - vale dizer, nas denominadas ações diretas de
inconstitucionalidade, principalmente, assim como, de forma reflexa, nas ações
declaratórias de constitucionalidade.
Tendo em vista que é a própria Constituição Federal quem atribui, em termos expressos,
ao Supremo Tribunal Federal, tal competência, seria prescindível a investigação do
tema, caso todas as alegações de inconstitucionalidade de dispositivos legais se
baseassem em irregularidades meramente formais, ou, ainda, em flagrantes
incompatibilidades materiais.
Ocorre, todavia, que o Supremo Tribunal Federal tem se dedicado, com freqüência
crescente,[1] a analisar e decidir casos em que se discute a constitucionalidade ou não
de dispositivos legais, em relação a princípios de conceito completamente aberto ou
impreciso, como "vida" e "dignidade da pessoa humana".
Surge, desta forma, em linhas gerais, o problema (que precisa ser cuidadosamente
analisado) de se saber se cabe, realmente - em um cenário que se pretende plenamente
democrático - ao Poder Judiciário em geral e ao Supremo Tribunal Federal em
particular dar a palavra final a respeito de tais questões.
É necessário, também, analisar as múltiplas conseqüências que podem resultar de
qualquer solução que se pretenda adotar, diante do mencionado problema.
Para tanto, procurar-se-á partir da análise das definições de Poder, Direito, ordenamento
jurídico e Processo, ainda que de maneira bastante resumida.
É com base em tais definições - que serão tomadas como premissa epistemológica - que
se procurará apontar alguns interessantes e importantes aspectos do tema objeto deste
trabalho, e de suas respectivas conseqüências.
Não se pretende, com este estudo, por óbvio, dar uma solução definitiva aos problemas
que serão levantados.
Propõe-se, antes, um olhar sobre importantes questões que, ao que tudo indica, vêm
sendo sistematicamente negligenciadas pela doutrina e pelos estudiosos das chamadas
Ciências Jurídicas em geral.
1 PODER.
6646
Como já salientado, na introdução, entende-se necessário estabelecer, preliminarmente,
ainda que em linhas gerais, como pressuposto epistemológico, noções a respeito das
definições de Poder, Direito, ordenamento jurídico e Processo.
O Direito - conforme será explicitado adiante - pode ser compreendido como expressão
de um determinado Poder.[2]
É útil, portanto, que se estabeleça o que se entende, também, por Poder, para que os
próprios delineamentos do conceito de Direito sejam, por via de conseqüência, mais
claros.
A definição mais comum de Poder relaciona o fenômeno à habilidade ou faculdade de
agir ou não agir; ou de domínio, controle ou influência sobre o outro (GARNER, 1999,
p. 1189, tradução nossa).
Segundo Stoppino, "em seu significado mais geral, a palavra Poder designa a
capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos. Tanto pode ser referida a
indivíduos e a grupos humanos como a objetos ou a fenômenos naturais" (1998, p. 933).
O mesmo autor aponta que, "em sentido especificamente social, ou seja, na sua relação
com a vida do homem em sociedade, o Poder torna-se mais preciso, e seu espaço
conceptual pode ir desde a capacidade geral de agir, até à capacidade do homem em
determinar o comportamento do homem" (STOPPINO, 1998, p. 933).
Ocorre, todavia, que o Direito pode ser visto, conforme já mencionado, com uma
expressão do Poder, e é bastante claro que os dois conceitos - assim como os dois
fenômenos - influenciam-se reciprocamente em grande medida.
De qualquer forma, é claro que, em um panorama democrático, o Direito não pode ser
visto como uma expressão do Poder simplesmente entendido como a capacidade de um
único homem de determinar o comportamento de outros homens, ou dessa mesma
capacidade de um determinado grupo.
Ou seja, partindo-se da premissa democrática,[3] o Poder que se relaciona com o Direito
não pode ser entendido como característica de uma distribuição desigual de recursos.[4]
Para Max Weber, as relações de mando e obediência que, de alguma forma, se
confirmam no tempo - e que são encontradas, tipicamente, no âmbito da Política tendem a se basear, principalmente, em um específico fundamento de legitimidade, e
não apenas em fundamentos materiais ou no mero hábito de obediência dos súditos
(apud STOPPINO, 1998, p. 940).
Talcott Parsons dedica especial atenção ao "Poder Político", que conceitua como a
"capacidade geral de assegurar o cumprimento das obrigações pertinentes dentro de um
sistema de organização coletiva em que as obrigações são legitimadas pela sua
coessencialidade aos fins coletivos e portanto podem ser impostas com sanções
negativas, qualquer que seja o agente social que as aplicar" (apud STOPPINO, 1998, p.
941).
