LUIS HENRIQUE GONÇALVES CAMPOS O PROCESSO DE CRIMINALIZAÇÃO ATRAVÉS DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA, UMA BREVE ANÁLISE DO CASO LATINO - AMERICANO. RIO DE JANEIRO 2010 i LUIS HENRIQUE GONÇALVES CAMPOS O PROCESSO DE CRIMINALIZAÇÃO ATRAVÉS DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA, UMA BREVE ANÁLISE DO CASO LATINO - AMERICANO. Monografia de Conclusão de pós- graduação, apresentada ao Insituto a Vez do Mestre como requisito para a obtenção do título de especialista em Direito. RIO DE JANEIRO 2010 ii Dedicatória À minha querida mãe( in memorian), a quem eu devo o meu senso de justiça social...Saudades eternas... iii Epígrafe “A PRISÃO É UMA INSTITUIÇÃO FORA-DA-LEI”. LOÏC WACQUANT. iv CAMPOS, Luis Henrique Gonçalves. O PROCESSO DE CRIMINALIZAÇÃO ATRAVÉS DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA, UMA BREVE ANÁLISE DO CASO LATINO - AMERICANO/ Luis Henrique Gonçalves Campos. – Rio de Janeiro, 2010. xi, xx p. Monografia ( Pós-Graduação em Direito) – Universidade Cândido Mendes – AVM. Orientador: Prof. Dr. Francis Rajzman v RESUMO CAMPOS, Luis Henrique Gonçalves. Biblioteca & memória; análise dos aspectos da formação do Estado Punitivo através da Criminologia Crítica . Orientador: Prof. Dr Francis Rajzman. Rio de Janeiro: UCAM-AVM, 2010. Monografia ( Pós-Graduação em Direito). O presente trabalho pretende a mostrar o processo de criminalização através da Criminologia Crítica.Quanto à América Latina, o tratamento policial e judiciário da miséria é essencialmente antitético à consolidação de uma sociedade democrática, uma vez que isso significaria (r)estabelecer uma verdadeira ditadura sobre os pobres. vi Sumário I. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................... 1 II- O PROCESSO DE CRIMINALIZAÇÃO A PARTIR DA PERSPECTIVA DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA.............................................................................................................................................5 1-Breve aprofundamento teórico e histórico...................................................................................................5 1.1 Uma estilização do paradigma da Reação Social............................................................11 III - Da construção da norma ao poder de criminalização..............................................................24 IV - O CASO LATINO-AMERICANO........................................................................................35 V- CONSIDERAÇÕES FINAIS----------------------------------------------------------------------------------------48 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS_______________________________________________________52 1 I. INTRODUÇÃO Por que discutir "Estado Penal” em um momento histórico marcado pela difusão da idéia de insegurança, violência e impunidade? Será manifestação de um discurso acadêmico esquizofrênico e absolutamente desvinculado da "realidade manifesta"? Partindo do pressuposto de que o aumento do controle punitivo não é simples reflexo de um aumento da violência urbana, mas antes, parte da construção social de uma política historicamente determinada pela emergência do Estado neoliberal, é absolutamente pertinente a necessidade de reivindicar como pauta de discussão o discurso e a prática punitiva adotados pela política vigente. Por entender que a atualidade e o radicalismo dos discursos criminologistas são hoje, mais do que nunca, necessários a uma possibilidade efetiva de transformação política, é que se pretende no presente trabalho, mostrar a realidade deste “Sistema Penal”, que não quer mais “incluir os excluídos” e sim “erradicá-los”, sendo objetivo maior deste trabalho, produzir e incentivar um debate sério sobre as questões preeminentes do controle punitivo. Desta forma, a pesquisa pretende contribuir sob dois aspectos principais. Em primeiro lugar, na melhor compreensão da formação deste Estado-Centauro. Esse objeto, assim como os demais casos de “Globalização da Punição”, apresenta-se apenas parcialmente visível, em decorrência de sua própria constituição, vez que ele se mantém e se reproduz sob o manto da “jurisobscuridade”. Sua invisibilidade é sua garantia de legitimação e reprodução. É de se considerar que a parcialidade e obscuridade derivam não apenas do 2 desconhecimento, mas também do conhecimento descontextualizado e superficial a que se presta a divulgação midiática e o discurso dogmático-jurídico. Nesse passo, essa pesquisa busca contribuir, mesmo com suas limitações, para uma compreensão mais abrangente do problema do Estado Penal Repressor. Em segundo lugar, a partir da análise do controle sócio-punitivo no Capitalismo, a pesquisa adquire importância na medida em que busca desvelar um processo de criminalização que diz respeito a uma estrutura social particular inserida no contexto latino-americano. O marco teórico central deste estudo é a Criminologia Crítica, desenvolvida especialmente a partir do paradigma da reação social, o qual produziu um deslocamento da análise do crime e do criminoso para o processo de criminalização e suas variáveis. Entretanto, esta perspectiva marcadamente fenomenológica é transposta pela Criminologia Crítica a partir de uma aproximação metodológica materialista1, a qual permite a compreensão estrutural do controle punitivo, enquanto subsistema do controle social, reprodutor da lógica da desigualdade e dominação que constitui o substrato histórico-material das sociedades modernas e contemporâneas. Daí a compreensão da criminologia enquanto âmbito, por excelência, de conhecimento dos processos de criminalização, com a finalidade de desvelar as relações de poder violentas e estigmatizantes, e possibilitar a construção de projetos e alternativas. Desta forma, propõe-se um discurso criminológico que não 1 A aproximação materialista realizada pela Criminologia Crítica não se faz a partir de versões ortodoxas, mas antes a partir do que se pode chamar de materialismo aberto. Neste sentido, BARATTA compreende que “é possível definir a herança de Marx para o nosso tempo, renunciando ao materialismo dialético a favor do materialismo histórico no seu significado humanista; renunciar ao marxismo acadêmico para recuperar a grande lição humanista e emancipatória de Marx junto com seu método global de análise das relações sociais.” (BARATTA,, Alessandro. O Estado Mestiço e a Cidadania Plural. Reflexões para uma 3 venha a ocultar o poder, como ocorre com a reprodução da discrepância entre discurso e prática punitiva, mas que venha a construir um discurso que deixe a descoberto o controle repressivo existente. É essa perspectiva que conduz a pesquisa que se segue. Estruturou-se em três capítulos. Todavia, para compreender o problema central, é preciso lançar algumas questões precedentes a fim de produzir o material necessário a sua análise. Sendo assim, ao primeiro capítulo cabe elucidar de que forma se constrói o processo de criminalização a luz da Criminologia Crítica, sob a perspectiva histórica, econômica e baseado na violência. Ao segundo capítulo cabe demonstrar como a construção da norma está intrinsicamente ligada ao processo de criminalização. Ao terceiro capítulo compete compreender a dinâmica de emergência do controle punitivo moderno. A fim de limitar o objeto de estudo e para compreensão do tema central realiza-se uma aproximação comparativa da emergência do controle punitivo latino-americano. Evidenciados os traços estruturais particulares desse controle, busca-se compreendê-lo na dinâmica contemporânea do capitalismo globalizado. Deste modo, apresentam-se os elementos teóricos necessários ao exame do controle penal na América Latina. A abordagem, como se pode evidenciar, é interdisciplinar. Tendo em vista que qualquer aproximação que porventura se realize a partir de uma só disciplina científica é insuficiente para compreender, em termos mínimos, o controle punitivo e sua formação Estatal. Visto que ele é aqui entendido enquanto prática concreta desenvolvida sob um substrato histórico. teoriamundana da aliança. Trad. Valéria Lisboa. Alemanha: Universidade de Saarland. Mimeografado. p. 23.) 4 Contudo, para evitar uma análise idealista do objeto de estudo proposto, também a análise interdisciplinar exige uma unidade metodológica das diversas disciplinas abordadas, tais como a Sociologia, a História e a Economia Política. Nesse sentido, a própria Criminologia Crítica, marco central deste trabalho, propõe a produção de um conhecimento integrado das Ciências Sociais, que possibilite a abordagem mais ampla e aprofundada do controle punitivo, considerada sua complexidade e a sua relação estreita e indissolúvel com a estrutura social. Impossível não se estar estarrecido diante das políticas genocidas atuais, de modo que. mesmo sem respostas às barbaridades produzidas pela desigualdade alarmante, é imperativa a busca de espaços de organização de resistência. E parecem ser a difusão dessas idéias num trabalho como este uma primeira conquista necessária e inafastável de um fortalecimento dos vínculos que façam frente às relações verticalizadas e desiguais, tão necessárias à estrutura sócio-econômica capitalista. 5 II- O processo de criminalização a partir da perspectiva da Criminologia Crítica. 1-Breve aprofundamento teórico e histórico. A Criminologia Crítica se constitui a partir de uma revolução paradigmática no campo criminológico, que se dá especialmente na década de 60. Entretanto, seu desenvolvimento perpassa o novo paradigma, denominado paradigma do controle ou da reação social, e se constrói para além dele, radicalizando seus pressupostos e realizando uma aproximação a partir da perspectiva materialista. Para compreendê-la é necessário que se vislumbre seu recorte epistemológico. Para este fim, algumas categorias devem ser preliminarmente esclarecidas. A começar, pela delimitação do conteúdo teórico mínimo que permita a uniformidade necessária ao que se denomina Criminologia Crítica e pela definição do objeto de estudo contemplado por essa produção de conhecimento. Quanto ao conteúdo teórico mínimo, é possível trazer a opinião divergente divergente de ZAFFARONI e BARATTA. Enquanto o primeiro entende que se pode chamar de Criminologia Crítica toda Criminologia que tenha superado o paradigma etiológico2, o último, afirma que para qualificar uma Criminologia 2 ZAFFARONI, Raúl Eugenio. Sistemas Penales y Derechos Humanos en América Latina. Buenos Aires: Depalma, 1984. p.70. As escolas criminológicas que se apóiam sobre o paradigma etiológico buscam uma resposta causal-explicativa para a criminalidade. 6 Crítica é necessário que além da superação daquele paradigma e da introdução do paradigma da reação social3 esteja presente também a “dimensão de poder” das definições, conferida pelas teorias conflituais.4É a partir desta última concepção que ANDRADE delimita a Criminologia Crítica, ou mais precisamente, o movimento criminológico crítico, distinguindo-o da Criminologia Radical5 e da Nova Criminologia6, como (...) Criminologia um estágio ‘radical’ avançado da norte-americana evolução e da da ‘nova’ Criminologia européia, englobando um conjunto de obras que desenvolvendo um pouco depois as indicações metodológicas dos teóricos do paradigma da reação social e do conflito e os resultados a que haviam chegado os criminólogos radicais e novos chegam, por dentro desta trajetória, à superação deles. E nesta revisão crítica aderem a uma interpretação materialista – e alguns marxista, certamente não ortodoxa – dos processos de criminalização nos países de capitalismo avançado. 7 3 Mudança introduzida por correntes sociológicas de origem fenomenológica que passaram a determinar como objeto de investigação criminológica não mais a criminalidade como dado pré-constituído da realidade, mas o próprio processo de definição social e reação social que constituem esse status de criminalidade. 4 BARATTA, Alessandro. Por una teoría materialista de la criminalidad y del control social. Estudios Penales y Criminológicos, Santiago de Compostela, , nºXI, p.15-68, 1989. Separata. p.19. 5 São considerados autores da Criminologia Radical, especialmente Schwendinger e T.Platt, da Escola de Criminologia de Berkeley. (ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A Ilusão de Segurança Jurídica: do controle da violência à violência do controle penal, 1997. p.187). 6 A Nova Criminologia, por sua vez, tem seu desenvolvimento no continente europeu, Inglaterra, a partir da National Deviance Conference, que tinha como principais idealizadores Taylor, Walton Young. (ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A Ilusão de Segurança Jurídica: do controle da violência à violência do controle penal, 1997. p.187). 7 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A Ilusão de Segurança Jurídica: do controle da violência à violência do controle penal, 1997. p.188. 