Trabalho em prisão: aspectos constitucionais1
Aldacy Rachid Coutinho2
Jefferson Augusto de Paula3
Marcelo Wanderley Guimarães4
Thayse Thomé5
Karla Goulart6
1. Da pesquisa
A presente pesquisa analisa o trabalho realizado pelos presos no interior dos
estabelecimentos prisionais no Paraná7 e, em particular, na Penitenciária Central do Estado PCE e na Penitenciária Industrial de Guarapuava – PIG, tendo como objetivo identificar
práticas que permitem a construção da subjetividade do “ser trabalhador” e a adequação
constitucional dos dispositivos legais que os excluem do âmbito do direito do trabalho.
A PCE foi escolhida por ser, atualmente, a unidade mais antiga do Estado.8 Sua
construção iniciou em maio de 1944, com diversas paralisações, tendo suas obras reiniciadas
em 1951, período em que foi concluída e inaugurada. Foi então considerada uma instituição
modelo,9 com grande quantidade de oficinas e serviços desenvolvidos pelos presos até a
1
O presente trabalho foi realizado num dos Grupos de Estudos da Academia Brasileira de Direito Constitucional
no ano de 2006.
2
Mestre e Doutora em Direito pela UFPR. Professora de Direito do Trabalho da UFPR. Advogada e Procuradora
do Estado do Paraná.
3
Mestrando em Direito pela UNIVALI. Professor de Direito Constitucional da OPET. Advogado.
4
Mestrando em Direito pela UFPR. Advogado.
5
Advogada
6
Acadêmica de Direito pela PUC/PR
7
Existem, atualmente, no Estado do Paraná 18 estabelecimentos prisionais, sendo eles: 1.Penitenciária Central
do Estado – PCE; 2. Centro de Observação Criminológica e Triagem – COT; 3. Centro de Detenção e
Ressocialização de Piraquara – CDRP; 4. Complexo Médico-Penal - CMP; 5. Penitenciária Estadual de Londrina
- PEL; 6. Penitenciária Estadual de Maringá - PEM; 7. Penitenciária Estadual de Ponta Grossa - PEPG; 8.
Regime Semi-Aberto Penitenciária Waldemar Teodoro de Ponta Grossa - RAPG; 9. Penitenciária Feminina do
Paraná - PFP; 10. Penitenciária Feminina de Regime Semi-Aberto – PFA; 11. Colônia Penal Agrícola - CPA; 12.
Casa de Custódia de Curitiba - CCC; 13. Casa de Custódia de Londrina - CCL; 14. Penitenciária Estadual de
Piraquara - PEP; 15. Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu - PEF; 16. Centro de Detenção Provisória de São
José dos Pinhais; 17. Penitenciária industrial de Cascavel – PIC; 18. Penitenciária Industrial de Guarapuava –
PIG.
8
A primeira penitenciária criada no estado do Paraná foi Prisão Provisória de Curitiba – PPC, sua “origem data
de 5 de janeiro de 1909, não se tendo notícias de inauguração formal, sendo denominada inicialmente como
Penitenciária do Estado”. Disponível em http://www.pr.gov.br/depen/pen_ppc.shtml. Porém, em 31/08/06 foi
desativada, sendo a maioria dos presos transferidos para o Centro de Detenção e Ressocialização de Piraquara –
CDRP.
9
(...) quando de sua inauguração foi declarada como a maior e mais moderna penitenciária da América Latina,
com capacidade para 522 celas individuais com 10 metros quadrados. Possuía modernas instalações de
1
grande rebelião ocorrida em junho de 2001,10 quando todas as oficinas e os materiais foram
queimados, mudando por completo sua estrutura de trabalho.
A escolha da PIG, por sua parte, deu-se por ser a primeira Penitenciária Industrial do
Brasil (prisão- empresa). Inaugurada em 12 de novembro de 1999, com capacidade para
abrigar 240 internos do sexo masculino que cumprem pena em regime fechado, foi construída
com recursos dos Governos Federal e Estadual, com um custo (incluído projeto, obra e
circuito de tv) total de R$ 5.323.360,00, sendo 80% oriundos de Convênio mantido com o
Ministério da Justiça e 20% de recursos próprios do Estado do Paraná. O projeto arquitetônico
previu uma área destinada à indústria de mais de 1.800 m2;11 no barracão da fábrica
trabalham 70% dos internos, distribuídos em três turnos de 6 horas. Cada preso trabalhador
recebe 75% do salário mínimo, eis que os demais 25% são repassados ao Fundo Penitenciário
do Paraná como taxa de administração.
A opção por ambas penitenciárias também foi motivada pela diferença existente
quanto à operacionalização,12 já que a PCE sempre esteve nas mãos do Estado, enquanto que
a PIG foi também pioneira na terceirização, sendo a primeira unidade prisional, segundo o
DEPEN, a ter toda a sua operacionalização executada por empresa privada contratada pelo
Estado, através de processo licitatório, a saber, “infra-estrutura de pessoal (segurança,
técnicos, administrativos, serviços gerais), material de expediente, de limpeza, alimentação,
medicamentos, uniformes, material de higiene pessoal, roupa de cama, etc.”.13 O Estado
permanecia somente com o controle e administração da custódia do preso, mas decidiu pela
lavanderia, padaria, cozinha, 2 câmaras frigoríficas, 6 refeitórios de 76 metros quadrados, 6 salas de aula, capela,
templo protestante e 10 salões para oficinas com 300 metros quadrados cada uma. Possuía ainda instalações para
serviço médico, laboratório, farmácia, serviço odontológico e conjunto cirúrgico, uma cozinha dietética, 14 salas
individuais para observação e 4 enfermarias com capacidade total de 30 leitos. Em 1976 foram iniciadas as obras
para se construir mais uma ala com 50 celas e várias salas, pois a Unidade já demonstrava os primeiros sintomas
de superlotação carcerária. A partir daí, as celas, até então individuais, foram transformadas em coletivas,
alojando-se 2 internos em cada uma. Disponível em http://www.pr.gov.br/depen/pen_pce.shtml.