6647
Tomando-se como exemplo o caso especificamente brasileiro, a própria Constituição
Federal em vigor dispõe, já no parágrafo único de seu primeiro artigo, que o "Poder
emana do povo",[5] especificando, ainda, que será ele exercido "por meio de
representantes eleitos ou diretamente";[6] o que, aliás, faz muito sentido como
fundamento de um Estado que se denomina "Democrático de Direito".[7]
O Poder, portanto, neste panorama, pode ser entendido, de certa forma, como a
capacidade de autodeterminação do povo.[8]
2 DIREITO.
Estabelecida, ainda que em linhas bastante gerais, a definição de Poder, sob o prisma da
Democracia, cumpre traçar algumas considerações sobre o que venha a ser Direito.
Dimoulis ressalta as dificuldades de se tratar da definição de Direito, salientando que
"os únicos elementos de definição que todos admitem são a coação e a finalidade de
regulamentar condutas sociais. Mas esses elementos não são específicos para o direito,
encontrando-se em variados sistemas de normas" (2006, p. 34).
Para se entender um dos motivos das dificuldades de que ora se trata, é útil referir os
esclarecimentos de Machado Neto, no que diz respeito à questão da multiplicidade de
significados do termo "direito":
[...] se estudar a vida é tema do biólogo, quando se está definindo a ciência da vida, a
biologia, não se está ainda estudando a vida, mas uma ciência, embora aquela que leva a
vida em seu nome. O tema não será aí, pois, a vida (bios) - biologia, mas uma ciência
(episteme) - epistemologia. Não se estará fazendo então ciência, mas epistemologia,
teoria da ciência.
Sem dúvida, o mesmo se passa com o direito. Tratar de direito é fazer ciência jurídica,
dogmática ou jurisprudência, mas tratar da ciência do direito, ainda que para o mister
elementar de defini-la, é fazer epistemologia (Machado Neto, 1975, p. 5)
Há, portanto, pelo menos três sentidos diversos importantes para a palavra "direito". O
primeiro significado diz respeito ao Direito enquanto objeto de estudo; o segundo se
refere à Ciência que se dedica, primordialmente, ao estudo de tal objeto; e, por último, o
terceiro significado, que é utilizado em referência a "direito subjetivo" ao qual
corresponde determinado "dever jurídico".[9]
Segundo Garner (1999, p. 889), o Direito pode ser entendido como o regime que ordena
as atividades e relações humanas por meio da aplicação sistemática da força da
sociedade politicamente organizada.
6648
Para Kelsen, "o Direito é uma ordem da conduta humana" e "um conjunto de regras que
possui o tipo de unidade que entendemos por sistema" (2000, p. 5).
Leva-se em conta, aqui, que o Direito é, sob certa perspectiva, um conjunto de regras
que traduz a expressão do poder, em uma sociedade politicamente organizada, ou seja, o
Direito (ainda que possa, eventualmente, ser injusto),[10] não pode ser confundido com
o simples arbítrio.
Vale repisar, portanto, que há, em certa medida, uma relação dialética entre Poder e
Direito, já que o Poder constitui o Direito, e é por ele recriado e limitado.
De uma maneira sistemática, o Direito - enquanto "objeto de estudo", é válido ressaltar pode ser definido como "o ordenamento que visa regular a conduta humana de forma
bilateral, externa e coercível" (BELLINETTI, 2006, p. 818).[11]
Cabe destacar aqui, também, que "o Direito é um ordenamento, que deve ser entendido
como uma forma de organizar harmonicamente determinado conjunto de elementos"
(BELLINETTI, 2006, p. 818).[12]
Restando delineada, desta forma, a definição de Direito, resta traçar, ainda, algumas
considerações a respeito de suas principais funções.
Assumir-se-á, aqui, que a função primordial a que se propõe o Direito é garantir a
segurança social e institucional.
O fato é, todavia, que as normas, em geral (assim como o próprio Direito), não são
criadas com a função primordial de promover mudanças, mas, sim, de garantir
determinado nível de segurança.
Não é o Direito que modifica a realidade. O Direito é um dos instrumentos, modesto
instrumento, de transformação da sociedade. O Direito é acima de tudo um instrumento
de consagração de uma dada realidade (MELLO, 1985, p. 97).
Não se nega, é claro, que o Direito é um instrumento importantíssimo, na promoção de
transformações positivas em qualquer sociedade, mas é, também, inegável que não foi,
sequer, com este intuito que ele surgiu.
Resta claro, portanto, que a promoção de mudanças e de evolução social é, também,
uma das múltiplas importantes funções que podem ser atribuídas ao Direito - mas não a
sua única e, nem de longe, a sua principal.
3 ORDENAMENTO JURÍDICO.
6649
Traçada, de maneira geral, uma definição de Direito, e referidas, também em linhas
gerais, as suas funções, cabe definir o ordenamento jurídico.
É de se destacar, em primeiro plano, o alerta da doutrina de que "a noção de
ordenamento é complexa" (FERRAZ JUNIOR, 2007, p. 175).
Ferraz Junior esclarece que, "em princípio, um ordenamento jurídico é um conjunto de
normas" (2007, p. 175 e 176), de todas as espécies,[13] mas que nele não se encontram,
exclusivamente, normas, havendo ainda critérios de classificação, definições e
preâmbulos (2007, p. 176).
