MARIA DA GRAÇA VIEIRA DA SILVA
A UNIÃO ESTÁVEL, SUA EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA E LEGISLATIVA E OS
DIREITOS SUCESSÓRIOS À LUZ DO NOVO CÓDIGO CIVIL
CRICIÚMA, 2003
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MARIA DA GRAÇA VIEIRA DA SILVA
A UNIÃO ESTÁVEL, SUA EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA E LEGISLATIVA E OS
DIREITOS SUCESSÓRIOS À LUZ DO NOVO CÓDIGO CIVIL
Monografia
apresentada
à
Diretoria
de
Pós-
Graduação Lato Sensu da Universidade do Extremo
Sul Catarinense – UNESC, para a obtenção do título
de especialista em Formação Para Magistério
Superior.
Professor orientador: Maurício Rovere do Valle
Pereira.
CRICIÚMA, 2003
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“A nova família é estruturada nas relações de autenticidade,
afeto, amor, diálogo e igualdade, em nada se confunde com o
modelo tradicional, quase sempre próximo da hipocrisia, da
falsidade institucionalizada, do fingimento (....) É o início de
uma nova era, prenunciando-se a alvorada dos novos tempos,
onde dominará soberano, acima das leis e das religiões, apenas
o Amor”
Eduardo de Oliveira Leite
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RESUMO
No presente trabalho será analisado o Instituto da União Estável e seus
fundamentos mais importantes. As relações humanas, dada a subjetividade que a permeiam,
sofreu significativas transformações as quais refletem no mundo jurídico, sendo o momento
de se repensar num novo Direito de Família voltado para aquilo que é mais primitivo e
primário, compreender as relações familiares, para então entender os nós e as dificuldades de
sua aplicabilidade. Tanto é assim, que ainda hoje existe divergências na doutrina e na
jurisprudência a respeito da matéria que envolve a união estável, mesmo porque o legislador
ordinário, apesar das tentativas, não conseguiu tratar do tema de forma adequada. Para a
compreensão do atual status da união estável na sociedade brasileira, fez-se uma breve
retrospectiva do processo de seu desenvolvimento, de como era tratado no Direito Romano e
sua inserção no direito de família. Constata-se que a jurisprudência teve papel importante no
alcance do atual estágio da proteção da união estável. Assim como a doutrina vem
contribuindo consideravelmente no sentido de encontrar soluções mais justas a questões tão
complexas. As Leis nº 8.971/94 e 9.278/96, embora com algumas imprecisões técnicas,
representaram o primeiro passo para a ampla reformulação do Direito de Família. Na contra
mão das conquistas, até então asseguradas aqueles que optaram pela convivência sem
formalidades, o novo Código Civil separa o casamento da união estável, não só naquilo que
deveriam, mas restringiu os direitos consagrados pelas leis ordinárias, principalmente, a
questão da sucessão entre os conviventes.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................
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I. DA UNIÃO ESTÁVEL..............................................................................................
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1.1. Aspectos Históricos...................................................................................................
1.2. O Concubinato no Direito Romano e o Tratamento Jurídico no Direito
Comparado................................................................................................................
1.3. União Estável e o Direito de Família........................................................................
1.4. A Família em Relação ao Concubinato ou União Estável .......................................
1.5 Casamento e União Estável – Características que os diferenciam.............................
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2. CONCUBINATO – ASPECTOS GERAIS..............................................................
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2.1. Conceitos...................................................................................................................
2.2. Espécies de Concubinato...........................................................................................
2.3.União Estável – Natureza Jurídica.............................................................................
2.4.Caracterização das Uniões Estáveis...........................................................................
2.4.1. Oposição de Sexos...........................................................................................
2.4.2. Conteúdo Mínimo da Relação..........................................................................
2.4.3. Assistência Material.........................................................................................
2.4.4. A Estabilidade ou Durabilidade.......................................................................
2.4.5. Publicidade......................................................................................................
2.5. Características Secundárias.......................................................................................
2.5.1 A Convivência more uxório.............................................................................
2.5.2. A Aparência de Casamento.............................................................................
2.5.3. Fidelidade........................................................................................................
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3. DIREITOS SUCESSÓRIOS NA UNIÃO ESTÁVEL............................................
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3.1. Considerações acerca dos institutos da meação e do direito sucessório..................
3.1.1. Da meação .............................................................................................................
3.2. Do direito a sucessão.................................................................................................
3.3. Regulamentação anterior a Lei 8.971/94..................................................................
3.4. Lei 8.971/94 – Direito à Sucessão – usufruto e direito à propriedade......................
3.5. Do Direito Real de Habitação...................................................................................
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3.6. Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002 – Sucessão em face da Nova Lei....................
3.7. Artigo 1.790 – disciplina a sucessão entre os companheiros no Código..................
3.7.1 Sucessão entre os companheiros – da confusão relativamente o direito à
herança e à meação........................................................................................
3.8. Direito Intertemporal e a Sucessão na União Estável...............................................
3.8.1.Do Direito Intertemporal..................................................................................
3.8.2. Direito Intertemporal e Direito sucessório na União Estável..........................
3.9. Direito Intermporal e Sucessão aberta a partir da promulgação da Lei 8.971/94 à
vigência da Lei 10.406 – Novo Código Civil ..........................................................
3.10. Direito Intertemporal e sucessão aberta a partir da Lei 10.406 – Novo Código
Civil.........................................................................................................................
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CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................
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REFERÊNCIAS ............................................................................................................
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INTRODUÇÃO
O presente estudo versará sobre a união estável nomenclatura adotada pela
Constituição de 1988, já que antes dela o termo utilizado as uniões informais eram o
concubinato. Busca-se analisar o fenômeno social da união estável, normatizado pela
Constituição Federal de 1988 e posteriormente regulamentada através das Leis 8.971/94 e
9.278/96, hoje, incorporado a nova legislação civil, inserida no Livro IV – Do Direito de
Família. Consiste ainda o presente estudo, analisar a atual situação em que se encontram os
direitos dos companheiros em face do novo código, notadamente a questão dos direitos
sucessórios.
A Constituição Federal atribuiu sentido de entidade familiar a união estável e ao
mesmo tempo estabelece que o casamento é fonte preferencial e não exclusiva da criação
família, conforme dispõe o art. 226 § 3º, posteriormente foi complementado pelas leis
8951/94 e 9278/96.
A partir de sua regulamentação a união estável passou a integrar o Direito de
Família, sendo atribuído aos conviventes direitos inerentes ao casamento. Tanto que o novo
Código Civil inseriu no Capítulo do Direito de Família, os direitos que hoje tutelam as uniões
estáveis. A regulamentação embora comprometa em certos ângulos a utilidade e autonomia do
casamento, como forma legal de constituição de família, não implica na desestruturação da
sociedade nem na desmoralização dos costumes. Por outro lado, será que não houve exageros
do Estado regulamentando tal situação fática, se a maioria das vezes os conviventes optam por
esta forma de relação como meio de fugirem das normas gerais que regram o casamento?
Seria um paradoxo esta normatização?
A crença generalizada de que a família moderna passa por crise acentuada guarda
alguma relação com o reconhecimento do concubinato, que teria contribuído para
desagregação da família legítima? Ou trata-se de uma crise aparente?
Por outro lado a inexistência de norma jurídica sobre o assunto não levaria a
injustiças nos casos concretos?
A pesquisa tem o objetivo de responder a essas indagações com fundamento no
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Direito Civil, no âmbito do direito de família, notadamente com base no entendimento
firmado na Doutrina e Jurisprudência; a definição conceitual de União Estável e o
reconhecimento como fato juridicamente relevante.
