O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NOS LIMITES DA DEMOCRACIA THE JUDICIAL REVIEW, BY THE BRAZILIAN SUPREME FEDERAL COURT, AT THE DEMOCRACY'S LIMITS Thiago Caversan Antunes Luiz Fernando Bellinetti RESUMO Trata da questão dos limites da denominada jurisdição constitucional, em geral, e da possibilidade de controle de constitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal, em particular, frente aos limites que seriam inerentes à idéia de Democracia. Parte das definições de Poder, Direito, ordenamento jurídico e Processo para analisar o tema. Investiga, perfunctoriamente, as funções do controle de constitucionalidade como instrumento da Democracia. Traça considerações gerais sobre o problema da interpretação, em Direito. Analisa, em linhas gerais, os riscos das posições extremadas, frente ao tema, tratando da hipótese de inexistência de controle de constitucionalidade, por um lado, e da exacerbação do exercício de tal controle, por outro. PALAVRAS-CHAVES: CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DEMOCRACIA – INTERPRETAÇÃO DE NORMAS – ABSTRACT It deals with the judicial review’s limits question, in general, and on the about the constitutionality control possibility, by the Brazilian Supreme Federal Court, in particular, considering the limits inherent to the idea of Democracy. It parts from Power, Law, legal system and Process definitions to analyze the subject. It analyzes, in a general way, judicial review’s functions as a Democracy instrument. It takes into consideration the interpretation’s problem, in Law. It analyzes, the extreme positions’ risks, in relation to the subject, observing the hypothesis of judicial review’s inexistence, in one hand, and such control’s exercize maximization, in another one. KEYWORDS: JUDICIAL INTERPRETATION REVIEW – DEMOCRACY – NORMS’ 6645 INTRODUÇÃO. O estudo que ora se apresenta tem o escopo de levantar questões e possibilidades a respeito do poder inerente, principalmente, ao Supremo Tribunal Federal, de declarar a inconstitucionalidade de dispositivos legais, ainda mais especificamente no chamado controle concentrado - vale dizer, nas denominadas ações diretas de inconstitucionalidade, principalmente, assim como, de forma reflexa, nas ações declaratórias de constitucionalidade. Tendo em vista que é a própria Constituição Federal quem atribui, em termos expressos, ao Supremo Tribunal Federal, tal competência, seria prescindível a investigação do tema, caso todas as alegações de inconstitucionalidade de dispositivos legais se baseassem em irregularidades meramente formais, ou, ainda, em flagrantes incompatibilidades materiais. Ocorre, todavia, que o Supremo Tribunal Federal tem se dedicado, com freqüência crescente,[1] a analisar e decidir casos em que se discute a constitucionalidade ou não de dispositivos legais, em relação a princípios de conceito completamente aberto ou impreciso, como "vida" e "dignidade da pessoa humana". Surge, desta forma, em linhas gerais, o problema (que precisa ser cuidadosamente analisado) de se saber se cabe, realmente - em um cenário que se pretende plenamente democrático - ao Poder Judiciário em geral e ao Supremo Tribunal Federal em particular dar a palavra final a respeito de tais questões. É necessário, também, analisar as múltiplas conseqüências que podem resultar de qualquer solução que se pretenda adotar, diante do mencionado problema. Para tanto, procurar-se-á partir da análise das definições de Poder, Direito, ordenamento jurídico e Processo, ainda que de maneira bastante resumida. É com base em tais definições - que serão tomadas como premissa epistemológica - que se procurará apontar alguns interessantes e importantes aspectos do tema objeto deste trabalho, e de suas respectivas conseqüências. Não se pretende, com este estudo, por óbvio, dar uma solução definitiva aos problemas que serão levantados. Propõe-se, antes, um olhar sobre importantes questões que, ao que tudo indica, vêm sendo sistematicamente negligenciadas pela doutrina e pelos estudiosos das chamadas Ciências Jurídicas em geral. 1 PODER. 6646 Como já salientado, na introdução, entende-se necessário estabelecer, preliminarmente, ainda que em linhas gerais, como pressuposto epistemológico, noções a respeito das definições de Poder, Direito, ordenamento jurídico e Processo. O Direito - conforme será explicitado adiante - pode ser compreendido como expressão de um determinado Poder.