Já se observou, aliás, que o ordenamento jurídico
[...] pode ser vislumbrado de uma perspectiva estática e de uma perspectiva dinâmica.
Isto porque, se é certo que se de um lado pode ser visto como um conjunto de regras
abstratas preestabelecidas que servirão de parâmetro para a regulação futura da conduta
humana (aspecto estático), de outro também pode ser visto como um conjunto de
normas concretas que estão regendo as relações jurídicas em determinado momento
(aspecto dinâmico) - (BELLINETTI, 2006, p. 819).[14]
Mencione-se, neste ponto, que as regras que compõem validamente um determinado
ordenamento jurídico, em um Estado Democrático, devem ser, em geral, elaboradas de
acordo com um determinado processo, previamente estabelecido e conhecido - o assim
denominado "processo legislativo".
4 PROCESSO.
De acordo com Cintra, Grinover e Dinamarco, "etimologicamente, processo significa
'marcha avante', 'caminhada' (do latim, procedere = seguir adiante)" (2001, p. 277).
É de se destacar que, diversamente do que se poderia supor, o processo não é um
fenômeno exclusivamente jurisdicional, nem se verifica apenas no âmbito estatal.[15]
Conforme observa Câmara, aliás, "[...] o conceito de processo, lato sensu, não é
exclusivo do Direito Processual. Há processos em outras áreas da atividade estatal
diversa da jurisdição, como os processos administrativos e o processo legislativo"
(2008, p. 133).
Assim, no que se refere, especificamente, à ordem jurídica, "o processo pode ser
definido como o instrumento através do qual o ordenamento jurídico é construído,
modificado e aplicado" (BELLINETTI, 2006, p. 820).
6650
Nesta perspectiva,
[...] o processo é o elemento que dá dinamismo ao ordenamento jurídico, que lhe
permite a atividade dialética de constante construção (através da concretização das
normas concretas e criação das normas abstratas complementares das preexistentes) e
reconstrução (através das modificações das normas abstratas do ordenamento, bem
como através da modificação da interpretação dessas normas abstratas, gerando normas
concretas diferentes para casos similares) (BELLINETTI, 2006, p. 820).
Importam, para os fins deste estudo, especialmente as idéias de "processo legislativo" e
de "processo jurisdicional".[16]
Assim, pode-se definir o processo legislativo como sendo a "seqüência juridicamente
preordenada[17] de atividades de vários sujeitos na busca de um determinado resultado:
a formação ou a rejeição da lei" (OLIVETTI, 1998, p. 996).[18]
O processo jurisdicional, a seu turno, pode ser entendido como o encadeamento lógico
de procedimentos, que tem a função primordial de dar aplicação à norma abstrata
prevista no ordenamento jurídico, por meio da construção de uma norma concreta.
5 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE.
O controle de constitucionalidade de normas é, notavelmente, um dos mais importantes
instrumentos garantidores da plena expressão democrática.
Aliás, o fundamento da idéia de controle de constitucionalidade repousa no próprio
princípio da supremacia da Constituição.
Cabe mencionar que, para que seja verdadeiramente efetivo, o controle de
constitucionalidade não pode ser atribuído (ao menos não com exclusividade) ao
próprio órgão que fica encarregado de produzir as normas que constituirão o seu objeto,
o que, aliás, já foi observado por Kelsen (2003, p. 150).[19]
Há, desta forma, basicamente duas formas de se instrumentalizar esse controle de
constitucionalidade externo ao próprio Poder Legislativo: a política e a jurídica.
O controle de constitucionalidade pela forma política seria efetivado por meio de um
órgão - que não se enquadra em nenhum dos poderes existentes - especialmente
constituído por representantes eleitos pelo voto popular direto, especificamente para
decidir a respeito da constitucionalidade das normas exaradas pelo Poder Legislativo
(FERRARI, 2004, p. 81 e 82).
6651
Por sua vez, o controle de constitucionalidade é efetivado pelo próprio Poder Judiciário
(FERRARI, 2004, p. 82 a 84).
De toda sorte, é certo que, se há, como visto, limites formais e materiais que devem ser
observados no processo legislativo, deve haver, também, meios efetivos de controle que
possibilitem o estrito cumprimento de tais limites.
E é igualmente certo que a existência e adequado funcionamento de tais meios
constituem instrumentos indispensáveis à manutenção da Democracia enquanto tal.
Nas palavras de Magalhães,
A existência de mecanismos adequados e eficazes de controle de constitucionalidade é
condição fundamental para a supremacia constitucional e a segurança jurídica, essência
do moderno estado de direito. De nada adiantam a existência de limites materiais,
circunstanciais, temporais e formais que marcam a rigidez constitucional se não existem
eficazes meios de controle, e afastamento do ordenamento jurídico e da vida das
pessoas, dos atos e leis que contrariam estes limites (2009).