7 Nesse sentido, a opção se fará, no presente estudo, pela teoria materialista da criminalidade, possibilitando a historicização do desvio e do processo de criminalização, inserindo-os na formação econômica e política em que se encontram8. Assim se torna possível a adequação metodológica à análise até aqui realizada. A discussão quanto ao objeto de estudo da Criminologia pode ser representada por duas correntes principais e mais significativas, discutidas especialmente na década de 70. Por um lado, BERGALLI entende que a criminologia deve ser o estudo do controle jurídico-penal, entendido como o (...) estudo de todas aquelas instâncias, instrumentos, categorias e momentos somente previstos pelas normas jurídico-penais que promovem a legitimação da ordem, mas não em sua dimensão dogmática senão naquela dialética que pretende demonstrar quais são os interesses sócioculturais e político-econômicos que articulados ao sistema de produção estão em sua gênese, desenvolvimento e aplicação.9. Por outro lado, CASTRO entende que a Criminologia deve ser uma Teoria Crítica do Controle Social10, abrangendo todas as formas de controle, não 8 BARATTA, Alessandro. Por una teoría materialista de la criminalidad y del control social, 1989. p. 21. “estudio de todas aquellas instancias, instrumentos, categorías y momentos sólo previstos por las normas jurídico-penales que promuevem la legitimación del orden, pero no ya en su dimensión dogmática sino en aquella dialéctica que pretende demostrar cuáles son los intereses socio-culturales y político-econômicos que articulados en el sistema de producción están en su gênesis desarrollo y aplicación”(tradução livre).BERGALLI, Roberto. Sentido y Contenido de una Sociologia del Control Penal para America Latina. IN: Criminologia Crítica, I Seminario, Colombia, Universidad de Medellin, p.179-195, agosto/1984. p.191. 10 CASTRO, Lola Anyiar de. Criminologia de la liberacion. Maracaibo: Universidad Del Zulia, 1987. p.33. 9 8 se restringindo apenas ao controle penal como controle social formal, mas estendendo-se também ao controle social informal. BARATTA, acompanhado por ZAFFARONI, vem a contribuir com esta discussão, conduzindo-a para a determinação do âmbito mais amplo do controle punitivo enquanto objeto de estudo da Criminologia Crítica. Desta forma entende que ele (....) não abarca somente o direito penal formal, mas também as penas extralegais e extrajudiciais, a ação de grupos paramilitares dentro de uma estratégia repressivo-penal, que ainda que não tenha nada a ver com o direito penal ou não seja parte do direito penal vigente, representam um elemento essencial em determinadas fases de uma sociedade, do controle sócio-penal..11 Sob a perspectiva materialista da análise realizada a partir da Criminologia Crítica o controle penal é entendido enquanto continuun de todo aparato do controle social, de modo que sua operacionalização segue a mesma lógica seletiva e estigmatizadora de outras instâncias informais ou formais. O controle social informal é compreendido enquanto lócus não institucionalizado de controle que atua de modo difuso, como por exemplo, a família, a escola, os meios de comunicação e o mercado de trabalho. Já o controle formal, do qual o sistema penal, formado por diversas instâncias (Polícia, Lei, Ministério Público, 11 “ (...) no solo abarque el derecho penal, sino también las penas extralegales y extrajudiciales, la acción de grupos paramilitares dentro de uma estrategia repesivo-penal, que aunque no tengam nada que ver con el derecho penal o no sean parte del derecho penal formalmente vigente, representan un elemento esencial, en determinadas fases del desarrollo de una sociedad, del control social penal.” (tradução livre). BARATTA, 9 Justiça, Execução Penal) é exemplo típico, é compreendido como aquele em que se há a atribuição normativa para intervir institucionalmente em casos considerados desviantes a determinados padrões instituídos. Do que se depreende que o controle social, nos termos aqui expostos, pode ser entendido em sentido lato como (...) as formas com que a sociedade responde, formal ou informalmente, institucional comportamentos e a pessoas e que difusamente, contempla a como desviantes, problemáticos, ameaçantes ou indesejáveis de uma forma ou de outra, e nesta reação, demarca, seleciona, classifica, estigmatiza, o próprio desvio e a criminalidade como uma forma específica dele. 12 Pois sendo assim, os mecanismos de controle social funcionam de modo complementar, atuando de forma a selecionar e marginalizar indivíduos e grupos em consonância à hierarquia das relações necessárias à reprodução de um modelo de sociedade. Dentre esses mecanismos, o mercado de trabalho, na reprodução da sociedade capitalista, como bem ressaltam os estudos especialmente da Criminologia Crítica, tem papel fundamental. Sua ação reguladora está freqüentemente presente na manutenção e, por vezes, agravamento da estrutura social. Todavia, os demais mecanismos não se constituem á margem deste, mas antes atuam concomitantemente no processo de seleção e marginalização, como ocorre, por exemplo, com o controle punitivo. Alessandro. No está en crisis la criminologia crítica. In: MARTINEZ, Maurício (org.). Que pasa en la criminologia Moderna. Bogotá: Temis, 1990. p.118. 12 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Ilusão de Segurança Jurídica, 1997. p.173. 10 O funcionamento integrado dessas diversas instâncias de controle é cimentado e perpassado pela presença de um sistema de idéias que reproduzem positivamente, e não apenas de modo repressivo, o modelo hegemônico de dada sociedade, cumprindo importante função legitimadora e integradora. Quando se trata, em termos generalizados, de um modelo capitalista de sociedade, identificase a idéia da disciplina e a própria moral do trabalho como uma das matrizes ideológicas do controle social.13 Portanto, como é possível depreender dessas delimitações de ordem epistemológica, a Criminologia Crítica se desenvolve a partir do paradigma da reação social, o qual por sua vez, atende especialmente aos processos subjetivos de definição do desvio e da criminalidade, e se estende para além dele, determinando a conexão entre esses processos e a estrutura de propriedade e poder de determinada sociedade. Tendo em vista o objetivo específico deste capítulo, realizar-se-á no próximo em maior medida a análise do processo de criminalização à partir da apropriação pela Criminologia Crítica das contribuições do paradigma do controle, 13 Uma das obras que influenciou sobremaneira os estudos da integração positiva entre as diversas forma de controle social foi a obra de Althusser. O autor, rompendo com a teoria marxiana tradicional, passou a compreender que o Estado não era apenas formado por aparelhos repressivos, mas também por aparelhos ideológicos, que embora difusos na sociedade, apresentavam uma unidade ideológica, e em cujo espaço se deveriam travar as lutas de classes, já que ele oferecia um campo objetivo de contradições. (Cf. ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. Trad. Joaquim J.M. Ramos. Portugal: Ed. Presença, 1978). Na constituição do controle punitivo, um dos principais trabalhos que ressaltou a função positiva e o papel da ideologia, entendida aqui enquanto sistema de idéias, ou do saber, , foi Foucault em sua obra “Vigiar e Punir”, que será melhor abordada no capítulo posterior. Também Melossi e Pavarini, na obra “Cárcere y Fabrica” identificam um elemento comum de reprodução dessas duas instâncias do controle, qual seja, a disciplina. Sobre o controle penal enquanto subsistema do controle social cf. também, BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal, 1999. p.171-183; BERGALLI, Roberto. La ideologia Del control social tradicional. Doctrina Penal.Teoria y Práctica en las Ciencias Penales, Buenos Aires, nº3/12, p.805-818, [19..]; CASTRO, Lola Anyiar de. Criminologia de la liberacion., 1987; COHEN, Stanley. Visiones de Control Social. Delitos, Castigos y Clasificaciones. Trad. Elena Larrauri.Barcelona: PPU, 1988; PAVARINI, Massimo. Control y Dominación: teorias criminológicas burguesas y proyecto hegemónico. 7ºed. Trad. Ignácio Muñagorri. México: Siglo Veintiuno, 1999; DOS SANTOS, Juarez Cirino. A criminologia radical. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p.43-61. 11 enfatizando, em um primeiro momento, especialmente os processos subjetivos de definição. Ou seja, privilegiando a análise sob a perspectiva microestrutural. 1.1 Uma estilização do paradigma da Reação Social A partir dos estudos da Escola Positiva Italiana a Criminologia adquiriu status de Ciência. Desenvolveu-se, desde então, o paradigma etiológico na Criminologia, constituído por uma concepção positivista de Ciência, assentado sob um método empírico-indutivo, tendo como objeto a criminalidade, e como função, a explicação das causas do crime e o remédio para seu combate, traduzido na formulação de uma política criminal oficial. Como isso se deu em plena de transição do Estado de Direito liberal para o Estado de Direito social e intervencionista, o discurso criminológico já não buscava garantir um limite de segurança individual, como o faziam os estudos sobre poder punitivo existentes até então, mas antes propunham um discurso de defesa da sociedade frente à criminalidade.14 As transformações que acompanharam essa mudança de perspectiva são bem descritas na análise foucaldiana ao tratar das alterações do 14 Os principais autores da Escola Positiva italiana são Cesare Lombroso, com sua obra “L’Uomo delinqüente” (1876) de enfoque especialmente antropológico; Raffaele Garofalo, com a obra “Criminologia – studio sul delitto e sulla teoria della represione” (1891), de enfoque predominantemente jurídico; Enrico Ferri e a obra “Sociologia Criminale” (1891), de enfoque sociológico. Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A Ilusão de Segurança Jurídica: do controle da violência à violência do controle penal, 1997. p.60-71; BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal, 1999. p. 38-41; PAVARINI, Massimo. Control y Dominación: teorias criminológicas burguesas y proyecto hegemónico, 1999. p.95-98; I. TAYLOR, P.WALTON y J. YOUNG. La nueva criminologia. Contribución a una teoría social de la conducta desviada. Trad. Adolfo Crosa. Buenos Aires: Amorrortu, 1997. p.58-65. 12 poder punitivo através da formação de um poder disciplinar e um correlato saber disciplinar, do qual a Criminologia enquanto Ciência é uma representante.15 O paradigma etiológico, em conjunto com o paradigma dogmático16 da Ciência Penal, configura, segundo BARATTA, uma ideologia penal própria: a ideologia da defesa social, que permeia a legitimação do funcionamento do sistema penal tanto sob o prisma do discurso científico quanto do senso comum. A ideologia da defesa social sintetiza (...) o conjunto das representações sobre o crime, a pena e o Direito Penal construídas pelo saber oficial e, em especial, sobre as funções socialmente úteis atribuídas ao Direito Penal (proteger bem jurídicos lesados garantindo também uma penalidade igualitariamente aplicada para os seus infratores) e à pena (controlar a criminalidade em defesa da sociedade, mediante a prevenção geral (intimidação) e especial (ressocialização).17 15 Segundo FOUCAULT, apenas com o desenvolvimento do poder disciplinar na sociedade moderna, e sua expressão mais nítida no sistema penal, qual seja, o cárcere, é que então se constitui plenamente o saber criminológico, capaz de produzir seu objeto de aplicação (condenado-delinqüente) e aperfeiçoar a aplicação da pena. É através de um sistema penitenciário que se torna possível um sistema de documentação individualizante e permanente, que permite a construção da figura do delinqüente por um saber a serviço do poder punitivo. “É como condenado e a título de ponto de aplicação de mecanismos punitivos, que o infrator se constitui como objeto de saber possível.” (FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. História da Violência nas Prisões. 23ºed. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987. p.210). 16 O paradigma dogmático da Ciência Penal, construído em fins do século XIX, início do século XX, estabelecendo uma continuidade ideológica de garantia da liberdade individual frente ao poder punitivo em relação à Escola Clássica, afirma-se a partir do juspositivismo e do método técnicojurídico, restringindo o objeto da Ciência Penal a uma identidade exclusivamente jurídica, mas determinando por outro lado um diálogo, de caráter subsidiário, com as demais Ciências, como a Sociologia e Antropologia, a fim de não recair no formalismo. Assim, marca-se um modelo que é dominante até os dias atuais de integração das Ciências Penais, em que se estabelece o domínio da Dogmática Penal e o caráter auxiliar da Criminologia, que cumpre apenas a função de legitimadora da ordem estabelecida pelo discurso dogmático. (ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A Ilusão de Segurança Jurídica: do controle da violência à violência do controle penal, 1997. p.88.) 17 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A Ilusão de Segurança Jurídica: do controle da violência à violência do controle penal, 1997. p.137. 13 Essa ideologia é composta por cinco princípios fundamentais. O princípio da legitimidade, do bem e do mal, da finalidade ou prevenção, do interesse social e do delito natural, são constituídos a partir principalmente do paradigma etiológico, que fundamenta a legitimação do sistema penal pela utilidade; enquanto que os princípios da culpabilidade, da legalidade e da igualdade são constituídos especialmente pelo paradigma dogmático, que produz a legitimação a partir da legalidade.18 Seguindo a decomposição da ideologia da defesa social nos princípios supracitados e tendo-se em conta que ela ainda perdura como fator preponderante de legitimação, sua desconstrução epistemológica se inicia a partir do desenvolvimento da criminologia liberal pós década de 30. E embora estes estudos não rompam com o paradigma etiológico, eles avançam no sentido de desmistificar pontos centrais de sustentação da ideologia da defesa social.19 Apenas, no entanto, com o desenvolvimento do paradigma da reação social, a partir da década de 60, ocorre um salto qualitativo em relação ao paradigma etiológico, base de todas as teorias criminológicas precedentes, desconstruindo por sua vez os princípios do fim ou da prevenção, o princípio da 18 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal, 1999. p.41-47; BARATTA, Alessandro. Criminologia y Dogmática Penal. Pasado y Futuro del Modelo Integral de la Ciencia Penal, 1982. p.30-33. 