[2] É útil, portanto, que se estabeleça o que se entende, também, por Poder, para que os próprios delineamentos do conceito de Direito sejam, por via de conseqüência, mais claros. A definição mais comum de Poder relaciona o fenômeno à habilidade ou faculdade de agir ou não agir; ou de domínio, controle ou influência sobre o outro (GARNER, 1999, p. 1189, tradução nossa). Segundo Stoppino, "em seu significado mais geral, a palavra Poder designa a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos. Tanto pode ser referida a indivíduos e a grupos humanos como a objetos ou a fenômenos naturais" (1998, p. 933). O mesmo autor aponta que, "em sentido especificamente social, ou seja, na sua relação com a vida do homem em sociedade, o Poder torna-se mais preciso, e seu espaço conceptual pode ir desde a capacidade geral de agir, até à capacidade do homem em determinar o comportamento do homem" (STOPPINO, 1998, p. 933). Ocorre, todavia, que o Direito pode ser visto, conforme já mencionado, com uma expressão do Poder, e é bastante claro que os dois conceitos - assim como os dois fenômenos - influenciam-se reciprocamente em grande medida. De qualquer forma, é claro que, em um panorama democrático, o Direito não pode ser visto como uma expressão do Poder simplesmente entendido como a capacidade de um único homem de determinar o comportamento de outros homens, ou dessa mesma capacidade de um determinado grupo. Ou seja, partindo-se da premissa democrática,[3] o Poder que se relaciona com o Direito não pode ser entendido como característica de uma distribuição desigual de recursos.[4] Para Max Weber, as relações de mando e obediência que, de alguma forma, se confirmam no tempo - e que são encontradas, tipicamente, no âmbito da Política tendem a se basear, principalmente, em um específico fundamento de legitimidade, e não apenas em fundamentos materiais ou no mero hábito de obediência dos súditos (apud STOPPINO, 1998, p. 940). Talcott Parsons dedica especial atenção ao "Poder Político", que conceitua como a "capacidade geral de assegurar o cumprimento das obrigações pertinentes dentro de um sistema de organização coletiva em que as obrigações são legitimadas pela sua coessencialidade aos fins coletivos e portanto podem ser impostas com sanções negativas, qualquer que seja o agente social que as aplicar" (apud STOPPINO, 1998, p. 941). 6647 Tomando-se como exemplo o caso especificamente brasileiro, a própria Constituição Federal em vigor dispõe, já no parágrafo único de seu primeiro artigo, que o "Poder emana do povo",[5] especificando, ainda, que será ele exercido "por meio de representantes eleitos ou diretamente";[6] o que, aliás, faz muito sentido como fundamento de um Estado que se denomina "Democrático de Direito".[7] O Poder, portanto, neste panorama, pode ser entendido, de certa forma, como a capacidade de autodeterminação do povo.[8] 2 DIREITO. Estabelecida, ainda que em linhas bastante gerais, a definição de Poder, sob o prisma da Democracia, cumpre traçar algumas considerações sobre o que venha a ser Direito. Dimoulis ressalta as dificuldades de se tratar da definição de Direito, salientando que "os únicos elementos de definição que todos admitem são a coação e a finalidade de regulamentar condutas sociais. Mas esses elementos não são específicos para o direito, encontrando-se em variados sistemas de normas" (2006, p. 34). Para se entender um dos motivos das dificuldades de que ora se trata, é útil referir os esclarecimentos de Machado Neto, no que diz respeito à questão da multiplicidade de significados do termo "direito": [...] se estudar a vida é tema do biólogo, quando se está definindo a ciência da vida, a biologia, não se está ainda estudando a vida, mas uma ciência, embora aquela que leva a vida em seu nome. O tema não será aí, pois, a vida (bios) - biologia, mas uma ciência (episteme) - epistemologia. Não se estará fazendo então ciência, mas epistemologia, teoria da ciência. Sem dúvida, o mesmo se passa com o direito. Tratar de direito é fazer ciência jurídica, dogmática ou jurisprudência, mas tratar da ciência do direito, ainda que para o mister elementar de defini-la, é fazer epistemologia (Machado Neto, 1975, p. 5) Há, portanto, pelo menos três sentidos diversos importantes para a palavra "direito". O primeiro significado diz respeito ao Direito enquanto objeto de estudo; o segundo se refere à Ciência que se dedica, primordialmente, ao estudo de tal objeto; e, por último, o terceiro significado, que é utilizado em referência a "direito subjetivo" ao qual corresponde determinado "dever jurídico".[9] Segundo Garner (1999, p. 889), o Direito pode ser entendido como o regime que ordena as atividades e relações humanas por meio da aplicação sistemática da força da sociedade politicamente organizada. 6648 Para Kelsen, "o Direito é uma ordem da conduta humana" e "um conjunto de regras que possui o tipo de unidade que entendemos por sistema" (2000, p. 5). Leva-se em conta, aqui, que o Direito é, sob certa perspectiva, um conjunto de regras que traduz a expressão do poder, em uma sociedade politicamente organizada, ou seja, o Direito (ainda que possa, eventualmente, ser injusto),[10] não pode ser confundido com o simples arbítrio. Vale repisar, portanto, que há, em certa medida, uma relação dialética entre Poder e Direito, já que o Poder constitui o Direito, e é por ele recriado e limitado. De uma maneira sistemática, o Direito - enquanto "objeto de estudo", é válido ressaltar pode ser definido como "o ordenamento que visa regular a conduta humana de forma bilateral, externa e coercível" (BELLINETTI, 2006, p. 818).[11] Cabe destacar aqui, também, que "o Direito é um ordenamento, que deve ser entendido como uma forma de organizar harmonicamente determinado conjunto de elementos" (BELLINETTI, 2006, p. 818).