PARECER - Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) Indicação nº. 009/2008 Matéria: Medidas Cautelares no Processo Penal Relator: Dr. Thiago Bottino Ementa: Projeto de Lei da Câmara nº 111/2008 (original PL nº 4.208/2001). Medidas Cautelares no Processo Penal. Atualização do Código de Processo Penal. Adequação da legislação infraconstitucional aos preceitos constitucionais. Parecer pela aprovação parcial do texto, apontando omissões e sugerindo modificações. Proposta de votação em Plenário com urgência e remessa do parecer ao Senado Federal. Introdução O Presidente da Comissão Permanente de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros designou-me para elaborar parecer acerca do Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 111/2008, alertando para a relevância da matéria e urgência da tarefa, o que faço nos termos seguintes. O PLC nº 111/2008 tem origem no PL nº 4.208/2001 enviado à Câmara pelo Poder Executivo a partir do trabalho elaborado pela Comissão presidida pela Profa. Ada Pellegrini Grinover e sob o título de Anteprojeto sobre prisão, medidas cautelares e liberdade. A exposição de motivos que encaminhou o projeto à Câmara, no ano de 2002, assinalava a necessidade de sistematizar e atualizar “o tratamento da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória, com ou sem fiança. Busca, assim, superar as distorções produzidas no Código de Processo Penal com as reformas que, rompendo com a estrutura originária, desfiguraram o sistema”. O projeto original foi objeto de Emenda Substitutiva Global, em 3/7/2007, proposta pelo Grupo de Trabalho de Direito Penal e Processual Penal, coordenado pelo Deputado João Campos, sendo o texto aprovado na Camada dos Deputados em 25/6/2008 e enviado ao Senado Federal em 2/7/2008. No Senado, o projeto foi objeto de 12 emendas, sendo as 10 primeiras de autoria do Senador Álvaro Dias, a 11ª de autoria do Senador Romeu Tuma e a 12ª de autoria da Senadora Ideli Salvatti. Examinadas as propostas de emendas no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça pelo seu Presidente, Senador Demóstenes Torres, foram todas rejeitadas por votação realizada em 11/03/2009, com exceção das de nº 9 e 12. O texto ora examinado não contém a emenda de nº 12, incorporada ao PL 111/2008. Para permitir melhor compreensão do extenso projeto, que altera dezenas de artigos do Código de Processo Penal, revoga alguns e acrescenta outros, elaborou-se a tabela em anexo, comparando a redação atual e proposta legislativa. Sem prejuízo da avaliação geral do Projeto (lançada no início deste parecer), foram realizados comentários e análise crítica pontuais sobre cada artigo modificado. • Avaliação geral do projeto O projeto possui grandes méritos e suas qualidades superem largamente os pontos passíveis de críticas. Destacam-se como grandes avanços na matéria (1) a incorporação dos princípios gerais das medidas cautelares aos dispositivos legais; (2) a criação de diferentes medidas cautelares de intensidade variada; (3) a sistematização das medidas, que ficara prejudicada pelas reformas pontuais pelas quais passou o Código de Processo Penal; e, (4) a expressa vedação de imposição de prisão que não seja de natureza cautelar antes de transitada em julgado a sentença condenatória. Roberto Delmanto Junior (As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração. Rio de Janeiro: Renovar, 1998), citando Giuseppe e Rodolfo Bettiol, enumera as sete diretrizes que os autores italianos sistematizaram como orientadoras da aplicação das medidas cautelares restritivas da liberdade de locomoção. São elas: taxatividade das medidas (impossibilidade de extensão ou analogia), existência de graves indícios de culpabilidade (e não apenas simples indícios), inaplicabilidade dessas medidas nos casos em que estão presentes causas excludentes de antijuridicidade, inadmissibilidade de aplicação automática das medidas (ausência de fundamentação no caso concreto), adequação e proporcionalidade das medidas, intangibilidade de outros direitos não relacionados à medida cautelar e jurisdicionariedade das medidas cautelares, seja para sua decretação ou convalidação. Relativamente à taxatividade, o projeto é extremamente feliz porque descreve com precisão as medidas propostas e não agasalha a tese do assim chamado “poder geral de cautela” do juiz criminal. No que