DOSSIÊ
A IMPLANTAÇÃO DO
ESTATUTO DE ROMA NO
CONTINENTE AMERICANO:
UM OLHAR SOBRE ALGUNS
ESFORÇOS, AVANÇOS E
DESAFIOS
Francesca Varda
Coordenadora para as Américas da Coalizão pelo Tribunal Penal Internacional (CCPI)1
1. INTRODUÇÃO
Quando explode uma crise em um lugar do mundo, o Tribunal Penal Internacional (TPI) é uma
das principais ferramentas para a qual apela a comunidade internacional. Diante da ofensiva
de Gaddafi, em fevereiro de 2011, o Conselho de Segurança encaminhou a situação da Líbia
ao TPI para ser considerada. Nas crises eleitorais no Quênia e na Costa de Marfim o papel
representado pela Corte serviu para diminuir a violência e combater a realização de maiores
violações; na Uganda, as investigações abertas pela Corte serviram de fundamento para
que se iniciem processos contra executantes do médio escalão nos tribunais ugandeses.
Também, em países como Guiné e Colômbia, onde a Corte abriu um exame preliminar2, a
presença do TPI tem servido para estimular os Estados para fortalecerem seus sistemas
judiciais nacionais.
Dez anos depois do início da vigência do Estatuto de Roma, o tratado de fundação do TPI,
existem metas atingidas (chaves deste sistema), que continuam o importante legado dos
tribunais militares internacionais de Nuremberg e de Tóquio, dos tribunais ad hoc para a Ex1
194
Este trabalho representa os pontos de vista da autora e não necessariamente a visão da Coalizão pelo Tribunal Penal Internacional.
2
O exame preliminar é a fase em que os Fiscais do TPI determinam se há base suficiente para proceder à abertura de uma investigação formal. Como parte deste processo, deve-se considerar a alçada (temporal, material e territorial ou pessoal), a admissibilidade (complementaridade e gravidade) e os interesses da justiça. Para mais informação consulte http://www.icc-cpi.int/Menus/ICC/
Structure+of+the+Court/Office+of+the+Prosecutor/Comm+and+Ref/.
Iugoslávia e Ruanda e de outros tribunais especiais ou mistos como o Tribunal Especial para Serra
Leoa. Uma destas chaves baseia-se no princípio de imunidade dos agentes estatais, quando
há a realização de crimes internacionais. Ao estabelecer que ninguém, nem o próprio Chefe de
Estado ou um Rei, está livre de ser processado por genocídio, por crimes de lesa humanidade
ou por crimes de guerra. De fato, três Chefes de Estado – Muammar Gaddafi, Omar al Bashir do
Sudão, e Laurent Gbagbo da Costa de Marfim – foram acusados pelo TPI. Gbagbo está na Haia,
esperando julgamento. E Bashir, embora continue exercendo o cargo de Presidente no Sudão,
foi considerado prófugo da justiça internacional.
Da mesma forma, através do Fundo Fiduciário de benefício às Vítimas, órgão encarregado de
implantar as indenizações ministradas pela Corte e de oferecer assistência geral, vem sido
promovida a capacitação vocacional, o tratamento psicológico e cirurgias de reconstrução para
mais de 80.000 pessoas no norte da Uganda e da República do Congo. E, em breve, a República
Centro-africana receberá, também, assistência legal. Foi assim que o Tratado conseguiu dar
apoio, não só às vítimas diretamente afetadas, mas aos familiares e comunidades atingidas por
estes crimes.
A universalidade do Estatuto de Roma continua aumentando. Agora, somam-se 121 EstadosPartes espalhados pelo mundo. No continente americano, a Corte recebeu um importante apoio
desde o início, pois, em 2002, dos 35 Estados da região, 19 já tinham validado o Estatuto. Desde
então, cada vez mais países vêm aderindo aos processos de ratificação. Neste momento, só
faltam fazer parte dessa demanda Bahamas, Cuba, El Salvador, Estados Unidos, Haiti, Jamaica e
Nicarágua. Por outro lado, organismos regionais, como a Organização dos Estados Americanos
(OEA), assumiram apoio decisivo do tribunal. De fato, a OEA emitiu, em 1999, resoluções
essenciais à Promoção do Tribunal Penal Internacional. E, em 2005, organizou seis sessões
especiais sobre o TPI para tratar de temas específicos como a cooperação dos Estados-membros
da OEA com a Corte, ou a contribuição destes Estados na Conferência de Revisão do Estatuto
de Roma, realizada em Kampala, em junho de 2010. Outros organismos, como o MERCOSUL
e a UNASUR, também emitiram declarações sobre o TPI que serviram para fortalecer o apoio
político e diplomático da Corte.
Na área de implantação, no entanto, os resultados foram menos expressivos. Atualmente,
existem, aproximadamente, 60 Estados no mundo inteiro, que adotaram a legislação parcial,
ou completa, sobre a complementaridade ou cooperação com a Corte e outros 45 que contam
com minutas, ou projetos de lei, em estágio avançado. Salvo as exceções da Argentina, Canadá,
Trinidad e Tobago e Uruguai que promulgaram a legislação que inclui, tanto disposições sobre
cooperação como a complementaridade, Chile e Nicarágua diligenciaram-na exclusivamente para
crimes de guerra. Outros países como o Brasil, a Bolívia, a Colômbia, a República Dominicana,
195
o Paraguai, o Peru, o Equador, a Venezuela, o México, a Costa Rica e Honduras apresentam
iniciativas e/ou projetos de implantação importantes, mas enfrentam morosidade e obstáculos,
por motivos que ainda não foram aprovados.