[12] Restando delineada, desta forma, a definição de Direito, resta traçar, ainda, algumas considerações a respeito de suas principais funções. Assumir-se-á, aqui, que a função primordial a que se propõe o Direito é garantir a segurança social e institucional. O fato é, todavia, que as normas, em geral (assim como o próprio Direito), não são criadas com a função primordial de promover mudanças, mas, sim, de garantir determinado nível de segurança. Não é o Direito que modifica a realidade. O Direito é um dos instrumentos, modesto instrumento, de transformação da sociedade. O Direito é acima de tudo um instrumento de consagração de uma dada realidade (MELLO, 1985, p. 97). Não se nega, é claro, que o Direito é um instrumento importantíssimo, na promoção de transformações positivas em qualquer sociedade, mas é, também, inegável que não foi, sequer, com este intuito que ele surgiu. Resta claro, portanto, que a promoção de mudanças e de evolução social é, também, uma das múltiplas importantes funções que podem ser atribuídas ao Direito - mas não a sua única e, nem de longe, a sua principal. 3 ORDENAMENTO JURÍDICO. 6649 Traçada, de maneira geral, uma definição de Direito, e referidas, também em linhas gerais, as suas funções, cabe definir o ordenamento jurídico. É de se destacar, em primeiro plano, o alerta da doutrina de que "a noção de ordenamento é complexa" (FERRAZ JUNIOR, 2007, p. 175). Ferraz Junior esclarece que, "em princípio, um ordenamento jurídico é um conjunto de normas" (2007, p. 175 e 176), de todas as espécies,[13] mas que nele não se encontram, exclusivamente, normas, havendo ainda critérios de classificação, definições e preâmbulos (2007, p. 176). Já se observou, aliás, que o ordenamento jurídico [...] pode ser vislumbrado de uma perspectiva estática e de uma perspectiva dinâmica. Isto porque, se é certo que se de um lado pode ser visto como um conjunto de regras abstratas preestabelecidas que servirão de parâmetro para a regulação futura da conduta humana (aspecto estático), de outro também pode ser visto como um conjunto de normas concretas que estão regendo as relações jurídicas em determinado momento (aspecto dinâmico) - (BELLINETTI, 2006, p. 819).[14] Mencione-se, neste ponto, que as regras que compõem validamente um determinado ordenamento jurídico, em um Estado Democrático, devem ser, em geral, elaboradas de acordo com um determinado processo, previamente estabelecido e conhecido - o assim denominado "processo legislativo". 4 PROCESSO. De acordo com Cintra, Grinover e Dinamarco, "etimologicamente, processo significa 'marcha avante', 'caminhada' (do latim, procedere = seguir adiante)" (2001, p. 277). É de se destacar que, diversamente do que se poderia supor, o processo não é um fenômeno exclusivamente jurisdicional, nem se verifica apenas no âmbito estatal.[15] Conforme observa Câmara, aliás, "[...] o conceito de processo, lato sensu, não é exclusivo do Direito Processual. Há processos em outras áreas da atividade estatal diversa da jurisdição, como os processos administrativos e o processo legislativo" (2008, p. 133). Assim, no que se refere, especificamente, à ordem jurídica, "o processo pode ser definido como o instrumento através do qual o ordenamento jurídico é construído, modificado e aplicado" (BELLINETTI, 2006, p. 820). 6650 Nesta perspectiva, [...] o processo é o elemento que dá dinamismo ao ordenamento jurídico, que lhe permite a atividade dialética de constante construção (através da concretização das normas concretas e criação das normas abstratas complementares das preexistentes) e reconstrução (através das modificações das normas abstratas do ordenamento, bem como através da modificação da interpretação dessas normas abstratas, gerando normas concretas diferentes para casos similares) (BELLINETTI, 2006, p. 820). Importam, para os fins deste estudo, especialmente as idéias de "processo legislativo" e de "processo jurisdicional".[16] Assim, pode-se definir o processo legislativo como sendo a "seqüência juridicamente preordenada[17] de atividades de vários sujeitos na busca de um determinado resultado: a formação ou a rejeição da lei" (OLIVETTI, 1998, p. 996).[18] O processo jurisdicional, a seu turno, pode ser entendido como o encadeamento lógico de procedimentos, que tem a função primordial de dar aplicação à norma abstrata prevista no ordenamento jurídico, por meio da construção de uma norma concreta. 5 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. O controle de constitucionalidade de normas é, notavelmente, um dos mais importantes instrumentos garantidores da plena expressão democrática. Aliás, o fundamento da idéia de controle de constitucionalidade repousa no próprio princípio da supremacia da Constituição. Cabe mencionar que, para que seja verdadeiramente efetivo, o controle de constitucionalidade não pode ser atribuído (ao menos não com exclusividade) ao próprio órgão que fica encarregado de produzir as normas que constituirão o seu objeto, o que, aliás, já foi observado por Kelsen (2003, p. 150).[19] Há, desta forma, basicamente duas formas de se instrumentalizar esse controle de constitucionalidade externo ao próprio Poder Legislativo: a política e a jurídica. O controle de constitucionalidade pela forma política seria efetivado por meio de um órgão - que não se enquadra em nenhum dos poderes existentes - especialmente constituído por representantes eleitos pelo voto popular direto, especificamente para decidir a respeito da constitucionalidade das normas exaradas pelo Poder Legislativo (FERRARI, 2004, p. 81 e 82). 