Assim, o controle de constitucionalidade pode ser definido como o controle de
conformidade das normas à Constituição, que tem por objetivo garantir o respeito à
hierarquia que lhes é aplicável.
A existência de tal controle se justifica pela idéia de que "a lei não é plenamente
legítima, a menos que ela respeite os princípios superiores constantes da Constituição e
que tenha sido ela formulada segundo um procedimento regular" (SÉNAT, 2009,
tradução nossa).
Segundo Martins e Mendes, "o controle judicial de constitucionalidade das leis tem-se
revelado uma das mais eminentes criações do direito constitucional e da ciência política
do mundo moderno" (2005, p. 33).
Parece pacífico, portanto, que o controle de constitucionalidade das normas é um
importante instrumento - previsto no próprio ordenamento jurídico, que se efetiva
mediante um "processo" -, sem o qual a Democracia restaria extremamente fragilizada,
senão verdadeiramente inviabilizada.
Isto se dá, como visto, porque a atividade legislativa, em geral, encontra limites formais
e materiais, na própria Constituição.
A questão que se coloca é saber se a própria atividade de controle de
constitucionalidade não teria, ela também, os seus limites, o que, ademais, procurar-se-á
analisar no próximo capítulo.
Cabe, antes, porém, fazer uma importante observação.
6652
Considerar-se-á que a forma "jurídica" de controle de constitucionalidade é preferível à
"política", por razões que serão melhor explanadas no próximo capítulo.
Dito isto, cabe relembrar que, no Brasil, como é por demais sabido, é adotada a forma
"jurídica" de controle de constitucionalidade, que se efetiva, basicamente, por meio de
dois grandes sistemas de controle jurisdicional de constitucionalidade.
Tanto os magistrados, em geral, têm o "poder" de declarar, com eficácia intra pars, a
inconstitucionalidade de atos normativos, nos casos concretos que são levados à sua
apreciação, no chamado "controle difuso"; quanto os ministros do Supremo Tribunal
Federal, em particular, têm a possibilidade de pronunciar a inconstitucionalidade, com
eficácia erga omnes, no denominado "controle concentrado".
As diferenças entre estas modalidades de controle de constitucionalidade são
esclarecidas por Mezzomo, nos seguintes termos:
No caso do controle difuso ou concreto, há o caráter incidental da discussão da
constitucionalidade à vista de uma demanda que visa determinada pretensão, que não é
a de declaração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade de uma norma.
A questão constitucional surge, portanto, em relação ao direito que embasa a pretensão
e que constitui elemento da causa de pedir, seja a demanda cível ou penal. Desta forma,
o controle incidental pode ocorrer em qualquer espécie de demanda.
No controle concentrado ou abstrato, a questão constitucional não surge
incidentalmente, senão que constitui a própria motivação da demanda, que se volta
contra a lei abstratamente considerada, e não contra os seus efeitos concretos. Busca-se
em síntese, afirmar ou negar a conformidade, material ou formal, do ato normativo em
relação à Constituição (2006).
Conforme já mencionado, o que interessa, primordialmente, aos fins deste estudo, é o
controle de constitucionalidade pela via "concentrada".
6 LIMITES DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE.
O controle de constitucionalidade de normas, como visto, perfunctoriamente, no
capítulo anterior, é tido como importante criação da modernidade, e instrumento
indispensável à manutenção das instituições democráticas.
Um fundamento importante deste controle está, como visto, na existência de limites,
previamente determinados, formais e materiais, inerentes à atividade legislativa.
6653
O estudioso do Direito parece naturalmente inclinado a supor que o próprio controle de
constitucionalidade encontra, também, os seus próprios limites.
Que limites seriam estes, todavia, e quem os controlaria? [20]
É necessário reconhecer, de início, que o limite primeiro, por excelência, do controle de
constitucionalidade é o próprio texto constitucional.
Este parâmetro não encontra grandes problemas de efetivação, quando a possível
inconstitucionalidade que é argüida perante o "órgão controlador" tem natureza formal;
ou quando há flagrante inconstitucionalidade material.
Ocorre que em textos constitucionais contemporâneos - como é o próprio caso
específico brasileiro, por exemplo -, há uma grande plêiade das chamadas "cláusulas
abertas", isto é, princípios gerais que, por um lado, constituem a base do sistema
normativo, e, por outro, permitem as mais variadas interpretações.
São exemplos ilustrativos os princípios do direito à vida e da dignidade da pessoa
humana: conceitos completamente abertos, para os quais o texto constitucional não
estabelece, sequer, parâmetros claros.
É importante destacar que a discussão é atual e pertinente, mormente quando se tem
legado ao Supremo Tribunal Federal a função de decidir casos de extrema
complexidade e que envolvem grandes controvérsias, como a constitucionalidade da
utilização de células embrionárias em pesquisas científicas e da antecipação do parto em
casos clínicos de fetos anencéfalos - por possível descompasso com princípios de ordem
generalíssima[21] - apenas para citar dois, entre vários exemplos existentes.