Não obstante estas estatísticas, é importante precisar que, de maneira geral, existiram sim,
avanços concretos e compromissos firmados em muitos países para adotar a legislação
sobre esse assunto e cooperar com a Corte. Porém, obstáculos políticos, mudanças de
administração, definições de outras prioridades e a ausência de um compromisso político
produziram progressos lentos, ou retrocesso, que terminou por dilatar significativamente
os processos de implantação. O presente ensaio quer refletir sobre alguns avanços e
desafios existentes em diferentes países da América Latina, em matéria de implantação,
bem como os esforços que vários atores – incluindo a Organização de Estados Americanos e
as organizações da sociedade civil – têm realizado para dar apoio à implantação do Estatuto
de Roma.
2. O PRINCÍPIO DE
COMPLEMENTARIDADE: A PEDRA
PRINCIPAL DO SISTEMA
O TPI é, sem dúvida, uma das instituições mais importantes do Direito Internacional
contemporâneo. E sua própria existência representa a aposta por um sistema universal de luta
contra a impunidade. O Estatuto de Roma contém uma série de disposições que servem como
alicerces para a estrutura orgânica da Corte, assim como as regras de funcionamento e, junto aos
crimes, incorpora princípios do Direito Penal Internacional. Muitos destes já se encontravam nos
tratados constitutivos dos Estatutos dos tribunais ad hoc, que foram extensamente desenvolvidos
pela jurisprudência daqueles tribunais.
A pedra principal do sistema estabelecido pelo Estatuto de Roma é o princípio de
complementaridade; um conceito associado à soberania dos Estados que serve como
incentivo específico para que os Estados possam exercer sua própria jurisdição ao estabelecer
que eles sejam, exatamente, os que têm a jurisdição primária para investigar e perseguir os
supostos autores de crimes que poderiam ficar sob a jurisdição da Corte3. O princípio de
196
3
Sobre o assunto, veja BROOMHALL, Bruce, International Justice and the International Criminal Court: Between Sovereignty and the
Rule of Law, Nueva York: Oxford University Press, 2003, p. 139.
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complementaridade aparece não só nos Preâmbulos4, localiza-se, pois, na porta do próprio
tratado do auto regulação do artigo 1:
“Institui-se, por meio deste documento, o Tribunal Penal Internacional (“a Corte”). A
Corte será uma instituição permanente, estará facultada para exercer sua jurisdição
sobre pessoas a respeito dos crimes mais graves de transcendência internacional, de
conformidade com o presente Estatuto e terá caráter complementar das jurisdições
penais nacionais. A competência e o funcionamento da Corte determinam-se pelas
disposições do presente Estatuto.”
Igualmente, o artigo 17 do Estatuto volta a reafirmar a complementaridade, agora como elemento
essencial na determinação da admissibilidade de uma situação:
“A Corte, considerando o décimo parágrafo do Preâmbulo e o artigo 1, resolverá a inadmissibilidade
de um assunto quando:
(a) O assunto seja objeto de uma investigação ou juízo por um Estado que tenha jurisdição
sobre ele, exceto que não esteja disposto a levar a termo a investigação ou o juízo ou não
possa realmente fazê-lo;
(b) O assunto seja objeto de investigação por um Estado que tenha jurisdição sobre ele e
tenha decidido não protocolar a ação penal contra a pessoa da qual se trate, exceto se a
decisão tenha obedecido a que não esteja disposto a levar a cabo o ajuizamento ou não
possa realmente fazê-lo;
(c) A pessoa já tenha sido processada pela conduta da qual se refere a denúncia, e a Corte
não possa antecipar o juízo conforme o disposto no parágrafo 3 do artigo 20;
(d) “O assunto não seja da gravidade suficiente para justificar a adoção de outras medidas
por parte da Corte.”
O TPI, portanto, só pode exercer sua competência quando os Estados não podem ou não
querem investigar e perseguir os supostos autores de crimes internacionais. A primeira destas
razões (quando os Estados não podem) se deve à falta de capacidades técnicas, logísticas
ou insuficiência de pessoal especializado que leve adiante tais investigações, assim como
determinadas conjunturas políticas ou de outro caráter que dificultem o começo dos processos.
4
Parágrafo 10: “Destacando que o Tribunal Penal Internacional estabelecida em virtude do presente Estatuto será complementar das
jurisdições penais nacionais”.
197
A segunda das razões (quando“não querem”) se deverá à falta de vontade, geralmente política,
para realizar as investigações ou ajuizamentos.
A cooperação internacional é a chave para garantir o efetivo funcionamento da Corte. O Preâmbulo
reconhece a necessidade de adotar medidas em nível nacional e fortalecer a cooperação internacional;
a Parte IX do Estatuto5 aborda as diretrizes e as bases desta cooperação e da assistência judicial.
Mesmo que o TPI seja uma instituição complementar às jurisdições nacionais e que a ratificação
do Estatuto apresente uma base suficiente para solicitar cooperação, diante da ausência de um
mecanismo específico que garanta a execução das decisões da Corte, é indispensável que os
Estados façam referência ao TPI na sua legislação. E que reconheçam a Corte como uma autoridade
competente autorizada para solicitar, legitimamente, a cooperação judicial e/o administrativa.
Vale assinalar que o princípio de complementaridade já foi objeto de análise na recente
jurisprudência da Corte. O governo queniano, por exemplo, impugnou a competência do TPI
de acordo com o artigo 19.2.b do Estatuto, argumentando que estava realizando investigações
nacionais sobre os fatos que suscitaram a abertura de uma investigação no Quênia por parte
do TPI. Em resposta, em 30 de agosto de 2011, os juízes da Sala de Apelações rejeitaram a
solicitação e emitiram uma decisão que descartava a solicitação do governo queniano6. De
acordo com a Sala, não é suficiente que os Estados tomem medidas para implantar o Estatuto
ou iniciem reformas judiciais. A Sala também esclareceu que:
“Os elementos definitivos de um caso concreto perante a Corte são o indivíduo e a
sua suposta conduta. Desprende-se disto que, para que o caso seja inadmissível sob
o artigo 17 (1) do Estatuto, a investigação nacional deve alcançar o mesmo indivíduo
e substancialmente a própria conduta que se apresenta nos procedimentos perante
a Corte”7.