tange à inaplicabilidade de decretação das medidas cautelares quando presentes causas excludentes de antijuridicidade o projeto menciona essa restrição exclusivamente na hipótese de prisão preventiva. Com relação à inadmissibilidade de aplicação automática, o PLC 111/2008 é reiterativo, destacando-se os artigos 282, incisos I e II e §§ 5º e 7º, 283 e 315. Também se encontram consagrados os postulados de adequação e proporcionalidade das medidas e intangibilidade de outros direitos não relacionados à medida cautelar, como se depreende das seguidas exigências de fundamentação que correlacionem as circunstâncias do fato, as características do agente e as características das novas medidas cautelares. Por fim, vale destacar a previsão de prisão domiciliar em casos específicos relacionados à intangibilidade de outros direitos. Não obstante as virtudes do Projeto, é possível fazer uma crítica de grande importância relacionada à ausência de menção expressa dos fortes indícios de culpabilidade que podem dar ensejo à decretação das medidas cautelares. Embora não seja razoável supor que as medidas serão impostas àqueles sobre os quais não pesa nenhuma suspeita, o Projeto não especifica qual o grau de certeza sobre a autoria que deverá estar presente para orientar a aplicação das medidas. Atualmente, o CPP utiliza as expressões “indícios suficientes” (decretação da hipoteca legal, art. 134; prisão preventiva, art. 312; sentença de pronúncia, art. 413) e “indícios veementes” (decretação do sequestro, art. 126), sinalizando uma nota distintiva entre as medidas. O Projeto prevê a aplicação das novas medidas cumulativamente com a liberdade provisória logo após a prisão em flagrante (hipótese em que há indícios veementes de autoria), mas não diferencia quando será possível aplicar as medidas mais gravosas em detrimento das mais leves relativamente aos indícios de autoria. Além dos princípios específicos das medidas cautelares, o Projeto também incorpora princípios gerais do processo penal, como a previsão de contraditório quando do requerimento de aplicação de medidas cautelares, mecanismo que conferirá ao juiz maiores elementos para aferir a imprescindibilidade da medida e a plausibilidade das razões invocadas pelos órgãos de persecução penal. Outro princípio que se destaca é o da duração razoável do processo, que aparece na fixação de prazo máximo para a prisão preventiva e no estabelecimento de reavaliação bimestral da necessidade de manutenção da medida cautelar. Outra grande inovação do Projeto é a criação de diferentes medidas cautelares de intensidade variada. Algumas delas merecem o indiscutível apoio do Instituto dos Advogados Brasileiros, ao passo que outras devem ser objeto de reflexão mais cuidadosa, como a possibilidade de monitoramento eletrônico. A análise detalhada das medidas é feita abaixo, nos comentários ao art. 319, do Projeto. A sistematização das medidas promovida pelo Projeto é medida de boa técnica legislativa, retirando do texto infraconstitucional os institutos sabidamente inconstitucionais, como a prisão administrativa, a prisão decorrente de sentença ou acórdão condenatórios recorríveis e a exigência de recolhimento à prisão para o conhecimento da apelação. O Projeto também estabelece um grau de intensidade das medidas cautelares, rompendo a dicotomia entre prisão e liberdade. Não se olvida que os juízes poderão passar a decretar mais medidas cautelares do que já fazem hoje; por outro lado, se ao menos uma prisão preventiva deixar de ser decretada em razão da existência de medida menos gravosa prevista no ordenamento, o Projeto terá atingido seu objetivo. Finalmente, é de se destacar a recolocação do instituto da fiança no cenário processual penal. Relegada hoje a hipóteses muito pontuais, a fiança ganha nova dimensão, permitindo-se que seja arbitrada pelo Delegado de Polícia quando o crime tiver pena máxima não superior a quatro anos e pelo juiz nas demais hipóteses. As únicas hipóteses de vedação de fiança previstas no PL 111/2008 são aquelas já mencionadas na Constituição, salvo quando quebrada a fiança ou descumprido qualquer dos seus termos, sem justificativa, também não será concedida nova fiança. Também foram adaptadas ao novo modelo as disposições relativas ao quebramento da fiança e sua substituição por outras medidas cautelares. Como pontos negativos do