19 As principais teorias criminológicas que produzem algum avanço desconstrutor da ideologia penal são: as teorias psicanalíticas da criminalidade e da sociedade punitiva, representadas especialmente por Theodor Reik, Franz Alexander e Staub; a teoria estrutural-funcionalista do desvio e da anomia, desenvolvida a partir da obra determinante de Emile Durkheim e do posterior desenvolvimento de Robert Merton; a teoria das subculturas, que tem como representantes Edwin Sutherland e Albert Cohen; a teoria das técnicas de neutralização de M. Sykes e David Matza. Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal, 1999. p.49-85; PAVARINI, Massimo. Control y Dominación: teorias criminológicas burguesas y proyecto hegemónico, 1999. p.98-123; I. TAYLOR, P.WALTON y J. YOUNG. La nueva criminologia. Contribución a una teoría social de la conducta desviada, 1997. p.86-156. 14 igualdade e o princípio do interesse social ou do delito natural. O foco central deste novo paradigma é o de que o desvio e a criminalidade não possuem uma qualidade intrínseca da conduta ou uma entidade ontológica preconstituída à reação social e penal, mas uma qualidade (etiqueta) atribuída a determinados sujeitos através de complexos processos de interação social: isto é, de processos formais e informais de seleção.20 Assim sendo, o controle punitivo passa a ser objeto preponderante de estudo ao invés da conduta ‘ criminosa’. Esse deslocamento permite então a análise crítica do que antes era dado como preexistente. Só assim se pode compreender o processo de criminalização articulado por um controle forma e informal social, ao invés de tratar de uma criminalidade ontológica. O labeling approach, ou paradigma da reação social, produz duas linhas linhas principais de estudo: uma que trata da identidade do desviante e o desvio secundário, e outra que aborda os estudos das agências de controle social e o problema da distribuição do poder de definição. Esta formulação do paradigma da reação social21 é entendida por BARATTA como sua estilização, que busca captar “a identidade e originalidade teórica que o distinguem de outros modelos”.22 20 ANDRADE, Vera Regina Pereira. Do paradIgma etiológico ao paradigma da reação social: mudança e permanência de paradigmas criminológicos na Ciência e no Senso Comum. Seqüência, Florianópolis, Ano 16, nº30, p.24-37, junho de 1995. p.28. 21 Para WALTON, TAYLOR e YOUNG, o enfoque da reação social, influenciada fortemente pelo interacionismo, não se constitui enquanto teoria cabal, mas antes como um redirecionamento da criminologia e da sociologia do desvio. (Cf. I. TAYLOR, P.WALTON y J. YOUNG. La nueva criminologia. Contribución a una teoría social de la conducta desviada, 1997. p. 156-157). Já para CASTRO, este paradigma compõe a Criminologia da Reação Social, a qual compreende as teorias da rotulação (Becker, Erikson, Kitsuse, Lemert), do estigma (Goffman) e do estereótipo 15 Essa estilização do paradigma foi construída a partir de três correntes sociológicas contemporâneas: interacionismo simbólico, fenomenologia e etnometodologia, que desenvolveram especialmente a primeira linha de estudo, e a sociologia do conflito, que avançou com a segunda. Os autores representantes do interacionismo simbólico são especialmente especialmente Howard Becker e Edwin Lemert, mas há ainda k. Erikson, J. Kitsuse e M. Schur. Eles compartem algumas hipóteses centrais, mas aplicamnas de formas diferentes.23 Os interacionistas seguem, em grande medida, os ensinamentos de George Herbert Mead, destacando que “o eu é um produto social, e que a forma em que atuamos e nos vemos como indivíduos é em parte conseqüência da forma como as outras pessoas atuam com respeito a nós mesmos”.24 Há também grande influência de Blumer, contemporâneo de Mead, e professor de Becker e Lemert, para quem “a interação social é um processo interpretativo e negociado (das intenções do outro com base na qual determinamos nosso curso de ação subseqüente)”.25 (Chapman), além das variáveis da sociologia do conflito (Turk). (CASTRO, Lola Anyiar de. Criminologia da Reação Social. Trad. Ester Kosovski. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p.98). 22 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal, 1999. p.92. 23 A partir dos autores interacionistas desenvolve-se especialmente o que se convencionou chamar de teoria da rotulação. Entretanto, de modo geral, ela apresenta variações de acordo com cada autor. Vale ressaltar que, muito próximo à teoria da rotulação, há a também a teoria do estereótipo desenvolvida por Chapman (Cf. CASTRO, Lola Anyiar de. Criminologia da Reação Social, 1983.p.123-133; sobre as diferenças entre a teoria da rotulação e teoria do estereótipo, p.132-133; CHAPMAN, Denis. El estereotipo Del delincuente y sus consecuencias sociales. In: OLMO, Rosa del. Estigmatizacion y conduta desviada.Venezuela: Universidad del Zulia, 1973. p.161-184). Importante, entretanto, determinar a base comum interacionista de ambas as teorias. 24 “(...) el yo es un producto social, y que la forma en que actuamos y nos vemos como individuos es en parte consecuencia de la forma en que otras personas actúan con respecto a nosotros”. (tradução livre) I. TAYLOR, P.WALTON y J. YOUNG. La nueva criminologia. Contribución a una teoría social de la conducta desviada, 1997. p.159. 25 “(...) la interacción social es un proceso interpretativo y negociado (de las intenciones del otro en base al cual determinamos nuestro curso de acción subsiguiente).” (tradução livre). LARRAURI, Elena. La herencia de la criminologia crítica. 2ºed. Mexico: Siglo Veintiuno Editores, 1992. p.26-27. 16 Os interacionistas, fazendo-se a pergunta: “desviado para quem? Ou desviado a respeito de quê?”26 detêm-se especialmente na idéia de que uma conduta é desviada enquanto definida como tal e que a partir desta primeira definição construída pelas agências de controle, o sujeito entende-se como desviado e passa agir enquanto tal, gerando o que Lemert chama de desvio secundário27 e Becker de carreira desviante28. Sobre a teoria da rotulação ou interacionista, L.Taylor e I. Taylor, citados por WALTON, TAYLOR e YOUNG, afirmam que: (...) ela se concentra na forma em que a sociedade trata a quem acidental ou deliberadamente infringem as normas do jogo, descrevendo como as pessoas são definidas pelos demais (pela reação da sociedade) como delinqüentes, drogaditos ou pacientes mentais. Em outras palavras, o que começa sendo um ataque contra aqueles que oficial ou extra-oficialmente detêm o poder na sociedade (...) termina convertendo-se em um complexo edifício teórico com 26 “Desviado para quién? o Desviado respecto de qué?” (tradução livre). Schur, 1971, apud I. TAYLOR, P.WALTON y J. YOUNG. La nueva criminologia. Contribución a una teoría social de la conducta desviada, 1997. p.157. 27 Para Lemert, no desvio secundário “las ‘causas’ originales de la desviación desaparecen y ceden el lugar a la importância central de las reacciones de desaprobación, degradación y aislamiento de parte da sociedad.” (LEMERT, Edwin M. Desviación Primaria y Secundaria. In: OLMO, Rosa del. Estigmatización y conducta desviada. Venezuela: Universidad de Zulia, 1973. p.98). 28 Emprestando a noção de carreira, normalmente empregada em estudos sobre ocupações profissionais, Becker desenvolve uma explicação sobre as carreiras dos desviados que é acionada a partir da reação social a um primeiro comportamento. (Cf. BECKER, Howard. Los extranõs. Sociologia de la Desviación. Trad. Juan Tubert. Buenos Aires: Tiempo Contemporâneo, 1971. p.33-45). Desmistifica-se, através da idéia de carreiras desviantes e desvio secundário o princípio do fim ou da prevenção da pena, pois fica demonstrado que a pena não realiza uma função de prevenção da ‘criminalidade’, mas ao contrário, é parte constitutiva do processo de criminalização. (Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal, 1999. p. 89-92.) Por outro lado, WALTON, TAYLOR e YOUNG entendem que a compreensão sobre desvio secundário (Lemert) e carreira desviante (Becker) contrariam o próprio pressuposto do interacionismo ao incluir em suas análises essa variante determinista, além de assentarem-se em conclusões psicossociais duvidosas. (Sobre as críticas ao interacionismo simbólico, cf. I. TAYLOR, P.WALTON y J. YOUNG. La nueva criminologia. Contribución a una teoría social de la conducta desviada., 1997. p.167-174). 17 discutíveis cimentos psicológicos, e considerável ambigüidade política. Por suposto que há quem define e quem é definido, mas a quem representam os primeiros? Que interesse defendem? Como afiançam com seus atos o caráter atual da sociedade capitalista? Não se dá nenhuma resposta a essas perguntas: aqueles que definem são um grupo de vilões que trabalham por conta própria. (grifei)29 Sendo assim, essa corrente sociológica não consegue avançar na relação entre os processos de definição e as relações sócio-econômicas. Restringindo-se aos processos subjetivos de estigmatização, com forte presença de uma análise psicossocial, ela constitui o paradigma da reação social, que por sua vez, reproduz essas limitações, malgrado seu salto qualitativo com referência ao paradigma etiológico. Relativamente à etnometodologia, alguns dos seus representantes são Cicourel e Garfinkel30. Apropriando-se de análises fenomenológicas, a etnometodologia concebe o homem como “participante na produção e construção da estrutura social”31, em outras palavras, concebe a realidade social como 29 “Esta se concentra en la forma en la que la sociedad trata a quienes accidental o indeliberadamente infirngen las normas del juego, describiendo cómo las personas son definidas por los demás (por reacción de la sociedad) como delincuentes, drogadictos, o pacientes mentales. En otras palabras, lo que comienza siendo un ataque contra quienes oficial o extraoficialmente detentam el poder de la sociedad (...). Por supuesto que hay quienes definen y quienes son definidos, pero a ¿a quién representan los primeros? ¿ Qué intereses defienden? ¿ Cómo aifanzan con sus actos el carácter actual de la sociedad capitalista? No se da ninguna respuesta a esas preguntas: quienes definen son un grupo de villanos que trabajan por cuenta propia.”(tradução livre). L.Taylor e I. Taylor, 1968 apud I. TAYLOR, P.WALTON y J. YOUNG. La nueva criminologia. Contribución a una teoría social de la conducta desviada, 1997. p. 183. Ora, essas considerações são similares às limitações apresentadas pela doutrina jurídica. 30 Sobre considerações gerais quanto a etnometodologia, cf. LARRAURI, Elena. La herencia de la criminologia crítica, 1992. p.40-49; I. TAYLOR, P.WALTON y J. YOUNG. La nueva criminologia. Contribución a una teoría social de la conducta desviada, 1997. p. 189-225. 31 I. TAYLOR, P.WALTON y J. YOUNG. La nueva criminologia. Contribución a una teoría social de la conducta desviada, 1997. p.210. 18 construção intersubjetiva. Seu aporte fenomenológico é fortemente influenciado pela fenomenologia de Schutz, o qual desenvolve dois pressupostos da análise sociológica: primeiro, que se ao interagirmos, a outra pessoa estivesse em nosso lugar, experimentaria os fenômenos da mesma maneira que nós mesmos; e segundo, que embasa necessariamente o primeiro, que há uma convergência de atribuição de significados entre as pessoas que interagem, ou o que Garfinkel denomina de “pressuposto do etcétera”.32 “A crítica etnometodológica se ocupa detidamente de como se geram e mantém as regras de procedimento. (...) Como se pretende mostrar (...), as regras da vida cotidiana não são imutáveis e se caracterizam por sua ambigüidade”.33. Em assim sendo, toda a produção que se baseia nas contribuições da etnometodologia procurar distinguir, o que Cicourel denomina, regras básicas ou interpretativas e regras superficiais normativas34. O que se releva é a influência do processo interpretativo,cambiante em uma dada sociedade, e que constitui a definição do desvio. O que por conseqüência problematiza a questão quanto à internalização das normas enquanto um processo simplificado e determinante. Nesse sentido, Garfinkel discorda da 32 I. TAYLOR, P.WALTON y J. YOUNG. La nueva criminologia. Contribución a una teoría social de la conducta desviada, 1997. p. 211 e p.222. 33 I. TAYLOR, P.WALTON y J. YOUNG. La nueva criminologia. Contribución a una teoría social de la conducta desviada, 1997. p.218. 