10 Fonte GAP/DEPEN – 1º semestre de 2006. Disponível em
http://www.pr.gov.br/depen/downloads/num_rebelioes.pdf. Acesso em: 12 ago. 2006.
11
De um total de área construída 7.177,42 m2. A PIG conta com 5 galerias, 120 alojamentos, 2 refeitórios, 12
quartos para visita íntima, 3 salas de aula, 1 lavanderia, 1 biblioteca, 1 cozinha, 1 consultório médico e outro
odontológico e 5 canteiros de trabalho.
12
Ressalte-se que a administração das penitenciárias sempre foi e continua sendo responsabilidade do Estado, já
que os diretores, vice-diretores e chefes de segurança são indicados pelo Estado. A terceirização ocorre em
relação a operacionalização, onde a entidade privada se responsabiliza pela contratação de equipe técnica e
assistencial formada por: psicólogos, advogados, assistente social, odontólogo, médicos (geral e psiquiátrico),
auxiliares de enfermagem, assistentes e auxiliares administrativos, técnicos de recursos humanos e de
computação, laborterapeutas, auxiliares de serviços gerais, telefonistas, motoristas e agentes penitenciários.
13
Fonte GAP/DEPEN – 1º semestre de 2006. Disponível em http://www.pr.gov.br/depen. Acesso em 1 de junho
de 2007.
2
retomada das unidades terceirizadas.14 Atualmente, todas as penitenciárias do Paraná são
operacionalizadas diretamente pelo Estado.
O objeto específico e central do estudo visa perceber a maneira como o trabalho
prisional é realizado, as empresas se inserem no sistema prisional e sob que condições se
submetem e quais as regras jurídicas que disciplinam o assunto. Para tanto, foi necessário
entender o significado do trabalho para as pessoas encarceradas, ou seja, como viam e se
identificavam no trabalho realizado, já que sua situação era completamente diversa dos
demais trabalhadores inseridos no mundo do trabalho, regidos pela Consolidação das Leis do
Trabalho.
Inicialmente tem-se que o trabalho do preso é, ao contrário do previsto para os
empregados urbanos, rurais e domésticos, considerado como um dever social, além de
expressão de condição de dignidade humana, possuindo finalidade tanto educativa quanto
produtiva.15
Mister precisar, ademais, que existem diversas formas de trabalho desempenhado
pelos presos e, dentre elas, o trabalho interno realizado pelos detentos, tais como serviços de
faxina, cozinha, jardinagem, serviços de construção civil em geral, enfim todos aqueles
necessários à manutenção do local (trabalho não produtivo), assim como o trabalho ofertado
pela própria família, ou igreja, que fornece a matéria-prima, essencialmente para produção de
peças de artesanato, com o especial escopo de ocupar o tempo dos presos16 (apropriação da
utilidade econômica própria) e, por fim, aquele produtivo, desenvolvido em canteiros de
trabalho instalados no interior das penitenciárias (apropriação alheia da utilidade econômica
do trabalho). A responsabilidade por tais canteiros é da própria instituição ou do particular
que se interessa pela utilização da mão-de-obra daquelas pessoas.
14
A retomada de todas as unidades terceirizadas no Paraná foi determinada pelo governador Roberto Requião
em cumprimento a sua promessa de campanha e, ainda, em razão da disparidade salarial entre os agentes
penitenciários contratados pelo Estado e pela empresa terceirizada. “Segundo o Sindicato dos Servidores do
Sistema Penitenciário do Paraná, o salário inicial de um agente do estado é de R$ 1.550, incluído o Adicional por
Atividade Penitenciária. Com a evolução da carreira, o vencimento pode chegar a até R$ 2,8 mil. Nas
terceirizadas, o salário é de aproximadamente R$ 800”. GAZETA DO POVO, Ex-funcionários vão à Justiça
(09/05/2006). Disponível em http://canais.ondarpc.com.br/gazetadopovo/parana/conteudo.phtml?id=561920.
Acesso em 12 de maio de 2006.
A retomada das unidades prisionais teve início em 1º de maio quando a Penitenciária Estadual de Piraquara
(PEP) voltou para as mãos do estado, em seguida houve a retomada da Casa de Custódia de Curitiba (CCC),
Casa de Custódia de Londrina (CCL), Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu (PEF), Penitenciária Industrial de
Cascavel (PIC) e, por último, a Penitenciária Industrial de Guarapuava, retomada em 02 de agosto de 2006.
15
“Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade
educativa e produtiva.
§ 1º. Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à segurança e à higiene.
§ 2º. O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho”.
16
Segundo informações da Penitenciária Central do Estado – PCE, esta modalidade de trabalho não está sendo
permitida desde as rebeliões ocorridas entre os anos de 2000 e 2001.
3
Dentre as múltiplas formas do preso realizar trabalho, o interesse maior da pesquisa se
volta exatamente para o trabalho produtivo economicamente, apropriado pela iniciativa
privada (organização capital e trabalho), desempenhado diretamente nos canteiros, em razão
de maior complexidade, mas principalmente por envolver empresas particulares que se
utilizam diretamente mão-de-obra dos detentos em trabalho econômico produtivo (inserção
em atividade econômica desenvolvida em economia capitalista de mercado, não monopolista,
para produzir bens e serviços voltados ao mercado).