6651 Por sua vez, o controle de constitucionalidade é efetivado pelo próprio Poder Judiciário (FERRARI, 2004, p. 82 a 84). De toda sorte, é certo que, se há, como visto, limites formais e materiais que devem ser observados no processo legislativo, deve haver, também, meios efetivos de controle que possibilitem o estrito cumprimento de tais limites. E é igualmente certo que a existência e adequado funcionamento de tais meios constituem instrumentos indispensáveis à manutenção da Democracia enquanto tal. Nas palavras de Magalhães, A existência de mecanismos adequados e eficazes de controle de constitucionalidade é condição fundamental para a supremacia constitucional e a segurança jurídica, essência do moderno estado de direito. De nada adiantam a existência de limites materiais, circunstanciais, temporais e formais que marcam a rigidez constitucional se não existem eficazes meios de controle, e afastamento do ordenamento jurídico e da vida das pessoas, dos atos e leis que contrariam estes limites (2009). Assim, o controle de constitucionalidade pode ser definido como o controle de conformidade das normas à Constituição, que tem por objetivo garantir o respeito à hierarquia que lhes é aplicável. A existência de tal controle se justifica pela idéia de que "a lei não é plenamente legítima, a menos que ela respeite os princípios superiores constantes da Constituição e que tenha sido ela formulada segundo um procedimento regular" (SÉNAT, 2009, tradução nossa). Segundo Martins e Mendes, "o controle judicial de constitucionalidade das leis tem-se revelado uma das mais eminentes criações do direito constitucional e da ciência política do mundo moderno" (2005, p. 33). Parece pacífico, portanto, que o controle de constitucionalidade das normas é um importante instrumento - previsto no próprio ordenamento jurídico, que se efetiva mediante um "processo" -, sem o qual a Democracia restaria extremamente fragilizada, senão verdadeiramente inviabilizada. Isto se dá, como visto, porque a atividade legislativa, em geral, encontra limites formais e materiais, na própria Constituição. A questão que se coloca é saber se a própria atividade de controle de constitucionalidade não teria, ela também, os seus limites, o que, ademais, procurar-se-á analisar no próximo capítulo. Cabe, antes, porém, fazer uma importante observação. 6652 Considerar-se-á que a forma "jurídica" de controle de constitucionalidade é preferível à "política", por razões que serão melhor explanadas no próximo capítulo. Dito isto, cabe relembrar que, no Brasil, como é por demais sabido, é adotada a forma "jurídica" de controle de constitucionalidade, que se efetiva, basicamente, por meio de dois grandes sistemas de controle jurisdicional de constitucionalidade. Tanto os magistrados, em geral, têm o "poder" de declarar, com eficácia intra pars, a inconstitucionalidade de atos normativos, nos casos concretos que são levados à sua apreciação, no chamado "controle difuso"; quanto os ministros do Supremo Tribunal Federal, em particular, têm a possibilidade de pronunciar a inconstitucionalidade, com eficácia erga omnes, no denominado "controle concentrado". As diferenças entre estas modalidades de controle de constitucionalidade são esclarecidas por Mezzomo, nos seguintes termos: No caso do controle difuso ou concreto, há o caráter incidental da discussão da constitucionalidade à vista de uma demanda que visa determinada pretensão, que não é a de declaração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade de uma norma. A questão constitucional surge, portanto, em relação ao direito que embasa a pretensão e que constitui elemento da causa de pedir, seja a demanda cível ou penal. Desta forma, o controle incidental pode ocorrer em qualquer espécie de demanda. No controle concentrado ou abstrato, a questão constitucional não surge incidentalmente, senão que constitui a própria motivação da demanda, que se volta contra a lei abstratamente considerada, e não contra os seus efeitos concretos. Busca-se em síntese, afirmar ou negar a conformidade, material ou formal, do ato normativo em relação à Constituição (2006). Conforme já mencionado, o que interessa, primordialmente, aos fins deste estudo, é o controle de constitucionalidade pela via "concentrada". 6 LIMITES DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. O controle de constitucionalidade de normas, como visto, perfunctoriamente, no capítulo anterior, é tido como importante criação da modernidade, e instrumento indispensável à manutenção das instituições democráticas. Um fundamento importante deste controle está, como visto, na existência de limites, previamente determinados, formais e materiais, inerentes à atividade legislativa. 