No Brasil a passos lentos a jurisprudência foi se consolidando atribuiu direito
previdenciário e acidentário a companheira, possibilitando ainda o acréscimo do patronímico
do companheiro e no campo do direito patrimonial, a partilha de bens e indenização por
serviços prestados. As relações informais, mais ou menos estáveis deixaram de ser
combatidas para serem aceitas, na ótica jurídica, e até mesmo produzirem determinados
efeitos.
Por outro lado, provocou reações contrárias de juristas ligados a concepções
mais conservadoras da família, que anteviu na disposição constitucional a desagregação da
família legítima.
Teve a jurisprudência nacional papel relevante para o alcance do atual estágio de
proteção às uniões estáveis, sendo que a Constituição Federal de 1988 nada mais fez do que
consolidar no seu texto a única via de direção, aberta primeiro pela jurisprudência e, depois,
por leis esparsas. Ao elevar a união estável a categoria de entidade familiar, o constituinte
buscou evitar o dogma da legitimidade da família, rompendo com os preconceitos morais já
de larga data suplantados no seio da sociedade, erigiu como postulado a igualdade de
tratamento entre casamento e o concubinato.
Embora existam diferenças quanto a forma de sua constituição o legislador ao
regulamentar a união estável aplicou analogicamente os princípios do casamento, e não
poderia ser diferente, simplesmente porque seria de duvidosa equidade normatizar de forma
completamente diferente relações familiares que são intrinsecamente iguais em aspectos
afetivos e psicológicos. A Constituição agiu acertadamente, pois, a rejeição no mundo jurídico
e sem forças para evitar a expansão destas relações no universo fático, estaria de fato, a
comprometer a própria estabilidade do casamento, se continuasse havendo uma sociedade
informal de afeição totalmente descompromissada de direitos e deveres básicos.
Criou-se então uma nova concepção de família – as informais – que aos poucos
foi produzindo diversos reflexos jurídicos, migrando para o âmbito do Direito de Família, pois
como ente natural e sociológico, cuja função na estrutura social é suficiente para que lhe seja
deferida a proteção do Estado, e para que seja aceito como entidade fundamental na
organização da sociedade, independente da forma que se originou.
Desde então, agregados ao ideal constitucional, por meio das leis ordinárias
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(8.971/94 e 9278/96) e posterior ratificação na lei civil atual, diversas conquistas trouxeram
aos companheiros, atribuindo-lhe direitos como alimentos, direito à propriedade, usufruto
vidual e direito real de habitação. Embora existiam discussões e divergências a respeito, as
leis como normas regulamentadoras vieram para consolidar o caráter das uniões estáveis
como verdadeiro instituto jurídico integrante do direito de família ao lado do casamento.
Nesse passo, a pesquisa visa demonstrar que a união estável é um instituto se
suma importância para grande parcela da sociedade, pois, sabe-se que é expressivo o número
de uniões livres no Brasil. Trata-se, pois, de um fenômeno social e humano, fenômeno, aliás,
relevante para ao direito, tanto que a Doutrina e a Jurisprudência já reconheciam direitos aos
convivente, mesmo antes que a Constituição o dissesse.
Portanto, um dos aspectos abordados na pesquisa e sua contribuição teórica, será a
reflexão sobre os pontos positivos e negativos das legislações que regulamentaram tais uniões,
inclusive com relação a nova lei civil.
Com a Constituição Federal de 1988 o tema, que antes não era dada a devida
atenção pelo legislador, passa a ser discutido pela sociedade brasileira, gerando ainda hoje,
controvérsias entre a doutrina, jurisprudência e aplicadores do Direito.
A Lei 10.406 de 10.01.2002 (Código Civil que vigorou a partir de 11.01.2003),
traz no corpo da legislação civil – Livro IV – Do Direito de Família – Título III – Da União
Estável, ratificando o que havia previsto a Constituição Federal e lei ordinária. Ainda com
relação ao direito sucessório, os conviventes em situação de união estável tiveram
regulamentado a forma de participação em face do companheiro sobrevivente. A inserção da
união estável no Código Civil atribuiu-lhe status civil, uma vez que, antes, somente o
casamento recebia tal amparo legal.
Apesar da aparente valorização havida com a inclusão da união estável na nova
legislação civil, pode-se perceber que houve um reprovável retrocesso nos direitos até então
conquistados pelos conviventes, quando o tema é direito sucessório.
Diante disto, serão abordadas algumas questões atinentes ao contexto, procurando
da melhor forma esclarecer as obscuridades que estão passando despercebidos pela sociedade
brasileira.
Não se pretende exaurir as discussões, nem tampouco saná-las. No entanto,
pretende-se fazer uma abordagem generalizada procurando condensar as idéias à luz do
direito, colacionando assim as informações necessárias para dirimir dúvidas existentes.
No primeiro capítulo, serão definidos os conceitos, previsão legal e o
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entendimento da Doutrina sobre a união estável, e a partir de que momento ela opera seus
efeitos. Os aspectos históricos e culturais que influenciaram no surgimento desta relação; a
solução dada pela jurisprudência a situações fáticas anteriormente a regulamentação da união
estável. Examina-se também, a natureza jurídica da união estável, qual seja, a institucional,
embora se admita também, a forma contratual sobre determinados aspectos. Antes da Lei
Maior, foram expedidas as Súmulas 370 e 382 regulando a partilha de bens entre
companheiros, sendo que referidas Súmulas foram editadas quando o concubinato era visto
como relacionamento regulado pelo direito obrigacional, sendo na época, repelida a idéia da
união estável ser regulada pelo direito de família.
O segundo capítulo versará sobre os pressupostos à caracterização da união
estável, tais como, a dualidade de sexos, a estabilidade e a publicidade; os efeitos pessoais da
união estável, tais como, a obrigatoriedade, o dever de fidelidade, que, se transgredidos será
causa suficiente para a dissolução da sociedade. A assistência material e moral abrangendo o
direito a alimentos, desde que provada a dependência econômica.
Análise dos critérios utilizados pela jurisprudência quanto ao tempo de
convivência suficiente para a constituição ou não da união estável, sendo necessário ainda,
levar em consideração as circunstâncias que envolvem a relação, uma vez que tanto a
Constituição como as legislações não mais impõem um prazo temporal rígido.
No terceiro capítulo, enfim, tratar-se-á das leis 8951/94 e 9278/96 que
regulamentaram o art. 226 § 3º da Constituição Federal, estabelecendo-se uma análise crítica
sobre os aspectos negativos e os positivos. Ou seja, positivos porque procurou expurgar
excessos protetivos e formalistas, representou o primeiro passo para a ampla reformulação de
todo o Direito de Família, afastando as incertezas plantadas por segmentos renitentes que
negavam pretensões formuladas neste âmbito. Os aspectos negativos: é o fato de coexistirem
duas leis sobre o mesmo tema, visto que a lei de 96 não revogou totalmente a anterior. Que
subsistem nas referidas normas vestígios paternalistas e intervencionistas na intenção do
legislador. Deve-se ter em mente que as leis são moldadas sempre pelas condutas e relações
sociais que se impõem ao Direito, nunca o contrário.
Será examinado ainda, o direito sucessório na união estável, desde os direitos
agregados em cada legislação, considerando o posicionamento doutrinário e jurisprudencial
até a atual legislação que acabou por restringir tais direitos. Será abordado acerca do direito
intertemporal em face da sucessão na união estável; sua importância no sentido de buscar uma
alternativa no caso in concreto, para a solução de aplicabilidade da lei, face as omissões ou
aparente divergência na legislação vigente.
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1. DA UNIÃO ESTÁVEL
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1.1. Aspectos Históricos
Para uma melhor compreensão do contexto que ora será tratado neste trabalho, é
necessário fazermos um breve estudo sobre o surgimento da família e o reconhecimento como
entidade familiar, na ótica jurídica.