34 “Las reglas básicas o interpretativas dan al actor um sentido cambiante y em desarrollo de la estructura social que le permite asignar significado o pertinencia a un ambiente de objetos. Las reglas superficiales normativa permiten al actor vincular su visión del mundo con la de otros en una acción social concertada y suponer que el consenso o un acuerdo compartido rige la interacción.” (CICOUREL, 1970 apud I. TAYLOR, P.WALTON y J. YOUNG. La nueva criminologia. Contribución a una teoría social de la conducta desviada, 1997, p.219). Nesse mesmo sentido, também Sack propõe o deslocamento da análise das normas plano puramente jurídico para o plano sociológico, distinguindo as regras e as meta-regras, sendo essas últimas, as “regras objetivas do sistema social”. Desta mudança de perspectiva, Sack radicaliza o paradigma da reação social no sentido de demonstrar a seletividade que opera no processo de criminalização, verificando que, através principalmente da utilização de meta-regras por parte das agências de controle social, distribui-se a etiqueta negativa de desviado no mesmo sentido em que se distribuem desigualmente os privilégios. Conseqüentemente, desconstrói-se também o princípio da igualdade, que compõe a ideologia penal oficial. (Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do 19 análise funcionalista a respeito da internalização de normas (Parsons) sob uma perspectiva imutável e determinista, aproximando-se, no caso, a uma abordagem fenomenológica de Schutz. Entretanto, partindo de seus pressupostos de intercambialidade dos sujeitos de uma relação, bem como de congruência de significados, Garfinkel entende que eles são ainda frágeis para estabelecer uma ordem comum. Em assim sendo, afirma ser o medo da sanção o que reforça a possibilidade de se guiar a partir da norma. O que, por sua vez, também não garante determinantemente o cumprimento destas normas.35 Cicourel, por sua vez, conferindo um sentido dinâmico das relações, bem como das atribuições de significados e decisões de ação dos atores, afirma que: (...) à diferença da noção estática das atitudes interiorizadas como disposições para atuar de determinada maneira, a idéia de normas básicas ou interpretativas deve especificar como o ator tramita e constrói a ação possível e valora os resultados da ação terminada. (...) Por conseguinte, a aprendizagem e o uso de regras ou normas gerais e sua conservação a longo prazo requerem sempre mais regras interpretativas básicas para reconhecer a importâncias das representações reais e cambiantes, que orientam ao ator a respeito de possíveis cursos de ação, a organização de Direito Penal, 1999. p.104-106; CASTRO, Lola Anyar de. Criminologia da Reação Social, 1983. p.110111). 35 LARRAURI, Elena. La herencia de la criminologia crítica., 1992. p.42-45. Também comentários sobre o estudo das regras de Garfinkel, cf. LEMERT, Edwin M. Desviación Primaria y Secundaria, 1973, p.100-102. 20 mostras de comportamentos e a valoração reflexiva do próprio ator..36 De modo geral, tanto a etnometodologia quanto o interacionismo simbólico apresentam limitações advindas da própria análise fenomenológica do desvio. Falta a conexão entre a construção social do desvio e a estrutura material de uma dada sociedade. É dizer, não se estabelece a relação entre os processos políticos e econômicos e os processos de interação de menor nível. Como conseqüência, as críticas dirigidas ao controle social e punitivo formal ou informal, tornam-se, muitas vezes, estéreis, por manter intactas todas as outras estruturas que reproduzem a realidade material de determinada sociedade.37 Por outro lado, a partir da perspectiva do interacionismo e da etnometodologia, desconsidera-se que o desvio possa ser um ato resultante de um conflito social, possuidor de algum significado político. Essa idéia é acrescentada ao paradigma da reação social através da sociologia do conflito (Coser, Turk, Quinney), que busca identificar, no cerne do desvio, a relação de poder entre quem define e quem é definido como desviado. 36 “A diferencia de la noción algo estática de las actitudes interiorizadas como disposiciones para actuar de determinada manera, la idea de normas báscias o interpretativas debe especificar cómo el actor tramita y construye la acción possible y evalúa los resultados de la acción terminada (...). Por conseguiente, el aprendizaje y uso de reglas o normas generales y su conservación a largo plazo requieren siempre más reglas interpretativas básicas para reconocer la importacia de las escenas reales y cambiantes, que orientan al actor respecto de posibles cursos de acción, la organización de muestras de comportamiento y la evaluación reflexiva del proprio actor.” (tradução livre). Cicourel, 1970, apud I. TAYLOR, P.WALTON y J. YOUNG. La nueva criminologia. Contribución a una teoría social de la conducta desviada, 1997. p.220. 37 Para aprofundar-se nas críticas ao enfoque do interacionismo e da etnometodologia no paradigma da reação social, cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal, 1999. p.114-117; PAVARINI, Massimo. Control y Dominación: teorias criminológicas burguesas y proyecto hegemónico, 1999. p.130-137; I. TAYLOR, P.WALTON y J. YOUNG. La nueva criminologia. Contribución a una teoría social de la conducta desviada, 1997. p.156-215; LIAZOS, Alexander. La pobreza de la Sociologia de la Desviacion. In: OLMO, Rosa del. Estigmatización y conducta desviada. Venezuela: Universidad de Zulia, 1973. p.187;217; ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Do paradigma etiológico ao paradigma da reação social: mudança e permanência de paradigmas criminológicos na ciência e no senso comum, 1995. 21 O modelo sociológico conflitivo vê, portanto, como momento prioritário o domínio de alguns em relação a outros, domínio que se traduz em poder de coerção (criminalização); (...). Aqueles que detêm o poder político, detêm também o poder de criminalizar: a criminalidade é assim uma realidade social criada através do processo de criminalização.38 Desta forma, a dimensão do político articulado ao processo de distribuição dos poderes definitórios da criminalização é acrescida às análises do labeling approach. Contudo, por tratar apenas do aspecto político desconexo da estrutura econômica, esta teoria confunde os atores dos processos econômicos (indivíduos e grupos) com os sujeitos reais (capital e trabalho assalariado); e ainda exclui toda a conflitualidade social que se encontra fora da área institucionalizada.39. E ademais, a teoria tende a universalizar a noção de conflito, desistoricizando-o, e por conseqüência, esvaziando-o também de significado político. Faz-se, portanto, especialmente a partir das conquistas desse paradigma, sem ignorar suas limitações epistemológicas, e mesmo políticas, a 38 “El modelo sociológico conflictivo vê por tanto como momento prioritário el domínio de algunos respecto de los otros, domínio que se traduce em el poder de coerción (criminalización); (...) Quien detenta el poder político, detenta también el poder de criminalizar: la criminalidad es así una realidad social creada a través del proceso de criminalización.” (tradução livre). PAVARINI, Massimo. Control y Dominación: teorias criminológicas burguesas y proyecto hegemônico, 1999. p.140. Ao politizar a questão criminal, afirmando que os interesses resguardados no Código Penal correspondem aos interesses de grupos que possuem poder, a sociologia do conflito desconstrói epistemologicamente o princípio do interesse social e do delito natural, que tem como um dos pressupostos a homogeneidade de valores e a existência, sob bases jusnaturalistas, de valores comuns e a-históricos defendidos pelo ordenamento jurídico-penal. (Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal, 1999. p.119-122.) 39 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal, 1999. p.143-145. 22 construção da Criminologia Crítica40. Em particular, suas limitações foram objeto de análise do que se costuma chamar de críticas de esquerda, buscando ir além do paradigma da reação social, através dele41. A maior parte delas foi aceita ou produzida pela Criminologia Crítica e tornou-se ponto de partida para seu ulterior desenvolvimento. Tem-se, nesse sentido, o apontamento de dois limites principais: “em primeiro lugar, a abstração do enfoque político em relação ao enfoque econômico do poder”, e em segundo lugar, “a radicalidade do antideterminismo do labelling contra o paradigma etiológico”.42 A fim, por conseguinte, de traçar os mecanismos subjetivos de definição e criminalização com os quais se buscará , é deveras importante ressaltar duas questões teóricas. Em primeiro lugar, a abordagem se fará a partir das apropriações da Criminologia Crítica relativas ao paradigma da reação social. Ou seja, a partir de um enfoque interacionista, e para além dele, sem desconsiderar suas limitações. E em segundo lugar, a análise dos processos de criminalização e definição se fará a partir de um universo mais amplo que o próprio sistema penal oficial, tendo em vista que se está a analisar um controle sócio-penal não-oficial. Assim sendo: 40 Também foi de fundamental importância o desenvolvimento de estudos sociológicos e historiográficos sobre o fenômeno criminal para a construção da criminologia contemporânea. Em especial o enfoque historiográfico, a partir especialmente dos trabalhos de Rusche e Kirshheimer (“Punição e Estrutura Social”) e Foucault (“Vigiar e Punir”), serão abordados no capítulo subseqüente ao se buscar traçar uma análise macro-estrutural do processo de criminalização. 41 BARATTA define as críticas de esquerda como sendo “aquellas asumidas por discursos que (...) tiendem a llevar la crisis a sus consecuencias radicales, desde uma perspectiva científica y política que adopta el punto de vista de los intereses de las clases subalternas”. (BARATTA, Alessandro. Por una teoría materialista de la criminalidad y del control social.,1989. p.20) 42 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A Ilusão de Segurança Jurídica: do controle da violência à violência do controle penal, 1997. p.215-216. 23 Os processos de definição que se tornam relevantes dentro do modelo teórico em exame não podem se limitar àqueles realizados pelas instâncias oficiais de controle social, mas, antes, se identificam, em primeiro lugar, com os processos de definição do senso comum, os quais se produzem em situações não-oficiais, antes mesmo que as instâncias oficiais intervenham, ou também de modo inteiramente independente de sua intervenção.43 43 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do 24 III- Da construção da norma ao poder de criminalização Em específico, “o objeto de estudo da teoria da rotulação compreende a constituição das regras sociais e as práticas de aplicação dessas regras (por quem, contra quem, quais as conseqüências, etc)”.44 E desses estudos se valerá a descrição do processo de criminalização. Entre os interacionistas, a denominação que se atribui ao processo de criação de uma pessoa desviada é variável. Dentre elas, há a de Tannenbaum, que se refere à “dramatização do mal”, de Becker, que trata da “carreira desviada”, e a de Schur, que o denomina como “processo de criminalização”45, a qual será utilizada no presente estudo. Ao buscar, em termos gerais, descrever os passos mais importantes que constituem a criminalização ou etiquetamento, KITSUSE afirma o desvio como (...) um processo mediante o qual os membros de um grupo, comunidade ou sociedade: primeiro, interpretam uma conduta como desviada, segundo, definem aos indivíduos que assim se comportam como determinado tipo de desvio, e terceiro, os tratam como consideram apropriado.46 Direito Penal, 1999. p.94. 44 DOS SANTOS, Juarez Cirino. A Criminologia Radical, 1981. p.13. 45 PAYNE, William D. Etiquetas negativas. Pasadizos y Prisiones. In: OLMO, Rosa del. Estigmatización y conducta desviada. Venezuela: Universidad de Zulia, 1973. p.108. 46 “un proceso mediante el cual los miembros de un grupo comunidad o sociedad: primero, interpretan una conducta como desviada, segundo, definen a los individuos que así se comportan como determinado tipo de desviación, y tercero los tratan como consideran apropiado.” (tradução livre). KITSUSE, John I. Reacción de 25 Sendo assim, não se pode tratar de normas postas e condutas desviadas, enquanto qualidades ontologicamente constituídas. Antes, tanto a construção de normas e regras quanto a construção do desvio, ocorrem a partir de processos de interação social, negociação e interpretação, co-constituídos por sua vez, por relações estruturais e sócio-econômicas mais amplas. Logo, as normas sociais, a que correspondem as condutas que podem vir a podem vir a ser qualificadas como desviada47, por tê-las infringido, resultam também de um processo de interação, são uma síntese abstrata das inumeráveis vezes em que uma comunidade se manifestou sobre uma questão determinada. Assim, a norma tem um desenvolvimento muito parecido ao de um artigo do Código Penal: é uma acumulação de decisões futuras. (...) Assim pois, sempre que o grupo censura um ato determinado como desviado, consolida a autoridade da norma violada e pelo mesmo julgamento ratifica a delimitação do espaço social.48 la Sociedad ante la Conducta Desviada: Problemas de Teoria y Método. In: OLMO, Rosa del. Estigmatización y conducta desviada. Venezuela: Universidad de Zulia, 1973.p.54. 47 Para a maioria dos interacionistas, como Becker, a conduta somente é qualificada como desviada quando, além de transgredir uma norma, é objeto de reação social. Enquanto não há reação social, ela se constitui apenas enquanto conduta transgressora, que entretanto, não sofre as conseqüências do etiquetamento. Para se aprofundar nos tipos de conduta desviada tratada por Becker, cf. BECKER, Howard. Los extranõs. Sociologia de la Desviación, 1971. p.29-33. Essa distinção é bastante questionada na medida em que, em assim sendo, algumas condutas delitivas não podem ser chamadas de crimes tendo em vista a seletividade do sistema penal oficial que as imuniza do processo de criminalização. Sobre esta crítica ver, por exemplo, LARRAURI, Elena. La herencia de la criminologia crítica, 1992. p.30-31. 48 “es una síntesis abstracta de las innumerables veces en que una comunidad se ha manifestado sobre una cuestión determinada. Asíl, la norma tiene un desarrollo muy parecido al de un artículo de derecho penal: es una acumulación de decisiones futuras. (...) Así pues, siempre que el grupo censura un acto determinado como desviado, consolida la autoridad de la norma violada y por el mismo enjuiciamiento ratifica la delitimación del espacio social.” (tradução livre). ERIKSON, Kai T. Notas sobre la Sociologia de la Desviación. In: OLMO, Rosa del. Estigmatización y conducta desviada. Venezuela: Universidad de Zulia, 1973. p. 44. 