6653 O estudioso do Direito parece naturalmente inclinado a supor que o próprio controle de constitucionalidade encontra, também, os seus próprios limites. Que limites seriam estes, todavia, e quem os controlaria? [20] É necessário reconhecer, de início, que o limite primeiro, por excelência, do controle de constitucionalidade é o próprio texto constitucional. Este parâmetro não encontra grandes problemas de efetivação, quando a possível inconstitucionalidade que é argüida perante o "órgão controlador" tem natureza formal; ou quando há flagrante inconstitucionalidade material. Ocorre que em textos constitucionais contemporâneos - como é o próprio caso específico brasileiro, por exemplo -, há uma grande plêiade das chamadas "cláusulas abertas", isto é, princípios gerais que, por um lado, constituem a base do sistema normativo, e, por outro, permitem as mais variadas interpretações. São exemplos ilustrativos os princípios do direito à vida e da dignidade da pessoa humana: conceitos completamente abertos, para os quais o texto constitucional não estabelece, sequer, parâmetros claros. É importante destacar que a discussão é atual e pertinente, mormente quando se tem legado ao Supremo Tribunal Federal a função de decidir casos de extrema complexidade e que envolvem grandes controvérsias, como a constitucionalidade da utilização de células embrionárias em pesquisas científicas e da antecipação do parto em casos clínicos de fetos anencéfalos - por possível descompasso com princípios de ordem generalíssima[21] - apenas para citar dois, entre vários exemplos existentes. Enquanto não há norma regulamentadora de tais condutas, é praticamente pacífico o entendimento de que deve, realmente, o Poder Judiciário decidir, de forma pontual, as demandas em que se solicita a sua intervenção. O grande problema é saber o alcance da legitimidade do Supremo Tribunal Federal (e, no mais, dos julgadores em geral) de declarar a inconstitucionalidade de determinada norma, por ser ela, em tese, incompatível com um determinado princípio de conceito aberto. Vale ressaltar a observação de Repolês de que A conseqüência mais grave da definição de Constituição como ordem concreta de valores é que a generalidade e imprecisão de suas formulações permite que as Cortes ampliem voluntaristicamente os princípios a ponto de criar critérios de interpretação que não encontram o menor ponto de apoio no texto constitucional (2003). Ainda, neste sentido, interessantes as ponderações de Neves de que "dado o forte componente ideológico e a profunda imprecisão semântica (vagueza e ambigüidade) das 6654 normas programáticas, é muito difícil a caracterização da incompatibilidade de lei ordinária com norma programática" (1988, p. 103). Há, sem sombra de dúvidas, entre os mais respeitáveis doutrinadores, uma preocupação praticamente uníssona com a necessidade de se garantir a margem mais ampla possível de objetividade, e, a respeito da aplicação de princípios, assevera Guerra Filho que "a discussão gira menos em torno de fatos do que de valores, o que requer um cuidado muito maior para se chegar a uma decisão fundamentada objetivamente" (2002, p. 19). Dimoulis, todavia, a seu turno aponta o risco de a interpretação jurídica ser vista e utilizada "como pretexto para impor aquilo que o intérprete considera como a melhor solução de um conflito social" (2006, p. 60),[22] o que é especialmente notável quando se leva em conta o controle de constitucionalidade. Esse é um fator que já preocupava Kelsen, que observou, ainda em 1928, que [...] como às vezes acontece, a própria Constituição se refere a esses princípios invocando os ideais de eqüidade, justiça, liberdade, igualdade, moralidade, etc., sem esclarecer nem um pouco o que o que se deve entender por isso (2003, p. 168). A este respeito, esclarece ainda o autor: [...] as concepções de justiça, liberdade, igualdade, moralidade, etc. diferem tanto, conforme o ponto de vista dos interessados, que, se o direito positivo não consagra uma dentre elas, qualquer regra de direito pode ser justificada por uma dessas concepções possíveis. Em todo caso, a delegações dos valores em questão não significa e não pode significar que a oposição entre o direito positivo e a concepção pessoal que eles possam ter da liberdade, da igualdade, etc. possa dispensar os órgãos de criação do direito de aplicá-lo (KELSEN, 2003, p. 168 e 169). Kelsen esmiúça as suas observações, em torno do problema, asseverando: As disposições constitucionais que convidam o legislador a se conformar à justiça, à eqüidade, à igualdade, à liberdade, à moralidade, etc. poderiam ser interpretadas como diretivas concernentes ao conteúdo das leis. Equivocadamente, é claro, porque só seria assim se a Constituição estabelecesse uma direção precisa, se ela própria indicasse um critério objetivo qualquer (2003, p. 169). 6655 Chega, nesta altura, o autor ao ponto nevrálgico de suas considerações, naquilo que mais interessa aos fins deste estudo, ao esclarecer: [...] não é impossível que um tribunal constitucional chamado a se pronunciar sobre a constitucionalidade de uma lei anule-a por ser injusta, sendo a justiça um princípio constitucional que ele deve por conseguinte aplicar. Mas nesse caso a força do tribunal seria tal, que deveria ser considerada simplesmente insuportável. A concepção que a maioria dos juízes desse tribunal tivesse da justiça poderia estar em total oposição com a da maioria da população, e o estaria evidentemente com a concepção da maioria do Parlamento que votou a lei (KELSEN, 2003, p. 169).