No Direito Romano, a família tinha origem na união entre homem, mulher e filhos,
e na submissão de um determinado grupo ao poder supremo de que era investido o pater
famílias. Para o Direito Canônico a família iniciava-se com o matrimônio, elevado à condição
de sacramento e traduzido em união aprovada por Deus, insuscetível de rompimento.
As pessoas ficavam vinculadas por atributos de descendência submetiam-se a
rigoroso regime patriarcal, isto não pode ser entendido como inovação, até porque já na
Bíblia consagrava-se essa modalidade de coordenação e convivência social.
Mais modernamente, a organização familiar continua a ser considerada pelos
juristas como sendo aquela que se convencionou denominar “a célula mater da sociedade”. O
ordenamento jurídico leva em conta, fundamentalmente, a importância da família como
núcleo básico e central de toda a estrutura social, e é a partir dela que o indivíduo recebe sua
educação, se insere na sociedade e passa a adquirir seu primeiro status e as condições
necessárias para viver em sociedade. O Estado presta assistência e proteção a família, porque
se a sociedade é o organismo e a família o gérmen, com os mesmos elementos estruturais da
sociedade é importante que se busque o equilíbrio e a estabilidade social, proporcionando
também a prosperidade das famílias, pois dela depende a ordem social e o desenvolvimento.
Nas últimas décadas houve uma modificação vertiginosa nos padrões de conduta;
os meios de comunicação cada vez mais sofisticados aceleraram a evolução dos costumes; a
equiparação do homem e da mulher; os anticoncepcionais; a desvinculação dos filhos do
poder paterno; o divórcio; o predomínio do individualismo nas relações familiares e o retorno
da afetividade como valor preponderante neste patamar, entre muitos outros fenômenos,
significaram uma verdadeira revolução no âmbito do Direito de Família, obrigando a uma
verdadeira reestruturação de valores e conceitos, principalmente do casamento.
1.2. O Concubinato no Direito Romano e o tratamento jurídico no
Direito
13
comparado.
A origem da palavra concubinato veio do latim concubinatu que designava estado
de amaziamento, de mancebia entre um homem e uma mulher e que pressupõe o
relacionamento sexual entre eles: concubitu - ajuntamento carnal, cópula. Para o Direito
Romano, este amaziamento entre homem e mulher, inexistindo impedimentos, poderia vir a
caracterizar uma modalidade sui generis de casamento, o usus que, despido de quaisquer
formalidades, configurava-se pela simples convivência do homem e da mulher, durante um
ano. Segundo EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE:
O uso, pois, contrariamente à confarreatio e à coemptio, é um modo
não-solene de aquisição de manus, dependente exclusivamente da
coabitação contínua do homem e da mulher durante um ano. Como a
coabitação não admitia interrupções, o manus desaparecia, se a
mulher se ausentasse por três noites consecutivas – usupatio trinoctti do domicílio conjugal1
Isto não quer dizer que a toda e qualquer relação concubinária era dado o status de
casamento;
apenas em certas situações valorizava-se a tal ponto um relacionamento
puramente informal até transformá-lo numa espécie de casamento. Ao lado do usus, todavia, a
civilização romana conheceu também, no âmbito das suas relações sociais, a existência de
simples relações concubinárias, como uniões mais ou menos estáveis. Nunca se chegou ao
extremo de equiparar tais uniões ao matrimônio, mas, na ótica jurídica deixaram de ser
combatidas para serem aceitas e, até mesmo, produzirem determinados efeitos.
Na lição de EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE:
[....] Jamais se confundindo com um simples encontro passageiro, o
concubinato romano, união de fato, quase sempre duradoura, passou
por diversas fazes. Ignorado pelo direito e não produzindo nenhum
efeito jurídico (na República), UGUSTO teria reconhecido licitude na
união livre prolongada de homem e mulher de categorias sociais
diferentes, no início do império. No Baixo Império, sob a influência do
1
LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de Direito de Família – Origem e Evolução do Casamento, v. I, 1ª
Edição. Curitiba: Juruá, 1991, p. 77.
Cristianismo, hostil as relações extramatrimoniais, incitam-se os
concubinos a regularizar sua união.
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O concubinato passa a ser admitido como uma forma inferior de casamento, que,
submetido a certas condições produz efeitos jurídicos. Proibido entre pessoas casadas e
parentes próximos, o que traduz o horror do incesto, o concubinato garante direitos
sucessórios à concubina e seus filhos, dependendo da presença ou não de filhos legítimos e
conforme as épocas. (....) O concubinato era freqüentíssimo entre todos os estratos sociais e,
segundo nos informam os estudos sociológicos e históricos sobre a sociedade romana,
manifestava-se como uma reação à concepção do casamento, legítimo, não repelida pela
moral. “Mesmo quando não eram depravados”, afirma CARCOPINO, “os ricos romanos que
temiam a perspectiva de uma existência onde teriam de lutar ou enfrentar dia a dia a vontade
de uma mulher legítima, preferiam o leve concubinato às justas núpcias, (concubinato) que
AUGUSTO havia transformado em união inferior mas lícita ao qual a opinião (pública) não
manifestava o menor desfavor.”2
Durante toda a Idade Média, a influência cada vez maior da Igreja católica no
âmbito das relações familiares e a sacramentalização do casamento, aliado à sua reconhecida
posição contra quaisquer relacionamentos extramatrimoniais, exerceu grave repressão as
uniões concubinárias, jogando-as na vala comum do incesto, do adultério e do
homossexualismo, para a todos condenar indistintamente. Não que a Igreja católica fizesse,
necessariamente, confusão de conceitos entre estas figuras. O que acontece, até nossos dias, é
que ela, em princípio, tem muita dificuldade de tratar sobre a sexualidade humana e suas
conseqüências.3
Em Países da América Latina, o concubinato há muito tempo está consagrado, face
as circunstâncias sociais e culturais de seus povos, incluíram em suas Constituições e Códigos
Civis, através de estatutos próprios, dispositivos que assemelham os efeitos jurídicos do
casamento aos da união livre estável. A Lei equatoriana, por exemplo, permite que a união de
fato, após 10 anos de duração seja convertida em casamento. Países como Cuba (Constituição
2
Ibidem, p. 78.
Na expressão de EDUARDO DE OLIVEIRA: “Na salvação da alma humana, a igreja jamais vacilou em
empregar todos os meios para desviar o homem de sua perda: o sexo”. Por isso que em suas origens, até mesmo
o casamento (como sacramento) foi considerado como condição inferior à virgindade, à castidade, à continência,
virtudes maiores pregadas pelos ascetismo cristão. Precisamente porque o casamento trazia a lume a indesejada
questão da satisfação carnal, (e esta por sua vez estava sempre vinculada à noção de pecado) até neste âmbito as
práticas sexuais passaram a ter imposições éticas e restrições religiosas. Fora do casamento então, qualquer
manifestação da sexualidade humana havia de ser rigorosamente condenada.” In, EDUARDO DE OLIVEIRA
LEITE. Tratado de Direito de Família. “Origem e Evolução do Casamento”, apud CZAJKOWSKI, Rainer.
União Livre à luz das leis 8.971/94 e 9.278/96. 2ª ed. p. 56.
3
de 1976), Guatemala (Constituição de 1957) reconheceram a união de fato após certo
15
tempo de convivência, aplicando-se-lhe as leis ordinárias do casamento. A legislação
mexicana (constituição de 1928) concede direito de herança à mulher após cinco anos de
união concubinária, não tendo o companheiro herdeiro necessário. Algumas legislações de
países da América Latina reconheceram até a presunção de paternidade aos filhos de
concubinos e outros admitem a dissolução judicial da sociedade concubinária.