Projeto nesse tópico, destacam-se o enorme poder conferido ao Delegado de Polícia e ao Juiz no estabelecimento do valor da fiança, de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos e 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, respectivamente. Equivoca-se o projeto ao permitir tamanho grau de discricionariedade às autoridades públicas, sendo de melhor alvitre fixar um grau de correspondência entre a pena abstratamente cominada e o valor da fiança. Do contrário, o Delegado de uma determinada circunscrição poderá contrariar a vontade do legislador e tornar o furto um delito inafiançável simplesmente por meio da fixação de valores astronômicos. Da mesma forma, o Projeto permite ainda que a autoridade pública aumente o valor da fiança em até 1000 (mil) vezes, situação que admitiria o arbitramento de fiança no valor de R$ 93.000.000,00 (noventa e três milhões de reais). Trata-se, claramente, de medida capaz de minar a credibilidade do instituto da fiança que o atual projeto pretendeu resgatar. O segundo ponto negativo é cumulação necessária da liberdade provisória com a fiança, vedando-se, ao que parece, a concessão de liberdade provisória sem fiança. Trata-se de medida equivocada, já que a fiança é uma medida cautelar com características e finalidades próprias, quais sejam, o pagamento da prestação pecuniária e da multa e o ressarcimento do dano causado destacando-se esse último. Considerando que nem todos os crimes causam danos ou são passíveis de reparação, bem como que nem todos são puníveis com multa, a prestação da fiança deveria atender a circunstâncias concretas específicas de cada caso, em homenagem aos princípios da adequação e proporcionalidade. Em resumo, o parecer destaca que são muitos os pontos positivos do PLC 111/2008, o qual merece manifestação favorável do IAB, atendidos pequenos ajustes pontuais já mencionados e que serão mais detidamente analisados e, ao final, destacados. Passa-se agora à análise de cada dispositivo do Projeto. • Art. 282 A avaliação geral desse dispositivo é muito boa. Em seus sete parágrafos são positivados os principais princípios que regem as medidas cautelares. A nova redação desse artigo associa às medidas cautelares os postulados da proporcionalidade (relação de correspondência entre o fato supostamente praticado e as medidas cautelares passíveis de aplicação), necessidade (exigência de demonstração de que a medida é imprescindível à instrução ou à investigação penal), razoabilidade (caso a medida não se mostre eficaz, é possível sua substituição por outra mais adequada), contraditório (determinando que a parte contrária possa se manifestar antes do juiz decidir, salvo em situações excepcionais) e temporalidade (prazo certo para que a autoridade que decretou a medida proceda uma reavaliação do caso a fim de verificar se subsistem os motivos da decretação). Além dos pontos positivos já destacados, destaca-se a apresentação da prisão preventiva como medida mais gravosa e a vedação de sua decretação quando for cabível outra espécie de medida cautelar. Como ponto negativo do dispositivo há apenas a possibilidade de decretação de medidas cautelares ex officio. Embora o projeto vede essa decretação antes de iniciada a ação penal – e a justificativa é justamente a restrição à atividade probatória do juiz - trata-se de faculdade com o sistema acusatório, não obstante conste de diversos dispositivos do Código de Processo Penal. • Art. 283 Outro excelente exemplo de incorporação dos princípios constitucionais à legislação infraconstitucional. Reproduz a vedação de aplicação automática de qualquer espécie de prisão e reforça a distinção entre pena e medida cautelar. • Art. 289 Atualiza a redação do Código e cria a obrigação do juízo perante o qual o preso estiver sendo processado providencie sua remoção em até 30 dias, caso a prisão tenha sido efetuada fora da sua jurisdição, sob pena de colocação do preso em liberdade. • Art. 289-A Esse dispositivo cria a obrigação de manutenção de um cadastro único de mandados de prisão, sob administração do CNJ, o que sugere maior agilidade na troca de informações entre os diferentes Estados da federação. Além disso, parece querer reparar uma injustiça histórica com a população de baixa renda ao determinar a comunicação obrigatória da defensoria pública, sempre que o preso não possuir advogado, para