Esta questão também foi anteriormente considerada no caso de Thomas Lubanga Dyilo, que
foi condenado, na histórica primeira sentença da Corte, há 14 anos, pelo recrutamento de
crianças soldados8.
5
Parte IX do Estatuto de Roma, “Cooperação Internacional e Assistência Judicial”. Artigos 86-102.
6
Prosecutor v Francis Kirimi Muthaura, Uhuru Muigai Kenyattay and Mohammed Hussein Ali (ICC-01/09-02/11 OA) http://www.icc-cpi.
int/iccdocs/doc/doc1223134.pdf
7
198
Ibid, pár. 39. (Tradução não oficial)
8
Tribunal Penal Internacional, Sala de Questões Preliminares I, Prosecutor v. Lubanga, Decisão de 24 de fevereiro de 2006, par. 31.
“Tendo estabelecido o conceito de caso como aquele que inclui “incidentes específicos durante os quais um ou mais crimes dentro da
jurisdição da Corte pareçam ter sido perpetrados por um ou vários suspeitos identificados”, a Sala considera que é uma condição sine qua
non para um caso que se desprende de uma investigação da situação que seja inadmissível que os procedimentos nacionais abranjam
tanto à pessoa como à conduta que representa o sujeito do caso perante a Corte.”(Tradução não oficial).
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3. IMPLANTANDO O ESTATUTO
DE ROMA NAS LEGISLAÇÕES
NACIONAIS
Os processos de implantação do Estatuto de Roma podem ser definidos, resumidamente, em
duas áreas principais: (1) adoção de disposições para tipificar em nível nacional o genocídio, os
crimes de guerra e os crimes de lesa humanidade, os princípios do Direito Penal Internacional
como a não prescrição ou a irrelevância do cargo oficial e (2) a adoção das disposições que
permitam a cooperação com o TPI (execução de ordens de detenção e entrega de suspeitos à
Corte, proteção de vítimas e testemunhas, congelamento de bens, etc.)
Ao analisar o marco legal existente dos Estados como o primeiro passo para começar a tarefa
de implantação, é possível constatar que, em geral, muitas leis nacionais são antiquadas,
incompletas e contêm falhas cruéis e desproporcionais aos padrões dos direitos humanos. O
processo de implantação do Estatuto de Roma pode oferecer uma oportunidade para abordar
tais deficiências. E melhorar os códigos penais ou códigos processuais penais que ofereçam
maior proteção e respeito a crimes internacionais e incorporem as novas tendências do direito
internacional. Neste sentido, por exemplo, alguns Estados aproveitaram estes espaços para
incluir o princípio de jurisdição universal, que outorga aos Estados a jurisdição sobre os crimes
internacionais, além dos conectores penais tradicionais como territorialidade ou personalidade.
Mas, que se deve distinguir da jurisdição internacional porque não oferece demanda para uma
investigação e perseguição por parte de um tribunal internacional. Seguindo esse molde,
Panamá adotou este mesmo princípio em seu Código Penal em 2007 (adotado para incorporar
emendas na legislação nacional que incluíssem a implantação do Estatuto) que pode exercerse perante crimes contidos no Estatuto; Argentina fez igual, por meio do artigo 3.d da Lei de
Implantação do Estatuto de Roma (Lei 26200). No caso do Uruguai incluiu-se uma disposição
sobre o princípio de jurisdição universal, embora não tenha ficado explícita, no artigo 4.2 da Lei
N° 18026.
Uma vez que as leis de implantação do Estatuto entram em vigor, elas podem ser aplicadas
a uma quantidade muito maior de casos – incluindo, certamente, casos que não sejam da
competência do TPI – ampliando, assim, a abrangência dos sistemas nacionais na sua
integridade. No entanto, uma revisão global e comparativa das leis de implantação do Estatuto
mostra que as mesmas não são uniformes em termos de qualidade, e que várias têm feito uma
implantação seletiva das diferentes disposições do Estatuto, deixando de lado a regulação de
condutas importantes.
199
Por exemplo, em alguns casos, nem todas as condutas (ou subcategorias) dos crimes
contemplados no Estatuto foram incluídas na legislação doméstica. Neste sentido, em certas
ocasiões vê-se que foram incluídos só alguns crimes de guerra e não todo o conteúdo do artigo
8; que eliminaram crimes de relação de gênero em detrimento de negociação dos textos ou que
não incluíram princípios gerais como a não prescrição. Vejamos o Chile. Uma das críticas feitas,
depois da adoção da lei sobre crimes, foi que a lei “adotava uma errônea e limitada definição
de crimes de lesa humanidade, exigindo elementos próprios dos conflitos armados; mantendo
a diferença entre conflitos armados internacionais e não internacionais no que diz respeito à
punição de crimes de guerra, pese à tendência mundial à eliminação dela; e define uma parte
importante das condutas sancionadas sobre a base do Código Penal nacional e não sobre os
instrumentos internacionais vigentes no país”9.
Um tema que gerou muitas interpretações diz respeito à possibilidade de o Estatuto de Roma
estabelecer, ou não, uma obrigação legal de implementação. Sobre o assunto, não há consenso,
muitos afirmam que, embora o Estatuto não formule a obrigação expressa de implementar, o
que pode derivar essa obrigação do objeto e fim do tratado, não só sobre a base do princípio
de complementaridade, mas também da obrigação que têm os Estados-Partes do Estatuto
de cooperar com a Corte (o dever de cooperar, sim, está estabelecido expressamente como
obrigação no Estatuto)10.