Ressalte-se que a instalação de canteiros, por particulares, deve seguir determinadas
regras estabelecidas no Termo de Cooperação celebrado entre a empresa e a Secretaria de
Estado da Justiça e da Cidadania, onde são estabelecidas algumas condições a serem
observadas pelas partes e, assim, não atendem exclusivamente os interesses produtivos senão
os da administração e segurança prisional.17 O poder de organização, portanto, está limitado e
vinculado à observância de regras que visam assegurar a manutenção da integralidade do
sistema prisional.
Em relação à metodologia da pesquisa, a fim de melhor relatar tal situação, enviou-se
um ofício ao Coordenador Geral do Departamento Penitenciário, responsável pelos Termos de
Cooperação acima referidos, requerendo autorização para acesso a tais documentos; em
resposta, alegou-se que em “função da retomada das Unidades Prisionais que estavam sob a
administração da iniciativa privada e a sobrecarga de trabalho com a extinção da Prisão
Provisória de Curitiba, de momento não podemos fornecer cópia dos Convênios firmados
entre nossas Unidades Prisionais e Empresas.”18 Sendo assim, não foi possível a análise
direta das condições estabelecidas nesses convênios, as quais variam de empresa para
empresa.
2. Do preso e do sistema prisional
Antes de explicitar o caminho percorrido pelo preso na busca ou realização do
trabalho prisional, necessário se faz definir, afinal, quem é o preso trabalhador. Para os fins
deste trabalho, preso é aquele que tem sentença penal condenatória transitada em julgado –
17
Como por exemplo: o tipo de instalação a ser disponibilizada, a metragem utilizada, o consumo mensal
aproximado de energia, a voltagem, a forma de pagamento – salário-mínimo, pecúlio ou por produção, dentre
outras.
18
Ofício Nº 741/06-GAB, expedido em 1º de setembro de 2006.
4
condenado em definitivo19 - e não o preso provisório, que está com processo ainda em trâmite.
Toda pesquisa, por conseguinte, de modo mais preciso, foi empreendida em relação àquelas
pessoas que cumprem pena em regime fechado.20
O indivíduo passa da condição de preso provisório para preso definitivo quando o
juízo criminal, prolator da sentença condenatória, expede uma carta de guia ao juízo da Vara
de Execuções Penais - VEP, transferindo, nesse momento, a competência pelo preso para esta
Vara. Quando o juízo da VEP recebe a carta de guia, tem como praxe expedir também uma
guia de movimentação interna (MI – movimentação entre o sistema penitenciário), de sorte a
que o preso seja encaminhado a uma penitenciária.
Situando o exemplo de Curitiba, o preso sai de uma delegacia de Polícia, sendo
encaminhado ao COT (Centro de Observação Criminológica e Triagem), e no COT ocorre
literalmente sua entrada no sistema penitenciário, como condenado.
O COT é o órgão responsável por fazer a primeira Avaliação Técnica21 do preso,22
procedida por uma Comissão Técnica, por meio de entrevista do preso por psicólogo,
assistente social, advogado, e, pedagogo, embora este último profissional não esteja
atualmente participando como membro, face à carência de tais profissionais no sistema.
Neste exame são verificadas as circunstâncias do crime, informações sobre a família
do preso, sua vida social, sua condição psicológica, bem como, sua avaliação jurídica, tudo
com o objetivo de aferir a periculosidade do preso, definindo quais critérios devem ser
observados no momento do cumprimento da pena, inclusive a disponibilidade para o trabalho.
Feita a entrevista com o preso, todas as conclusões realizadas pelos profissionais são
armazenadas em um sistema informático do Estado e, depois disto, o preso é encaminhado
para uma unidade prisional.
A Lei de Execuções Penais - LEP prevê que cada preso cumprirá sua pena em local
apropriado, de acordo com suas características pessoais (periculosidade), do que se poderia
interpretar que cada estado federado teria estabelecimentos prisionais específicos, e cada um,
em conformidade com suas peculiaridades, seria capaz de receber todos os tipos de presos.
Porém, neste aspecto a teoria se distancia da prática em muito, pois, na pesquisa realizada
verificou-se, consoante informações prestadas, que atualmente o sistema de ingresso do preso
19
Art. 5o, LVII, da CF “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória”.
20
Art. 33, § 2o, a; c/c, art. 34, ambos, do CP.
21
22
Anteriormente denominada de Exame Criminológico; a alteração ocorreu por força da Lei 10.792/2003.
Art. 5o ao 9o da Lei nº 7.210/84.
5
nas penitenciárias é feito de acordo com a existência de vagas em cada unidade, ou seja, o
critério não é da individualização da pena.
Cada penitenciária possui a sua Comissão Técnica, e quando o preso ingressa no
sistema, esta comissão já possui o cadastro daquele preso; logo, sabe o que de mais
importante interessa sobre o interno. Mesmo diante dessas informações, a Comissão Técnica
de cada penitenciária realiza novo estudo do detento a fim de analisar o “perfil mais
adequado dos presos ao implante de canteiros das Unidades Penais do Sistema
Penitenciário”.
Existem critérios gerais23 e específicos para a análise do preso e sua inserção nos
diversos canteiros de trabalho ofertados; tais critérios são definidos com autonomia em cada
unidade pela Comissão Técnica, também formada por psicóloga, assistente social, pedagoga e
um representante da laborterapia, a qual se reúne uma vez por semana.
De acordo com a planilha fornecida pelo Departamento Penitenciário -DEPEN, no
mês de julho de 2006 a PCE possuía 19 canteiros de trabalho, ocupando com isto o total de
420 presos, o que correspondia a 28%. Enquanto que a PIG, no mesmo período, possuía
apenas 4 canteiros em atividade, que ocupavam 213 presos, o que correspondia a 90% do total
de presos. Segundo o DEPEN, os custodiados que não estão implantados no canteiro da
fábrica permanecem trabalhando em outros canteiros como faxina, cozinha, lavanderia e
embalagens de produtos.