que a prisão seja acompanhada por um defensor. Veja-se o comentário ao art. 306. • Art. 295 Nesse item o PL merece censura. O artigo trata da prisão especial, sendo mantido o privilégio para autoridades do executivo e do legislativo nas três esferas de poder (o que se entende em razão se serem representantes do poder popular), para os militares e policiais (que correriam riscos se colocados em instalações comuns), e para os magistrados e os membros do Ministério Público e da Defensoria Pública. O sentimento deste Relator é o de que a prisão especial excepciona a igualdade entre os cidadãos e constitui medida incompatível com o princípio democrático. Dessa forma, somente pode ser criada distinção por lei que seja sustentada por fundamentos jurídicos razoáveis. Nesse diapasão, não pode o projeto manter a prisão especial para membros do Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública e não dispensar o mesmo tratamento ao advogado, profissional que a Constituição considera indispensável à administração da justiça. Não havendo qualquer relação hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério (art. 6º, da Lei 8.906/94), não há razão para deixar de atribuir ao advogado o mesmo regime prisional atribuído aos magistrados, promotores ou procuradores e defensores públicos. Ademais, o Código de Processo Penal conflitaria com a Lei 8.906/94 que prevê a prisão especial para o advogado (art. 7º, inc. V, da Lei 8.906/94). Embora não haja dúvida de que o Estatuto da Advocacia, por se tratar de lei especial, prevaleceria sobre o CPP, a boa técnica legislativa recomenda que se crie hipóteses de conflitos aparentes de normas o texto em homenagem ao princípio da segurança jurídica. Por fim, o próprio Projeto faz ressalva às leis especiais que já preveem hipóteses de prisões especiais. • Art. 299 e 300 Apenas atualizam a redação do Código. • Art. 306 A nova redação determina a remessa de cópia do flagrante ao Ministério Público. Trata-se de providência importante, já que modificado o art. 310 que determinava a vista obrigatória dos autos no caso de concessão de liberdade provisória. Essa medida reforça o controle externo da atividade policial, função atribuída ao Ministério Público e cuja execução deve ser estimulada. Por outro lado, o legislador deveria reforçar a obrigatoriedade de que a prisão em flagrante seja assistida por um defensor público nos casos em que o preso não puder pagar um advogado. Em que pese o Supremo Tribunal Federal ter decidido que se trata de mera faculdade (RE nº 136.239, 1ª Turma, no longínquo ano de 1992), a Constituição é literal ao determinar que “LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Ora, se a constituição assegura, não é uma faculdade, mas uma garantia. • Art. 310 Esse artigo tem grandes qualidades e grandes defeitos. A maior qualidade é a incorporação dos princípios constitucionais à legislação infraconstitucional. A nova redação estabelece procedimentos claros para o juiz no momento em que receber a comunicação de prisão (relaxamento, se a prisão for ilegal; decretação da preventiva, se presentes os requisitos; liberdade provisória, nos demais casos). O defeito que se enxerga é associar a liberdade provisória obrigatoriamente à fiança. A liberdade provisória deve ser associada a alguma das novas medidas cautelares segundo as características do fato e do agente. Ao impor, obrigatoriamente, a cumulação da fiança, o legislador dá caráter de automaticidade à medida, contrariando o art. 282 do próprio Projeto, que abrigou os postulados da necessidade e adequação. Além disso, a atual redação do art. 310 previu a cumulação obrigatória apenas nos crimes afiançáveis, tornando o regime mais severo do que o aplicável aos inafiançáveis, aos quais não é lícito, por força da Constituição, vedar a liberdade provisória. Não obstante haja julgados da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal nos quais se agasalhou a tese de que quando a Constituição vedou a fiança, vedou também a liberdade provisória, esse parecer é no sentido da impossibilidade de interpretação extensiva para impor restrição a direito fundamental. Logo, se a Constituição vedou a fiança e não fez expressamente com relação à liberdade provisória, não pode o intérprete estabelecer, sponte sua, nova restrição ao argumento de fazer valer aquela. Assim é que