Ética e Conduta do Mediador
Henrique Araújo Costa
O presente texto pode trazer remissões não familiares a operadores do direito,
principalmente àqueles iniciantes nessa arte. Ainda assim valem, como estímulo para os
interessados, e não prejudicam aos que não nutrem interesse por essa abordagem ao direito.
Mesmo porque, se de outra forma fosse, seria contrariar as convicções do autor e não
estimular uma área tão carente de estudos, que é a ética inserida nos métodos alternativos de
resolução de conflitos.
Não há como se esquivar da definição da ética inserida nesse ramo do direito.
Resumidamente, podemos dizer que o ideal de justiça ao qual habitualmente nos remetemos
não corresponde àquele a ser buscado na mediação. Isso porque a mediação não impõe uma
decisão fundada na justiça - a decisão é das partes. Assim, o arcabouço valorativo,
determinante para um juiz, não tem para o mediador tamanha importância, visto que a justiça
buscada pelo juiz é, digamos, substituída por um mero estabelecimento de situações
satisfatórias para as partes. De modo que a ética do mediador deve se resumir a determinar
sua conduta guiando à autocomposição.
Resta claro que na mediação não se busca a justiça em seu conteúdo tradicional (fundada
em valores universais), mas sim a justiça determinada pelas próprias partes. É nesse delicado
papel que atua o mediador e a consciência disso basta, àqueles que não se interessam por
maiores divagações filosóficas, para uma leitura proveitosa da conclusão deste capítulo, cujo
título é: Linhas Básicas de um Código de Ética. Já, para aqueles que desejem ter uma visão
mais ampla do tema, recomendamos antes a leitura também dos itens seguintes.
Ética e Justiça
O estudo da ética na conduta profissional pode ter diferentes enfoques. Um deles segue a
linha de que o descobrimento dessas questões - e suas soluções - deve surgir no decorrer da
carreira, sem reflexão anterior. Em contraste, opondo-se à ausência de reflexão, há quem
defenda o ensino da ética pelo estudo de regulamentos que aconselhem o profissional sobre
como proceder frente a determinadas situações.[1]
Enquanto a primeira posição parece negar utilidade ao estudo da ética, a segunda parece
ignorar o que é a ética. Como ambas as posições marginalizam a possibilidade de uma
discussão com algum grau de profundidade, precisamos escolher outro caminho. Se
desejamos entender o problema da ética na mediação, precisamos fazer algo mais do que
esperar pela experiência ou ler regulamentos. Iniciaremos, então, discutindo ética e justiça a
fim de estabelecer bases para uma discussão fundamentada. A ética[2] está ligada à busca da
justiça? "Uma decisão justa sobre reparação ou distribuição pressupões sempre um pano de
fundo moral, isto é, regras morais existentes ou fatos moralmente relevantes em
consideração aos quais a decisão possa ser justa [...]."[3]
O que seria, então, justiça? Seguindo a definição platônica, uma ação é justa quando dá a
cada um o que merece. Deste modo, toda justiça parece estar referida ao mérito, motivo pelo
qual haveriam de ser considerados os direitos de todos os que são atingidos por essa ação.
Tudo indica que essa definição se afina com a ideia aristotélica da justiça retributiva, segundo
a qual uma situação moral ou jurídica que foi tirada do equilíbrio tem de ser restabelecida por
meio de uma pena.
Seria esta justiça a ser buscada na mediação? Parece que essa justiça busca a punição para a
intimidação, e não por merecimento da pena. O próprio Aristóteles nos dá a saída para esse
problema pela sua idéia de justiça distributiva. Segundo essa definição, a justiça seria
alcançada por uma transação bilateral de pretensões recíprocas quanto a danos a serem
reparados por uma das partes.
O problema parece residir, então, em estabelecer onde estaria este equilíbrio que tornaria
partes iguais. Seguindo a idéia aristotélica, o igual caberia aos que merecem igualmente,
sendo injusto distribuir igualmente entre aqueles que merecem o desigual.
Para Rawls, tal igualdade é encarada como situação padrão, que pode ser desfeita somente se
houver motivos relevantes para tanto. É por isso que Rawls não admite a concepção
aristotélica de que se deve fundamentar o porquê das pessoas serem iguais (discriminação
primária, ou seja, divisão em classes, dentro das quais todos são iguais), o que resultaria
numa imposição arbitrária de mera autoridade
Partindo do princípio que se deve provar o porquê das pessoas não serem iguais, deve haver
perspectivas de distribuição realmente fundamentadas, chamada por Rawls de discriminação
secundária. O autor propõe que a desigualdade pode ser observada pelos critérios: (i)
necessidade; (ii) desempenho; ou (iii) direito adquirido.