Outro fator diferencial no que tange a ocupação desses condenados é que a PIG foi
construída para abrigar um pequeno número de presos (capacidade para 240 presos), onde
foram criadas oficinas de trabalhos, dado o objetivo específico da construção da unidade, qual
seja, ser uma penitenciária industrial.
CANTEIROS DE TRABALHO COM MÃO-DE-OBRA DOS PRESOS
ATIVIDADES
PCE
PIG
CANTEIROS DE MANUTENÇÃO
NO DE CANTEIROS
13
0
NO DE PRESOS OCUPADOS
82
0
CANTEIROS DE PRODUÇÃO INTERNOS DA UNIDADE
23
Dentre eles: “1) Estar no bom comportamento; 2) Não ter cometido falta grave nos últimos 3 anos; 3) Não ter
cometido falta média ou leva nos últimos 6 meses (PORT 7); 4) Não ter reincidências em faltas da mesma
natureza; 5) Não ter problemas de ordem social com demais presos; 6) Não receber auxílio reclusão; 7) Não ter
histórico de homicida, fuga, crime organizado, tráfico.”
6
NO DE CANTEIROS
O
N DE PRESOS OCUPADOS
0
0
0
0
CANTEIROS DE PRODUÇÃO POR CONVÊNIO
NO DE CANTEIROS
5
4
NO DE PRESOS OCUPADOS
299
213
1
0
39
0
NO DE CANTEIROS
19
4
NO DE PRESOS OCUPADOS
420
213
TOTAL DE PRESOS
1491
237
TAXA DE OCUPAÇÃO%
28%
90%
CANTEIROS DE ARTESANATO
NO DE CANTEIROS
O
N DE PRESOS OCUPADOS
TOTAL DE CANTEIROS
Planilha fornecida pelo GAP –Grupo Auxiliar de Planejamento do DEPEN
Embora a realização de trabalho para entidade privada requeira o consentimento
expresso do preso, consoante previsão inserta no artigo 36, § 3º da LEP, sob pena de
configurar trabalho forçado, a possibilidade de trabalho dentro da prisão e a manifestação de
vontade, neste sentido, se destina única e expressamente aos fins de remição de pena, pois o
preso não vê o trabalho como uma forma de reingressar na sociedade nem de adquirir valores
que permitam a inserção na sociedade de consumo, tendo como seu escopo principal a busca
da liberdade, no sentido mais amplo (saída do sistema prisional) ou mais restrito (circulação
interna), mas, ainda, a de ocupar o tempo ocioso.
As oportunidades de trabalho no sistema prisional a eles oferecida são escassas,
obrigando-os a trabalhar em áreas restritas, tal como o próprio trabalho manual, recebendo
apenas por produção. Muitos se recusam a trabalhar; outros não se interessam no ingresso em
uma penitenciária industrial como a de Guarapuava pelas regras rígidas a que se submetem,
como por exemplo, deixar de fumar (fumo é proibido no interior do presídio) ou somente ser
permitida a visita de familiares se estes estiverem “bem-apessoados” (de banho tomado,
limpos, com boa aparência).
Existem ainda outras formas de trabalho proporcionadas aos presos, àqueles chamados
“presos de confiança”, escolhidos pela divisão ocupacional e de qualificação da própria
penitenciária. Para obter tal beneficio, o preso passa por uma intensa análise, respeitando os
7
critérios gerais de seleção, quais sejam, estar com bom comportamento, não ter cometido falta
grave nos últimos 3 anos, não ter cometido falta média ou leve nos últimos 6 meses, não ter
reincidências em faltas da mesma natureza, não ter problemas de ordem social com os demais
presos e não ter histórico de homicida, fuga, crime organizado e tráfico.
Enquadrando-se nestes requisitos, os presos desfrutam do bem mais precioso almejado
em um presídio, a liberdade de transitar nos limites da penitenciaria, desenvolvendo funções
tanto na Administração externa e interna, jardim, conservação I, conservação II, elétrica,
faxina externa, faxina interna, faxina de galeria, rouparia, canteiros internos, fabricação de
bolas, alfaiataria, marcenaria, setor pedra, artesanato e cooperativa, o que garante uma
situação de poder interno em relação aos demais presos. Imperioso anotar, no entanto, que as
estruturas de distribuição de poder interno entre os presos não está presente no sistema
prisional industrial, mas é especialmente importante na PCE. Nota-se, assim, que a valoração
do trabalho realizado não se dá necessariamente pelo “reconhecimento social das tarefas” ou
da “qualificação” do trabalhador, nem pela remuneração percebida, estando dimensionada
prioritariamente pela conquista do que não se tem, ainda que de forma reduzida: alguma
liberdade, mesmo que de circulação interna. O trabalho livre dos empregados está igualmente
condicionado (compromisso social, persuasão, pressão, identidade), mas, sobretudo, pelo
desejo de consumo, cujos bens são acessíveis através do “ganho” como resultado do trabalho
produtivo vendido (força de trabalho).
A exploração da mão-de-obra carcerária pela empresa privada é evidente (extração de
mais-valia), máxime porquanto o custo-benefício para a empresa é extremamente inferior ao
de um empregado amparado pela CLT, pois não possuindo vinculo empregatício, não gera
efeitos patrimoniais ditos negativos (custo Brasil).
A população encarcerada que presta serviços para empresas, cada vez mais
interessadas, está inclusive se ampliando.24 Os presos se transformaram em vantagem
competitiva para as indústrias, o que inclusive gerou denúncias de concorrência desleal.