Enquanto não há norma regulamentadora de tais condutas, é praticamente pacífico o
entendimento de que deve, realmente, o Poder Judiciário decidir, de forma pontual, as
demandas em que se solicita a sua intervenção.
O grande problema é saber o alcance da legitimidade do Supremo Tribunal Federal (e,
no mais, dos julgadores em geral) de declarar a inconstitucionalidade de determinada
norma, por ser ela, em tese, incompatível com um determinado princípio de conceito
aberto.
Vale ressaltar a observação de Repolês de que
A conseqüência mais grave da definição de Constituição como ordem concreta de
valores é que a generalidade e imprecisão de suas formulações permite que as Cortes
ampliem voluntaristicamente os princípios a ponto de criar critérios de interpretação que
não encontram o menor ponto de apoio no texto constitucional (2003).
Ainda, neste sentido, interessantes as ponderações de Neves de que "dado o forte
componente ideológico e a profunda imprecisão semântica (vagueza e ambigüidade) das
6654
normas programáticas, é muito difícil a caracterização da incompatibilidade de lei
ordinária com norma programática" (1988, p. 103).
Há, sem sombra de dúvidas, entre os mais respeitáveis doutrinadores, uma preocupação
praticamente uníssona com a necessidade de se garantir a margem mais ampla possível
de objetividade, e, a respeito da aplicação de princípios, assevera Guerra Filho que "a
discussão gira menos em torno de fatos do que de valores, o que requer um cuidado
muito maior para se chegar a uma decisão fundamentada objetivamente" (2002, p. 19).
Dimoulis, todavia, a seu turno aponta o risco de a interpretação jurídica ser vista e
utilizada "como pretexto para impor aquilo que o intérprete considera como a melhor
solução de um conflito social" (2006, p. 60),[22] o que é especialmente notável quando
se leva em conta o controle de constitucionalidade.
Esse é um fator que já preocupava Kelsen, que observou, ainda em 1928, que
[...] como às vezes acontece, a própria Constituição se refere a esses princípios
invocando os ideais de eqüidade, justiça, liberdade, igualdade, moralidade, etc., sem
esclarecer nem um pouco o que o que se deve entender por isso (2003, p. 168).
A este respeito, esclarece ainda o autor:
[...] as concepções de justiça, liberdade, igualdade, moralidade, etc. diferem tanto,
conforme o ponto de vista dos interessados, que, se o direito positivo não consagra uma
dentre elas, qualquer regra de direito pode ser justificada por uma dessas concepções
possíveis. Em todo caso, a delegações dos valores em questão não significa e não pode
significar que a oposição entre o direito positivo e a concepção pessoal que eles possam
ter da liberdade, da igualdade, etc. possa dispensar os órgãos de criação do direito de
aplicá-lo (KELSEN, 2003, p. 168 e 169).
Kelsen esmiúça as suas observações, em torno do problema, asseverando:
As disposições constitucionais que convidam o legislador a se conformar à justiça, à
eqüidade, à igualdade, à liberdade, à moralidade, etc. poderiam ser interpretadas como
diretivas concernentes ao conteúdo das leis. Equivocadamente, é claro, porque só seria
assim se a Constituição estabelecesse uma direção precisa, se ela própria indicasse um
critério objetivo qualquer (2003, p. 169).
6655
Chega, nesta altura, o autor ao ponto nevrálgico de suas considerações, naquilo que
mais interessa aos fins deste estudo, ao esclarecer:
[...] não é impossível que um tribunal constitucional chamado a se pronunciar sobre a
constitucionalidade de uma lei anule-a por ser injusta, sendo a justiça um princípio
constitucional que ele deve por conseguinte aplicar. Mas nesse caso a força do tribunal
seria tal, que deveria ser considerada simplesmente insuportável. A concepção que a
maioria dos juízes desse tribunal tivesse da justiça poderia estar em total oposição com
a da maioria da população, e o estaria evidentemente com a concepção da maioria do
Parlamento que votou a lei (KELSEN, 2003, p. 169).[23]
Todas essas observações fazem muito sentido, mormente levando em conta que Kelsen,
em 1944 (conforme já mencionado no segundo capítulo deste estudo), voltaria a
expressar que, em seu entendimento, a idéia de justiça é "um julgamento subjetivo de
valor" (2000, p. 9 a 12).
Vale dizer que este tema continua sendo, contemporaneamente, trabalhado na
Alemanha.
Maus destaca a constante e crescente transferência, pela sociedade, ao Poder Judiciário,
da responsabilidade de decidir casos de extrema complexidade e importância, com base
em princípios de conceito completamente aberto, que implicam, quase que
invencivelmente, em amplos subjetivismos.
Segundo a autora, por meio deste processo, o Poder Judiciário tem se perpetuado como
um verdadeiro "super ego" da sociedade (MAUS, 2000).[24]
A esta altura, vale fazer uma recapitulação.
