Instituto Babcock para Pesquisa e Desenvolvimento da Pecuária Leiteira Internacional Essenciais em Gado de Leite University of Wisconsin-Madison 4) O METABOLISMO DE LIPÍDEOS EM BOVINOS LEITEIROS Michel A. Wattiaux Babcock Institute Ric R. Grummer Department of Dairy Science TÍPOS DE LIPÍDEOS Normalmente, a dieta das vacas contém somente cerca de 2 a 4% de lipídeos. Porém, os lipídeos são muito importantes na dieta das vacas, pois eles contribuem diretamente com 50% da gordura do leite e são a fonte de energia mais concentrada de uma dieta. As forragens e as sementes possuem pequenas quantida d e s d e l ipídeos Contudo, algumas plantas (algodão, soja) possuem sementes ricas em lipídeos, as quais contém mais de 20% de lipídeos. Normalmente, os lipídeos são extraídos de sementes ricas em lipídeos; estas sementes também podem ser utilizadas para a alimentação do gado. Lipídeos são substâncias que são insolúveis em água, mas são solúveis em solventes orgânicos (éter, clorofórmio, hexeno, etc.). Os triglicerídeos são encontrados principalmente em grãos de cereais, determinadas sementes e na gordura animal. A estrutura básica dos lipídeos consiste em uma unidade de glicerol (um açúcar de 3 carbonos) e três unidades de ácidos graxos (Figura 1). Os glicolípedes são uma segunda classe de l ipíd e o s e são encontrados principalmente em forragens (gramíneas e leguminosas). Estes compostos têm uma estrutura similar aos triglicerides com excessão de que um dos três ácidos graxos estão substituídos por um açúcar (normalmente a galatose). Quando um fosfato esta substituindo um dos ácidos graxos o lipídeo é chamado de fosfolipídeo. Os fosfolipídeos não se encontram em grandes quantidades nos alimentos, mas eles são encontrados em grande quantidade nas bactérias do rúmen. Os ácidos graxos encontrados nas plantas têm de 14 a 18 carbonos (Tabela 1). O ponto de fusão de um lipídeos determina seu estado físico (sólido ou líquido) na temperatura ambiênte. O ponto de fusão é influenciado pelo grau de saturação e pelo tamanho de sua cadeia carbônica. Os lipídeos das plantas normalmente contém de 70 a 80% de ácidos graxos insaturados e els tendem a permanecer no estado líquido em temperatura ambiênte (óleos). Contudo, as gorduras de animais contém de 40 a 50% de ácidos graxos saturados e eles normalmente se encontram em estado sólido (gorduras). O grau de insaturação têm um efeito marcante na gigestão desta gordura pelo animal e, no caso de ruminantes, se isso interfere na fermentação de carbonos no rúmen. Figura 1: Estrutura básica dos triglicerides. Os radicais (R1, R2 e R3) são compostos de cadeias carbônicas de vários tamanhos e com diferentes graus de saturação. 13 Essenciais em Gado de Leite—Nutrição e Alimentação Tabela 1: Ácidos graxos mais encontrados nas dietas de vacas de leite. Nome Estrutura Abreviação* Ácidos saturados Mirístico CH3 -(CH2 )12-COOH (C14:0) Palmítico CH3 -(CH2 )14-COOH (C16:0) Esteárico CH3 -(CH2 )16-COOH (C18:0) Ácidos non saturados Palmitoleico CH3 -(CH2 )5 -CH=CH-(CH2 )7 -COOH (C16:1) Oléico CH3 -(CH2 )7 -CH=CH-(CH2 )7 -COOH (C18:1) Linolêico CH3 -(CH2 )4 -CH=CH-CH2 -CH= (C18:2) CH-(CH2 )7 -COOH Linolênico CH3 -CH2 -CH=CH-CH2 -CH= (C18:3) CH-CH2 -CH=CH-(CH2 )7 -COOH Ponto de fusão (°C) 54 63 70 61 13 –5 –11 * O primeiro número indica o número total de carbonos e o segundo número indica o número de duplas ligações na molécula. HIDRÓLISE E SATURAÇÃO DE LIPÍDEOS NO RÚMEN A maioria dos lipídeos são hidrolisados no rúmen. As ligações entre o glicerol e os ácidos graxos são quebradas gerando uma molécula de glicerol e três de ácidos graxos. O glicerol é rapidamente fermentado em ácidos graxos voláteis (veja metabolismo de carboidratos). Alguns ácidos graxos são utilizados pelas bactérias para a síntese de fosfolípedes que são necessários para a construção da parede celular. Outra ação importante dos micróbios ruminais é a hidrogenação de ácidos graxos insaturados. No processo de hidrogenação, o ácido graxo se torna saturado pois a dupla ligação é substituída por dois átomos de hidrogênio. Por e x e m p l o , a hidrogenação converte o ácido oleico em ácido esteárico (Tabela 1). Os ácidos graxos que estão livres no rúmen tendem se aderem aos alimentos e impedem o processo normal de fermen t a ç ã o , e s p e c ialmente em carboidratos fibrosos. O excesso de lípides na dieta (mais de 8%) pode ter um efeito negativo na produção de leite e na porcentagem de gordura no leite. Os ácidos graxos insaturados afetam a fermentação ruminal de uma maneira mais intense que os ácidos graxos saturados. Contudo, os lipídeos podem ser “protegidos” para que a sua taxa de hidrólise seja menor, tornandoos mais “inertes” dentro do rúmen. As cascas das sementes tendem a proteger os 14 lipídeos da degradação ruminal, fazendo com eles se tornem