O artigo 86 estabelece a obrigação dos Estados-Partes de cooperar com a Corte e o artigo
88 indica que os Estados-Parte “assegurarão que no direito interno existam procedimentos
aplicáveis a todas as formas de cooperação especificadas na presente parte”. Por sua vez, o artigo
70 (4) estabelece que:
“a) Todo Estado-Parte fará extensivas suas leis penais que castiguem os delitos
contra a integridade do seu próprio procedimento de investigação ou ajuizamento
aos delitos contra a administração de justiça a que se faz referência em este artigo e
sejam cometidos em seu território ou por um de seus nacionais;”
Desta maneira, poder-se-ia afirmar que a implantação de crimes e princípios gerais do Direito
Penal Internacional, contidos no Estatuto, é uma obrigação indireta, enquanto que a implantação
de disposições sobre cooperação é resultante da obrigação vinculante que se desprende
diretamente do Estatuto.
9
A respeito, veja MATURANA, Camila, Una década después Chile se integra a lo Tribunal Penal Internacional, Em: Latinoamérica al
día, Edición 1. http://www.coalitionfortheicc.org/documents/LAC_Update_Issue1__final.pdf
200
10
A respeito veja KLEFFNER, Jann, The Impact of Complementarity on National Implementation of Substantive International Criminal
Law, En: Journal of International Criminal Justice, Vol. 1, N° 1 (2003), pp. 88-89.
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É importante lembrar que o artigo 27 da Convenção de Viena, sobre Direito dos Tratados, dispõe
que o Estado não poderá alegar a impossibilidade de cumprir com uma obrigação internacional,
devido a algum impedimento constante da legislação interna. Já que o sistema estabelecido pelo
Estatuto de Roma não tem um órgão encarregado de monitoramento da implantação do tratado,
são os próprios Estados os que devem revisar, substancialmente, suas leis.
Em outras palavras, ao reconhecer que o Estatuto não deva ser considerado como um umbral
máximo, mas bem como um mínimo indispensável, os Estados devem determinar os passos
para o cumprimento de suas obrigações. Vejamos, mais atentamente, estas questões:
os crimes do Estatuto na legislação nacional foram caracterizados? Os obstáculos para a
investigação e punição penal, como a irrelevância do cargo oficial (Art. 27), a responsabilidade
do chefe e outros superiores (Art. 28) e a obediência devida (Art. 33 RS), assim como as
exceções ao princípio de ne bis in idem (Art. 20) foram revisados? A não prescrição dos
crimes internacionais foi estabelecida internamente (Art. 29)? As penas específicas para cada
delito com o objetivo de garantir o princípio de legalidade foram incorporadas devidamente
no Estatuto? Seria mais conveniente abordar o processo de implantação através de uma lei
especial, um Código específico, reformas pontuais ou remissão direta do Estatuto? Estas são
algumas questões relevantes que os Estados devem considerar para realizar a implantação
integral do Estatuto.
4. O PAPEL DA ORGANIZAÇÃO DOS
ESTADOS AMERICANOS
A Organização dos Estados Americanos é, talvez, uma das organizações regionais mais
comprometidas com a Corte. As primeiras resoluções e informes de seus órgãos datam de 1999,
suas resoluções dirigidas à promoção do TPI se iniciaram em 2001, com mandatos concretos
aos diferentes órgãos de sua instituição e apresentam um balanço positivo. A exemplo disso, a
OEA também adotou, em 2011, uma “Troca de cartas com o intuito de um acordo de cooperação
com o Tribunal Penal Internacional”. Por sua vez, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
formulou um Acordo de cooperação com o Tribunal Penal Internacional em abril de 2012.
As resoluções sobre a “Promoção do Tribunal Penal Internacional” desempenharam um papel
chave no sistema interamericano e serviram de estímulo e um vínculo permanente para os
Estados, lembrando-lhes de suas obrigações pendentes. Além disso, as mesmas resoluções
destacam, anualmente, os prêmios e progresso dos Estados da Corte em si. Por sua parte, O
Comitê Jurídico Interamericano (CJI), com o apoio do Departamento de Direito Internacional,
201
elaborou um conjunto de recomendações em seus informes. Os temas vão da necessidade de
ratificar o Estatuto e o Acordo sobre o Privilégio e Imunidade do TPI até oferecimentos de apoio
aos Estados para implementação do Estatuto em suas legislações nacionais.
Também, entre outras atividades, o CJI elaborou um questionário para medir o grau de habilidade
das legislações nacionais em relação à cooperação da Corte. Um total de 17 países responderam.
O comitê adotou as seguintes textos: Guia de Princípios Gerais e Pautas em Matéria de
Cooperação dos Estados com o Tribunal Penal Internacional (CJI/ doc. 293/08)11, o “Informe
sobre as atividades de promoção do Tribunal Penal Internacional e textos-modelo para crimes
contemplados no Estatuto de Roma” (CJI/doc. 360/10 rev. 1) e seu Informe complementário
(CJI/doc. 374/11)12.
5. EXPERIÊNCIAS COMPARADAS EM
MATÉRIA DE IMPLANTAÇÃO
A realidade, em matéria de implantação, é complexa e, mesmo nos casos em que existiu
uma vontade genuína em avançar no tema, são evidentes importantes desenvolvimentos –
incluindo-se a adoção de leis. Os processos em geral se estenderam por muito tempo na
maioria dos países. Desde 2002, quando entrou em vigor o Estatuto, na maior parte dos
países que são Estados-Partes no tratado foi impulsionada algum tipo de iniciativa relativa à
implantação, fato que dificulta retratar os processos em todo o continente americano em sua
integridade. Vejamos, mais de perto, as experiências da Bolívia, do Peru, do Chile, do México
e da Colômbia.
5.1 BOLÍVIA
Bolívia é exemplo representativo de um processo que já leva quase oito anos. Em setembro
de 2004, a Defensoria do Povo da Bolívia contratou uma consultoria especializada, encarregada
de preparar um Pré-projeto de Lei para Implantação do Estatuto de Roma. Aprovado em 2005
por esta entidade, o projeto propunha a implantação, através da adoção de uma lei especial
de implantação integral, que contava com disposições tanto de complementaridade, quanto de
cooperação. Em fevereiro de 2006, o pré-projeto foi apresentado ao Congresso, com o apoio da
11
O Guia de princípios em matéria de cooperação é um instrumento de referência para os Estados da OEA que tem como objetivo assegurar que se implantem procedimentos internos de cooperação com o TPI. O guia indica que a ausência de procedimentos na legislação
nacional para cooperar com a Corte não pode ser utilizada como desculpa para negar a cooperação solicitada. Pode ser consultada em:
http://www.oas.org/cji/CJI-RES_140_LXXII-O-08_esp.pdf.