"[P]ode-se ilustrar isto preliminarmente uma vez mais mediante o exemplo da divisão da torta.
A mãe que ama e respeita igualmente todos os seus filhos pode, não obstante, entender
como justo na divisão da torta que aquele que tem fome receba mais, e do mesmo modo
outras razões podem ser para ela razões para uma divisão desigual justa.
Há em especial três perspectivas de distribuição desigual secundária fundamentada, que
desempenham um papel na discussão sobre a justiça e são mencionadas como padrão de
medida da distribuição em lugar da igualdade: necessidade (a criança faminta), mérito em
sentido mais estrito (desempenho), direitos adquiridos (a promessa da mãe)."[4]
Isso leva a crer que a fundamentação prometida por Rawls não procede, visto que o critério da
(i) necessidade é insitamente subjetivo; o do (ii) desempenho parece se confundir com o da
utilidade; e o do (iii) direito adquirido não demonstra nenhuma fundamentação plausível.
Além disso, todos os conceitos apresentados trabalham com uma idéia de justiça imposta, o
que não se aplica à mediação.
[1] Essa distinção é proposta por Deborah L. Rhode (Prefácio, p. 29), que encontra, assim
como Hazard e Koniak, a solução para esse estudo aplicando a teoria à análise de casos.
Parece não ser essa a melhor opção, pelo menos para nós, que não estamos acostumados ao
estudo de casos, em vista da nossa tradição romano-germância, e não de common law, como
é o caso dos autores mencionados.
[2] Definida como o estudo da moral.
[3] Essa questão, assim como a discussão apresentada, guia-se pela Décima Oitava Lição da
obra de Tugendhat, denominada Justiça, cujas citações têm as seguintes fontes: Platão (A
República, Livro I, 331e, 332b-c); Aristóteles (Ética a Nicômacos, 1131als); John Rawls (A
Theory of Justice, Harvard University Press, 1971); e Bruce Ackerman (Social Justice in the
Liberal State, Yale University Press, 1980).
[4] Tugendhat (pp. 406-407).
Ética e Ética Profissional
A ética é tida normalmente como o estudo da moral e, por sua vez, a moral se faz dos
princípios universais do que é certo e do que é errado. Uma das dimensões do seu estudo - a
ética profissional - é a aplicação de todos os princípios morais ao exercício profissional. Essa
seria uma definição ampla do assunto.[1] Noutro sentido, todavia, ela envolve somente a
regulação da atividade profissional e sugestão de regras de conduta.[2]
É principalmente sobre este último sentido que nos debruçaremos neste estudo. Nosso
principal objetivo é sugerir linhas de conduta para o mediador, retiradas do senso restrito da
ética profissional. Isso porque buscamos neste trabalho, com base na produção legislativa
comparada, condensar experiência e tornar mais seguras as decisões do mediador sobre
como se comportar. Ainda assim, não poderemos deixar de lado algumas considerações
sobre a ética profissional num sentido mais abrangente.
A primeira delas é que a mediação também é arte - não só processo - e, por isso, não cabe na
redução fragmentária da vida às regras. O mediador trabalha pessoas - não só problemas - e
junto delas é que o mediador deve atuar para que elas se compreendam e encontrem sempre
a solução por si mesmas. Isso é o que há de mais verdadeiramente alternativo e mais belo nos
métodos alternativos de resolução de conflito.
[1] Deborah L. Rhode (p. 12).
[2] Volnei Ivo Carlin (p. 127).
Ética Profissional e Código de Ética
Em qualquer dos sentidos que tomarmos a ética, seu estudo não teria interferência na
concepção pessoal dos valores morais. Além disso, alterar os valores não significa alterar a
conduta - tendo em vista que a ela é determinada por vários fatores, não só pela moral. A
conduta é fruto também da educação que recebemos, das opiniões pessoais e da
conveniência, o que dissolve a culpa em relação a determinada prática.
Ante essa situação, um senso utilitarista justificaria a elaboração de um código de ética por
acreditar isso estimularia o desenvolvimento de um esforço uniforme e coletivo - certamente
mais produtivo que meras elucubrações teóricas.[1]
Não é essa nossa posição. Essas posturas têm uma visão simplista do estudo da ética,
tratando apenas e diretamente da conduta. O problema é que, vez determinada a conduta, o
universo humano está escondido atrás dela.