Conforme mencionado no capítulo primeiro, a Constituição Federal brasileira
reconhece, já no parágrafo único de seu primeiro artigo, que o Poder, em sua totalidade,
emana do povo; e determina que será ele exercido diretamente, ou por meio de
representantes eleitos.
Ocorre, todavia, que os "representantes eleitos", por voto direto, são apenas os chefes do
executivo, e os membros do parlamento.
No Poder Judiciário, em geral, não há membros eleitos, e no Supremo Tribunal Federal,
em particular, não vige, sequer, a regra do chamado "quinto constitucional", prevista
nos arts. 94; 107, I; 111-A, I; e 115, I, da Constituição Federal.[25]
Aqui cabe um esclarecimento importante, que já foi referido no capítulo anterior.
Ao contrário do que pode parecer, não se defende que seria desejável e mais
amplamente democrático que o controle de constitucionalidade fosse efetivado segundo
a forma "política", e, aqui, cabe abrir parênteses, para um importante esclarecimento.
6656
Se, por um lado, é verdade, conforme observado por Ferrari que
[...] a vontade tem sua expressão através de um órgão, que é o Parlamento, no qual se
acha representada a soberania nacional, seria inadmissível que alguém que não seja
escolhido pelo povo tenha poder para impedir a aplicação de uma lei - expressão
máxima da soberania nacional (2004, p. 82)
Por outro lado não se pode ignorar o que se tem verificado, segundo hábil observação
da mesma autora, em relação à forma política de controle de constitucionalidade, isto é
[...] a ineficácia deste tipo de controle por um órgão político, pois o que vemos é apenas
a opinião política do órgão que elaborou o ato substituída pela opinião do órgão
controlador, tornando-se, assim, o órgão controlador um outro Legislativo, já que, na
prática, não se atém apenas a analisar a concordância dos atos legislativos frente à
Constituição, mas, ao contrário, atém-se à apreciação de sua conveniênca ou
oportunidade (FERRARI, 2004, p. 82).
Ocorre, de qualquer forma, que, se a função primordial do Direito é promover a
segurança social e institucional,[26] e se pelo princípio da presunção de legitimidade
das leis, toda norma jurídica deve ser presumida constitucional, enquanto não for
decretado o contrário, por órgão competente,[27] é de se admitir que o constante
exercício de um "poder" de controle de constitucionalidade, com base em princípios de
conceito completamente aberto, por um colegiado formado de maneira que não reflete,
necessariamente, as convicções constantes da Sociedade, pode, ao que tudo indica,
trabalhar precisamente em sentido contrário do referido ideal de segurança.
Vale dizer, é óbvio que o Poder Judiciário tem um papel importantíssimo na efetivação
da ordem jurídica, como um todo, e notavelmente daqueles valores que permeiam a
sociedade, e que inspiram o texto constitucional (estando nele inseridos, no mais das
vezes, precisamente na forma de princípios), e a efetiva atuação do Supremo Tribunal
Federal é, neste panorama, essencial para a manutenção da Democracia.
Por outro lado, isto não dá ao Supremo Tribunal Federal - é, também, claro - a
prerrogativa absoluta de submeter todas as normas que resultam do debate democrático
(ou razoavelmente democrático), no âmbito do Poder Legislativo, ao crivo daquilo que
os seus próprios eminentes ministros entendem, por exemplo, por "justiça" ou por
"dignidade da pessoa humana", sob o pretexto de se realizar um controle de
constitucionalidade.
Há, portanto, duas grandes questões, que merecerão atenção e reflexão dos estudiosos
do Direito.
6657
Em primeiro lugar, é necessário investigar se é possível estabelecer, com relativa
clareza, qual é o limite a partir do qual a interferência do Supremo Tribunal Federal, no
cenário político, no âmbito do controle de constitucionalidade, em defesa da
Constituição Federal e da efetivação de princípios, deixa de ser um importante
instrumento de defesa da Democracia, e passa a ser a ela atentatório.
Depois, levando-se em conta que é, por excelência, o Poder Judiciário quem controla,
das mais variadas formas,[28] os excessos e desvios do Poder Executivo e do Poder
Legislativo, é necessário se analisar como poderia ser efetivado o controle dos excessos
do próprio Poder Judiciário, já que qualquer poder ilimitado tende à tirania.
CONCLUSÃO.
Não se pretendeu, com este estudo, de forma alguma, afirmar que os juízes em geral - e,
também, em particular, aqueles magistrados ligados mais visceralmente ao controle de
constitucionalidade - efetivamente sejam, ou devam ser, meros reprodutores mecânicos
da lei.
Igualmente, não se quis negar que o Poder Judiciário, em geral, e o Supremo Tribunal
Federal, em particular, tenha um verdadeiro e importante papel na efetivação das
normas jurídicas, e que neste processo, verdadeiramente crie, também, normas
concretas.