26 Não se pode, nesse sentido, ignorar também a contribuição da etnometodologia, abordada no item anterior, quanto à existência de níveis distintos dessas regras, postando-se de um lado, as regras normativas e, de outro, as regras interpretativas que dão o tom da mutabilidade e flexibilidade de aplicação dessas normas, e portanto, de enquadramento de condutas transgressoras. Partindo dessas normas sociais, a comunidade, ao esboçar reação a determinada conduta, e elegê-la como desviada, inicia um intrincado processo de seleção dos indivíduos que serão etiquetados. E esta seleção é variável não pela conduta em si, mas antes pela maneira como se interpretam os dados pessoais e biográficos desses indivíduos. Assim, ERIKSON afirma: “sabemos que se têm em conta muitos fatores não relacionados diretamente com o ato desviado propriamente dito: a classe social do indivíduo suspeitoso, seus antecedentes criminais, seu grau de arrependimento, etc.”49 A reação social, processada seletivamente50, implica a organização e aplicação de sanções aos indivíduos ou grupos definidos como desviados, por parte de indivíduos, organizações e instituições.51 49 Quando se trata do “sabemos que tiene en cuenta muchos factores no relacionados directamente con el acto desviado propiamente dicho: la clase social del individuo sospechoso, sus antecedentes, su grado de arrependimento, etc.” (tradução livre). ERIKSON, Kai T. Notas sobre la Sociologia de la Desviación, 1973. p.41-42. Também Becker afirma que as regras tendencialmente são aplicadas mais a algumas pessoas que a outras, dependendo de quem infringe a regra e de quem se sente ofendido por esta infração, levando em consideração variáveis como classe, gênero e etnia. Portanto, os graus das reações também são seletivos e variáveis, o que o interacionismo, entretanto, não logra realizar, é a relação entre essa seletividade e a estrutura sócioeconômica da sociedade em geral. Cf. BECKER, Howard. Los extranõs. Sociologia de la Desviación, 1971,.p.22-23. 50 Essa seletividade que, a partir do enfoque interacionista restringe-se à análise micro-estrutural da operacionalidade do processo de criminalização, a partir do enfoque materialista na Criminologia Crítica, passa a estar relacionada com a reprodução das desigualdades existentes no plano macro-estrutural de dada formação econômica. (cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A Ilusão de Segurança Jurídica: do controle da violência à violência do controle penal, 1997. p.218-219; BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal, 1999. p.161-166.) 51 Segundo KITSUSE, “Una teoria sociológica de la desviación debe enfocarse especificamente hacia las acciones recíprocas que no sólo definen una conducta como desviada sino que también organizan y activan la 27 descumprimento de uma regra formalizada legalmente, a sanção que se constitui a partir da reação social ocorre, normalmente, por meio de uma força estatal; já quando se tratam de regras informais, a reação sancionatória é imposta através de meios também informais.52 De todo modo, essa reação é definida por PAYNE como “etiqueta punitiva”. Para o autor “dita reação se reflete em uma etiqueta social, a saber, uma designação com nome estereotipado, imputado a uma pessoa sobre a base de alguma informação que se tem sobre ela.”53 Dentre as principais conseqüências da atribuição da etiqueta a indivíduos ou grupos, pode-se destacar: a) as etiquetas identificam o desviado: As etiquetas sociais negativas são paradoxais: elas tornam os indivíduos mais visíveis, e ao mesmo tempo mais invisíveis. É mais visível para a sociedade porque a etiqueta o distingue dos demais, mas é invisível, na medida em que a etiqueta o relega a uma categoria de pessoas na qual a própria identidade se perde. A etiqueta se constitui na principal distinção para a identificação adequada.54 aplicación de sanciones por parte de individuos, grupos e agencias.” (KITSUSE, John I. Reacción de la Sociedad ante la Conducta Desviada: Problemas de Teoria y Método, 1973. p.69). 52 Cf. BECKER, Howard. Los extranõs. Sociologia de la Desviación. Trad. Juan Tubert. Buenos Aires: Tiempo Contemporâneo, 1971, p.13. 53 “Dicha reacción se refleja en una etiqueta social, a saber, una designación con nombre estereotipado, imputado a una persona sobre la base de alguna información que se tiene sobre él.” (tradução livre). PAYNE, William D. Etiquetas negativas. Pasadizos y Prisiones, 1973. p.106. 54 “Las etiquetas sociales negativas son paradójicas: éstas hacen al individuo más visible y al mismo tiempo invisible: Es más visible para la sociedad porque la etiqueta lo aparta de los otros, pero es invisible, en la medida en que, la etiqueta lo relega a una categoría de personas en la cual la propia identidad se pierde. La etiqueta se constituye en el principal distintivo de identificación para esa pernosa.” (tradução livre). (PAYNE, William D. Etiquetas negativas. Pasadizos y Prisiones, 1973. p.107.) Essa é uma das conseqüências mais drásticas do etiquetamento para Becker, momento em que o indivíduo adquire novo status,e passa a pertencer a uma classe diferente. (Cf. BECKER, Howard. Los extranõs. Sociologia de la Desviación, 1971. p.38-39). 28 b) as etiquetas sociais criam auto-etiquetas: Estas etiquetas podem fazer com que uma pessoa se considere a si mesma como alguém sem méritos, inferior e incompleto. Como conseqüência da vergonha e do desprezo próprios, criam-se na mente do indivíduo ‘corredores’ internos que levam à resignação, ao distanciamento e à perda de confiança.55 c) as etiquetas criam expectativas: (...) a etiqueta negativa é um ‘corredor’ que determina a direção que se espera de um determinado comportamento. A etiqueta negativa pode gerar suspeita e uma atitude muito sutil na audiência social, e isto, por sua vez, produzirá o mesmo comportamento que se temia.56 d) as etiquetas podem perpetuar o comportamento: (...) As etiquetas negativas, os tratamentos subseqüentes e os castigos podem ser prisões que mantêm a pessoa no 55 “Estas etiquetas pueden hacer que una persona se considere a sí misma como alguien sin méritos, inferior e incompleto. Como consecuencia de la vergüenza y el desprecio propios, se crean en la mente del individuo pasadizos internos que llevan a la resignación, al alejamiento y a la pérdida de la confianza.” (Tradução livre). PAYNE, William D. Etiquetas negativas. Pasadizos y Prisiones, 1973. p.109. 56 “La etiqueta negativa es un pasadizo que determina la dirección que se espera de un determinado comportamiento. La etiqueta negativa puede generar suspicacias y una actitud muy sutil en la audiencia social; y esto, a su vez, producirá el mismo comportamiento que se temía.” (tradução livre). PAYNE, William D. Etiquetas negativas. Pasadizos y Prisiones, 1973. p.110. Para vários autores interacionistas, assim como Becker, trata-se, nesta conseqüência do etiquetamento, em uma referência à expressão mertoniana, de uma “profecia que se auto-realiza”, pois se trata de um processo que induz a conformação da pessoa à mesma imagem que as outras pessoas têm dela. (Cf. BECKER, Howard. Los extranõs. Sociologia de la Desviación, 1971. p.41). 29 papel de desviado e cada vez que se lê esse roteiro, se recorda um pouco mais. Prontamente conhecem –se bem todas as suas nuances, e assim a etiqueta se converte em caráter. Um ato de castigo continua atando a uma pessoa o papel de desviado muito depois de terminado o castigo e ainda depois quando o ator que mudar o papel. O escape deste tipo de prisão é realmente difícil.57 e) as etiquetas se generalizam: As etiquetas se estendem de várias maneiras. Uma etiqueta que indica uma característica negativa, muitas vezes indica outros rasgos negativos que a sociedade supõe que sejam suas conseqüências. Através de um mecanismo de culpa por associação, as etiquetas negativas também podem passar de uma pessoa a outra como enfermidade.58 Como se depreende dessa análise, o processo de etiquetamento, e as conseqüências dele decorrentes, constitui-se a partir da construção de estigmas. Nesse sentido, para GOFFMAN, o estigma está caracterizado como 57 “(...) las etiquetas negativas, los tratamientos subsiguientes y los castigos, pueden ser prisiones que mantienen a la persona en el rol de desviado y cada vez que se lee el guión, se lo recuerda un poco mejor. Pronto conoce bien todas sus líneas, y así la etiqueta se convierte en su carácter. Un acto de castigo continúa atando a una persona al rol de desviado mucho después que ha terminado el castigo y aún después que el actor quiere cambiar de papel. El escape de este tipo de prisión es realmente dificil.” (tradução livre) PAYNE, William D. Etiquetas negativas. Pasadizos y Prisiones, 1973. p.113. 58 “Las etiquetas se extienden de varias maneras. Una etiqueta que indica una característica negativa, muchas veces otros rasgos negativos que la sociedad supone sean su consecuencia. A traves de un mecanismo de culpa por asociación, las etiquetas negativas también pueden pasar de una persona a otra como una enfermedad.”(tradução livre). PAYNE, William D. Etiquetas negativas. Pasadizos y Prisiones, 1973. p.114. 30 uma relação especialmente depreciativa que se estabelece entre os atributos de sujeitos ou grupos e seus estereótipos em uma dada comunidade. A partir daí, “constrói-se uma teoria do estigma, uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade baseada em outras diferenças, tais como as de classe social”.59 E quando se depara com os “defeitos” dos sujeitos estigmatizados e com suas possíveis respostas defensivas, estabelece-se então a justificativa para a forma de tratamento que a eles se dirige.60 Este processo vem acompanhado de uma ampliação de seus efeitos decorrente do controle social informal exercido por grupos da sociedade. É dizer, a comunidade, ao reproduzir o estigma de indivíduos desviados, reproduz também, por um lado, o consenso e coalizão entre os não-estigmatizados, e por outro lado, o distanciamento ou bem, a “proibição de coalizão”61, em relação aos estigmatizados. Nesse sentido, BARATTA, ao realizar uma análise macrossociológica desses dois aspectos, afirma que eles contribuem para isolar uma pequena parte da população concentrando sobre ela a responsabilidade por tudo que é negativo na sociedade. Por outro lado, aumentam a coesão fictícia das maiorias silenciosas, o que por sua vez influi 59 GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da Identidade deteriorada. 4ºed. Trad.Márcia Nunes. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988. p.15. 60 GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da Identidade deteriorada., 1988. p.16. 61 Para BARATTA, diferentemente do termo “distanciamento social” que se refere ao distanciamento da comunidade em relação aos desviados, a “proibição de coalizão” é uma construção macrossociológica, por se tratar de um mecanismo de sustentação e legitimação do poder. (BARATTA, Alessandro. Por una teoría materialista de la criminalidad y del control social, 1989. p.40; BARATTA, Alessandro. Problemas sociales y percepción de la criminalidad. Revista del Colegio de Abogados Penaistas del Valle, Cali, nº09, p.17-32, 1984.29-30b) 31 sobre os processos psicológicos de exclusão dos diferentes e de marginalização das minorias desprivilegiadas.62 Diante dessas relações que se determinam reciprocamente, há que se perguntar pois, quem tem o poder de definição e de criminalização, e por outra parte, porque algumas condutas, ou antes, alguns grupos ou indivíduos são definidos ou criminalizados, e não outros. A essas questões, encontram-se explicações variadas de acordo com a perspectiva epistemológica de cada abordagem. A partir de autores do interacionismo simbólico, como por exemplo, Shlomo Shoham, o qual aplica a teoria do estigma de Goffman à Criminologia, compreende-se que a atribuição de etiquetas, que é parte do processo de criminalização, é determinada por indivíduos ou grupos que possuem o poder de direito ou de fato em dada sociedade, e é distribuída àqueles que ameaçam esta constituição de poder.63 Na obra de Becker, um dos principais representantes do interacionismo, infere-se também a dimensão política e de poder no processo de definição. Nas palavras do autor: (...) os problemas de quais regras devem se impor, que conduta deve ser considerada desviada, e quais pessoas devem qualificar-se de marginais, devem também ser consideradas questões políticas. Ao ignorar o aspecto 62 “Contribuyen a aislar uma pequeña parte de la población concentrando sobre ella la responsabilidad por todo lo que es negativo en la sociedad. De otro lado aumentan la cohesión ficticia de las mayorías silenciosas, la que a su vez influye sobre los procesos psicológicos de exclusión de los diferentes y de marginación de las minorías desaventajadas.”(tradução livre). BARATTA, Alessandro. Por una teoría materialista de la criminalidad y del control social, 1989,.p.40-41. 63 OLMO, Rosa del. Estigmatización y conducta desviada. Venezuela: Universidad de Zulia, 1973. p.12. 