A ferramenta utilizada para tanto é o código de ética, que, ainda assim, será utilizada também
por nós. Não por ignorar que ela simplifica os valores morais, mas por acreditar que se deve
tomar o primeiro passo para o seu estudo analisando a ética profissional, num sentido
restrito, na tentativa de transmitir experiência, se é que isso é possível. Ainda assim, vale de
referência para um primeiro contato com a mediação e, principalmente, para despertar a
avaliação crítica das condutas sugeridas.
A promoção dessa consciência se faz especialmente importante porque na mediação,
diferentemente do processo judicial, há uma enorme flexibilidade substantiva e processual,
permitindo que seus moldes sejam dados pelas posturas do mediador e, secundariamente,
das partes.[2] Aí reside a importância de se refletir sobre as condutas do mediador, pois
muito da mediação dependerá da abordagem que os participantes tiverem dos valores e da
visão que eles tiverem da mediação.
No próximo tópico, identificamos três posturas que podem nos auxiliar a entender qual é a
finalidade da mediação. Porém, antes de prosseguirmos reafirme-se que o código de ética só
é compatível com o sentido que emprestamos à ética profissional para fim deste trabalho, seu
sentido estrito. Caso não fosse feita essa ressalva, seria defensável, então, dizer que essa
expressão - código de ética - constituiria em si mesma uma contradição, pois a censura da
ética deve vir do próprio indivíduo e não de um padrão heterônomo estabelecido de conduta.
[1] Deborah L. Rhode (p. 18).
[2] Entendida a diferença existente entre mediação e outros processos, principalmente o
judicial, vale consultar a legislação concernente à ética nas seguintes profissões:
Advogado: Lei 8.906, Estatuto da OAB, de 4 de julho de 1994; Código de Ética e Disciplina da
OAB, de 1º de março de 1995; Resoluções e Provimentos da OAB; Lei 1.060, de 5 de fevereiro
de 1950; Lei 7.346, de 22 de julho de 1985; lei Complementar 73, de 10 de fevereiro de
1993; e Lei Complementar 80, de 12 de janeiro de 1994.
Magistrado: Lei Complementar 35, de 14 de março de 1979.
Representante do Ministério Público: Lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993; Lei Complementar
75, de 20 de maio de 1993; e Decreto 983, de 12 de novembro de 1993.
Fica registrado que a atividade do mediador é peculiar e não pode ser guiada por qualquer
dessas leis. Essa é a idéia de Manuel Alceu Affonso (p. 55): O mediador, sem dúvida, busca
uma solução eqüitativa, como busca o juiz e é por isso que sua atuação deve assemelhar-se
mais a dos juízes do que a dos advogados ou membros do Ministério Público. Ao juiz se
impõe a imparcialidade, enquanto a parcialidade do advogado é elemento indispensável para
a Justiça.
Finalidade da Mediação
Visão Normativista
Há aqueles que defendem ser imprescindível para o desenvolvimento da mediação sua
exaustiva e uniforme regulamentação. Isso traria segurança e possibilitaria o desenvolvimento
dessa forma de resolução alternativa de conflitos. Para essa posição, um código de ética
uniformizado seria da maior importância.
Afina-se com essa corrente a idéia da mediação como um processo eficiente na medida em
que evita um grande número de processos judiciais. Todavia, há aqueles que vêem o maior
valor da mediação na possibilidade de assegurar o direito das partes.
Visão Valorativa
É a também chamada visão axiológica. Para esses, o código de ética deve ser menos
normativo e apenas balizar a atuação do mediador, o que, de certa forma, ofusca a
importância do código.
Estamos, portanto, diante de soluções que valorizam a padronização do processo, tendo
como finalidade (i) a resolução de muitos casos ou valorizam predominantemente (ii) a busca
da justiça - e certamente esses valores são, por vezes, inconciliáveis. No primeiro caso, o
código de ética tende a ser uma lista de condutas a serem seguidas; enquanto no segundo o
código trataria propriamente dos valores éticos. Pela análise dos regulamentos dos grandes
centros de mediação parece ser a primeira a tendência dominante nos códigos de ética.