1.3 União estável e o Direito de Família
O Direito de Família tem por objetivo fundamental o tratamento e a
regulamentação das relações familiares. Para VIRGÍLIO SÁ PEREIRA tal assertiva não é
uma definição e sim apenas a constatação de uma evidência. Esta simplicidade, porém, não
tem conseguido superar - pelo menos modernamente – a polêmica instaurada sobre a
verdadeira dimensão conceitual do Direito de Família, e em que medida nele se compreende o
fenômeno sociológico “família”. É pacífico num primeiro momento a explicação da família
como um fenômeno social, que surge espontaneamente em função da própria natureza
humana, antes mesmo de entrar para o mundo jurídico, com pressões ou interferências do
Estado ou da Igreja4.
A complexidade e a diversidade das organizações familiares nas diferentes
sociedades humanas no transcorrer da história foi motivo de muita celeuma e alta indagação
no âmbito da sociologia e da antropologia , porque sempre funcionou como pressuposto de
afirmação sociológica em cima do qual, em face do ordenamento, dos costumes e da ética,
vigentes em determinado momento histórico, foram erguidos os princípios e os institutos do
direito de família.
Devido ao quadro de intensas e contínuas mudanças sociais, diante de dados
estatísticos divulgados na imprensa a respeito da relevância estatística das uniões livres e a
queda no número de casamentos, bem como, o volume notório de demandas levadas ao Poder
Judiciário, foi que a Constituição Federal de 88 versando sobre a matéria, deu legitimidade
4
“A família é um fato natural, não a cria o homem, mas a natureza. Fenômeno natural, ela antecede
necessariamente ao casamento, que é um fenômeno legal, e também por ser um fenômeno natural é que ela
excede à moldura em que o legislador a enquadra. Agora dizei-me: que é que vedes quando vedes um homem e
uma mulher, reunidos sob o mesmo teto, em torno de um pequenino ser, que é fruto do seu amor? Vereis uma
família. Passou por lá o Juiz, com sua lei, ou o padre, com seu sacramento? Que importa isso? O acidente
convencional não tem força par apagar o fato natural. E por causa dessa impotência, é que o legislador teve de
transigir com ele, de considera-lo, e de prover às conseqüências que dele resultam. Ao lado da família legítima,
temos de prestar atenção à ilegítima, que também se diz natural, como se toda família o não fora.” (PEREIRA,
Vigílio Sá. Direito de Família, 2 ed. Rui de Janeiro, 1959, p. 89/91.
familiar a um modo de vida que por muito tempo recebeu tratamento dispersivo e incerto:
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as uniões livres, ou uniões concubinárias, a partir das quais se constituem família sem
casamento. Surge então a família dita informal.
O objetivo fundamental do Direito de Família, mesmo quando trata de distantes
relações de parentesco ou de afinidade, continua sendo, como visto, viabilizar e
instrumentalizar a função vital do Estado de proteger e amparar as famílias, como estruturas
básicas que são na organização da sociedade. Este amparo às famílias na órbita jurídica, se dá
por meios de normas protetivas, no sentido de proporcionar algumas garantias econômicas
(criar mecanismos para assegurar a assistência entre eles; que facilite a educação dos filhos
pelos pais) no âmbito das relações familiares (na limitada extensão que a lei nisso possa
intervir).
Nas sociedades mais antigas, também, de forma muito mais flagrante do que nas
atuais, o incentivo e o apoio às famílias decorriam ainda da necessidade de procriação, para
garantir a subsistência da coletividade e a defesa contra agressores. A expressão numérica era
de vital importância, notadamente do contingente masculino, donde também uma das
explicações históricas para o surgimento das sociedades patriarcais.
Por um longo período na história, a organização das sociedades em famílias foi
realizada pela implantação e utilização de um instituto aperfeiçoado chamado casamento. Tal
instituto surge, primeiro aliado a religião, como sacramento, depois ao Estado, passou a
significar uma verdadeira instituição que garantia a existência, o progresso a segurança das
relações familiares. Todo o conjunto de direitos e deveres conjugais, os graves efeitos
patrimoniais, a certeza do vínculo de parentesco, notadamente a filiação, cristalizavam-se
como conteúdo do Direito de Família, a partir do casamento.
O conjunto desta legislação que, embora em princípio pressuponha como objeto a
família surgida a partir do casamento, não pode mais ser compreendida com tal restrição.
Contudo, é equivoco entender-se como norma de Direito de Família somente aquela de direito
matrimonial, excluindo-se de antemão aquelas entidades familiares não provenientes do
casamento.
Em face dessa pluralidade de organismos familiares, na acepção sociológica e
ampla do termo, o Direito de família jamais pretendeu referir-se a todos eles; por
conseqüência, muito menos os princípios e características próprias desta disciplina são
aplicáveis a todo e qualquer tipo de organismo familiar, assim como, por óbvio, tais princípios
e características não são rígidos e imutáveis no curso do tempo e da evolução das relações
sociais.
Mesmo após o advento da Constituição de 88, houve quem defendesse que as
17
uniões estáveis geravam tão-só efeitos previdenciários e obrigacionais, mas não familiares. A
tese é insustentável: se as entidades familiares ditas irregulares não estão submetidas às leis
que regulam (e, portanto, protegem) a existência das famílias, as ditas famílias informais não
podem ser consideradas, a rigor, como organizações familiares. Portanto, desapercebidos
estão de que não é a lei que define uma entidade familiar, mas sim a íntima e duradoura
vinculação física, afetiva e material entre seus integrantes.
Corrente doutrinária perfilhada pela Desembargadora ÁUREA PIMENTEL
PEREIRA tece séria crítica aos §§ 3º e 4º do art. 266 da Constituição Federal de 88,
lamentando a elevação da união livre estável a um status de matrimônio, ao considerar tal
união entidade familiar, mesmo sem a existência de prole, “investindo contra todos os
princípios éticos e jurídicos do Direito de Família”. Citando SÁ PEREIRA, afirma a autora
que “só será possível falar em família, quer no campo jurídico, quer na ciência, quando se
estiver diante de coisas, pessoas ou idéias ligadas pelo parentesco”.
Acrescenta ainda, por exemplo, a renomada jurista que:
[.....] ao reconhecer a união estável do homem e da mulher
(concubinato) como entidade familiar, é tanto mais atentatório aos
princípios éticos do Direito de Família, quando é sabido na
conceituação dos doutos, (Pontes de Miranda) união estável não
constitui, no Direito brasileiro, instituição de direito de família.5
Concluindo, argumenta: “Imperioso é reconhecer-se, portanto, que com a redação
dada pelo legislador constituinte aos § 3º do art. 266 da Constituição Federal, a família
legítima – que segundo a expressa norma do art. 229 do Código Civil nasce com o casamento
-, restou afinal enfraquecida, e o concubinato engrandecido, o que é de se lamentar”.