[23] Todas essas observações fazem muito sentido, mormente levando em conta que Kelsen, em 1944 (conforme já mencionado no segundo capítulo deste estudo), voltaria a expressar que, em seu entendimento, a idéia de justiça é "um julgamento subjetivo de valor" (2000, p. 9 a 12). Vale dizer que este tema continua sendo, contemporaneamente, trabalhado na Alemanha. Maus destaca a constante e crescente transferência, pela sociedade, ao Poder Judiciário, da responsabilidade de decidir casos de extrema complexidade e importância, com base em princípios de conceito completamente aberto, que implicam, quase que invencivelmente, em amplos subjetivismos. Segundo a autora, por meio deste processo, o Poder Judiciário tem se perpetuado como um verdadeiro "super ego" da sociedade (MAUS, 2000).[24] A esta altura, vale fazer uma recapitulação. Conforme mencionado no capítulo primeiro, a Constituição Federal brasileira reconhece, já no parágrafo único de seu primeiro artigo, que o Poder, em sua totalidade, emana do povo; e determina que será ele exercido diretamente, ou por meio de representantes eleitos. Ocorre, todavia, que os "representantes eleitos", por voto direto, são apenas os chefes do executivo, e os membros do parlamento. No Poder Judiciário, em geral, não há membros eleitos, e no Supremo Tribunal Federal, em particular, não vige, sequer, a regra do chamado "quinto constitucional", prevista nos arts. 94; 107, I; 111-A, I; e 115, I, da Constituição Federal.[25] Aqui cabe um esclarecimento importante, que já foi referido no capítulo anterior. Ao contrário do que pode parecer, não se defende que seria desejável e mais amplamente democrático que o controle de constitucionalidade fosse efetivado segundo a forma "política", e, aqui, cabe abrir parênteses, para um importante esclarecimento. 6656 Se, por um lado, é verdade, conforme observado por Ferrari que [...] a vontade tem sua expressão através de um órgão, que é o Parlamento, no qual se acha representada a soberania nacional, seria inadmissível que alguém que não seja escolhido pelo povo tenha poder para impedir a aplicação de uma lei - expressão máxima da soberania nacional (2004, p. 82) Por outro lado não se pode ignorar o que se tem verificado, segundo hábil observação da mesma autora, em relação à forma política de controle de constitucionalidade, isto é [...] a ineficácia deste tipo de controle por um órgão político, pois o que vemos é apenas a opinião política do órgão que elaborou o ato substituída pela opinião do órgão controlador, tornando-se, assim, o órgão controlador um outro Legislativo, já que, na prática, não se atém apenas a analisar a concordância dos atos legislativos frente à Constituição, mas, ao contrário, atém-se à apreciação de sua conveniênca ou oportunidade (FERRARI, 2004, p. 82). Ocorre, de qualquer forma, que, se a função primordial do Direito é promover a segurança social e institucional,[26] e se pelo princípio da presunção de legitimidade das leis, toda norma jurídica deve ser presumida constitucional, enquanto não for decretado o contrário, por órgão competente,[27] é de se admitir que o constante exercício de um "poder" de controle de constitucionalidade, com base em princípios de conceito completamente aberto, por um colegiado formado de maneira que não reflete, necessariamente, as convicções constantes da Sociedade, pode, ao que tudo indica, trabalhar precisamente em sentido contrário do referido ideal de segurança. Vale dizer, é óbvio que o Poder Judiciário tem um papel importantíssimo na efetivação da ordem jurídica, como um todo, e notavelmente daqueles valores que permeiam a sociedade, e que inspiram o texto constitucional (estando nele inseridos, no mais das vezes, precisamente na forma de princípios), e a efetiva atuação do Supremo Tribunal Federal é, neste panorama, essencial para a manutenção da Democracia. Por outro lado, isto não dá ao Supremo Tribunal Federal - é, também, claro - a prerrogativa absoluta de submeter todas as normas que resultam do debate democrático (ou razoavelmente democrático), no âmbito do Poder Legislativo, ao crivo daquilo que os seus próprios eminentes ministros entendem, por exemplo, por "justiça" ou por "dignidade da pessoa humana", sob o pretexto de se realizar um controle de constitucionalidade. Há, portanto, duas grandes questões, que merecerão atenção e reflexão dos estudiosos do Direito. 6657 Em primeiro lugar, é necessário investigar se é possível estabelecer, com relativa clareza, qual é o limite a partir do qual a interferência do Supremo Tribunal Federal, no cenário político, no âmbito do controle de constitucionalidade, em defesa da Constituição Federal e da efetivação de princípios, deixa de ser um importante instrumento de defesa da Democracia, e passa a ser a ela atentatório. Depois, levando-se em conta que é, por excelência, o Poder Judiciário quem controla, das mais variadas formas,[28] os excessos e desvios do Poder Executivo e do Poder Legislativo, é necessário se analisar como poderia ser efetivado o controle dos excessos do próprio Poder Judiciário, já que qualquer poder ilimitado tende à tirania. CONCLUSÃO. Não se pretendeu, com este estudo, de