Visão Educativa
Há ainda uma terceira corrente[1], que valoriza a mediação como forma de desenvolver a
autonomia de decisão, a liberdade de escolha e o exercício da avaliação das partes. Segundo
essa visão, as partes é que devem escolher o modo de resolução. Para eles a mediação é
importante na medida em que exercita a percepção das partes dos valores que elas adotam é a dita empowerment-and-recognition conception, da qual derivam os termos
empoderamento e validação do sentimento. É a educação para a compreensão mútua e o
entendimento entre seres humanos, indo muito além do conflito que os levaram ao processo
de mediação.
Nota-se que essa visão faz necessária uma abordagem muito mais ampla do problema, o que
só o mediador pode fazer. É por isso que essa teoria critica a mediação adotada pelos outros
dois perfis, defendendo que outros métodos de resolução seriam mais úteis a essas visões do
conflito. A mediação, nessa terceira perspectiva, trabalharia o que ela tem de melhor, que é a
busca de soluções criativas e a conscientização de que elas não precisam dos tribunais ou dos
institutos de mediação para resolverem todos os seus problemas.
A mediação seria, então, a oportunidade de as partes exercitarem sua autonomia e
compreensão. O acordo em si não seria o seu fim, distanciando-se das outras visões que
defendem o acordo como bom quando segue os passos do processo e evita a ação judicial ou
como bom quando garante o direito das partes.
Essas três visões refletem as preocupações que constam dos vários códigos de ética
existentes. Para a visão do empoderamento o importante seria estabelecer que o mediador
deve buscar explorar o reconhecimento mútuo, enquanto para a visão mais utilitarista o
importante seria dizer o que o mediador não deve fazer. Por sua vez, a corrente que prima
pelo acordo justo deve redigir um código constante do que o mediador deve fazer para
possibilitar que as partes tenham consciência dos termos do acordo. Nesse sentido, ela se
aproximaria da terceira visão, mas se distanciaria dela porque seu foco seria o acordo justo; e
o foco da terceira seria o exercício da compreensão.
[1] Essa divisão é a proposta do texto de Robert A. Baruch Bush, que defende essa terceira
visão.
Padrão dos Códigos de Ética
Dentre as regulamentações analisadas, é facilmente notado que nenhuma delas se preocupou
em fazer as distinções que apresentamos até aqui. Pode ser identificado um padrão bastante
regular, que resume os códigos de ética a uma ponderação antecipada dos valores éticos.
Apenas é definida conduta a ser tomada pelo mediador ante a determinadas situação,
estabelecendo como ele deve agir em relação à confidencialidade, às notas que tomou etc.
Deste modo, temos nítida a prevalência do entendimento da mediação como processo que
visa à prevenção da ação judicial.
Se essa estrutura prescreve que diante de determinado fato deve haver tal conduta - exista ou
não sanção - parece que essa dita ética pende para a definição de direito, enquanto tentativa
de padronizar condutas. De fato, parece ser essa a grande preocupação: padronizar condutas.
A idéia é estabelecer objetivamente o que é permitido ou não fazer, de modo que seja
delineada uma linha de comportamento aceita e cobrada por todos.
Tais padrões são geralmente traçados por uma entidade de classe, a exemplo do que
acontece na Inglaterra, onde se especifica que no desempenho função de mediador o
advogado tem que seguir as normas de conduta e padrões éticos adotados pelos seus
membros. A regulamentação dispor ainda sobre pormenores. É o que vemos na Flórida, onde
além de se especificar padrões de conduta, são estabelecidas também responsabilidades e
deveres do mediador.[1]
Maria de Nazareth Serpa resume o que identificamos como postura dominante da doutrina e
regulamentos sobre como deve agir o mediador:
"Ao agir como um neutro interventor, o mediador assume uma série de responsabilidades,
que envolvem competências, princípios e integridade, não só no exercício da atividade
mediadora quanto na sua formação. O mediador tem que se comprometer com uma séria de
regras e acordos, sobre confidencialidade, imunidades, além de observar altos padrões éticos,
na maneira como conduzem o processo e a si próprios, dentro dele. Na proporção em que a
atividade mediadora começa a se incorporar no dia a dia do brasileiro, não há como não
desenvolver e estabelecer padrões práticos, e estabelecer limites éticos básicos. Atualmente,
aqueles que abraçam a profissão mediadora já trazem, de suas carreiras de origem, um
código ético-profissional, mas dentro da mediação terão de acrescentar padrões e limites
especialíssimos."[2]
[1] A legislação da Flórida vai além e estabelece questões relativas à responsabilidade do
mediador, seus honorários, seu papel de guardião e educador do processo, à propaganda dos
seus serviços, à sua imparcialidade, confidencialidade (inclusive sobre o que fazer com as
anotações tomadas durante as sessões) e neutralidade (como sinônimo de postura não
avaliadora). Maria de Nazareth Serpa (p. 234).