Empresas do setor de cabos instaladas em Guarulhos e fabricantes de blocos de concreto da
Região de Sorocaba denunciaram ao CIESP - Centro das Indústrias do Estado de São Paulo e
ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo a prática de concorrência desleal pelas empresas
24
Por exemplo, quase metade dos cerca de 85 mil presos das unidades administradas pela Secretaria da
Administração Penitenciária do Estado de São Paulo presta serviços às empresas. Cerca de 200 empresas
contratam os serviços de 40.512 presos no Estado de São Paulo. Jornal Folha de São Paulo. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u105377.shtml. Acesso em 31 de maio de 2007.
8
que se utilizam do trabalho dos presos, principalmente pela ausência de contrapartida, ou seja,
qualificação do preso (capital humano).25
Neste sentido, a “Funap [Funap - Fundação de Amparo ao Preso - , ligada à Secretaria
da Administração Penitenciária] admite que o interesse das empresas no preso é hoje muito
mais econômico do que social. A cada bimestre cerca de uma dúzia de empresários bate às
portas da fundação em busca dos serviços baratos dos presidiários.” 26
A ausência de regulamentação e de políticas públicas ou projeto social demonstra que
o interesse primordial das empresas ainda é o custo baixo da mão-de-obra carcerária. Segundo
Eleno José Bezerra, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, um metalúrgico
custa cerca de R$ 1.300 para a indústria por mês, incluindo encargos sociais e um preso, R$
400 mensais, no máximo, ou seja, o custo do trabalho do preso para uma indústria é, em
média, de 25% a 30%.
Como o preso não constrói sua subjetividade pela conscientização de que é cidadão
trabalhador, mas pela sua situação de preso, os movimentos reivindicatórios são praticamente
inexistentes.27 A condição de trabalhador é invisível, ficando sempre a mercê das empresas e
seus interesses.
Tendo em vista a insuficiência de regramento a disciplinar juridicamente os direitos e
condições de realização do trabalho prisional, a empresa tomadora do trabalho estabelece as
regras em conformidade com o contido no Termo de Cooperação firmado com a Secretaria de
Estado da Justiça e da Cidadania, que deliberará a respeito da remuneração ou pecúlio por
produção e, até mesmo a sua jornada de trabalho, ferindo por vezes os direitos fundamentais
do encarcerado.
A customização das empresas terceirizadas reflete no mundo livre, ao passo que gera
uma concorrência desleal aos trabalhadores não presos. Os próprios presos, como egressos, ao
se integrarem no exército de reserva, terão ainda mais dificuldades em postos de trabalho pelo
estigma que carregam, gerador de discriminação. Há, portanto, uma disparidade de interesses
entre sua força de trabalho enquanto preso e depois, como egresso.
O trabalho prisional deve retomar a sua finalidade, qual seja, a de seu enquadramento
como eixo estruturador da sociedade, mediante a reinserção do preso na sociedade,
25
Jornal Folha de São Paulo. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u105377.shtml. Acesso em 31 de maio de 2007.
26
Jornal Folha de São Paulo. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u105377.shtml. Acesso em 31 de maio de 2007.
27
Excepcionalmente algum detento procura reivindicar seus direitos, sem encontrar amparo pelo Poder
Judiciário. Por todos, ver RT-00676-2006-122-08-00-9. Jus Navigandi, Teresina, an.11, n. 1232, 15 nov. 2006.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id=728>. Acesso em: 01 jun. 2007.
9
conscientizando o encarcerado e permitindo a sua reabilitação; não deve ser visto apenas e
tão-somente como uma troca de força de trabalho pela sua liberdade.
3. Da (in)disciplina legal
Apesar da existência de canteiros de trabalho nas penitenciárias, possibilitando ao
preso trabalhar, verifica-se uma insuficiência (por vezes ausência) de regulamentação legal
específica.
Embora se diga que no Brasil existe um emaranhado de leis, ou que existe lei para
tudo, em excesso, constata-se facilmente que neste tópico há carência, talvez pela pouca
preocupação ou interesse do legislador no que se refere ao trabalho dos presidiários. Como
será visto nas linhas que seguem, raros são os textos legais que demonstram interesse pelo
assunto e tratam do tema com a atenção e a profundidade que ele, e a sociedade, merecem.
A Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1984 - LEP) é o principal diploma legal que
trata do assunto, mas mesmo assim, dos seus 204 artigos, dedica apenas 10 ao trabalho do
preso. Isso não quer dizer que a quantidade de dispositivos existentes no texto seja a solução
para uma questão tão complexa como esta, mas esse dado demonstra, desde logo, quão
afastado do interesse político se encontra este tema.
A LEP estabelece que o trabalho terá finalidade educativa e produtiva e é exercido
como dever social e como condição da dignidade humana. A LEP também determina sejam
tomadas as precauções relativas a segurança e à higiene.
Nesse ponto, está em sintonia com a Constituição Federal que estabelece a
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como
fundamentos da República Federativa do Brasil28 e com o preceito que veda a ofensa à
integridade física e moral do preso no cumprimento da pena.29
Entretanto, apesar da LEP iniciar o capítulo relativo ao trabalho prisional,
afirmando que o trabalho do condenado será exercido como condição de dignidade humana,
na seqüência, no § 2º, do mesmo art. 28, exclui esta modalidade de trabalho da proteção
assegurada pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT que, aliás, prevê que a condenação
28
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade
da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
29
Art. 5º, XLIX, da CF: “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.
10
criminal transitada em julgado é justa causa (ato faltoso do empregado) que em decorrência
do exercício do poder punitivo pelo empregador leva necessariamente à rescisão contratual.30
Interessante frisar, neste momento, que a própria LEP reconhece a finalidade
produtiva do trabalho do preso, além do objetivo educativo. Assim, pode-se concluir que a lei
admite o trabalho de cunho meramente educativo e o que se executa também com a finalidade
produtiva.