É certo, por um lado, que se o Supremo Tribunal Federal omitir-se, na realização do
importante papel que lhe foi outorgado pela própria Constituição Federal - que consiste
no efetivo controle de constitucionalidade formal e material de normas jurídicas -,
restará a Democracia seriamente ameaçada.
Por outro lado, excedendo-se em suas funções, utilizando-se da interpretação
invencivelmente subjetiva de princípios de conceito completamente aberto, para impor a
sua própria vontade política - em verdadeira substituição da das diretrizes resultantes do
debate parlamentar, corporificado em normas jurídicas - sob o pretexto de se garantir a
supremacia da Constituição Federal, será, também, a Democracia abalada, senão
verdadeiramente substituída por um regime de essência aristocrática (na melhor das
hipóteses) ou, mesmo, oligárquica.
O grande problema está em se saber, com certa margem de clareza, onde está o exato
limite no qual a efetivação de princípios, por parte do Supremo Tribunal Federal, no
exercício do controle de constitucionalidade, deixa de ser um serviço à Democracia,
para ser um atentado a ela; e um de seus importantes desdobramentos está em se saber
como poderia ser efetivada qualquer espécie de controle acerca dos eventuais excessos
no que concerne a tal limite.
Ainda não é possível apontar respostas para os problemas levantados - o que, ademais,
já se advertia nas considerações introdutórias deste estudo -, e, inclusive por isto, é
imperioso que a sua existência seja reconhecida, e que sejam criadas e cultivadas as
6658
condições para uma reflexão ampla e profunda, o que é necessário para a própria
preservação do Estado Democrático de Direito.
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6660
[1] Por provocação da própria sociedade, por meio dos órgãos legitimados, é válido
ressaltar.
[2] É claro, também, por outro lado, que o Direito tem a importante função - não a única
- de limitar o Poder, uma vez que, por exemplo, aqueles que editam as normas de uma
determinada ordem jurídica ficam, também, por definição, a elas sujeitos.
[3] Referir-se-á, no decorrer deste estudo, às definições modernas (de base aristotélica)
de Democracia e, ademais, das formas denominadas "puras" e "impuras" de governo,
em geral (cf. BONAVIDES, 2000, p. 249).
[4] O Poder, em sua acepção sociológica, é definido por Chazel, precisamente, como
um conjunto de relações interpessoais assimétricas, cujo exercício é condicionado pela
distribuição desigual de recursos (1990, p. 192).
[5] Destaque-se que esta disposição da Constituição Federal brasileira legitima um
Poder já existente, mesmo antes do próprio texto constitucional; sendo, portanto,
equivocada a idéia de que a Constituição "cria" o Poder.
[6] Saliente-se, já neste ponto, que os integrantes do Supremo Tribunal Federal, como é
por demais sabido, não são, propriamente, "eleitos".
[7] São, também, aqui, fundamentais as considerações de Charles de Montesquieu, na
obra "O Espírito das Leis", a respeito da divisão funcional do Poder (que continua
sendo, contudo, "uno") e da idéia de autocontrole do poder estatal.
[8] O que, ademais, encontra-se, de certa forma, também, contemplado na Constituição
Federal, no art. 4°, III.
[9] Neste artigo, pretende-se tratar da definição de Direito enquanto objeto de estudo, e
não como Ciência propriamente dita, ou como "direito subjetivo" ao qual corresponde
determinado "dever jurídico".
[10] Ressalte-se que o problema da "justiça" ou "injustiça" de um determinado
ordenamento jurídico está ligada a um "julgamento subjetivo de valor" (KELSEN,
2000, p. 9). De qualquer forma, é desejável que, em um ambiente democrático, o Direito
reflita, dentro do possível, o ideal sintético de Justiça que permeia a sociedade como um
todo.
[11] Cada um dos elementos que compõem esta definição já foi melhor esmiuçado
(BELLINETTI, 2006), sendo, todavia, que tal tarefa não cabe nos limites deste estudo
em particular.
[12] Maior e mais minuciosa análise a respeito da definição de Direito encontra-se na
referida obra (BELLINETTI, 2006).
[13] Nisso se incluem, obviamente, os princípios, o que é admitido, inclusive, pelos
partidários do positivismo jurídico. Bobbio, há mais de 50 anos, já defendia que os
princípios são "normas como todas as outras" e esclarecia que são eles "normas
fundamentais ou generalíssimas do sistema" (1995, p. 158). Posição semelhante
6661
prevalece, contemporaneamente, conforme dão conta os apontamentos de Dimoulis e
Lunardi (2008). As diferenças fundamentais entre princípios e regras são traçadas,
todavia, de maneira magistral por Dworkin (2002, p. 39 e 42).
[14] É possível, ainda, tratar do ordenamento jurídico a partir de diversas concepções ordem legal, ordem escalonada, realidade sociológica, ordem tridimensional - sem que o
aprofundamento neste tema, todavia, caiba nos limites deste trabalho (cf. BELLINETTI,
2006).