[2] Maria de Nazareth Serpa (p. 232).
Linhas Básicas de um Código de Ética
Conclusões
Após avaliar as práticas adotadas por vários institutos que aplicam ou estudam os métodos
alternativos, chegamos a algumas conclusões.[1]
Os princípios mais caros à mediação são os seguintes:
•
Voluntariedade das partes. As partes devem concordar em dar início ao processo de
mediação.
•
Autodeterminação da partes. As partes, e não o mediador, devem transigir sobre os
termos do acordo.
•
Imparcialidade do mediador. O mediador deve ser imparcial, de modo a permitir que
autodeterminação das partes se dê num ambiente de equilíbrio.
Nossos conselhos são os seguintes:
Equilíbrio. O mediador deve:
•
Aceitar participar da resolução do conflito apenas se estiver certo de que poderá ser
imparcial frente às partes e ao assunto em disputa.
•
Informar as partes do seu direito de deixar o processo a qualquer momento se estiver
convencido que não pode prosseguir com imparcialidade.
•
•
Deixar o processo se assim decidir, mesmo que não exista objeção das partes.
Possibilitar que as partes formem suas convicções e resolvam seu conflito, sem lançar
mão de ameaças ou previsões sobre como o juiz provavelmente decidiria a causa mesmo que isso ponha fim ao caso imediatamente e, eventualmente, poupe trabalho
ao juiz.
Consciência. O mediador deve:
•
Fazer com que as partes tenham plena consciência do que é o processo de mediação
e do que um acordo nessas bases significa, incluindo as responsabilidades
acarretadas para todas as partes.
•
Apresentar essas informações às partes de maneira acessível e, caso perceba que a
parte não tem condições de entender completamente a dimensão do problema e de
seus atos, deve suspender a mediação e sugerir que a parte busque um advogado casos em que o mediador não deve oferecer aconselhamento em matéria jurídica.
Competência. O mediador deve:
•
Estar certo de sua qualificação para a atividade, o que pode envolver aspectos
técnicos de outra área, dependendo do caso.
•
Utilizar dessas técnicas de condução do processo seguindo os valores de justiça,
diligência, honestidade, imparcialidade, transparência, e discrição.
Como agir ante as seguintes situações:
Conflitos de interesses. Aplicam-se também a esse ponto as disposições relacionadas à
imparcialidade do mediador. Além disso, o mediador deve
•
Antecipar às partes tudo o que puder causar qualquer aparente conflito de interesses,
mesmo durante o curso do processo, por exemplo: anteriores relações profissionais
entre o mediador e qualquer participante do processo ou quaisquer interesses
financeiros que possam vir a ter relação, mesmo que indireta, com o caso.
•
Suspender a mediação se ele ou qualquer das partes tiver qualquer dúvida sobre
algum eventual interesse que possa ser conflitante com os dos participantes.
•
Manter-se afastado de qualquer das partes, mesmo depois do fim do processo, de
modo a não deixar margem sobre qualquer interesse seu nos termos em que teve fim
a mediação.
Dever de confidencialidade. O mediador deve:
•
Manter sigilo das informações que tomar conhecimento em razão de sua profissão e
somente revelar informações que tiver acesso pela mediação se receber autorização
das partes ou se for requisitado para assim fazer em virtude de lei.
•
Inutilizar as notas tomadas durante as sessões de mediação.
Impasse. O mediador deve
•
Suspender ou mesmo terminar o processo se perceber que qualquer das partes não
demonstra disposição para participar de uma mediação produtiva. Isso porque o
processo é das partes e forçar um acordo pode aumentar ainda mais a indisposição
das partes.
•
Esgotar as possibilidades de uma mediação e, se atingido o impasse final, sugerir
outro meio de resolver da disputa.
Conclusão do processo. O mediador deve:
•
Assegurar que o estabelecido não seja violado. Esse é o seu papel, pois o processo é
das partes, bem como as decisões quanto aos termos do acordo.
•
Trabalhar, se esse acordo for parcial, para que o ainda controverso seja resolvido de
outra forma.
•
•
Redigir o acordo e incluir nele os termos de sua implementação.
Evitar incluir nova idéia no acordo, por melhor que ela seja, sob pena de colocar-se
em risco todo o trabalho já realizado.