a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal tem decidido que não se pode proibir ao juiz que examine a presença dos requisitos cautelares para a manutenção da prisão e, não os encontrando, conceda a liberdade provisória (HC nº 92880, j. 20/05/2008; HC nº 92.824, j. 18/12/2007), mesmo quando a lei ordinária veda expressamente a concessão de liberdade provisória. Por fim, vale dizer que o próprio Relator do Projeto na CCJC do Senado, ao rejeitar a emenda nº 6, declarou expressamente em seu parecer que a Constituição não veda a concessão de liberdade provisória para crimes inafiançáveis, devendo o juiz concedê-la se não estiverem presentes os requisitos da preventiva. Por conseguinte, impõe-se a modificação do artigo, sob pena de inconstitucionalidade. • Art. 311 Esse artigo não merece nossos aplausos. A modificação proposta tem como única finalidade permitir que o assistente de acusação requeira a prisão preventiva do acusado. Trata-se de medida destituída de razoabilidade, haja vista que a vítima não postula em nome do bem social, da paz pública ou da justa aplicação da lei. O aprimoramento desse artigo não está em aumentar o rol dos legitimados a requerer a medida cautelar extrema, mas em retirar do juiz a possibilidade de agir sem ter sido provocado (vedando-se a decretação de prisão ex-officio) e submeter a representação da autoridade policial à manifestação prévia do Ministério Público que é o titular da ação penal. • Art. 312 O Projeto mantém a mesma redação. Todavia, deve-se destacar a postura do Relator do PLC 111/2008 na CCJC do Senado, Senador Demóstenes Torres, rejeitando a emenda de nº 5, que permitia a decretação da preventiva “em casos de crimes praticados com extrema gravidade”. • Parágrafo único do art. 312 Cria-se uma nova hipótese de decretação da preventiva: o descumprimento de outra medida cautelar menos gravosa decretada anteriormente. Embora seja possível compreender que se trata de mecanismo para estimular o respeito à decisão judicial, parece-nos uma punição antecipada pelo crime de desobediência. Além disso, a prisão preventiva possui requisitos específicos que justificam sua decretação (garantia da ordem pública, ordem econômica, aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal), não sendo conveniente equipará-los ao simples descumprimento de uma medida cautelar sob pena de violação dos requisitos da proporcionalidade, adequação e necessidade. Do contrário, mantido esse dispositivo, seria possível prender um investigado que não preenche os requisitos para ser preso exclusivamente porque deixou de comparecer em juízo sem motivo justo. É certo que se o fez deverá arcar com o ônus decorrente de sua falta de compromisso com as condições fixadas pelo juiz, mas isso não deve implicar na decretação da medida mais gravosa de todas, sendo possível a decretação de outra medida cautelar mais adequada ao caso concreto. A prisão preventiva só poderá ser decretada se houver necessidade cautelar fundamentada – periculum libertatis –, sendo certo que o descumprimento de uma medida cautelar qualquer não revela, por si só, perigo na manutenção do acusado em liberdade. • Art. 313 A nova redação do art. 313 reforça o postulado da proporcionalidade já comentado no art. 282 porque reserva a decretação da medida cautelar extrema (prisão preventiva) às hipóteses de crimes graves (pena máxima superior a 4 anos), aos reincidentes e aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência. • Art. 315-A Esse novo dispositivo reforça o postulado da temporalidade das medidas cautelares, em respeito à garantia do prazo razoável de duração do processo, fixando o prazo de seis meses para que o processo seja julgado em cada grau de jurisdição, sob pena de colocação do preso em liberdade. Incorpora ao direito positivo posicionamento já consolidado pelo Supremo Tribunal Federal de que mesmo presentes os requisitos autorizadores da medida cautelar, ela não pode durar indefinidamente. Diferente do que fez o STF, o legislador fixa um prazo certo de duração da prisão. É sabido que mesmo quando a lei previa prazo mais exíguo para o encerramento da instrução criminal (81 dias) os tribunais foram condescendentes com a inércia do próprio Judiciário e não impunham o relaxamento da prisão por excesso de prazo logo depois de expirado o 81º dia. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem admitido prisões preventivas com até 2 anos de duração. Nesse contexto, a medida é bem vinda porque vincula de forma mais estrita o juiz ao relaxamento da prisão excedido o prazo legal. Um ponto passível de crítica desse dispositivo é a duplicação do prazo máximo de prisão nos casos em que o acusado fugir da prisão. Parece-nos que a medida não se orienta por critérios cautelares, mas veicula simples punição ao indivíduo que tentou buscar sua liberdade. • Arts. 317 e 318 O capítulo que tratava da apresentação espontânea do acusado foi substituído pelo capítulo que trata da prisão domiciliar. Atualmente, a prisão domiciliar é utilizada apenas nos casos em que não há estabelecimento em condições adequadas para receber o preso cautelar com direito a prisão especial (art. 295, CPP c/c Lei nº 5.256/67). Outra hipótese de prisão domiciliar, mas sem natureza cautelar, é aquela em que o condenado que já cumpre pena em regime aberto e apresente as seguintes características I - condenado maior de 70 (setenta) anos; II - condenado acometido de doença grave; III condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV - condenada gestante (art. 117, da Lei nº 7.210 LEP) poderá cumprir pena em seu domicílio. O Projeto amplia as hipóteses de concessão de prisão domiciliar de caráter cautelar, utilizando critérios semelhantes aos da LEP, com ligeiras modificações: I – maior de 80 (oitenta) anos; II – extremamente debilitado por motivo de doença grave; III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV – gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. Trata-se, portanto, de iniciativa bastante meritória que incorpora às regras processuais penais o princípio da humanidade. • Arts. 319 e 320 Esses artigos são responsáveis pela maior inovação e constituem o grande mérito do projeto inicial apresentado à Câmara dos Deputados em 2001. São criadas diferentes medidas cautelares intermediárias entre a total liberdade e a prisão, únicos parâmetros existentes hoje. Algumas dessas medidas já eram implementadas por juízes criminais com base no assim chamado “poder geral de cautela”, o que as fragilizava do ponto de vista jurídico, eis que qualquer medida de restrição à liberdade individual necessita de expressa previsão em lei. Cumpre, porém, examinar quais medidas são compatíveis com os postulados do Estado democrático de Direito. As medidas cuja aprovação se recomenda são: I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II - proibição de acesso ou freqüência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o investigado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o investigado ou acusado dela permanecer distante; IV - proibição de ausentar-se da Comarca ou do País quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração criminosa; VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada a ordem judicial. Uma das medidas elencadas no art. 319 merece reparo parcial, a saber, o inciso VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais. Com efeito, o afastamento de funcionários públicos cujo exercício da função gere receio de sua utilização para a prática de infrações penais é medida pertinente, mas que deve ser tratada de forma distinta da suspensão de atividade de natureza econômica ou financeira, já que o funcionário privado, o profissional liberal ou o empresário não tem assegurada a remuneração mensal quando não trabalham. Proibir alguém de exercer atividade laborativa constitui medida de extrema gravidade e colide com a garantia constitucional insculpida no inc. XIII, do art. 5º. Ademais, a suspensão do exercício de função pública deve estar necessariamente relacionada ao exercício da função pública. Por fim, as seguintes medidas não merecem aprovação são: V recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; e IX – monitoração eletrônica. No caso do recolhimento domiciliar noturno, não se afigura nenhum mecanismo de cautelaridade na medida, mas simples aplicação antecipada de pena semelhante à limitação de final de semana. Caso o crime imputado ao acusado esteja relacionado a algum evento noturno, o mesmo efeito pode ser alcançado por meio das medidas previstas nos incisos II e III acima. Já a inclusão do monitoramente eletrônico no Projeto se deveu à iniciativa do Relator do Projeto na Comissão de Constituição Justiça e Cidadania do