[15] Isto porque, "se fora do Estado também se constrói e aplica o ordenamento, deve
também aí haver processo" (BELLINETTI, 1994, p. 79). Neste mesmo sentido, Cintra,
Grinover e Dinamarco observam que "Processo é conceito que transcende ao direito
processual. Sendo instrumento para o legítimo exercício do poder, ele está presente em
todas as atividades estatais (processo administrativo, legislativo) e mesmo não-estatais
(processos disciplinares dos partidos políticos ou associações, processos das sociedades
mercantis para aumento de capital etc.)" (2001, p. 278).
[16] Ainda mais especificamente no que se refere à jurisdição constitucional,
obviamente.
[17] Cabe mencionar - o que, aliás, pode parecer óbvio - que este "regramento jurídico"
do processo legislativo inclui aspectos formais e materiais; que no caso brasileiro
encontram-se previstos, já, na Constituição Federal, e que constituirão baliza, inclusive,
para o controle de constitucionalidade das normas.
[18] A bem da verdade, Olivetti assim define o que denomina "procedimento
legislativo", o qual considera mera parte integrante daquilo que entende por "processo
legislativo", que, em suas palavras (com referências indiretas a Predieri), seria o
"fenômeno dinâmico da realidade social, que se caracteriza por uma concatenação de
atos e de fatos não necessariamente disciplinada pelo direito, começando com a
'demanda' da lei e terminando com a 'decisão' da lei ou com a rejeição da 'demanda'"
(1998, p. 996).
[19] Observe-se que no Brasil - ao contrário do que se poderia supor, em um exame
apressado - o controle de constitucionalidade de normas não é procedido
exclusivamente pelo Poder Judiciário. Isto porque, de certa forma, o próprio Poder
Legislativo procede a um "controle prévio de constitucionalidade". Tanto é verdade que,
no âmbito da União, por exemplo, existem Comissões de Constituição e Justiça, tanto
na Câmara dos Deputados, quanto no Senado Federal. Ainda, por parte do Senado
Federal, há a competência para suspender, no todo ou em parte, lei declarada
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, na via do controle difuso, conforme
disposição expressa da própria Constituição Federal, no art. 52, X (a este respeito, cf.
PALU, 2001, p. 149 a 153). Além do mais, o Poder Executivo também tem a
oportunidade de realizar um certo "controle de constitucionalidade", por meio do
exercício do chamado "poder de veto".
[20] É de se mencionar que o cerne da questão é antigo. Pode-se inferir que a
problemática já se encontra incipiente no adágio latino quis custodiet custodes ipsos?
(quem guardará os guardiões? ou quem vigiará os vigilantes?).
6662
[21] Veja-se, v. g., que, já no início de 2009, era publicada, em revista de grande
circulação nacional, sob o título "Toga em evidência", a notícia de que "a pauta do STF
[...] continuará polêmica [...]. O tribunal vai decidir a legalidade da união entre
homossexuais, o aborto de fetos com má-formação cerebral [...]" (AITH, 2009).
[22] Saliente-se que não se trata de negar a normatividade dos princípios, o que é
esclarecido pelo mesmo doutrinador em artigo de sua autoria (DIMOULIS, 2008); e
que, ademais, já era observado por Bobbio, há mais de 50 anos, quando ressaltava a
plena normatividade dos princípios, inclusive daqueles não expressos, que decorreriam
do sistema (1995, p. 158 e 159).
[23] É de se destacar, todavia, por honestidade acadêmica, que essa posição não é
unânime. Guerra Filho, por exemplo, menciona que "o centro de decisões politicamente
relevantes, no Estado Democrático contemporâneo, sofre um sensível deslocamento do
Legislativo e Executivo em direção ao Judiciário" (2001, p. 161), e considera este fato curiosamente - edificante da Democracia.
[24] A autora, aliás, aponta que fizeram o mesmo papel de "super ego", anteriormente,
os imperadores e tiranos, tendo sido, modernamente, transferida essa nefasta função ao
Poder Judiciário, em um verdadeiro processo de negativa da sociedade a assumir as suas
própria responsabilidades, em uma conjuntura genuinamente democrática (MAUS,
2000).
[25] Uma leitura apressada do art. 101, caput, da Constituição Federal poderia levar à
idéia, todavia, equivocada, salvo melhor juízo, de que o Supremo Tribunal Federal seria
a corte nacional formada de maneira mais democrática, tendo em vista que não há
explicitação, sequer, como requisito, de que devam os indicados ter formação jurídica,
limitando-se o aludido dispositivo legal a exigir "notável saber jurídico e reputação
ilibada".
[26] Conforme já discutido no segundo capítulo.
[27] A este respeito, cf. FERRARI, 2004, p. 77 e 78.
[28] Observe-se, ademais, que o estudo e análise de tais formas de controle é de
diferenciada importância, mas que não cabem nos limites deste trabalho.
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A CRISE DO POSITIVISMO JURÍDICO