Ainda, numa postura frontalmente contrária às inovações, notadamente em relação
ao § 3º do art. 226 da Constituição Federal, diz que a família a família legítima – que segundo
a expressa norma do art. 229 do Código Civil nasce com o casamento -, restou afinal
enfraquecida, e o concubinato engrandecido, o que é de se lamentar, asseverando:
Não se pode alcançar como pode o legislador constituinte
reconhecer na simples união, posto que estável do homem e da
mulher sem a presença de filhos, - ausente, portanto, qualquer idéia
de parentesco, - a existência de uma entidade familiar, e o que é mais
grave, declarar que a tal união o Estado deva outorgar a mesma
proteção a que está a merecer a família legítima, olvidando que o
5
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito de Família, v. I, p. 55. Apud AURÉA PIMENTEL PEREIRA)
concubinato, por constituir fato fora da lei, não pode interessar à
ordem jurídica.6
18
Todavia, entendemos injustificáveis os argumentos ao inovador postulado
constitucional, posto que, se a união estável não constituía no Direito brasileiro, instituição de
Direito de Família, e se a lei não conferia ao concubinato estável os mesmos efeitos do
casamento, tais fatos são debitados a uma postura intransigente e conservadora de juristas que
de maneira preconceituosa, encarava a união livre até mesmo como ligações pecaminosas,
derivado tal preconceito, talvez do fato social de que a maioria dessas uniões conjugais é
integrada pelas classes sociais mais desfavorecidas. Ademais, o novo Código Civil – Lei
10.406 de 10-01-2002, suprimiu a expressão “família legítima”, conforme se observa do que
dispõe o art. 1.511, nas disposições gerais sobre o casamento, face a vedação constitucional às
designações discriminatórias na família (CRFB/88, art. 226 “caput”, §§ 1º, 3º e 4º e art. 227, §
6º) .7
Rainer Czajkowski, a respeito da crise na família, enfatiza que nas últimas décadas
houve uma modificação significativa nas relações humanas e padrões de conduta, e que o
predomínio do individualismo nas relações familiares e o retorno da afetividade como valor
preponderante (ao invés da autoridade), entre outros fenômenos, significaram uma verdadeira
revolução no Direito de Família, obrigando a uma reestruturação de valores e conceitos,
principalmente do casamento, do qual se tornou comum diagnosticar a crise ou até a sua
extinção, e até mesmo diagnosticar uma crise existencial da própria família.8
É neste quadro de intensas e contínuas mudanças sociais que a Constituição de 88,
diante do que se pode deduzir das estatísticas (estatísticas específicas e atuais no Brasil não
estão disponíveis), divulgadas pela imprensa e o volume notório de demandas levadas ao
Poder Judiciário, deu legitimidade familiar a um modo de vida que por muito tempo recebeu
tratamento dispersivo e incerto, de acordo com o § 3º, bem como, “a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes” segundo o § 4º do art. 266.
Por certo o constituinte não pretendeu a equiparação do casamento à União estável
entre homem e mulher, pois são estados diversos, e o que ficou patente foi o anseio do
6
PEREIRA, Áurea Pimentel. A Nova Constituição e o Direito de Família, 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar,
1990. P. 31.
7
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. p. 102.
8
“Há que se distinguir se a crise é da concepção que se tem da família ou se há mesmo uma periclitação do
próprio organismo na estrutura social. Na verdade, a crise é teórica, conceitual. Embora tenha havido tentativas –
mediante experiências anômalas e mal-sucedidas de convivência grupal – nem a sociologia, nem a psicologia, e
tampouco o Direito acharam até hoje uma estrutura substitutiva eficaz do ente familiar para o ser humano.”
CZAJKOSKI, Rainer. União Livre: à luz das leis 8.871/94 e 9.278/96. 2ª ed., Curitiba: Juruá, 1999, p. 39.
legislador em ver transformada a situação marginal da União Estável, substituindo-a,
19
através de facilidades administrativas, em matrimônio.
Muito antes das construções jurídicas, porém, casos havia em que homem e
mulher viviam durante longo período em comum, montando com sacrifício um acervo
patrimonial que normalmente figurava em nome do homem, especialmente pela tradição
patriarcal dos imigrantes. Estes, que chegavam ao Brasil e iniciavam vida nova, ao
desfazerem o liame afetivo com a parceira davam vazão a enormes injustiças, pois seu
casamento aqui não tinha validade, nem o regime. O homem, titular nominativo do acervo
patrimonial, abandonava a mulher sem qualquer fonte de rendimento para sobreviver, porque
legalmente os bens lhe pertenciam e nada devia à parceira. Isso, somados aos casos
semelhantes verificados entre brasileiros natos, levou à elaboração da teoria da sociedade de
fato.
1.4 A Família em relação ao concubinato ou União Estável
É inocultável que o direito de família vive em constante evolução cultural, gerada
pelas rápidas transformações dos costumes sociais, surgidas tanto da incorporação da mulher
no mercado de trabalho, como pelos resultados colhidos pelo empenho da emancipação
feminina para conquista da igualdade jurídica e paridade conjugal.
Diante destas mutações sociais, as quais a norma jurídica procura se amoldar, não
há como sustentar, na atualidade, um argumento sequer que pudesse demonstrar-se indiferente
à figura da família natural no cenário jurídico vigente.
Caracterizar uniões livres estáveis como entidades familiares não é revolucionário.
Se a Constituição Federal de 1988 o fez, foi para atribuir legalidade a um fenômeno social e
humano, consignando em seu texto a única via de direção, aberta, primeiro, pela
jurisprudência, e depois, por diversas leis esparsas que passaram a proteger as relações livres;
principalmente no Brasil onde por razões econômicas e culturais peculiares, pode-se constatar
a existência de um certo informalismo na base da organização familiar. Não há dados oficiais
confiáveis sobre as uniões livres no Brasil, mas há indícios suficientes de sua relevância.
Curiosamente, os últimos Anuários estatísticos do IBGE, na parte que tratam das famílias e de
suas condições, desprezam a distinção entre o juridicamente casado e a convivência em
“estado de casado”, o que impossibilita fixar, com precisão, a relevância numérica e social das
uniões livres estáveis.
20
De efeito, tendo como novo fundamento o sentimento humano, a família
prescindiu do contrato solene denominado “casamento” para a sua constituição, pois deste não
nasce, por óbvio, aquela. Nisto reside, na opinião de Ranato Franco de Almeida, a natureza
sócio-jurídica da união estável. Diverge do entendimento de autores que entendem que
existem vários tipos de família reconhecida pela constituição: uma fulcrada no casamento e a
outra a família natural à margem deste contrato. Posiciona-se no sentido de que se trata de
uma relação de causa e efeito, porquanto, do casamento, assim como da união estável, surge a
família e não diversos tipos de família; porém partindo-se de fatos geradores distintos. A
natureza sócio jurídica da união estável, portanto, reside no fato gerador alternativo e natural
da família. 9
É visível a aproximação jurídica da união livre com o casamento, embora
subsistam diferenças de ordem formal. As leis 8971/94 e 9278/96 que regulamentaram a
união estável, seguindo orientação legislativa de países da América Latina, incluíram
dispositivos que assemelham os efeitos jurídicos do casamento aos da união estável. Contudo,
na prática, casamento e concubinato não se confundem. Mesmo diante de uma legislação
própria e autônoma regulando as uniões livres, a aplicação analógica dos princípios do
casamento é preponderante.
Isto ocorre porque seria um contra censo normatizar de forma diferente relações
familiar que, como foi exposto, são intrinsicamente iguais em aspectos afetivos e
psicológicos. É a evidência definitiva de que as uniões livres passaram a fazer parte do direito
de família.
1.5 Casamento e União Estável – características que os diferenciam
O Estado ao regulamentar o casamento o faz por meio de normas de ordem
pública, segundo as quais a vontade das partes sucumbe aos interesses públicos envolvidos,
tendo por presunção que daí surgirá uma relação de fato, respeito, consideração e assistência,
de ordem material e moral, por imposição estatal.
Por conseqüência, em razão do disposto no art. 226 § 3º (in fine) não se pode
igualar institutos que se distinguem. Tais deveres na união estável existem, não em razão da
vontade do Estado, mas por estarem ínsitos na espécie humana o dever geral de solidariedade.