32 político do fenômeno, a concepção funcional do desvio limita nossa concepção do mesmo.64 Tratando-se portanto, que a diferença de poder, seja legal ou extralegal, é a determinante que diferencia aqueles que impõem regras e escolhem condutas e pessoas, daqueles que as obedecem e são estigmatizados, Becker elege como variáveis deste processo eminentemente político, distinções tais como sexo, idade, etnia e classe social. São pois, essas variáveis, que por serem também graus de poder, determinam os diversos graus de influência e possibilidade de criminalizar e ser criminalizado.65 Pois bem, essa análise compreende uma relação de hierarquia que reflete posições diferenciadas na sociedade, a partir de seus principais focos de poder e dominação que se entrelaçam, tais como, por exemplo, a etnia e a classe social. Neste sentido, BARATTA ressalta que o “labeling approach lançou luz sobre o fato de que o poder de criminalização, e o exercício deste poder, estão estreitamente ligados à estratificação e à estrutura antagônica da sociedade.” (grifei)66 Entretanto, inobstante essa percepção importante da análise do fenômeno que possibilita uma possível crítica da sociedade, a limitação da matriz teórica de exame dessas questões, não conduz a uma relação entre essa estrutura de poder hierárquica da sociedade e a sua formação sócio-econômica. Vejamos: Becker vai buscar a explicação de quem define e de quem é definido a partir da análise motivacional dos indivíduos ou grupos, relacionando 64 “(...) los problemas de cuáles reglas deben imponerse, qué conducta debe ser considerada desviada, y cuáles personas deben calificarse de marginales, deben también considerarse cuestiones políticas. Al ignorar el aspecto político del fenónemo, la concepción funcional de la desviación limita nuestra conprensión del mismo.” (tradução livre). BECKER, Howard. Los extranõs. Sociologia de la Desviación, 1971. p.18. 65 BECKER, Howard. Los extranõs. Sociologia de la Desviación, 1971. p.26. 33 ao diverso grau de seus interesses pessoais. Neste sentido, ele afirma como importante variável deste processo “a iniciativa, nascida de interesses pessoais, armada com o recurso da publicidade e condicionada pelo caráter da organização”.67 É sob essa perspectiva que o autor denomina os impositores de regras como ‘empresários morais’, os quais determinam seus preceitos éticos. E embora os identifique aos grupos ou indivíduos que se situam em um nível superior da estrutura social, reduz o processo a uma imposição ética pessoal por parte dos quase “vilões morais”68. Ora, desse modo, descontextualiza-se e se despolitiza a leitura dos conflitos fundantes da criminalização, impossibilitando uma análise estrutural que permita ir além da identificação de sujeitos de modo arbitrário, mas antes inseri-los no contexto sócio-econômico de dada sociedade. Apenas esta perspectiva possibilita apontar respostas para as questões de se saber por que tal grupo ou tais indivíduos, e não outros, são criminalizados. Nesse sentido, conquanto as teorias do conflito tenham desenvolvido a dimensão política na análise do controle do desvio e do poder de criminalização, apenas a partir da Criminologia Crítica é que se adota uma perspectiva materialista que permite o estabelecimento da relação entre os conflitos de poder de definição locais e os vetores de poder e propriedade determinantes e determinados na e pela estrutura material de uma sociedade.69 66 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal, 1999. p.113. 67 “la iniciativa, nacida de intereses personales, armada con el recurso de la publicidad y condicionada por el carácter de la organización (...)” (tradução livre). BECKER, Howard. Los extranõs. Sociologia de la Desviación, 1971. p.119. 68 No início do primeiro capítulo, ao se examinar a leitura doutrinária , depreende-se também esta perspectiva fenomenológica do conflito, atribuindo, de forma individualizada, a alguns sujeitos, a responsabilidade e a “culpa”, descontextualizadamente, pela existência de alguns casos existentes na estrutura social brasileira. 69 Cf. ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A Ilusão de Segurança Jurídica: do controle da violência à violência do controle penal, 1997. p.214-218; BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal. 2ºed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos: Instituto Carioca de Criminologia, 1999, esp. p.159-170. 34 Pois bem, tendo em vista a perspectiva do processo de criminalização dado até o momento, determinado pela criação de normas, pela seleção de indivíduos a serem estigmatizados, pela reação social formal e informal e pela atividade sancionatória, segue-se a análise do processo em curso no caso de se evidenciar este controle na América Latina . Desta forma, cumprese a proposta de iniciar o exame do controle sócio-punitivo constitutivo desses casos. 35 IV- O caso Latino- Americano. Antes de tudo, necessário esclarecer dois pontos: primeiro, a delimitação e origem da contraposição referida entre centro e periferia( abordando inegavelmente o questionamento na América Latina), bem como a compreensão do processo de globalização econômica em consonância teórica à análise até então exposta. Relativamente ao primeiro ponto, denota-se que a expressão centroperiferia foi cunhada em especial por Raul Prebisch, e se tornou central no desenvolvimento da teoria da dependência e do subdesenvolvimento latinoamericano. Para o autor, esta formação se caracteriza historicamente a partir da geração e propagação do progresso técnico consoante à ordem capitalista. Ele se inicia na Inglaterra, estendendo-se em graus diversos pela Europa ocidental, atingindo EUA e finalmente Japão. Esses são os países que formam o núcleo do capitalismo central em torno do qual de desenvolvem uma periferia capitalista, subordinada às necessidades do centro, na qual se insere a América Latina, a qual inicialmente é um bloco responsável, na ordem da divisão internacional de trabalho, pela produção de alimentos e matéria-prima para os centros industriais. Sendo assim, o progresso técnico chega à região periférica de modo lento e irregular, porque só atinge regiões em que é necessária a produção de alimentos e matéria-prima a baixo-custo para atender as necessidades dos países centrais70. Isso em especial explica a coexistência de regiões e grupos sociais de níveis econômicos distintos, formando uma estrutura econômica heterogênea que 70 Essas características apontadas por Prebisch na relação centro-periferia dizem respeito mais especificamente ao período que a América posicionava-se apenas enquanto produtora e exportadora de 36 convive com extensas áreas, especialmente, de terras, que são essencialmente pré-capitalistas71. Em sua tese, Prebisch sustenta, pois, que há uma “debilidade congênita dos países periféricos para reter todo o fruto do seu progresso técnico.”72, o que justifica a desigualdade e subdesenvolvimento enquanto características estruturais desses países. Nesse sentido, o autor ressalta que a acumulação do capital não transcorre de forma similar ao processo dos países centrais, vez que ele é restrito por fatores de ordens externas e de ordem interna que a impedem73. Zaffaroni ressalta, dentre esses fatores, por exemplo, o consumismo exacerbado presente nas sociedades latino-americanas74. Nesse contexto, a comunicação de massa tem papel fundamental porque produz necessidades consumistas em um meio de carências. Assim produz-se um atraso estrutural e uma violência também estrutural presente nas desigualdades e na contenção dos conflitos daí deflagrados. matérias-primas. Nada obsta, entretanto, que se compreenda esse modelo teórico em outras circunstâncias histórico-econômicas. 71 A obra deste autor influenciou sobremaneira a produção da Criminologia Crítica na década de 70 e 80 na América Latina, como se pode observar das considerações realizadas por autores como Lola Anyiar de Castro, Rosa Del Olmo e Raul Eugenio Zaffaroni. Eles ressaltam, em suas obras, essa coexistência própria e particular da América Latina de diversas estruturas econômicas e modos de produção, ao qual desenvolvem, em paralelo, o entendimento que há também diversas constituições do controle social. 72 PREBISCH, Raul. Dinâmica do Desenvolvimento Latino-Americano. 2ºed. Trad.Vera Neves Pedroso. Brasil: Fundo de Cultura, 1968. p.17. 73 Para um estudo aprofundado dos fatores estruturais impeditivos da acumulação capitalista, cf. PREBISCH, Raul. Dinâmica do Desenvolvimento Latino-Americano, 1968. p. 33-57. 74 Prebisch identifica essa como uma das características estruturais da América Latina ao afirmar que a distribuição desigual e privilegiada de renda “não se traduz em forte ritmo de acumulação de capital, a não ser em formas exageradas do consumo nas camadas superiores da sociedade em contraste com a precária existência de massas populares.”(PREBISCH, Raul. Dinâmica do Desenvolvimento Latino-Americano, 1968. p.12). Esta sociedade do consumo, entretanto, está presente nas diversas camadas sociais, guardados, evidente, as devidas proporções. Veja-se, por exemplo, os comentários tecidos por MARTINS ao buscar compreender a necessidade que os jovens têm em sair de suas casas para buscar empregos, arriscando-se a se tornarem mais um indigente. Nesse sentido, ele entende que à necessidade decorrente da falta de emprego, acrescentam-se as exigências crescentes das novas carências produzidas pela inserção de novos bens de consumo na cotidianeidade dos camponeses, característica agravada pela nova ordem econômica correspondente à globalização, como se verá adiante. (Cf. MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano, 1997. p.111.) 37 As contribuições teóricas de Prebisch são, em muito, incorporadas por outros autores no desenvolvimento da teoria da dependência. E embora essa teoria possa ser considerada, em seus termos expostos na década de 60 e 70, superada em virtude de suas limitações na explicação teórica da dependência da América Latina75, a idéia da condição periférica não pode ser ignorada. Partindo, pois, desta concepção, pode-se compreender a inserção do Brasil e da América Latina no contexto mundial atual. Ora, desde o início do desenvolvimento do capitalismo, o Brasil compõe o bloco de poder atrasado, e embora a América Latina tenha apresentado sinais de algum desenvolvimento desde o período anterior à 1ºGuerra Mundial, através de uma incipiente industrialização, ela nunca superou sua posição periférica na realidade de poder mundial. A economia mundial, principalmente a partir de meados da década 70, apresentou profundas transformações, tendo como característica principal a privatização do mercado mundial de capitais, decisiva para que, a partir desta época, a hegemonia na economia mundial passasse das mãos dos governos nacionais articulados a empresas produtivas para as multiempresas internacionais, capitaneadas pelo que se pode chamar de capital financeiro76. 75 Foge dos limites deste trabalho uma discussão mais aprofundada a respeito da teoria da dependência, suas propostas, críticas, limitações. O objetivo desta pequena abordagem é a inserção deste marco teórico na compreensão da estrutura latino-americana, vez que os respectivos autores da criminologia crítica, já citados nesta pesquisa, em muito se utilizam de alguns dos seus pressupostos para compreender as particularidades do controle social dessa região. Em sendo assim, a fim de proporcionar uma análise metodológica adequada do presente contexto globalizado, a exposição desses pressupostos se faz necessária para a compreensão das formas do controle social atual. Não se nega, por óbvio a estrutura de dependência política e econômica da América Latina em termos gerais. Entretanto, as explicações dessa dependência já não se assentam única e exclusivamente nos fatores salientados pelos dependentistas. Entre algumas limitações dessa matriz teórica, são apontadas: a relativização dos fatores internos de cada país; o economicismo na periodicização e na definição das estruturas; a inexistência da análise das classes, da exploração do trabalho assalariado e dos conflitos internos das sociedades latino-americanas. Esse marco teórico procurava deduzir toda a história latino-americana da oposição centro-periferia ou capitalismo clássico-capitalismo dependente. 76 SINGER, Paul. O Brasil no limiar do terceiro milênio. Estudos Avançados, São Paulo, Vol.14, nº38, p. 247259, jan/abril 2000. p. 248. Na concepção de Singer, a globalização é compreendida como um fenômeno 38 Até a década de 70, os países do núcleo orgânico, praticando a política do pleno emprego, privilegiaram em grande medida o capital produtivo, pois trabalhavam com taxas de juros baixas (os juros altos, ao contrário, são fundamentais para a reprodução do capital financeiro) e subordinavam o capital financeiro às diretrizes e planos nacionais. Entretanto, a crise do petróleo e do Estado de bem-estar, deflagrando uma alta da inflação na década de 70, possibilitaram a expansão de uma política neoliberal correspondente aos interesses da globalização econômica que se colocava em curso. Neste processo houve a formação de uma classe hegemônica denominada por Singer como burguesia rentista. Essa nova burguesia passou a ser constituída pelos grandes detentores do capital financeiro, que “exercem profissionalmente a especulação financeira”. Segundo o autor, esse grupo: (...) até a década de 70 teve de se submeter, conjuntamente com o capital financeiro, às diretrizes das autoridades monetárias e aos planos nacionais de desenvolvimento, liderados, freqüentemente, pelas empresas de serviços de infra-estrutura, inseridas em sua maioria no setor produtivo estatal. A partir de então, a burguesia rentista passou a gozar de cada vez mais liberdade para movimentar seus capitais entre países e setores, e antigo, que se desenvolve enquanto característica intrínseca ao desenvolvimento do capitalismo. Contudo, no presente trabalho, o termo globalização econômica é entendido enquanto fenômeno recente, característico do período do capitalismo financeiro. 