O mediador deve também estar atento a:
Custos do processo. O mediador deve:
•
•
•
Informar as partes antecipadamente dos eventuais custos do processo.
Devolver, caso o mediador deixe o processo, os honorários recebidos.
Receber somente os honorários previamente estabelecidos pelo instituto.
Divulgação do serviço. A oferta dos serviços do mediador deve:
•
Ser discreta, honesta e não deve prometer resultados, principalmente os que possam
comprometer a imparcialidade do processo.
Observações
Finalizemos com alguns conselhos inspirados na recente obra de Luis Alberto Warat.
"O código de ética não tem nada para ensinar, porque nada pode ser ensinado, e sim
aprendido pela experiência do mediador ante ele mesmo e os outros - valendo o mesmo para
as partes. Então, é preciso estimular para reconhecer o que já está em nós. E esse é o
verdadeiro ofício do mediador: provocar as partes para que elas reconheçam o que já estava
nelas."[2]
"Desaprender. Todos devemos desaprender, pois o excesso de conhecimento fecha nossa
existência às idéias. Para tanto, devemos nos despir e estarmos sensíveis à outra parte. Não
que esse seja um processo simples, mas necessário. O sofrimento existe e é parte da vida,
sendo apenas um mal se destrutivo e nada criativo. Assim, o mediador deve ferver a situação
para que ela possa evaporar."[3]
"A ferramenta para isso é intervir sobre os sentimentos - não sobre o conflito. Fazer com que
as partes sintam sem se esconder o tentar dominar. Esse é o caminho do crescimento."[4]
De nada adianta se ocupar em ensinar técnicas de comunicação, rituais, formalidades,
processos. "Muitas escolas de mediação acreditam formar mediadores como se fossem magos
que poderiam acalmar as partes, com seus truques. A magia é outra, consiste em entender de
gente."[5] Paciência. Tolerância. Humildade. Amor. "Quem vai mediar precisa estar ligado com
a vida."[6]
"Não diria que as técnicas não servem, mas ficar prisioneiro delas impede-nos de viver no
contínuo de novidades que é a vida."[7]
[1] As linhas propostas não se filiam a nenhum código específico, mas encontram grande
afinidade com um relatório sobre mediação no Estado de Nova Iorque do ano de 1996,
apresentada pelo texto Ethical Standards for Neutrals Cases Referred by de Courts.
[2] Luis Alberto Warat (p. 13).
[3] Luis Alberto Warat (p. 29).
[4] Luis Alberto Warat (p. 31).
[5] Luis Alberto Warat (p. 41).
[6] Luis Alberto Warat (p. 39).
[7] Luis Alberto Warat (p. 44).
Bibliografia
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Bizatto, José Ildefonso. Deontologia Jurídica e Ética Profissional. Leme: Editora de Direito, 2.ª
ed., 2000.
Carlin, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica. Ética e Justiça. Florianópolis: Obra Jurídica, 2.ª ed.,
2000.
Carvalho, Lúcia Cunha de. Deontologia Jurídica. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1998.
Bush, Robert A. Baruch. Efficiency and Protection, or Empowerment and Recognition?: The
Mediator´s Role and Ethcial Standards in Mediation. 41 Fla. L. Rev. 253, 253-273, 277-286
(1989).
Ethical Standards for Neutrals Cases Referred by de Courts. Court Referred ADR, in New York
State, Final Report of the Chief Judge´s New York State Alternatives Dispute Resolution
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Kelsen, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
Mill, John Stuart. Utilitarismo. Coimbra, 1961.
Morais, Jose Luis Bolzan de. Mediação e Arbitragem. Alternativas à Jurisdição! Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1999.
Nalini, José Renato e outros. Curso de Deontologia da Magistratura. São Paulo: Saraiva, 1992.
Rawls, John. Uma Teoria da Justiça. Martins Fontes.
Rhode, Deborah L. Professional Responsability. Ethics by the Pervasive Method. United States
of America: Little, Brown and Company, 2nd printing, 1994.
Serpa, Maria de Nazareth. Teoria e Prática da Mediação de Conflitos. Rio de Janeiro: Lumen
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Tugendhat, Ernest. Lições sobre Ética. Petrópolis: Vozes, 4.ª ed., 2000.
Warat, Luis Alberto. O Ofício do Mediador. Florianópolis - SC: Habitus, 2001.
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Leitura obrigatória para a aula de 30/11/2015