202
12
http://www.oas.org/es/sla/cji/docs/INFOANUAL.CJI.2011.ESP.pdf.
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Defensoria, mas o debate foi adiado devido a outras prioridades políticas no país. O processo foi
parado até 201113.
Atualmente, o governo boliviano está trabalhando em cima de uma reforma do Código de Processo
Penal e do Código Penal em si. Para este trabalho, estabeleceu-se que a Comissão Redatora,
subsidiada pelo Ministério da Justiça, tomará como referência o pré-projeto de 2005. O trabalho
foi retomado, não por meio de uma lei especial, mas por meio da incorporação de capítulos
específicos dentro do próprio Código de Processo Penal e dentro do Código Penal, incorporando
as disposições sobre cooperação e complementaridade respectivamente. Entre outros, é
importante destacar que um dos elementos que deu novo fôlego ao processo é a Constituição
que entrou em vigência em 2009, estabelecendo que, em seu artigo 13(IV), os direitos e deveres
consagrados na Constituição deverão ser interpretados de acordo com os tratados internacionais
ratificados pela Bolívia. Também, a implantação do Estatuto fora incorporada expressamente no
Plano Nacional de Ação de Direitos Humanos de Bolívia (Bolívia Para Viver Bem), no período
2009-2013. Feito isto, o governo, em seu Exame Periódico Universal, perante o Conselho de
Direitos Humanos, manteve o tema como presente na agenda.
5.2 MÉXICO
No México, o processo de implantação também foi marcado por altos e baixos. Em dezembro de
2006, o Executivo Federal submeteu uma iniciativa de lei que regulamentaria o parágrafo quinto
do artigo 21 constitucional, em matéria de cooperação com o TPI perante o Senado. No dia 15
de dezembro de 2009, o Senado da República aprovou o projeto de Lei conhecido como Lei
de cooperação com o Tribunal Penal Internacional. Porém, ainda quando o projeto voltou para a
Câmara de Deputados para ser examinado, o foco político no governo e no Congresso voltou-se
para outros temas, resultando na permanência desse projeto sob os cuidados da Comissão de
Justiça da Câmara. Até o momento, não se agendou una discussão.
O projeto de lei compreende a maioria dos elementos necessários para uma efetiva cooperação
com a Corte, mas alguns membros da sociedade civil expressaram que seria oportuno “afastarse o possível do modelo de cooperação entre Estados típico dos procedimentos de extradição,
para criar um modelo que facilite e agilize a execução das solicitações de cooperação, com
atenção especial à relação da Corte com os Estados”14, assim como “implementar os delitos
contra a administração de justiça do TPI”, entre outros.
13
É importante lembrar que, em 2009, foram feitas modificações no Pré-projeto sobre a base da adoção da nova Constituição. Desta
forma, no contexto das solicitações emitidas, a Bolívia emitiu os Autos Supremos 262/2009 e 302/2007 acatando sua obrigatoriedade de
cooperar com a Corte.
14
Manual para a Implantação do Estatuto de Roma na Legislação Mexicana da Comissão de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos. http://www.cmdpdh.org/docs/manualcpi.pdf.
203
Durante a Conferência
de Revisão de 2010, o
Chile se comprometeu
publicamente em
“Efetuar todos os
esforços possíveis
encaminhados
para apresentar no
Parlamento Nacional
um Projeto de Lei
sobre cooperação
com o Tribunal Penal
Internacional [...]”.
Enquanto aos crimes e princípios gerais, em
janeiro de 2008, as deputadas federais Omeheira
López e Esmeralda Cárdenas apresentaram, na
Câmara de Deputados, um projeto de ditame
que propunha reformar diversas disposições
do Código Penal Federal, do Código de Justiça
Militar, da Lei geral da Saúde e do Código
Federal de Procedimentos Penais. O esforço
representou interessante iniciativa, mas o
projeto recebeu duras críticas e não avançou.
No âmbito da Conferência de Revisão do Estatuto
de Roma, celebrada em Kampala, Uganda, em
2010, o México se comprometeu em apresentar
uma proposta legislativa nesta matéria durante
o primeiro trimestre de 2011. Em setembro de 2010, a Comissão Inter Secretariados de Direito
Internacional Humanitário (CIDIH)-México já havia estabelecido um grupo de trabalho encarregado
de revisar o Código Penal Federal com o objetivo de elaborar um pré-projeto de emendas integrado
pelas dependências que compõem de maneira permanente a CIDIH e incluem as Secretarias de
Defesa Nacional, Relações Exteriores, Marinha e Governo, assim como a Procuradoria Geral da
República e a Secretaria de Segurança Pública. Esse processo, no qual não tinha contado com
a participação de acadêmicos, nem de membros da sociedade civil, ainda não foi concretizado e
deverá continuar, agora, sob os cuidados do novo governo.
5.3 CHILE
No Chile, o processo de implantação em matéria de crimes foi resultado de um acordo político
que foi feito de maneira simultânea à ratificação. Em 2002, a Corte Constitucional de Chile
determinou que, para se converter num Estado-Parte do TPI, era necessário adotar uma emenda
constitucional reconhecendo a jurisdição do TPI – um requisito politicamente delicado e difícil de
se conseguir. Nos anos seguintes, apesar do apoio recebido por parte dos ex-presidentes Eduardo
Frei e Ricardo Lagos e da então Presidenta Michelle Bachelet, a ratificação enfrentou vários
desafios. O temor de perder a soberania nacional e os conceitos errados acerca da irretroatividade
da Corte criou uma forte oposição entre alguns parlamentares e membros do exército. Outro
fator que complicou e atrasou o processo foi um acordo político entre partidos, estabelecendo a
necessidade de adotar uma lei incorporando os crimes do Estatuto no ordenamento interno antes
mesmo da ratificação. Para superar estes obstáculos, foram necessários esforços coordenados
204
e ações pontuais por parte da sociedade civil.