39 assim adquiriu uma arma fatal – a fuga de capitais – para punir os governos que contrariassem seus interesses e/ou ideais. ( SINGER, 2000. p. 248-249.) É nesse novo contexto de reestruturação do capital que se insere o Brasil, enquanto país da ordem periférica e marginal de poder. E embora ele tenha se demorado politicamente a adotar todo o receituário neoliberal77, que atingiu sua completude na década de 90, com o Governo Collor, sua posição econômica no panorama global teve repercussão desde o início deste processo. O País tornouse, portanto, vulnerável à grande flutuação do capital financeiro que tem como objetivo a maior circulação com custo zero. O que significa que ele busca tanto mercados de trabalho em que o nível de extração de mais-valia seja mais intenso, quanto planos fiscais vantajosos. Nesse sentido, não há como negar que as multinacionais, grandes detentoras de capital financeiro, buscam investir em países periféricos que lhes ofereçam maiores possibilidades de lucro. Entretanto esse investimento representa mais uma extração de valor do que qualquer tipo de transferência de controle, de pesquisa tecnológica ou planejamento estratégico 78. Pode-se dizer que os países periféricos são hoje o grande galpão de produção das multinacionais que guardam seus gabinetes e seus grandes lucros nos países do núcleo orgânico. Pois em nada modifica a estrutura dependente de países 77 As idéias que compuseram a política neoliberal - que atingiu seu ponto propulsor máximo com o Consenso de Washington, impondo uma “nova ordem mundial”, em novembro de 1989 - surgem a partir do final da Segunda Guerra Mundial e tem como marco a obra de Friedrich Hayek, “O caminho da servidão”. Posteriormente, fundou-se a Sociedade de Mont Pèlerin, que teve como um dos integrantes, Karl Popper, que preparou as bases políticas para um novo capitalismo, sustentando a idéia de que a desigualdade era um valor positivo, imprescindível às sociedades ocidentais. Finalmente, em 1989, liderado por Margaret Tatcher e Ronald Reagan, impôs-se o receituário neoliberal aos países subdesenvolvidos, qual seja: a contenção de gastos públicos bem como a redução drástica do Estado; a máxima abertura das importações e a entrada do capital de risco. 78 Cf. SINGER, Paul. O Brasil no limiar do terceiro milênio, jan/abril 2000. p. 250-255. 40 como o Brasil, se não se pode afirmar, de modo mais contundente, que essa dependência em verdade se agrava, especialmente em decorrência do aumento vergonhoso da dívida externa a partir da política da alta taxa de juros (funcional ao capital financeiro), e conseqüentemente, do agravamento das desigualdades sociais. Não é incorreto afirmar, pois que concomitante ao processo de globalização econômica, se estende o processo de desigualdade e crises79. Assim, afirma MELLO: “com ela, reacendem-se, pari passu, as crises de caráter mundial, as epidemias de superprodução e de subconsumo; projeta-se o desemprego estrutural, a massificação da miséria, da fome, da violência e da exclusão social”80. Os países ricos, que representam 15% da população mundial, controlam mais de 80% do rendimento global. Estabelecendo esses dados em termos populacionais, os 20% mais pobres dispõem de apenas 0,5% do rendimento mundial, enquanto os 20% mais ricos dispõem de 79%.81. E ainda, nessa desigual distribuição de renda e poder, estão presentes as grandes corporações transnacionais. O levantamento do Institute for Police Studies, Top 200: The Rise of Corporate Global Power 2000, informa que, ‘das maiores cem economias do mundo, 52 agora são corporações, apenas 48 são países’. A pesquisa mostra o pódio das maiores: ‘A Mitsubishi é a 22º maior economia do mundo. A General Motors é a 26º. A Ford 79 Os próprios órgãos representantes do poder admitem essa conseqüência da globalização. “(...) o Banco Mundial declarava em 1999: ‘a globalização parece aumentar a pobreza e a desigualdade (...). Os custos de ajustamento para a maior abertura são suportados exclusivamente pelo pobre.’ A ONU dizia no mesmo ano: ‘O processo (globalização) está concentrando poder e marginalizando o pobre.’”(KALILI, Sérgio. O levante da juventude. Caros Amigos, São Paulo, ano VI, nº64, p.32-37, julho 2002. p.32.) 41 é a 31º. Todas são economias maiores do que a Dinamarca, Tailândia, Turquia, África do Sul, Arábia Saudita, Noruega, Finlândia, Malásia, Chile e Nova Zelândia’. O mesmo estudo contabilizava que ‘em 1999 o valor de vendas das corporações General Motors, Wal-Mart, Exxon Móbil, Ford Motor e DaimlerChrysler, em separado, foi maior que o PIB de 182 países’ (KALILI, 2002. p.36.) A miséria tem se massificado em todas as latitudes e longitudes do planeta, diz-se pois, que a miséria também se globalizou. Para sustentar essa afirmação MELLO demonstra que “em Nova York, as pessoas marginalizadas vivendo em becos, pontes e parques chegam, hoje, a 10% da população total da cidade, muitas vezes sob condições materiais e expectativa abaixo do nível da Somália.”82. Contudo, embora se possa afirmar, com sérias ressalvas que “o longo ciclo da modernização do mundo parece estampar, nas últimas escalas de sua viagem secular de ocidentalização, nada mais que nichos de desenvolvimento (distribuídos mais ou menos em todas as latitudes e longitudes do planeta), cercados de oceanos de miséria por todos os lados”83, neste trabalho faz-se questão de reivindicar e ressaltar a condição periférica de estruturas de poder globalizado. Ou seja, malgrado análises que compreendam o mundo globalizado enquanto uma rede integrada que reproduz o contraste entre riqueza e miséria por toda a sua estrutura, em espaço macros e micros, é importante que se 80 MELLO, Alex Fiúza de. Marx e a globalização. São Paulo: Boitempo, 1999. p.260. MELLO, Alex Fiúza de. Marx e a globalização, p.260. 82 MELLO, Alex Fiúza de. Marx e a globalização, p.260. 81 42 preserve a noção de condição periférica de algumas regiões do planeta, sem relativizar geograficamente, em termos absolutos, a desigualdade. Com isto, não se pretende negar que internamente a América Latina, enquanto inserida em uma estrutura de poder marginal, não reproduza relações de colonialismo com seus centros hegemônicos. Apenas se ressalta a importância de se visualizar a sua posição em um panorama político-econômico global. Nesse sentido, pode-se compreender a sua condição e reprodução de dependência e de agravamento de sua miséria e violência estruturais84. Pois é diante do aumento do fosso de desigualdades no processo de globalização econômica que se pode depreender as elevadas taxas de exploração do trabalho, sobretudo nos mercados emergentes da periferia. Como exemplo da existência desses paraísos subdesenvolvidos avidamente procurados por empresas transnacionais, pode-se citar o caso de empresas norte-americanas recentemente instaladas na região norte do México que paga aos seus trabalhadores 7% do salário pago aos empregados das mesmas empresas existentes em território estadunidenses, que exercem as mesmas funções que aqueles85. Nesse sentido: 83 MELLO, Alex Fiúza de. Marx e a globalização, p.262. Nesses termos, “o Banco Mundial reconhece que ‘existem mais de 100 milhões de pessoas pobres nos países em desenvolvimento do que uma década atrás’, sem contar a China”. (KALILI, Sérgio. O levante da juventude, julho 2002, p.34). A importância da reafirmação de uma unidade latino-americana se deve especialmente à sua validade enquanto um conceito operacional que possibilita, por um lado, a produção de conhecimento a partir da, e não para a, realidade de poder marginal, e por outro lado, o direcionamento de políticas e ações conjuntas enquanto bloco referencial nas relações mundiais de poder, resguardados, por óbvio, as particularidades e diversidades de cada país. 85 MELLO, Alex Fiúza de. Marx e a globalização, p.262. Ora, “em 1997, a Confederação Internacional de Sindicatos do Livre Comércio denunciou o regime de quase escravidão instaurado em algumas regiões depois dos acordos de livre comércio. Diz a Confederação: ‘A marca registrada da globalização econômica tem sido a Export Processing Zone, conhecida na América Central e México como maquiladoras. Esses novos campos de concentração permitem que companhias estrangeiras produzam com isenção de impostos, leis ambientais e trabalhistas. Uma média de 80% dos trabalhadores, nessas zonas, são mulheres. A disciplina é severa e arbitrária e a violência sexual é comum.’’” (KALILI, Sérgio. O levante da juventude, p. 35). 84 43 (...) as estatísticas oficiais revelam que, ao lado do desemprego industrial subempregados, de em massa, trabalhadores cresce o número precarizados de (pela ‘flexibilização’), de biscateiros, de trabalhadores diretos sem vínculos trabalhistas, da utilização de mão-de-obra infantil, numa nova e global onda de lupemproletarização (MELLO, 2000, p.263) Sob este panorama da globalização econômica, a política neoliberal adquire também contornos próprios. Ao Estado, desprovido, em grande medida, de seu poder tanto econômico quanto político, coube a promoção do incentivo e a imposição da obrigação do trabalho precário e miserável86. Diante do grande contingente excluído, essa obrigação costuma ser mais facilmente acatada. Assim como, para o mercado financeiro, que detém o poder de investimento de que necessita o Estado, é essa política que lhe convém para seguir sua reprodução a custo mínimo. E caso não seja ela suficiente, tem como instrumento mortal de pressão, a retirada do capital flutuante. Essa sociedade deixa de ser marcada pela predominância da produção, ao qual corresponderia o capital produtivo, tomando como lócus central o consumo, por isso a denominação, sociedade do consumo87. A essa nova conformação correspondem novas variáveis que identificam a estratificação social: a mobilidade x imobilidade. No topo dessa estrutura social estão aqueles que têm a 86 Sustentando essa tese, Wacquant afirma que há a passagem do Welfare ao Workfare, através da “instituição do trabalho assalariado forçado em condições que ferem o direito social e o direito trabalhista para as pessoas ‘dependentes’ das ajudas do Estado.” (WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria.Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p .43) Para sustentar essa proposição, o autor analisa especialmente os estados europeus ocidentais com tradição do Estado do Bem-estar social. Portanto, essa passagem deve ser vista com ressalvas em se tratando de países como o Brasil, que não se pode propriamente remeter a uma existência histórica de um Estado provedor. 44 possibilidade, decorrente de sua condição financeira, de superarem as limitações de espaço e tempo, já que possuem ao alcance das mãos os avanços tecnológicos de comunicação e transporte. Essa mobilidade corresponde também à característica essencial do capital atual, a qual o possibilita desonerar-se das responsabilidades, vez que têm a total liberdade de moverem-se, através de investimentos e retiradas de capital de países, de acordo com as vantagens que lhes ofereçam o mínimo de contrapartidas. Do outro lado da estrutura, está-se pois, decorrente do agravamento da polarização, grande parcela da população condenada à restrição do espaço e à impossibilidade de movimento territorial ou mesmo virtual88. Assim, enquanto os primeiros são consumidores, que servem ao funcionamento e reprodução da sociedade, esses últimos, embora aspirem ao consumo, já que estão inseridos em uma sociedade consumista, não podem fazêlo, quedando imóveis e à margem das conquistas mundiais da “humanidade”. Delineia-se, assim, uma nova dicotomia, representada pelos signos excluídos/incluídos. Configura-se um universo que não se constitui simplesmente pela oposição entre exploradores e exploradores, mas antes se faz presente a dicotomia entre incluídos e excluídos, sendo esses últimos, aqueles que desejam ser explorados para assim ter um acesso mínimo ao consumo, de cujo processo estão à margem89. Eles representam o excesso de mão-de-obra que já não pode 87 Sobre uma análise original da sociedade de consumo, referência para os estudos posteriores, cf. BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1975. 88 Essa tese da variável mobilidade/imobilidade enquanto determinante da estratificação social do mundo globalizado é sustentada por BAUMAN. Embora ele afirme tratar de uma nova hierarquia social, compreende-se que é mais adequado entender o agravamento dessa estratificação a partir das variáveis apresentadas pelo autor, vez que, em termos gerais, a hierarquia social permanece sendo a mesma: de um lado aqueles que possuem maiores condições econômicas (que nos tempos globalizados correspondem aos que podem consumir intensamente e mover-se livremente) e aqueles que estão achatados na pirâmide econômica. Para se aprofundar neste tema, cf. BAUMAN, Zygmunt. Globalização. As conseqüências humanas, 1999. p.77-84;87-97. 89 Esse excedente já não representa uma espécie de regulador do mercado de trabalho, necessário à acumulação do capital através do aumento da exploração da mais-valia absoluta. A quantidade da força de trabalho jogada ao círculo do desemprego estrutural é excedente em relação à própria necessidade do 45 ser incorporada ao mercado de trabalho, tendo em vista que a produção, sob os auspícios das conquistas tecnológicas, absorve pequena quantidade, mesmo que em grandes produções90. É esse arsenal de força de trabalho, por assim dizer, descartável, que é “empurrada” a um mercado informal, ao subemprego e à superexploração. Quando não consegue nem ascender esse círculo, a ele são projetadas formas diversas de contenção, a que Zaffaroni denomina de projeto genocida. A responsabilidade por este projeto pertence ao sistema penal institucional e especialmente subterrâneo, quando se está a referir à América Latina91. A contraface desta criminalização da exclusão social é justamente, pois, a normatização do trabalho precário92. “Não basta mais ao capitalismo, na sua forma moderna de neoliberalismo, a expropriação do trabalho, a dominação do corpo, o controle absoluto do tempo e da vida. Agora, a economia de mercado. Nesse sentido, são eles mesmo excluídos do processo de reprodução do capital, e porque não dizer, do próprio pacto social. Não possuem perspectiva de virem a compor o quadro dos explorados. Cf. análise da dialética incluídos/excluídos em ZAFFARONI, Raul Eugenio. Globalização e sistema penal na América Latina: da segurança nacional à urbana. Discursos Sediciosos. Crime, Direito e Sociedade, Rio de Janeiro, Ano2. nº4, p. 25-36, 2ºsem. de 1997. p.35-36. 