A Lei de Execuções diferencia também o trabalho interno e o trabalho externo. O
art. 31 diz que o trabalho interno é obrigatório, na medida das aptidões e capacidade do preso.
A lei determina que sejam consideradas as habilidades, a condição pessoal e as necessidades
futuras do preso. Aduz, ainda, que os idosos e os deficientes deverão ser atendidos conforme
as suas necessidades. Por fim, estabelece que a jornada será de 6 horas, no mínimo, e 8 horas,
no máximo.
Paralelamente, o art. 126 da LEP estabelece que o preso poderá remir, pelo
trabalho, parte do tempo de execução da pena, à razão de 1 dia de pena por 3 dias de trabalho,
tornando equivalente o trabalho e a pena. Por outro lado, o art. 127 prevê que na hipótese de
punição por falta grave, o condenado perderá o tempo remido, reiniciando-se novo período a
partir da data da infração. Há, portanto, condicionalidade através da conduta do preso no
cômputo dos dias de trabalho para remição; não é o trabalho pelo trabalho, mas trabalhar
como explicitação de conduta conforme.
Quando trata do trabalho externo, a lei faz referência expressa à necessidade de se
adotar as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina e, no §1º, do art. 36, anota que o
“número de presos será de 10% (dez por cento) do total de empregados na obra”.
Cabe destacar que o § 3º, do art. 36, preconiza o consentimento expresso do preso
para a prestação de trabalho à entidade privada, evidenciando, desse modo, um acordo de
vontades.
A Convenção n. 29 da Organização Internacional do Trabalho, de 1º. 05.1932, que
trata da abolição do trabalho forçado, foi ratificada pelo Brasil em 25.04.1957, entrando em
vigor em nosso país 1 ano depois. De acordo com esta norma internacional, os países que a
ratificam se obrigam a banir toda espécie de trabalho forçado.
Nos termos do art. 2-1, da Convenção 29 da OIT, trabalho forçado é aquele
exigido sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual o indivíduo não se ofereceu
espontaneamente. A letra “c”, item 2, do art. 2, entretanto, diz que não se considera trabalho
30
CLT, art. 482. [...] d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido
suspensão da execução da pena.
11
forçado o exigido de um indivíduo em razão de condenação judicial, “contanto que esse
trabalho ou serviço seja executado sob a fiscalização e o controle das que autoridades
públicas e que dito indivíduo não seja posto à disposição de particulares, companhias ou
pessoas privadas;”.
Daí decorre que aquela exigência do § 3º, do art. 36, da LEP, está em consonância
com disposições da Organização Internacional do Trabalho a respeito do tema, ou seja, para a
realização de trabalho para entidade privada, é necessário o consentimento expresso do preso,
sob pena de se considerar tal situação como configuradora de trabalho forçado.
Por outro lado, a conclusão é no sentido de que o trabalho a entidade pública,
como parte da execução da pena, seja de natureza produtiva ou educativa, não requer
consentimento do preso e não se considera trabalho forçado, conforme a previsão contida na
Convenção 29 da OIT.
Portanto, é possível estabelecer uma baliza que divide o trabalho do preso em pelo
menos duas categorias: 1) a primeira é o trabalho exigido do preso como parte da execução da
pena, independente da sua vontade, sob o jugo exclusivo do Estado; 2) a segunda, que
depende da vontade do preso, porque assim o exige a LEP e a Convenção 29 da OIT, prestado
a entidades privadas.
Disso decorre que o Estado não pode transferir a entidade privada o direito de
exigir trabalho do preso. Poderá a entidade privada receber trabalho do presidiário, desde que
este expressamente o consinta.
Relembre-se que a LEP estabelece duas finalidades básicas para o trabalho do
preso, a educativa e a produtiva. Havendo finalidade produtiva no trabalho, sendo ele prestado
a entidade privada, sempre se exigirá o consentimento expresso do preso, de acordo com o art.
29 da LEP e será ele remunerado em valor não inferior a ¾ do salário mínimo.
Observa-se que o art. 34 da LEP, na seção que trata do trabalho interno, estabelece
que o trabalho poderá ser gerenciado por fundação ou empresa pública e terá por objetivo a
formação profissional do condenado. A lei diz que cabe à entidade promover a gerência e a
supervisão da produção, observando critérios e métodos empresariais.
O parágrafo 2º, do art. 34, por sua vez, acrescentado pela Lei 10.792/2003,
autoriza a formalização de convênios com a iniciativa privada para implantação de oficinas de
trabalho referentes a setores de apoio dos presídios.
Portanto, o uso irrestrito dos convênios em atividades desvinculadas dos setores de
apoio dos presídios, contraria o dispositivo legal referido.
12
A Lei igualmente estabelece que o produto do trabalho deverá atender a finalidade
de indenização dos danos causados, desde que fixada a obrigação em sentença condenatória, a
assistência à família, pequenas despesas pessoais, ressarcimento ao Estado e à composição de
pecúlio para o futuro.
Verifica-se, assim, que o trabalho do condenado pode possuir várias facetas, dentre
as quais cabe citar: educativa, produtiva, reparação do dano, subsistência de si e da família,
composição de pecúlio, remição da pena, ressarcimento do estado. Além dessa, outras razões
poderiam ser enumeradas pelas quais os presos optam pelo trabalho nos presídios, dentre elas:
ocupação do tempo ocioso, obtenção de recursos, remição da pena, etc.
Por conseguinte, diante de situações fáticas nitidamente distintas umas das outras,
nas quais o trabalho se insere como um elemento, podendo adaptar-se, conforme o caso, a um
ou a outra finalidade, há que se estabelecer um tratamento jurídico adequado para cada uma
delas, não podendo se alcançar uma situação jurídica igual para características de fato
diferentes.