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A Humanas, uma organização da sociedade civil que liderou esforços para dar impulso ao
processo, implementou uma campanha de educação pública de grande visibilidade que teve
muito sucesso na hora de conseguir apoio para a ratificação do Estatuto. Esta campanha foi
transmitida por rádio e utilizou, também, desenho gráfico de vanguarda em meios impressos
e na Internet, ocupando um papel fundamental no fortalecimento do apoio aos esforços em
nível nacional. A Ação Mundial de Parlamentares (PGA) teve também, um papel decisivo, pois
gerou alianças multipartidárias e assegurou que os membros do parlamento de todos os partidos
políticos pudessem se aliar para conseguir a ratificação. Outras organizações como Anistia
Internacional, a Comissão Andina de Juristas e vários outros grupos nacionais trabalharam para
assegurar que a promessa de campanha da Presidenta Bachelet de ratificar o Estatuto de Roma
se transformasse finalmente em realidade. Por outro lado, a União Europeia e o próprio TPI,
através das visitas ao país do então Presidente Philippe Kirsch, em 2007, ajudaram a esclarecer o
tema da jurisdição da Corte, a superar as diferenças da oposição e a corrigir a informação errônea
sobre o TPI que controlava certos setores.
Entre abril e maio de 2009, o Senado chileno e a Câmara de Deputados aprovaram a lei
implantando o genocídio, os crimes de guerra e os crimes de lesa humanidade, assim como a
correspondente emenda constitucional, e em junho, o Chile já tinha se convertido em EstadoParte no Estatuto.
Durante a Conferência de Revisão de 2010, o Chile se comprometeu publicamente em “Efetuar
todos os esforços possíveis encaminhados para apresentar no Parlamento Nacional um Projeto
de Lei sobre cooperação com o Tribunal Penal Internacional, antes de dezembro de 2011.”
Este desenvolvimento ainda não aconteceu, mas em março de 2012, num desenvolvimento
interessante, o Presidente apresentou, para ser debatido na Câmara de Deputados, o
projeto Acordo que aprova a “Emenda no artigo 8 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal
Internacional’, de 10 de junho de 2010, e as “Emendas ao Estatuto de Roma do Tribunal
Penal Internacional relativas a crime de agressão”, de 11 de junho de 2010. Pouco depois,
a Comissão de Relações Exteriores aprovou-a e à submeteu à Comissão de Constituição,
Legislação, Justiça e Regulamento, onde permanece para que a comissão se manifeste sobre
“os aspectos constitucionais”.15
15
A Costa Rica também introduziu uma proposta no Congresso para adotar as emendas sobre o crime de agressão. Durante a Conferência de Revisão, Costa Rica fez uma promessa comprometendo-se a adotar um “Protocolo nacional de cooperação com o Tribunal
Penal Internacional” que desenvolva, entre outras, as disposições da Parte IX do Estatuto de Roma. O ‘Protocolo’ identificará os pontos de
enlace nacional (Direção Política Exterior MREC, Direção Jurídica MREC, Comissão Costarriquense Direito Internacional Humanitário) e o
papel das diversas instituições nacionais chamadas para aplicar uma solicitação de cooperação judicial do Tribunal Penal Internacional.
Também descreverá o procedimento aplicável desde sua recepção na Direção Jurídica do Ministério de Relações Exteriores e Culto até
a execução da solicitação. O documento definirá os princípios de complementaridade, entrega de pessoas, imunidade e pena perpétua,
à luz do Estatuto de Roma e seu correspondente no marco constitucional nacional. Por último, far-se-á um balanço sobre os temas pendentes de implantação a nível nacional e medir-se-á a possibilidade de cumpri-los em médio e longo prazo. http://www.icc-cpi.int/NR/
rdonlyres/18B88265-BC63-4DFF-BE56-903F2062B797/0/RC9ENGFRASPA.pdf.
205
5.4 PERU
No Peru, os avanços foram significativos. Em 2006, entrou em vigência um capítulo do novo
Código de Processo Penal, bastante extenso e bem desenvolvido, que tratava da cooperação com
o Tribunal Penal Internacional. Em matéria de implantação de crimes, o processo não alcançou
semelhante êxito.
Em outubro de 2002, foi estabelecida uma Comissão Especial Revisora do Código Penal cujo
mandato adotava um Novo Código Penal, que incluiria, entre muitos outros elementos, os crimes
do Estatuto e princípios gerais do DPI. O projeto de lei foi apresentado ante a Comissão de Justiça
e Direitos Humanos do Congresso, mas a falta de um compromisso político multipartidário adiou
sua consideração.
Em 2006, se adotou o Código de Justiça Militar Policial e se incluiu um capítulo sobre crimes
contra o DIH. Pouco depois de sua adoção, no entanto, o Tribunal Constitucional emitiu uma
sentença, estabelecendo que a tipificação de crimes de guerra dentro deste corpo normativo era
inconstitucional. Pois, o bem jurídico protegido por estes tipos não eram estritamente castrenses
e, por isso mesmo, deviam ser incorporadas no Código Penal ordinário, dando lugar à derrogação
das disposições que incluíam os tipos penais de crimes de guerra dentro do Código de Justiça
Militar Policial.