forma alguma, afirmar que os juízes em geral - e, também, em particular, aqueles magistrados ligados mais visceralmente ao controle de constitucionalidade - efetivamente sejam, ou devam ser, meros reprodutores mecânicos da lei. Igualmente, não se quis negar que o Poder Judiciário, em geral, e o Supremo Tribunal Federal, em particular, tenha um verdadeiro e importante papel na efetivação das normas jurídicas, e que neste processo, verdadeiramente crie, também, normas concretas. É certo, por um lado, que se o Supremo Tribunal Federal omitir-se, na realização do importante papel que lhe foi outorgado pela própria Constituição Federal - que consiste no efetivo controle de constitucionalidade formal e material de normas jurídicas -, restará a Democracia seriamente ameaçada. Por outro lado, excedendo-se em suas funções, utilizando-se da interpretação invencivelmente subjetiva de princípios de conceito completamente aberto, para impor a sua própria vontade política - em verdadeira substituição da das diretrizes resultantes do debate parlamentar, corporificado em normas jurídicas - sob o pretexto de se garantir a supremacia da Constituição Federal, será, também, a Democracia abalada, senão verdadeiramente substituída por um regime de essência aristocrática (na melhor das hipóteses) ou, mesmo, oligárquica. O grande problema está em se saber, com certa margem de clareza, onde está o exato limite no qual a efetivação de princípios, por parte do Supremo Tribunal Federal, no exercício do controle de constitucionalidade, deixa de ser um serviço à Democracia, para ser um atentado a ela; e um de seus importantes desdobramentos está em se saber como poderia ser efetivada qualquer espécie de controle acerca dos eventuais excessos no que concerne a tal limite. Ainda não é possível apontar respostas para os problemas levantados - o que, ademais, já se advertia nas considerações introdutórias deste estudo -, e, inclusive por isto, é imperioso que a sua existência seja reconhecida, e que sejam criadas e cultivadas as 6658 condições para uma reflexão ampla e profunda, o que é necessário para a própria preservação do Estado Democrático de Direito. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AITH, Marcio. Panorama: radar. In: Revista Veja, São Paulo: Abril, 7 jan. 2009, p. 37. BELLINETTI, Luiz Fernando. Sentença Civil: perspectivas ordenamento jurídico brasileiro. São Paulo: RT, 1994. conceituais no __________. Direito e Processo. In: FUX, Luiz; NERY JUNIOR, Nelson; e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Processo e Constituição. São Paulo: RT, 2006, p. 816 a 826. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 6 ed. Brasília: UNB, 1995. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. I. 17 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 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[3] Referir-se-á, no decorrer deste estudo, às definições modernas (de base aristotélica) de Democracia e, ademais, das formas denominadas "puras" e "impuras" de governo, em geral (cf. BONAVIDES, 2000, p. 249). [4] O Poder, em sua acepção sociológica, é definido por Chazel, precisamente, como um conjunto de relações interpessoais assimétricas, cujo exercício é condicionado pela distribuição desigual de recursos (1990, p. 192). [5] Destaque-se que esta disposição da Constituição Federal brasileira legitima um Poder já existente, mesmo antes do próprio texto constitucional; sendo, portanto, equivocada a idéia de que a Constituição "cria" o Poder. [6] Saliente-se, já neste ponto, que os integrantes do Supremo Tribunal Federal, como é por demais sabido, não são, propriamente, "eleitos". [7] São, também, aqui, fundamentais as considerações de Charles de Montesquieu, na obra "O Espírito das Leis", a respeito da divisão funcional do Poder (que continua sendo, contudo, "uno") e da idéia de autocontrole do poder estatal. [8] O que, ademais, encontra-se, de certa forma, também, contemplado na Constituição Federal, no art. 4°, III. [9] Neste artigo, pretende-se tratar da definição de Direito enquanto objeto de estudo, e não como Ciência propriamente dita, ou como "direito subjetivo" ao qual corresponde determinado "dever jurídico". [10] Ressalte-se que o problema da "justiça" ou "injustiça" de um determinado ordenamento jurídico está ligada a um "julgamento subjetivo de valor" (KELSEN, 2000, p. 9). De qualquer forma, é desejável que, em um ambiente democrático, o Direito reflita, dentro do possível, o ideal sintético de Justiça que permeia a sociedade como um todo. [11] Cada um dos elementos que compõem esta definição já foi melhor esmiuçado (BELLINETTI, 2006), sendo, todavia, que tal tarefa não cabe nos limites deste estudo em particular. [12] Maior e mais minuciosa análise a respeito da definição de Direito encontra-se na referida obra (BELLINETTI, 2006). [13] Nisso se incluem, obviamente, os princípios, o que é admitido, inclusive, pelos partidários do positivismo jurídico. Bobbio, há mais de 50 anos, já defendia que os princípios são "normas como todas as outras" e esclarecia que são eles "normas fundamentais ou generalíssimas do sistema" (1995, p. 158). Posição semelhante 6661 prevalece, contemporaneamente, conforme