Nas penitenciárias eleitas para análise neste estudo, as regras a respeito do trabalho
do preso são ditadas pelos respectivos regimentos internos. Convém frisar que a Penitenciária
Industrial de Guarapuava (PIG) foi criada em data relativamente recente, pelo Decreto n. 3922
de 05.01.1998, ao passo que a Penitenciária Central do Estado (PCE) já se encontra em
operação por décadas, inaugurada em 1º de dezembro de 1954.
Não obstante a PIG tenha em sua origem o objetivo de ser um presídio dedicado
ao trabalho, tanto que tem em seu nome o adjetivo industrial, as regras sobre o trabalho do
preso são escassas e, no mais das vezes, repetem as regras que já existiam no âmbito da antiga
PCE.
Em ambas penitenciárias é tarefa da Divisão Ocupacional e de Produção - DIPRO
a promoção da assistência educacional, o treinamento e a qualificação dos internos, a
execução das atividades de manutenção do estabelecimento penal, a execução dos serviços
essenciais ao funcionamento da unidade, e a coordenação das atividades produtivas e de
13
laborterapia.31 E função da Seção de Educação e Qualificação promover e coordenar
atividades de capacitação e profissionalização dos internos.
A respeito do trabalho, os respectivos regimentos limitam-se em atribuir à Seção
de Produção a competência para promover atividades produtivas e implantação de canteiros
de trabalho com resultado econômico, mantendo o registro das horas trabalhadas produtos
obtidos e serviços prestados. Os dois regimentos prevêem a possibilidade de assinatura de
acordos e convênios com entidades públicas ou privadas para a promoção do trabalho.
Por fim, os dois regimentos também prescrevem a utilização da mão-de-obra do
preso para a realização dos serviços internos e essenciais para a manutenção do
estabelecimento prisional, tais com a realização de manutenção e reparos, serviços de
limpeza, copa e cozinha, higiene e conservação do prédio e outras atividades correlatas.
Verifica-se, assim, que não existe normatização adequada sobre o trabalho do
preso no estado do Paraná. A regulamentação estadual, neste particular, pode ser fundamental,
como já ocorre, por exemplo, no Estado de São Paulo com a Resolução n. 53 onde estabelece
um regramento mínimo a ser observado “quando da utilização da mão-de-obra dos presos por
entidades privadas”.32
4. Do preso enquanto trabalhador e do início de uma relação constitucional
31
32
A Resolução n. 53 de 23.08.2001, da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo,
estabelece garantias mínimas a serem observadas quando da utilização da mão-de-obra dos presos por
TOMADORAS DE SERVIÇOS (“pessoas físicas, profissionais autônomos, sociedades comerciais, sociedades
civis com fins lucrativos, sociedades anônimas, associações de qualquer natureza e fundações”) tais como:
exigência de 1 salário mínimo, dos quais ¾ são devidos diretamente ao preso e ¼ aos demais internos que fazem
o trabalho de apoio e manutenção da unidade, seguro contra acidente, respeito às normas de segurança, higiene e
medicina do trabalho, fornecimento de equipamentos de proteção individual, indicação de supervisor do serviço,
apresentação de um plano de trabalho, pagamento até o 3º dia útil do vencido. Da remuneração, 80% se destina à
família do preso, 10% ao ressarcimento do Estado e 10% para constituição de pecúlio do preso. A empresa paga
10% do total da folha ao Estado a título de espaço cedido.
14
A partir dos elementos analisados até aqui, percebe-se na legislação uma intenção
de fazer do trabalho um mecanismo de resgate da cidadania do presidiário (embora não por
meio de direitos trabalhistas).
Tal dedução se mostra possível na medida em que a lei oferece uma contrapartida
mínima pela realização do trabalho, que seria a remição da pena, válida tanto em caso de
trabalho realizado apenas como execução da pena, ou seja, obrigatório, nos termos da lei,
quanto naquele prestado por manifestação de vontade do presidiário.
Ao lado disso, há a possibilidade, teórica pelo menos, de constituição de um
fundo a partir dos rendimentos obtidos do trabalho remunerado do preso.
Verifica-se, assim, que a legislação permite a prestação de trabalho para tomadores
com finalidade lucrativa. Aqui, o trabalho do preso se insere na categoria de trabalho
produtivo, cabendo, portanto, a aplicação da idéia de mais-valia, notadamente porque as
pesquisas demonstram que a remuneração é fixada por unidade. Há um custo determinado por
unidade de trabalho, assim como é possível fixar um sobrevalor determinado na apresentação
do mesmo bem ao consumo. Acrescente-se que não só a LEP, mas também a Convenção 29
da OIT não prescindem do consentimento do preso para a prestação de serviços nesta
modalidade.
Paradoxalmente, porém, a legislação que pretende usar o trabalho como
mecanismo de resgate da sociabilidade, exigindo expressamente que o trabalho seja exercido
em condições de dignidade humana, exclui a aplicação das regras de proteção do trabalho
digno contidas na CLT.
O trabalhador-empregado livre33, vale dizer, aquele que firma um contrato de
trabalho no qual incidem as normas da CLT, possui uma série de garantias, desde a
Constituição Federal, as normas coletivas da categoria e as regras específicas do pacto, que
ficam afastadas do presidiário, mesmo que engajado atividade laboral produtiva, por força do
disposto na LEP, art. 28, § 2º.
É bem verdade que as garantias mínimas do trabalhador empregado, previstas
tanto na Constituição Federal e quanto na CLT, asseguram direitos trabalhistas de várias
espécies, tais como as questões de salário mínimo, isonomia salarial, proteção do proteção da
relação de emprego, promoção da igualdade e não discriminação etc., que no mais das vezes
33
Tomamos a expressão trabalhador livre, aqui, em simples oposição ao trabalhador encarcerado, sem ingressar
em qualquer conotação filosófica ou política a respeito da liberdade do trabalhador empregado, porque tal
digressão ultrapassaria os limites deste trabalho.