Durante o período legislativo 2006-2011 foi adotada uma estratégia diferente, e tentou-se aprovar
o projeto como uma lei independente (PL 1707) e não como um capítulo específico dentro do
Código Penal. Esta iniciativa também não avançou e não chegou à plenária para ser discutida,
apesar da pressão incessante por parte de diversas organizações da sociedade civil que
organizaram, entre outros, capacitações dirigidas a membros das forças armadas, tomadores
de decisões e congressistas sobre o mandato e a jurisdição do TPI. O Comitê Internacional
da Cruz Vermelha também desempenhou um papel importante ao insistir, constantemente, na
importância de se implementar crimes de guerra na legislação nacional. Entre outras razões, a
ausência de um compromisso por parte do governo com o projeto e a sensibilidade dos temas a
tratar por causa do contexto político no país, afetaram o desenvolvimento do processo. Depois
das eleições presidenciais, ocorridas em 2011, e a tomada de possessão do novo Congresso,
no entanto, alguns parlamentares da Comissão de Justiça e Direitos Humanos se interessaram
em avançar com o tema e fortaleceram a comunicação com diferentes atores em busca de
promulgar uma lei independente, baseada no PL 1707 original, para fins de 201216.
206
16
Durante a Conferência de Revisão do Estatuto de Roma, Peru comprometeu-se em “realizar, antes do ano 2013, as gestões internas
para a elaboração das propostas legislativas que permitam a implantação da legislação que tipifique os crimes contidos nos artigos 5, 6,
7 e 8, do Estatuto de Roma”.
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5.5 COLÔMBIA
A experiência colombiana oferece uma perspectiva interessante a partir da ótica do processo de
implantação num país que continua sendo considerado como um exame preliminar por parte da
Corte. O Código Penal colombiano já inclui muitos dos crimes contidos no Estatuto, mas ficam
faltando, ainda, certas alterações, assim como a adoção de disposições específicas em matéria
de cooperação. Nesse contexto, no ano de 2004 e no período entre 2007-2008, apresentaram-se algumas
propostas de leis de implantação sobre cooperação, mas elas não tiveram seu trâmite respectivo
nem tiveram o número de debates necessários durante o ano legislativo. E, portanto, foram
arquivadas. Em setembro de 2010, num importante desenvolvimento, promulgou-se um novo
Código Penal Militar em que se estabelecia que o genocídio, os crimes de lesa humanidade, os
crimes de guerra, as graves violações dos direitos humanos e as graves infrações ao DIH não
eram da alçada da Justiça Penal Militar.
O governo colombiano expressou, em diversos foros, há mais de dois anos, que está trabalhando
em uma lei sobre cooperação com a Corte que estaria por ser apresentada ao Congresso, mas até
agora, ainda permanece sob observação, por parte do TPI, desde 2006, sem conseguir finalizar
o processo. Em maio de 2011, assinou o primeiro acordo de execução de sentenças com o TPI
da região. De igual forma, em 2012, apoiou, por meio da Defensoria Pública, uma parlamentar.
E, também, apresentou um projeto para harmonizar a tipificação de delitos de violência sexual
com o Estatuto e as normas internacionais de Direitos Humanos que, espera-se, seja debatida
este ano.
6. O PAPEL DA SOCIEDADE CIVIL E
DOS ACADÊMICOS
A sociedade civil foi uma importante contrapartida na tarefa da implantação, monitorando os
processos em diversos países para identificar oportunidades para a ação ou em momentos chaves
em que seria oportuno incidir, tais como a posse de novos governos ou a revisão dos países no
contexto do Exame Periódico Universal. Em particular, a Coalizão pelo Tribunal Penal Internacional
(CCPI), uma aliança global de mais de 2.500 organizações de 150 países, manteve um diálogo
próximo com seus membros globais para assegurar que estes mesmos processos permaneçam
na agenda política dos governos, já que diversas prioridades podem adiar a consideração dos
projetos. O Secretariado da CCPI não tomou uma postura específica a respeito do conteúdo
207
PERSEGUIDOS POLÍTICOS RECEBEM CERTIFICADOS DE ANISTIA
EM HOMENAGEM PÚBLICA, UFMG/MG, BELO HORIZONTE/MG,
30 DE NOVEMBRO DE 2012.
FONTE: ACERVO DA COMISSÃO DE ANISTIA.
da legislação, mas nomeou expertos ou contrapartes que possam fazer comentários e analisar
os governos ou os parlamentares, servindo como facilitadores e vínculos comprometidos com
estes temas. De fato, muitos membros da Coalizão contribuíram com comentários diretos sobre
projetos de lei na América Latina e trabalharam de maneira muito próxima com parlamentares
para dar impulso a estas atividades.
A Anistia Internacional foi um motor importante, emitindo cartas públicas, fazendo um
chamado à ação, realizando missões e fazendo comentários diretamente às minutas em
vários países da região, incluindo o Brasil, a Bolívia, o Peru e o Panamá, só a título de menção.
Sua Lista de requisitos para a aplicação efetiva do Estatuto, disponível em espanhol e em
outros idiomas, foi uma ferramenta útil para tomadores de decisões e representantes
governamentais. De igual maneira, a Comissão Andina de Juristas organizou, desde 2005,
mais de 16 seminários dirigidos a representantes governamentais na Bolívia, no Chile, no
Peru, na Colômbia e na Venezuela; publicou quatro livros sobre implantação na região andina,
o qual foi distribuído amplamente a diferentes operadores judiciais, representantes do
governo e outros atores e estabeleceu um observatório de Direito Penal Internacional virtual
208
que inclui um enfoque sobre o TPI e o acesso a distintas publicações sobre a matéria. De
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igual forma, Parlamentares pela Ação Mundial, uma rede de legisladores influentes no mundo
todo, tem sido instrumental na promulgação de legislação na Argentina, no Chile, no Uruguai
e na Nicarágua, assim como em outros países como Suriname, República Dominicana, Brasil
e Venezuela seus membros continuam liderando esforços que resultaram indispensáveis
para se conseguir acordos políticos e gerar consenso.