dão conta os apontamentos de Dimoulis e Lunardi (2008). As diferenças fundamentais entre princípios e regras são traçadas, todavia, de maneira magistral por Dworkin (2002, p. 39 e 42). [14] É possível, ainda, tratar do ordenamento jurídico a partir de diversas concepções ordem legal, ordem escalonada, realidade sociológica, ordem tridimensional - sem que o aprofundamento neste tema, todavia, caiba nos limites deste trabalho (cf. BELLINETTI, 2006). [15] Isto porque, "se fora do Estado também se constrói e aplica o ordenamento, deve também aí haver processo" (BELLINETTI, 1994, p. 79). Neste mesmo sentido, Cintra, Grinover e Dinamarco observam que "Processo é conceito que transcende ao direito processual. Sendo instrumento para o legítimo exercício do poder, ele está presente em todas as atividades estatais (processo administrativo, legislativo) e mesmo não-estatais (processos disciplinares dos partidos políticos ou associações, processos das sociedades mercantis para aumento de capital etc.)" (2001, p. 278). [16] Ainda mais especificamente no que se refere à jurisdição constitucional, obviamente. [17] Cabe mencionar - o que, aliás, pode parecer óbvio - que este "regramento jurídico" do processo legislativo inclui aspectos formais e materiais; que no caso brasileiro encontram-se previstos, já, na Constituição Federal, e que constituirão baliza, inclusive, para o controle de constitucionalidade das normas. [18] A bem da verdade, Olivetti assim define o que denomina "procedimento legislativo", o qual considera mera parte integrante daquilo que entende por "processo legislativo", que, em suas palavras (com referências indiretas a Predieri), seria o "fenômeno dinâmico da realidade social, que se caracteriza por uma concatenação de atos e de fatos não necessariamente disciplinada pelo direito, começando com a 'demanda' da lei e terminando com a 'decisão' da lei ou com a rejeição da 'demanda'" (1998, p. 996). [19] Observe-se que no Brasil - ao contrário do que se poderia supor, em um exame apressado - o controle de constitucionalidade de normas não é procedido exclusivamente pelo Poder Judiciário. Isto porque, de certa forma, o próprio Poder Legislativo procede a um "controle prévio de constitucionalidade". Tanto é verdade que, no âmbito da União, por exemplo, existem Comissões de Constituição e Justiça, tanto na Câmara dos Deputados, quanto no Senado Federal. Ainda, por parte do Senado Federal, há a competência para suspender, no todo ou em parte, lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, na via do controle difuso, conforme disposição expressa da própria Constituição Federal, no art. 52, X (a este respeito, cf. PALU, 2001, p. 149 a 153). Além do mais, o Poder Executivo também tem a oportunidade de realizar um certo "controle de constitucionalidade", por meio do exercício do chamado "poder de veto". [20] É de se mencionar que o cerne da questão é antigo. Pode-se inferir que a problemática já se encontra incipiente no adágio latino quis custodiet custodes ipsos? (quem guardará os guardiões? ou quem vigiará os vigilantes?). 6662 [21] Veja-se, v. g., que, já no início de 2009, era publicada, em revista de grande circulação nacional, sob o título "Toga em evidência", a notícia de que "a pauta do STF [...] continuará polêmica [...]. O tribunal vai decidir a legalidade da união entre homossexuais, o aborto de fetos com má-formação cerebral [...]" (AITH, 2009). [22] Saliente-se que não se trata de negar a normatividade dos princípios, o que é esclarecido pelo mesmo doutrinador em artigo de sua autoria (DIMOULIS, 2008); e que, ademais, já era observado por Bobbio, há mais de 50 anos, quando ressaltava a plena normatividade dos princípios, inclusive daqueles não expressos, que decorreriam do sistema (1995, p. 158 e 159). [23] É de se destacar, todavia, por honestidade acadêmica, que essa posição não é unânime. Guerra Filho, por exemplo, menciona que "o centro de decisões politicamente relevantes, no Estado Democrático contemporâneo, sofre um sensível deslocamento do Legislativo e Executivo em direção ao Judiciário" (2001, p. 161), e considera este fato curiosamente - edificante da Democracia. [24] A autora, aliás, aponta que fizeram o mesmo papel de "super ego", anteriormente, os imperadores e tiranos, tendo sido, modernamente, transferida essa nefasta função ao Poder Judiciário, em um verdadeiro processo de negativa da sociedade a assumir as suas própria responsabilidades, em uma conjuntura genuinamente democrática (MAUS, 2000). [25] Uma leitura apressada do art. 101, caput, da Constituição Federal poderia levar à idéia, todavia, equivocada, salvo melhor juízo, de que o Supremo Tribunal Federal seria a corte nacional formada de maneira mais democrática, tendo em vista que não há explicitação, sequer, como requisito, de que devam os indicados ter formação jurídica, limitando-se o aludido dispositivo legal a exigir "notável saber jurídico e reputação ilibada". [26] Conforme já discutido no segundo capítulo. [27] A este respeito, cf. FERRARI, 2004, p. 77 e 78. [28] Observe-se, ademais, que o estudo e análise de tais formas de controle é de diferenciada importância, mas que não cabem nos limites deste trabalho. 6663