15
são relacionadas pelo público em razão do seu conteúdo econômico. Direitos que se
apresentam como conquistas financeiras ou de melhores condições de vida em geral no seu
aspecto econômico, talvez impulsionado pelo momento “consumista” que orienta as condutas
na sociedade contemporânea.
Entretanto, há outro aspecto da relação trabalhista de emprego que age mais
diretamente sobre a constituição do indivíduo enquanto ser humano e que possibilita a sua
auto-identificação como um agente na sociedade, ao mesmo tempo que lhe permite também
ser identificado pela mesma sociedade, o meio no qual se insere o indivíduo, ou no qual vai se
inserir após o retorno à vida em sociedade, no caso do egresso do sistema prisional.
É, sobretudo, esse aspecto que diz respeito à dignidade do ser humano e que é um
dos fundamentos do Estado Democrático de Direito que constitui a República Federativa do
Brasil,34 que precisa ser questionado se está presente ou não no momento em que a aplicação
da legislação trabalhista é afastada do trabalho realizado pelo presidiário, conforme a previsão
da LEP.
Nesse momento do trabalho, a pergunta que surge diz respeito aos traços que
aproximam ou afastam a identificação do trabalho produtivo prestado pelo presidiário e pelo
trabalhador livre.
Retomando aquelas duas categorias antes assinaladas, percebe-se que na primeira
(trabalho obrigatório prestado ao Estado como parte da execução da penas), a natureza do
trabalho é bastante diversa do trabalho realizado pelo trabalhador livre. A respeito da segunda
categoria (o trabalho prestado a tomador que atua no mercado, tem finalidade de lucro,
incidente a mais-valia, dependente do consentimento e da expressão da vontade do
trabalhador), em muito se aproxima do trabalho realizado pelo trabalhador livre.
Neste ponto e nesse sentido, podemos dizer que a Resolução 53, da Secretaria de
Administração do Estado de São Paulo, acima citada, conseguiu dar um passo além daquelas
restritas previsões contidas na Lei de Execuções Penais, ao tratar, por exemplo, de condições
de segurança e higiene do trabalho.
O
reconhecimento
correspondentes,
35
da
relação
de
emprego
e
direitos
previdenciários
quando menos a aplicação de direitos típicos de empregado, desse modo,
viria ao encontro do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (cidadania
34
Constituição Federal, art. 1º - “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados
e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)
III - a dignidade da pessoa humana;”.
35
O projeto de Lei n. 7379/2002 propõe a inclusão do § 3º ao art. 28 da LEP, o qual teria a seguinte redação: “O
trabalho do preso está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho”.
16
tomada como o direito a ter direitos), bem como aos preceitos da própria LEP, quando afirma
no início do capítulo que trata do trabalho, que este será exercido como condição de
dignidade.
5. Das considerações finais
Analisando a presente pesquisa, constataram-se algumas inconstitucionalidades que
merecem o seu devido reparo, para que se restabeleça a ordem social e restituam-se os direitos
dos presos.
A primeira destas inconstitucionalidades foi verificada na obrigatoriedade do preso em
trabalhar, previsão constante na LEP - em seu art. 31 -, pois, apesar da Constituição Federal
estabelecer que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei” (art 5.o., inc. II)”, igualmente está disposto em norma constitucional que “é
assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” (art. 5.o., inc. XLI), que “a lei
punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (art. 5.o.,
inc. XLIX) e que o trabalho é um “direito social” (art. 6.o. ) e não um dever do cidadão.
É possível interpretar-se disto que ninguém poderá ser compelido a exercer atividades
laborais contra a sua vontade, apesar de ter sido reconhecido acima que não se trata de
trabalho forçado (Convenção 29, OIT).
Portanto, conclui-se que o art. 31 da LEP não foi recepcionado pela Constituição
Federal de 1988, pois estaria “substancialmente” contrário ao texto constitucional.
Quando não se reconhece no outro (preso) a condição de sujeito detentor de direitos
trabalhistas, da mesma forma o sistema prisional acaba por impor ao preso a impossibilidade
de tomada de consciência de sua condição de cidadão-trabalhador, e, portanto, de sujeito de
direitos.
Em verdade, não se pode reconhecer que todo preso tenha direitos trabalhistas
decorrentes de vínculo empregatício, nem pretensão de carreira, porquanto se trabalha com a
finalidade principal de diminuir sua estada na prisão, ocupar o tempo, conquistar alguns
benefícios internos como circulação facilitada dentro do presídio, além de poder auferir algum
valor para ajudar a família e até mesmo contar com um fundo para fazer face a despesas
quando sair da cadeia.
O que não se pode aceitar – por ser inconstitucional – é, para além da obrigatoriedade
do trabalho a sua exploração pela iniciativa privada como fator de produção inserido em
17
atividade econômica lucrativa (tomada de mais-valia), pois, estar-se-ia ferindo o princípio da
dignidade da pessoa humana, corolário de um Estado Democrático de Direito.
Note-se que o preso não recebe do Estado as mínimas condições de tratamento
protetivo, embora exista regulamentação constitucional de natureza tutelar aplicável.
Acrescente-se o fato de que os presos (não somente os egressos) carregam para a vida um
estigma que os marcam – e marcarão – para sempre (“presos não possuem direitos”). Afinal, a
Constituição deve ser garantida exatamente para impedir esta discriminação, assegurando o
direito a ter direitos, espaço de cidadania, fazendo cessar qualquer violação aos direitos
fundamentais.
Referências bibliográficas
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julho de 1984, e do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível na internet
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19
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Trabalho em prisão: Aspectos Constitucionais