Senado, sem prévia discussão pela sociedade e sem prévio estudo dos resultados das medidas levadas a efeito em diferentes estados da Federação. Além disso, considerado a gravidade da medida, seria imprescindível que se aprofundasse os estudos iniciados pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e apresentados durante um seminário internacional no Rio de janeiro no ano de 2008. A despeito de qualquer manifestação sobre o mérito dessa medida – seja no campo cautelar, seja como acompanhamento de condenados – trata-se de questão de extrema importância que não deve transformar-se em lei sem que haja oportunidade de debate pelos diferentes atores da sociedade civil. • Arts. 321, 322, 323, 324 e 325 Tais artigos buscam dar efetiva aplicabilidade ao instituto da fiança. Se, atualmente, a fiança raramente pode arbitrada pelo Delegado de Polícia – impondo-se ao preso a espera pela manifestação do juiz – e possui poucas hipóteses de aplicabilidade, o Projeto prevê como regra o cabimento da fiança, vedando sua concessão apenas nos casos já previstos na Constituição Federal. Para crimes com pena máxima até 4 anos, a fiança é fixada pelo Delegado de Polícia; nos demais casos, pelo juiz. Trata-se de grande mérito do Projeto. Não obstante, há questões pontuais que conflitam com o espírito do próprio Projeto e violam aquelas princípios mencionados inicialmente, devendo, portanto, serem reavaliadas pelo legislador. Inicialmente, a lei fixa o prazo de 48 horas para arbitramento da fiança, o que é demasiadamente longo, considerando-se a simplicidade da medida (mera decisão fixando o valor conforme os elementos trazidos a exame). Da mesma forma, a lei confere enorme margem de discricionariedade às autoridades na tarefa de quantificar o valor da fiança, considerando a grande variação entre os valores mínimo e máximo previstos no art. 325. E ainda permite sua elevação em até 1.000 (mil) vezes, o que tem o condão de violar a proporcionalidade e a razoabilidade tão aclamadas pelo art. 282 do Projeto. Com efeito, a fiança poderia ser fixada em 200.000 (duzentos mil) salários mínimos, ou seja, R$ 93.000.000,00 (noventa três milhões de reais). Vale frisar que esse aumento constitui uma inovação do Senador Demóstenes Torres, Relator do Projeto na CCJC do Senado, sendo que a previsão no PL 4.208/2001 original era de aumento máximo de 100 (cem) vezes o valor fixado, nem no substitutivo apresentado e aprovado na Câmara. • Arts. 334, 335, 336 e 337 Os artigos tratam do momento em que poderá ser prestada a fiança (a qualquer tempo antes de transitar em julgado a sentença condenatória), da regra de devolução do valor (passando a ser devolvido o valor atualizado), da destinação da fiança em caso de condenação (acrescentando-se a utilização para pagamento da prestação pecuniária) e do prazo em que a autoridade deverá fixar a fiança. Salvo neste último caso, não há modificações significativas nesses artigos, mas apenas correções de redação. O mesmo não se observa no art. 335, relativamente ao prazo de 48 horas que a lei estabelece para que a autoridade pública (Juiz ou Delegado) decida sobre a fiança (reproduzindo a redação do novo art. 322, comentado acima). A redação atual não estabelece prazo, mencionando apenas que se houver demora poderá o preso, ou alguém em seu nome, peticionar à autoridade competente para fazer sanar o constrangimento ilegal. Não obstante o prazo certo seja melhor do que prazo nenhum, 48 horas é um prazo excessivamente longo, considerando-se a simplicidade da medida. • Arts. 341, 343, 344, 345, 346 e 350 Esses artigos tratam do quebramento da fiança e seus efeitos. A nova redação supera a atual, dando maior organicidade à lei e aprimorando a redação. Cabe criticar apenas o novel art. 341, que aumenta as hipóteses de quebramento da fiança, além do não comparecimento a ato do processo. São elas: a prática de ato de obstrução ao andamento do processo o descumprimento de medida cautelar imposta juntamente com a fiança, a resistência injustificada a ordem judicial e a prática de nova infração penal dolosa Devem ser feitas críticas ao artigo, seja por ampliar as hipóteses de quebramento de fiança, seja porque o texto revela má técnica legislativa. Inicialmente, não se define no Projeto (nem em nenhum outro texto do ordenamento jurídico brasileiro) o que vem a ser “ato de obstrução ao andamento