9
União Estável – qual a estabilidade desta união? Renato Franco de Almeida. Promotor de Justiça em
Governador Valadares-MG. Disponível em http://www.jus.com.br.doutrina. Acesso em 20 mai. 2003.
21
Tendo-se em mente que tais valores são a base que deverá ser construída uma
relação sólida entre homem e mulher, pode-se dizer que o casamento é o ponto de partida, por
imposição legal desta construção, pois se presume que os cônjuges lá chegarão. E de outro
lado, a união estável é o ponto de chegada para um relacionamento maduro. Logrando
alcançar aqueles objetivos é que surge então efeitos jurídicos a união estável.
O casamento, no âmbito pessoal (extrapatrimonial) os efeitos produzem-se com o
ato formal válido, e dizem respeito, principalmente, à fidelidade, à vida em comum
(abrangendo a moradia comum e o débito conjugal), à assistência moral (abrangendo respeito
e consideração mútuos) e a guarda e educação dos filhos.
Na união livre ocorre de forma diferente: há em princípio, o fenômeno da união,
que pode ou não produzir reflexos jurídicos. É a manifestação contínua e recíproca de manter
vínculo que surge a convivência, e daí a entidade familiar informal.
As uniões livres por si e a priori não podem ser consideradas instituições, porque
ela surge sem conteúdo pré-determinado. O casamento, modo formal de constituir família,
provoca a priori todos os efeitos jurídicos previstos em lei. A união livre só assume
relevância jurídica como família a partir do reconhecimento de seus elementos essenciais, os
quais serão estudados no capítulo seguinte. Em outras palavras, é sempre uma constatação a
posteriori de uma realidade presente ou já vivida que vai definir se determinada união livre
existe, existiu ou não como entidade familiar. Por isso da importância neste aspecto.
A natureza jurídica do casamento tem sido alvo de grandes discussões na doutrina.
Três correntes se formaram, ou seja, a contratualista, a institucionalista e a corrente mista ou
eclética.
Para a concepção clássica - contratualista, o casamento não passa de um contrato
civil, regido pelas normas comuns de todos os contratos, ultimando-se e aperfeiçoando-se
apenas pelo simples consentimento dos nubentes, que deve ser recíproco e manifestado de
forma expressa ou através de sinais exteriores que demonstrem a vontade de contrair
matrimônio.
De outro lado, para os institucionalistas, o matrimônio é um estado em que os
nubentes ingressam. O casamento seria, para esta corrente, uma grande instituição social,
refletindo uma situação jurídica que surge da vontade dos contraentes, mas que, da imutável
vontade da lei, recebe sua forma, suas normas e seus efeitos. As partes são livres para optarem
pelo casamento, mas uma vez acertada a realização do matrimônio, não lhes é permitido
discutir o conteúdo dos seus direitos e deveres, pois, esses direitos e deveres são automáticos
e disciplinados por normas de ordem pública.
22
A corrente mista ou eclética sustenta que o casamento é um contrato na sua
formação e uma instituição no seu conteúdo. Esta corrente entende que o casamento é um ato
complexo, sendo mais do que um contrato, embora não deixe também de ser um contrato.
Segundo o magistério de Washington de Barros Monteiro, Maria Helena Diniz,
Orlando Gomes, entre outros, sustentam que o casamento é uma instituição social.
Atualmente, o entendimento da doutrina é que, embora sem excluir o interesse público e a
imperatividade de certas regras, notadamente no que diz respeito aos efeitos pessoais, a regra
geral é a da indisponibilidade, principalmente no que diz respeito aos aspectos essenciais do
casamento. Quanto a outros aspectos do conteúdo da relação matrimonial, a tendência das
mais recentes reformas de Direito de Família, é de que o casamento guarda de forma
preponderante o caráter privado.10
2. UNIÃO ESTÁVEL – ASPECTOS GERAIS
2.1 Conceitos
O conceito de união estável não é de fácil determinação, pois varia em face dos
elementos que o meio, as condições, o nível educacional social e econômico das pessoas
apresenta, além de outros fatores sociais, culturais, econômicos e psicológicos. A falta de
compreensão e a indisposição para distinguir as relações oriundas do concubinato honesto tem
levado, não raro, a soluções injustas.
Ressalta-se que anteriormente a vigência do Novo Código Civil a doutrina de um
modo geral utilizou os termos união estável e concubinato como sinônimos. Por isto a
utilização do primeiro (concubinato) na conceituação, que na verdade quer se referir à união
estável amparada pelo direito.
Até a promulgação da Constituição de 1988, todo o tipo de união entre homem e
mulher, cuja constituição não fosse consolidada através do matrimônio civil, era considerada
relação de concubinato. Nesta esteira, desde aqueles que haviam contraído núpcias através do
casamento religioso, até os que conviviam sob o manto do adultério, eram igualmente
considerados pela lei civil concubinos.
10
Sobre o caráter institucional CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA refere-se “ao conjunto de normas
imperativas cujo objetivo consiste em dar à família uma organização social e moral correspondente às aspirações
atuais e as aspirações do homem”. Porém, na esfera do direito privado, referido autor ressalta a natureza
contratual do casamento “tendo em vista a indispensável declaração convergente de vontades livremente
São vários os conceitos dados, haja vista a amplitude de seu significado.
23
Segundo Washington de Barros Monteiro “O concubinato é a união entre o homem e a
mulher, sem casamento. Por outras palavras, é a ausência de matrimônio para o casal que viva
como marido e mulher”.
No entanto, é no clássico EDGARD DE MOURA BITTENCOURT onde
encontramos o conceito mais preciso e jurídico, que considera o concubinato em dois
sentidos: um amplo ou lato e o outro estrito. No primeiro configura-se como a “união estável
no mesmo ou em teto diferente, do homem com a mulher, que não são ligados entre si pelo
matrimônio...” No segundo, “é a convivência more uxório, ou seja, o convívio como se
fossem marido e mulher....., a união de fato implicando não somente relações sexuais, mas
também prolongada comunhão de vida”.11
A Constituição Federal de 1988 alçou a união livre estável entre homem e a
mulher um status de matrimônio, atribuindo igualdade de tratamento entre o casamento e o
concubinato, ao estipular nos §§ do art. 226 que:
§ 3º -Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável
entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar a sua conversão em casamento”.
§ 4º “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Portanto, para fins de proteção do Estado, segundo a norma constitucional,
somente o concubinato estável é contemplado. E por ser duradoura e sólida, configura um fato
social e jurídico, a família natural, merecedora da tutela jurídica.
Por sua vez, o art. 1723 do novo Código Civil complementa: “É reconhecida
como entidade familiar à união estável entre o homem e a mulher, configurada na
convivência, pública, notória, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de
constituição de família”. Comparando-se ambos os dispositivos extraem-se os seguintes
elementos essenciais: a dualidade de sexo, o conteúdo mínimo da relação, a estabilidade e a
publicidade. Além desses elementos, podem estar presentes outras características que, em
função de sua variabilidade ou sua prescindibilidade, devem ser consideradas secundárias.
manifestadas e tendentes à obtenção de finalidades jurídicas”. PEREIRA. Caio Mário da Silva. Instituições de
DireitoCivil, v. V, Direito de Família, 7 ed., Rio de Janeiro, Forense, 1991, p. 34 e 35.
João Batista Arruda Giordano pondera:
24
A missão de definir a união estável é dos Tribunais e não do legislador.
Na investigação do conceito, o julgador deverá valer-se dos seguintes
subsídios: elementos indicados pela doutrina pátria, ostensividade ou
notoriedade das relações, comunidade de vida, fidelidade e
dependência econômica que estarão todos reunidos ou alguns deles; e
elementos apontados pelo direito alienígena, como a existência de
contrato informal, ou de filhos, ou ainda o decurso de um certo tempo
desde o início da união.12.