O mundo acadêmico também fez contribuições muito importantes no processo de implantação
do Estatuto de Roma. O Grupo de Trabalho sobre Direito Penal, dirigido pelo Professor Kai Ambos,
que inclui acadêmicos da Venezuela, do Chile, do Brasil, da Bolívia, do México, da Argentina, do
Uruguai, da Colômbia e do Peru, entre outros, publicou três livros – com o apoio da Fundação Konrad
Adenauer – que abordam a problemática da implantação do Estatuto de Roma e a cooperação
judicial com o TPI. O Instituto de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Peru
também publicou um livro virtual sobre o crime de agressão que sintetiza os objetivos atingidos
sobre o tema durante a Conferência de Revisão de Kampala e identifica desafios e oportunidades
para a implantação deste crime dentro dos ordenamentos internos. Existem, também, muitas
outras publicações de universidades na região, incluídas a Universidade Ibero-americana de
México, a UNAM, a Universidade Nacional de Colômbia, entre outras.
7. TAREFAS PENDENTES PARA A
PRÓXIMA DÉCADA?
O TPI é uma ferramenta essencial na luta contra a impunidade e uma instituição que se tem
consolidado decisivamente dentro da arquitetura global da paz e da justiça. A América Latina ficou
comprometida com a Corte, outorgando-lhe apoio político e diplomático, e diversos organismos
regionais como a OEA deram início a ações que serviram para fortalecer o sistema estabelecido
pelo Estatuto de Roma. Apesar de ter dado passos importantes para assegurar a universalidade
do tratado, em termos de implantação, ainda existem obstáculos decisivos por superar. Este
ensaio abordou só alguns exemplos dos processos em diversos países da região, destacando
desafios e avanços comparativos. O panorama, porém, é muito mais amplo e complexo.
Durante a Conferência de Revisão em Kampala, Chile, Colômbia, Costa Rica, Peru, México e
Venezuela foram adotadas promessas vinculadas à implantação e à cooperação, mencionandose, expressamente, o compromisso em avançar com suas tarefas pendentes nesta área.17 Em
17
Argentina e Trinidad e Tobago também apresentaram promessas durante a Conferência de Revisão. Argentina comprometeu-se em
tentar firmar um acordo de deslocamento de testemunhas, enquanto Trindade e Tobago se comprometeu em socializar sua lei de implantação para que possa servir como lei modelo e em promover a adoção do Acordo sobre Privilégios e Imunidades do TPI.
209
alguns Estados, se percebem avanços; em outros ainda faltam ações concretas. Cada Estado
enfrenta um cenário particular em que são as dinâmicas políticas, o contexto legislativo, as
prioridades governamentais e a vontade de avançar com o tema o que define o compromisso,
a ação e os tempos necessários para mover estes processos que, pela sua própria natureza,
são menos visíveis, mais técnicos e menos participativos. A vigilância e a participação da
sociedade civil nestes espaços foram essenciais para que se mantenham na agenda política dos
governos. As contribuições acadêmicas também ofereceram valiosos insumos para continuar
o debate sobre a melhor maneira de garantir um processo de implantação integral que inclua,
tanto disposições sobre crimes e princípios do Direito Penal Internacional, quanto mecanismos
efetivos de cooperação com o TPI.
No geral, a justiça internacional mantém um desenvolvimento acelerado. Mas, sem um
progresso paralelo, em nível nacional, a sinergia que alimenta este sistema baseado no principio
de complementaridade debilitar-se-á. O Tribunal Penal Internacional foi desenhado como uma
corte de última instância, que só poderá julgar um número reduzido de crimes e casos mais
graves e, por isso, é necessário que os Estados fortaleçam sua legislação nacional e elevem seus
padrões em matéria de direitos humanos. Só dessa forma, poderá garantir que se investiguem
e punam os crimes internacionais de maneira efetiva. Nesta nova década, para o TPI, esse é um
desafio central que permanece vigente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BROOMHALL, Bruce, International Justice and the International Criminal Court: Between
Sovereignty and the Rule of Law, Nueva York: Oxford University Press, 2003.
Guía de Principios Generales y Pautas en Materia de Cooperación de los Estados con lo Tribunal
Penal Internacional (CJI/doc.293/08). Pode ser consultada em: http://www.oas.org/cji/CJI-RES_140_
LXXII-O-08_esp.pdf.
Informe sobre las actividades de promoción de lo Tribunal Penal Internacional y textos modelo
para crímenes contemplados en el Estatuto de Roma (CJI/doc.360/10 rev. 1) y su Informe
complementario (CJI/doc.374/11). Podem ser consultados em: http://www.oas.org/es/sla/cji/docs/
INFOANUAL.CJI.2011.ESP.pdf
KLEFFNER, Jann, The Impact of Complementarity on National Implementation of Substantive
International Criminal Law, En: Journal of International Criminal Justice, Vol. 1, N° 1 (2003).
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ARTIGOS
ACADÊMICOS
DOSSIÊ
ESPECIAL
DOCUMENTOS
Manual para la Implementación del Estatuto de Roma en la Legislación Mexicana de la Comisión
de Defensa y Promoción de los Derechos Humanos. Pode ser consultada em: http://www.cmdpdh.
org/docs/manualcpi.pdf .
MATURANA, Camila, Una década después Chile se integra a lo Tribunal Penal Internacional, En:
Latinoamérica al dia, Edición 1. Pode ser consultado em: http://www.coalitionfortheicc.org/documents/
LAC_Update_Issue1__final.pdf.
A IMPLANTAÇÃO DO ESTATUTO DE ROMA NO CONTINENTE AMERICANO: UM
OLHAR SOBRE ALGUNS ESFORÇOS, AVANÇOS E DESAFIOS
FRANCESCA VARDA
Coordenadora para as Américas da Coalición por la Corte Penal Internacional (CCPI).
66a CARAVANA DA ANISTIA, PÚBLICO NA SESSÃO DE JULGAMENTO, MEMORIAL DA RESISTÊNCIA, SÃO PAULO/SP, 8 DE DEZEMBRO DE 2012.
FONTE: ACERVO DA COMISSÃO DE ANISTIA.
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a implantação do estatuto de roma no continente americano