90 Afirma BAUMAN que “Hans Peter Martin e Harald Schumann, especialistas em economia da revista alemã Der Spiegel, calculam que se a tendência atual persistir irrefreada, 20% da força de trabalho global (potencial) bastará ‘para manter a economia funcionando’ (o que quer que isso signifique), o que tornará economicamente supérfluos 80% da população mundial capacitada.” (BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p.27). 91 Na análise de autores como Wacquant, Bauman e Christie, relativamente à relação entre a sociedade atual, sob o impacto polarizador da globalização econômica, e o sistema punitivo, a instituição central focalizada é o cárcere. Assim, embora estabeleçam a relação entre o controle da miséria e o Estado Punitivo, nas palavras de Wacquant, tem-se como elemento principal de controle a prisão. Entretanto, Bauman e Wacquant divergem no tocante à função atual do cárcere. Bauman entende que não se está diante de um panoptismo renovado, vez que, para ele, atualmente, a função do cárcere deixa de ser a disciplina, para tornar-se propriamente o isolamento e a imposição da imobilidade aos excluídos. Já para Wacquant, o cárcere, em conjunto com o serviço social, sendo esse relativo à política européia, guarda, ainda que em menor medida, a função disciplinar, exerce a função de apoiar a disciplina do trabalho assalariado de miséria, produzindo mão-de-obra submissa a essas condições (Cf. BAUMAN, Zygmunt. Globalização. As conseqüências humanas, 1999, p.113-126; WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria, 2001. p.96-104). Importa, entretanto, ressaltar que no funcionamento do controle penal correspondente à estrutura de poder periférica da América Latina, a extensão do controle não institucionalizado é muito grande. De forma que não se pode afirmar com precisão que o cárcere ocupe atualmente um papel preponderante na sociedade periférica globalizada. Nesse sentido, faltam estudos empíricos que confirmem ou refutem a hipótese. 46 mercado aberto – que se torna fechado para a grande maioria da população mundial – dependerá, para sua sobrevivência, da exclusão absoluta dessa maioria. É a firma da produção de morte.( VERANI, 1996. p.137.) Sob este signo, o poder punitivo, em especial nas sociedades periféricas, manifesta-se nos mesmos termos que em momentos anteriores, qual seja: o controle social das camadas marginalizadas dos benefícios produzidos. Em específico, os excluídos. Os meios empregados são especialmente os não institucionalizados, tais como a tortura, o desaparecimento, o homicídio; e as agências executivas são normalmente as agências policiais ou militares93. Ora, neste sentido, está latente a existência de uma grande margem do controle punitivo parainstitucional, funcionalizado em termos mais violentos, posto em marcha no processo atual. Sob esta perspectiva, está-se a confirmar a hipótese da relação entre mercado de trabalho e práticas punitivas, vez que os castigos mais severos e as táticas punitivas estão relacionados ao excesso de mão-de-obra94. Nesse passo, DOS SANTOS, ao analisar a obra “Punição e Estrutura Social” afirma que a relação se estabelece entre a intensidade e o sistema punitivo relativamente ao mercado de trabalho, de modo que havendo excedente de força de trabalho não há preocupação em preservá-la. Como 92 Cf. WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria, 2001. p.18-19. ZAFFARONI, Raul Eugenio. Globalização e sistema penal na América Latina: da segurança nacional à urbana, 1997. p.32-33. Não se pretende afirmar que apenas o controle punitivo das sociedades periféricas se dirige ao controle dos marginalizados. Sabe-se, por certo, que essa é a função latente dos sistemas penais modernos de modo geral. Todavia, o que se pretende especificar é o grau de violência característico dos sistemas periféricos. 94 Wacquant refere-se explicitamente à tese dos frankfurtianos Rusche e Kirshheimer para referendar a relação entre mercado de trabalho e índice de encarceramento. (WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria, 2001. p.96-97; p.106). Todavia, sua interpretação faz-se estritamente em relação à prática punitiva da pena 93 47 conseqüência, a punição pode assumir formas de castigos físicos, destruição e extermínio95. Há, portanto, uma interação entre o controle do mercado globalizado, que produz a exclusão em grande escala e agrava a desigualdade, e o controle punitivo, que tem como função controlar esta camada marginalizada, a fim de que ela não prejudique a contínua reprodução do capital. É sob essa lógica que se contextualiza, de modo particular, a relação entre mercado de trabalho e prática punitiva, descrita acima. Completa-se assim o quadro proposto neste item. Da emergência histórica e social do controle punitivo latino-americano inferem-se suas características estruturais próprias de sua estrutura material, especialmente: o seu funcionamento violento, a distância entre discurso racionalizador e sua operacionalização, e a presença de um controle subterrâneo composto por práticas não institucionais. Ora, seguindo a hipótese de que o controle penal constitui-se em consonância às relações de produção existentes, e tendo em vista que o desenvolvimento do capitalismo nessa região não acompanha a uniformidade de um capitalismo central, explicam-se as particularidades estruturais do controle punitivo latino-americano. privativa de liberdade. Como sustentado anteriormente neste trabalho, a hipótese dos autores suplanta a relação entre cárcere e mercado de trabalho, referindo-se antes aos sistemas punitivos de modo geral. 95 DOS SANTOS, Juarez Cirino. Criminologia Radical, 1981. p.42. 48 V- CONSIDERAÇÕES FINAIS “O que fazer?” Essa é a pergunta que ecoa quando da construção do conhecimento se pretende passar à militância política, em virtude da perplexidade frente à realidade expressa pela teoria que desmistifica lugares-comuns e ordens estabelecidas. A pergunta imortalizada por Lênin96, repete-se seguidamente, sempre que se desvelam situações e estruturas de poder. Assim, as obras de Criminologia Crítica são exemplos recheados por esta questão fatal. Pois bem se sabe que produzir conhecimento crítico e desconstrutor por si só não altera a realidade material. É indispensável, porém não suficiente. Mas seduzidos pela urgência a que remete a pergunta: “que fazer?”, espera-se sempre, ao fim dos trabalhos que se propõem críticos, uma resposta. Paradoxalmente, muitas vezes, essa urgência, atropela a pergunta, e é exigida antes dela. Constrói-se levianamente, desse modo, o pragmatismo corrente da atualidade. O pragmatismo que produz mais violência do que a que pretende solucionar. BAUMAN, remetendo-se ao pensamento de Castoriadis, salienta que o problema da civilização moderna é que ela parou de questionar-se.97 Ora, mas uma vez problematizadas algumas questões, pode-se ser acusado de leviano o fato de se eximir da construção de respostas. Todavia, respostas não são receitas e devem ser compreendidas em sua complexidade. Só assim não há a rendição à facilidade dos espetáculos, que oferecem soluções simples e rápidas, muito próximas das fórmulas repetidas pelos controles punitivos, mas que entretanto, só satisfazem aos olhos urgentes daqueles que se 96 LENIN, Vladimir Ilitch. Que fazer? As questões palpitantes do Nosso Movimento. São Paulo: Hucitec, 1988. 97 BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p.14. 49 preocupam “humanitariamente” pela dor alheia. E que ao contrário, têm muitas chances de agravar a dor que se pretende curar. Pois bem, no decorrer deste trabalho algumas considerações, por certo provisórias, foram tecidas, sobre o processo de criminalização através da Criminologia Crítica, e sobre esta estrutura periférica na América Latina. Essa estrutura periférica, na qual se insere o Brasil, mantém sua relação de subordinação e exploração no contexto mundial da economia globalizada. Neste processo, advindo da reestruturação do capital na década de 70, o controle do mercado, dominado então pelo capital financeiro, vem produzindo a desregulamentação do trabalho, o desemprego estrutural, e por conseqüência, a superexploração da mão-de-obra, que se apresenta de forma abundante aos postos de trabalho formais e informais. Na perseguição do objetivo de circulação do capital a custos mínimos, o mercado, enquanto mecanismo de controle social, acaba por produzir relações de produção não-capitalistas, inseridas no processo de reprodução ampliada do capital. É urgente, que se estabeleçam e se ventilem discursos que façam frente à política atual que convive com um Estado social mínimo e um Estado punitivo máximo, promovendo políticas criminais genocidas como resposta à grande parte da população que se encontra absolutamente excluída de um pacto social construído sob as bases da desigualdade, da dominação e das relações hierárquicas. Ora, esse é um bom exemplo em que se segue a pergunta: “que fazer?”. Contudo, muito embora se considere a necessidade de se pensar alternativas e projetos para tal realidade, não se compartilha aqui da perspectiva da elaboração de um receituário de política-criminal pronta a solucionar esta questão. É 50 justamente para afastar esse simplismo perigoso que se busca compreender os “mecanismos repressores”, e é, por conseguinte, esta mesma estrutura, o local de produção das alternativas e dos projetos requisitados. Considerando a questão em sua complexidade, a abordagem do tema neste trabalho é muito limitada. Ficam ainda entreabertas muitas questões, dentre as quais, principalmente, a relação contemporânea entre o espaço estatal e o espaço do mercado na delimitação do processo de criminalização. Inicialmente é possível vislumbrar que o mercado ocupa lugar central no cenário da constituição do controle punitivo na América Latina, sobrepujando as diretrizes e normas estatais. Cabe, pois, indagar alguns pressupostos fundadores da sociedade moderna, tais como o monopólio estatal da violência legítima. Contudo não parece ser que nesse movimento pendular e confuso entre Estado e mercado esteja uma possível solução ao problema apresentado. Ao menos não nos termos em que habitualmente se expõe a questão, qual seja, a reivindicação pura e simples do controle penal estatal. Ora, a intervenção do Estado em seu viés preponderantemente punitivo e formalista enquadra-se em uma daquelas respostas que satisfazem apenas aos espectadores da dor alheia. Explica-se: a organização da justiça, tal como se apresenta, não é capaz de subverter o processo de criminalização. Não se pretende, por óbvio, defender a ausência do Estado. Antes, o que se quer é demonstrar que a interferência da justiça, especialmente a criminal, perpetrada nos moldes “salvacionistas”, produz mais violência, ao ignorar o sujeito vitimado, do que pretende resolver. Nesses termos, ela é representante legítima da essência da civilização humanitária, que tem como fundamento não 51 apenas fazer o bem , mas fazê-lo através da manifestação de poder. Ou seja, trata-se de fazer o bem, contraditoriamente, por meio da opressão. Nesse passo, um conhecimento crítico deve buscar antes apoiar políticas de inclusão, as quais, por sua vez, não podem ser generalizáveis, mas antes construídas politicamente pelos sujeitos coletivos. Portanto, substitui-se o movimento pendular e autoritário entre Estado e Mercado por um canal de construção democrática dos sujeitos políticos em espaços públicos não-estatais. Todavia, pensar politicamente a composição de conflitos não significa ignorar a existência do Estado, mas antes democratizá-lo. Se estamos assistindo ao espetáculo do crescimento dos dispositivos penais, se no neoliberalismo o Estado Social se transforma no Estado Penal; se estamos assistindo ao encarceramento do que se auto-intitulou “ mundo livre”, então estamos falando de uma trincheira muito importante para os embates pósmodernos: o direito e seus intelectuais. É no front da questão criminal que está ocorrendo a principal luta política; a discussão da segurança pública é o grande palco da construção do poder, porque é aí que o neoliberalismo faz água, é aí que está a contradição fundamenta, como dizia o imprescindível Marx. Neste combate, os advogados, delegados, juízes, promotores que emprestarem sua energia para conter e deslegitimar a máquina mortífera, o sistema penal, esses estarão demolindo os sustentáculos do Admirável Mundo Novo. Essas considerações incipientes, que apontam de modo muito vago, para alguns caminhos, trazem consigo o peso da consideração dos conflitos em sua complexidade, sem abandonar entretanto, a possibilidade de projeções políticas. Está lançada desse modo, a responsabilidade a cada cidadão na construção conjunta das respostas possíveis. 52 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Cidadania: do Direito aos Direitos Humanos. São Paulo: Acadêmica, 1993. ______. Do paradigma etiológico ao paradigma da reação social: mudança e permanência de paradigmas criminológicos na Ciência e no Senso Comum. Seqüência, Florianópolis, Ano 16, nº30, p.24-37, junho de 1995. ______. Dogmática Jurídica: escorço de sua configuração de identidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. ______. A Ilusão de Segurança Jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. ARAÚJO, Inês Lacerda. Foucault e a crítica do sujeito. 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