A expressão “união estável” substitui com vantagens o “concubinato” no sentido
de afastar a carga histórica negativa que este envolve. Ou seja, é comum ainda a utilização do
termo “concubinato”, em razão de sua tradição histórica, ser associado a uma situação de
adultério ou de ilícito.
A união estável e o concubinato, hoje, pelo estabelecido no novo Código Civil art.
1727, encontram-se apartados. Anteriormente à promulgação da Constituição de 1988, o que
na atualidade se conceitua por união estável estava inserida entre as muitas formas nas quais
se poderia conviver na situação de concubinato. Significa dizer, que de uma das formas de
concubinato existentes, brotou a união estável.
No Brasil, a jurisprudência consagrou – em face desta circunstância – uma
distinção entre a noção de concubina (o) e companheira (o), com o objetivo de juridicamente,
afastar a incidência negativa de artigos do Código Civil, referentes a relações tipicamente
adulterinas daquelas uniões estáveis que se formam entre parceiros, quando um deles está
separado de fato do antigo cônjuge.
A distinção é basicamente a seguinte: concubina é a amante, mantida
clandestinamente pelo homem casado, o qual continua freqüentando a família formalmente
constituída. Companheira, ao contrário, é a parceira com quem o homem casado entabula uma
relação estável, depois de separado de fato da esposa. Esta construção jurisprudencial é o
primeiro passo para a alteração do conceito técnico de adulterinidade.
Não se deve confundir a concubina com a cortesã, nem mesmo com aquela que se
designa ordinariamente por amante, porque quem diz amante diz capricho, paixão, amor de
prazer em mais freqüentemente, amor próprio, vaidade. A companheira é a esposa sem título,
é a idéia de matrimônio sem a sanção da lei.
11
BITTENCOURT, Edgard de Moura. O Concubinato no Direito, Rio de Janeiro: Jurídica e Universitária, p.
391.
12
ARRUDA, João Batista. União Estável. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – AJURIS,
vol. 45, Porto Alegre, p. 253, 1997.
Em sentido lato concubinato é a união mais ou menos duradoura, sob o mesmo
25
teto ou não, do homem com a mulher que não estão ligados entre si por matrimônio. Em
sentido estrito, é a convivência more uxório, isto é, sob o mesmo teto, com a aparência de
casamento e como se fossem marido e mulher.
O que se pôde depreender da pesquisa realizada é que o Novo Código Civil no
artigo 1.723 reproduziu quase que completamente o art. 1º da lei 9.278/96, conceituando a
união estável assim enunciando:
Art. 1.723 É reconhecida como entidade familiar a união estável entre
o homem e a mulher configurada na convivência pública, contínua e
duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos
do art. 1.521, não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a
pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente;
§ 2º As Causas suspensivas do art.1.523 não impedirão à
caracterização da união estável.
2.2 Espécies de Concubinato
A classificação do concubinato em espécies encontrada no meio social brasileiro
não será tratada de forma exaustiva, pois dada as particularidades de cada caso, não serão
incluídas, aqui, formas importantes e, portanto, merecedora de destaque. Este estudo visa
buscar antes uma forma didática de agrupar situações semelhantes, sem esquecer que cada
uma delas traz circunstâncias específicas que podem exigir reparos quanto à solução dos
conflitos oriundos da dissolução da sociedade concubinária.
ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO13 apresentou uma classificação que é adotada e
referenciada por expressiva parte da doutrina. Conceitua e divide o concubinato em duas
modalidades: o concubinato puro, que se vincula ao conceito da união estável preceituado no
art. 1º da Lei 9.278/96, isto é, quando se constitui a família de fato (também rotulado como
concubinato leal), e o concubinato impuro, que está vinculado aquele cujos parceiros
convivam sob o manto do adultério, do incesto ou da deslealdade.
O concubinato puro, portanto a união entre um homem e uma mulher, não
impossibilitados por lei de casarem-se, revestida de índices de moralidade, permanência e
notoriedade, apresenta-se menos complexo para a solução dos conflitos. Nesse passo, a
Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, § 3º, estabelece: “a família, base da sociedade,
13
AZEVEDO, Álvaro Villaça. União Estável: Antiga forma do casamento de fato, P. 8.
26
tem especial proteção do Estado (...) para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a
União Estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento”, enfatizando, portanto, a estabilidade da união.
Por seu turno, o concubinato impuro, dada a complexidade das relações enseja
estudo mais aprofundado, o aprimoramento dos conceitos e a avaliação das conseqüências de
cada forma com a qual se apresenta.
O concubinato impuro tem sido descrito pela doutrina em duas formas: a)
adulterino b) incestuoso. (Porém a jurisprudência acrescenta a situação dirimente ou
impeditiva, que não encerra uma oposição à forma, mas uma situação especial que carece de
uma solução de continuidade, diferentemente do que ocorre com o concubinato puro.
a) o concubinato será adulterino, quando concorrer com o casamento legal ainda
não resolvido por separação judicial ou divórcio, ou quando não estiverem um dos
conviventes ou ambos, separado de fato do antigo cônjuge. Também será admitido nesta
classificação a possibilidade de ocorrer a existência de um concubinato revestido das
condições que lhe assegure os direitos inerentes à União estável, apresentando-se em nível
superior a outro ou a outros concubinatos concorrentes. O pluriconcubinato não será motivo
de desamparo ao concubinato de boa-fé, porém requer solução de continuidade através dos
critérios utilizados para a dissolução do concubinato adulterino.
b) o concubinato incestuoso ocorre sempre que o grau de parentesco, entre os
companheiros é tão próximo que a lei, apegada a aspectos morais e biológicos, veda-lhes a
união.
c) denomina-se dirimente ou impeditivo o concubinato resultante da união que se
encontre numa das situações dispostas no art. 1.521 do Novo Código Civil ,e seus incisos14,
merecendo atenção especial por tratarem-se de situações de impedimento que a partir da
resolução da restrição sofrerão as conseqüências mais diversas. Ainda que se revista de
honestidade e estabilidade, não é possível, segundo a classificação adotada, considerar esta
espécie de concubinato tal como o concubinato puro (hoje, união estável).
14
O art. 1.521, do Código Civil, tratando dos impedimentos para o casamento, dispõe: “não podem casar:
I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II – Os afins em linha reta;
III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V – o adotado com o filho do adotante;
VI – As pessoas casadas;
VII – o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte;
Trata ainda, do concubinato direto, gerado pelo assentimento mútuo e recíproco,
27
tácito ou verbal dos concubinos, de viverem unidos porque hajam pactuado ou não, por
escrito, as condições de vida em comum e a possível prestação de alimentos em caso de
dissolução; e do concubinato indireto, decorrente da mutação de um casamento ineficaz; um
estado civil que por defeitos de forma ou de fundo não produz seus efeitos normais e, por isso,
degenera em outro estado diverso, a exemplo da empregada doméstica que se torna
companheira, ou empregador, ou ainda, dos sócios que durante a existência da sociedade
constituída, formam uma união, transformando-a em sociedade de fato.
A modalidade impura pode gerar direitos e obrigações, mas deve estar
acompanhada de circunstâncias especiais reconhecidas em Juízo. O casamento religioso, por
exemplo, dependendo de suas características ou circunstâncias, poderá ser reconhecido como
união estável ou relação impura, pois, embora possa produzir efeitos civis, desde que obedeça
às exigências na Lei 6.015/73, nos arts. 71 a 75, estes dispositivos são de pouca utilização,
pois é acentuado o grau de desconhecimento acerca dessa faculdade conferida pelo legislador.