do processo” ou o que constitui uma “resistência injustificada a ordem de prisão”, que a lei prevê como novas hipóteses de quebramento de fiança. No que tange à ampliação das hipóteses, o parecer não concorda que a prática de nova infração penal dolosa possa ser causa de quebram,ento de fiança. Primeiro porque essa constatação só pode ser feita com o trânsito em julgado da decisão condenatória. Segundo porque raramente se pune as infrações de menor potencial ofensivo com restrição de liberdade, sendo desarrazoado utilizá-las para quebrar a fiança prestada e permitir a prisão do indivíduo. • Arts. 284 a 288, 290 a 294, 296 a 297, 301 a 305, 307 a 309, 316, 326 a 333, 338 a 340, 342, 347 a 349 – Mantidos os dispositivos atuais. Isto posto, s.m.j., pelas razões expostas, este parecer é no sentido de sugerir ao Plenário do IAB que se posicione favoravelmente ao Projeto de Lei nº 111/2008, condicionado às seguintes modificações, que ora se recomenda aos ilustres Senadores da República: 1) Inclusão do advogado no rol de pessoas constantes do inciso VI, do art. 295, equiparando-se ao tratamento conferido aos juízes, membros do Ministério Público e membros da Defensoria Pública e evitando conflito aparente de normas com o art. 6º, da Lei 8.906/94; 2) Inclusão do § 4º, no art. 304, com a seguinte redação: “O preso deverá ser assistido obrigatoriamente por advogado de sua escolha ou defensor público por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante”. 3) Revogação do art. 309, por se tratar de norma sem aplicabilidade, já que os crimes do qual o preso se livra solto foram convertidos em infrações de menor potencial ofensivo e já não estão sujeitos à prisão em flagrante. 4) Modificação do art. 310, III para que fazer constar a seguinte redação: “III - conceder liberdade provisória, cumulada com uma ou mais medidas cautelares, na forma dos artigos 319 e 325 deste Código”. Essa modificação visa a garantir a concessão de liberdade provisória para crimes inafiançáveis e permitir que a cumulação da liberdade provisória com fiança seja opcional para o juiz, necessitando de justificativa relacionada a fatos concretos. 5) Modificação do Projeto no que tange ao art. 311 para não admitir o requerimento de prisão feito pelo assistente de acusação, nem sua decretação ex-officio pelo juiz, nem em razão de representação da autoridade policial formulada diretamente ao juiz. Sugere-se a seguinte redação: “Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz a requerimento do Ministério Público ou do querelante. Parágrafo único. É facultada a autoridade policial representar pela prisão preventiva ao Ministério Público.” 6) Modificação do Projeto no que tange ao parágrafo único do art. 312 para não admitir a prisão preventiva exclusivamente em razão do descumprimento de outra medida cautelar. Sugere-se a seguinte redação: “Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º), se presentes os requisitos do caput deste artigo”. 7) Modificação do Projeto retirando-se a parte final do § 2º, do art. 315-A, retirando-se a possibilidade de duplicação do prazo de prisão cautelar em caso de fuga. 8) Modificação do Projeto no que tange ao art. 319 para retirada das medidas cautelares previstas nos incisos V e IX (recolhimento noturno e monitoramento eletrônico); 9) Modificação do Projeto no art. 322 para reduzir o prazo de 48 horas para arbitramento da fiança pela locução “imediatamente”. 10) Modificação do Projeto no art. 325 para contemplar maior grau de vinculação das autoridades públicas (Juiz e Delegado de Polícia) à lei, estabelecendo-se uma relação entre a gravidade do crime e os valores mínimo e máximo da fiança. Da mesma forma, eliminação da faculdade de multiplicação do valor da fiança em até 1.000 (mil) vezes, por se tratar de medida capaz de atingir a própria credibilidade do instituto. Sugere-se, portanto, a supressão do inciso III. 11) Modificação do Projeto no art. 335 para reduzir o prazo de 48 horas para arbitramento da fiança pela locução “imediatamente”. 12) Modificação do Projeto no que tange ao art. 341 para retirada das causas de quebramento de fiança previstas nos incisos II, IV e V (prática de ato de obstrução do processo; resistência a ordem judicial; e prática de infração penal dolosa); Rio de Janeiro, 25 de março de 2009. Thiago Bottino Comissão Permanente de Direito Penal