menos acessíveis à hidrólise ruminal se comparado com óleos que estão livres no rúmen. Além disso, o tratamento industrial para a formação de sabões de gordura (sais de cálcio) torna os lipídeos insolúveis e, portanto, inertes no rúmen. Os fosfolípedes microbianos representam cerca de 10 a 15% dos lipídeos que saem do rumen para o intestino, o restante (85 a 90%) são ácidos graxos saturados que são encontrados na forma de ácido palmítico e esteárico e que ficam aderidos no alimento ou nas partículas bacterianas. A ABSORÇÃO INTESTINAL DE LIPÍDEOS Os fosfolípedes microbianos são digeridos e absorvidos no intestino delgado. A bile secretada pelo fígado e pelo pâncreas (rico em enzimas e bicarbonato) se misturam no intestino delgado. Estas secreções são muito importantes na preparação dos lipídeos para a absorção, pois neste processo ocorre a formação de partículas que são solúveis em água (micelas) as quais podem entrar nas células intestinais. Nas células do intestino, a maior parte dos ácidos graxos estão ligados ao glicerol (vindos da glicose sanguínea) para a formação de triglicerides. Os triglicerides, alguns ácidos graxos livres, o colesterol e outras substâncias da família dos lipídeos são recobertas por proteína para a formação de lipoproteínas (LP) que 4—O Metabolismo de Lipídeos em Bovinos Leiteiros Figura 2: O metabolismo de lipídeos em bovinos leiteiros. também são chamadas de quilomicrons ou lipoproteínas de baixa densidade. As LP entram nos vasos linfáticos e vão para o ducto torácico (junção do sistema linfático com o sistema circulatório), onde eles entra m na c orrente sa ngu í nea . 15 Essenciais em Gado de Leite—Nutrição e Alimentação Diferentemente da maioria dos nutrients que são absorvidos pelo trato gastro intestinal, os lipídeos que são absorvidos entram diretamente na circulação e são utilizados pelos tecidos corporais sem uma prévia metabolização hepática. UTILIZAÇÃO DOS LIPÍDEOS PELO ÚBERE A glândula mamária produz cerca de 50% da gordura do leite. Estes ácidos graxos são fabricados a partir das lipoproteínas formadas durante a absorção intestinal dos lipídeos. Um aumento na porcentagem de ácidos graxos de cadeia longa (ex: ácidos graxos com mais de 16 carbonos) pode influenciar sua secreção no leite, mas isto também pode inibir a síntese de ácidos graxos de cadeia curta ou média no úbere. Portanto, a diminuição da porcentagem de gordura no leite quando as vacas são alimentadas com dietas com pouca fibra pode ser parcialmente compensada com o aumento de gordura na dieta. A FUNÇÃO DO FÍGADO E DA MOBILIZAÇÃO DE GORDURA Durante um período de restrição alimentar ou no início da lactação, as vacas conseguem suprir sua demanda de energia com a mobilização de gordura do tecido adiposo. Os triglicerides de reserva nos tecidos adiposos dão origem aos ácidos graxos que são liberados na corrente sanguínea. Os ácidos graxos são capturados pelo fígado, onde eles serão utilizados como fonte de energia ou serão convertidos em cetonas que podem ser liberadas na corrente sanguínea e usadas como fonte energética por muitos tecidos. O fígado não tem uma alta capacidade para exportar LP e o excesso de mobilização de ácidos graxos faz com que os triglicerides sejam estocados nas células hepáticas. A gordura depositada 16 no fígado contribui para o desenvolvimento de doenças metabólicas (ex: cetose e fígado gordo) no início da lactação. ADIÇÃO DE LIPÍDEOS NAS DIETAS Os lipídeos possuem cerca de 2.25 mais energia que os carboidratos. Além disso, os lipídeos também são conhecidos como nutrietes “frios”, pois durante a sua digestão e utilização pelo corpo eles produzem menos calor que carboidratos e proteínas. Portanto, o aumento de lipídeos nas dietas das vacas de leite pode gerar alguns benefícios: • Aumento da densidade calórica (energia) da dieta, especialmente em dietas com alta proporção de forragens; • Diminui a necessidade de concentrados ricos em carboidratos os quais são necessários no início da lactação, quando a vaca esta em balanço energético negativo; • Em climas quentes, os lipídeos podem ajudar a diminuir o estresse térmico nas vacas de leite. A ingestão de alimentos e a produção de leite podem variar bastante de acordo com o tipo de lipídeo adicionado à dieta. As vacas não devem ser suplementadas com mais de 1.5 kg/dia de lipídeos em adição aos lipídeos da dieta normal. Em outras palavras, a quantidade de lipídeos na dieta não deve ser maior de 6 a 8%, caso contrário, os efeitos negativos do excesso de lipídeos serão evidentes. A produção de leite é maximizada quando a quantidade de gordura na matéria seca é de 5%. A adição de gordura na dieta normalmente diminui a proteína do leite em 0.1%. Além disso, o excesso de lipídeos pode diminuir a ingestão, a produção de leite e a composição de gordura no leite.