O simples fato do casamento perante a igreja (seja de qualquer religião), está despido de
eficácia civil imediato, servindo no máximo como início de prova da existência da união
estável, que será analisada com os demais requisitos exigidos para a sua caracterização.
Ademais, famílias oriundas de uniões estáveis nada têm de “ilegítimas”, porque a
valoração jurídica a elas reconhecida independe de qualquer regulamentação. A parte final do
§ 3º do art. 226 da Constituição Federal dispõe que a lei deverá facilitar a conversão da união
estável em casamento. O art. 1726 do Código Civil assim prescreve que: “A união estável
poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao Juiz e assento no
Registro Civil”.
Diante disto o verbo “facilitar” reflete uma faculdade, e não uma imposição. Nisto
reside a intenção do legislador constituinte em estabelecer diferenças que devem subsistir
entre casamento e união estável.
Subordinou a conversão ao acordo de vontades dos
companheiros nesse sentido. Este é o requisito subjetivo: a concordância de ambas as partes, e
não se trata de direito que um deles possa exercer judicialmente contra o outro. O requisito
objetivo consiste em que as partes estejam em condições de casarem entre si.
Seguindo orientação da doutrina e da jurisprudência o novo Código Civil, no
artigo 1.723 § 1º, possibilitou o reconhecimento da união estável entre pessoas separadas de
fato. Há ainda hoje certa resistência por parte da doutrina com relação as uniões formadas por
pessoas separadas de fato, ao argumento de que o casamento pela lei civil, subsiste até a
declaração judicial de sua dissolução e, portanto, trata-se de união adulterina, não
28
merecendo proteção jurídica.
Ricardo Fiusa, seguindo este entendimento, enfatiza para a complexidade que a
situação poderá causar, principalmente no que pertine a questão patrimonial15.
Rainer Czajkowski por outro lado, entende que o fato de um dos companheiros
estar separado de fato de seu antigo cônjuge, não é motivo para inviabilizar o início de uma
relação estável ou reconhecimento de efeitos a essa relação, mas sim a conversão em
casamento. Para o autor, não se pode conceber o entendimento de alguns doutrinadores de
que a relação concubinária entre pessoas consolidamente separadas de fato de antigos
cônjuges, ou mesmo aquelas separadas judicialmente, não podem ser reconhecidas como
entidade familiar, atribuindo a tais situações a condição de concubinato impuro.16 O
impedimento reside, apenas, em tais situações, na impossibilidade de conversão em
casamento. O que interessa nessa averiguação, é ter uma visão lúcida e moderna sobre o que
seja relação adulterina. Adultério é traição contra a comunhão de vidas; não é atentado contra
o estado meramente formal.
Não é a condição formal de casado com terceiro, que um dos companheiros
ostenta, que inviabiliza a união estável como entidade familiar, é a existência prática e efetiva
daquele casamento. O que interessa nessa averiguação, é ter uma visão lúcida e moderna
sobre o que seja relação adulterina. Adultério é traição contra a comunhão de vidas; não é
atentado contra o estado meramente formal.
Analisando, então, o impedimento do inciso VII do art. 1521 do Novo Código
Civil, há um obstáculo ético ao casamento do cônjuge sobrevivente, com o condenado por
homicídio ou tentativa de homicídio contra o outro consorte.
Não se pode facilmente, transportar o impedimento para as uniões estáveis. O
início da convivência, neste caso, será moralmente irrelevante, porque ainda não há família.
Se a união, mesmo assim, se prolonga por anos a fio, às vezes por décadas, é inviável o
Estado negar proteção a uma família existente baseado só naquela antiga objeção moral
quando, muitas vezes, sequer algum efeito criminal daquela condenação subsiste.
15
(.....) “Como já nos manifestamos em estudos anteriores, essa disposição do texto atual não se coaduna com o
princípio constitucional de proteção à família., já que a convivência de uma pessoa casada com terceira pessoa,
que apenas deixe de coabitar com o cônjuge e não regularize seu estado civil, não deve gerar efeitos de união
estável, sob pena de haver turbação familiar e patrimonial, sem que se possa concluir qual é a relação que deve
gerar efeitos e delimitar qual é o patrimônio pertencente ao cônjuge ou ao convivente.” BRASIL, Novo Código
Civil Comentado. Coordenação Ricardo Fiusa, 1. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002., pág. 1534.
16
SZAJKOWSKI, Rainer, União Livre à Luz das Leis 8.971/94 e 9.278/96. Curitibra;Juruá, 1999. P. 26.
Assim, o reconhecimento da união estável como entidade familiar terá lugar,
29
sempre, anos após em que a relação perdurar e, então, tais impedimentos, no mais das vezes,
terão perdido a significação jurídica que originalmente tinham.
2.3 União Estável natureza jurídica.
Com o advento da República e a conseqüente separação entre Estado e Igreja, o
casamento passou a ser um ato de natureza civil, deixando de ser um ato meramente religioso.
Constatou-se, no entanto, com o passar dos anos, por força da tradição ou por ignorância, que
muitos casais realizavam o casamento apenas na Igreja, mediante cerimônia religiosa, sem
regularizar o matrimônio no registro civil. E assim passavam grande parte de suas vidas,
acreditando-se casadas. Constituíam famílias e as vezes amealhavam significativo patrimônio,
que, via de regra, só ficava em nome do varão.
O mesmo acontecia, antes do advento da Lei do Divórcio, com casais em que um
deles, ou ambos era “desquitado”, face a impossibilidade de casar novamente, iniciava uma
nova e duradoura convivência e o patrimônio constituído com o esforço comum ficava só no
nome do companheiro. Daí surgia um grande problema: rompida a união, por
desentendimento ou pela morte do varão, a mulher ficava em situação extremamente difícil. O
patrimônio que tinha ajudado a formar permanecia só com seu ex-companheiro, ou com os
herdeiros dele. Herdeiros estes, nem sempre filhos comuns, e nem sempre compreensivos com
a companheira sobrevivente.
De alguns anos para cá o concubinato vem aumentado consideravelmente, supõese que seja para acabar com a burocracia dos papéis. Além do mais, com os problemas
econômicos, emancipação da mulher ao se lançar no mercado de trabalho, as mudanças nos
costumes, entre outros fatores, vem auxiliando no rompimento da relação com mais
facilidade. As pessoas acabam optando por um modo mais simples de união, inclusive por
viverem em casas separadas. Mesmo porque, atualmente, a tendência é de que os casamentos
não durem por muito tempo, levando as pessoas a escolheres uma forma mais simples de se
unirem, evitando os processos contenciosos infindáveis.
Assim as antigas doutrinas e jurisprudências, em face da ausência de leis aliada
aos ataques da moral vigente, foram o berço da solução de conflitos através do critério
sociedade.
Com o intuito de evitar ou contornar enriquecimento sem causa, em detrimento da
mulher, a jurisprudência, ao longo de décadas, desenvolveu o instituto da sociedade de fato
30
entre concubinos, consagrado na Súmula 380 do STF “Comprovada a existência de
sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do
patrimônio adquirido pelo esforço comum”. Segundo Washington de Barros Monteiro, o
concubinato constitui outrora, instituição legal, um quase-casamento, ao qual faltava o
affectio maritalis e a finalidade de constituição de família inerente ao matrimônio, tais como a
criação, a educação e o amparo dos filhos. No direito Romano, teve o valor de casamento de
segunda classe, pela imperfeita comunhão de vida, bem como pelos efeitos que dele surgiam,
acrescenta referido autor.17
A expressão “sociedade de fato”, em si, tem significação mais abrangente do que
aquela união de esforços nas uniões concubinárias. Genericamente, “sociedade de fato” ou
“irregular” é aquela não constituída juridicamente, mas que, no mundo dos fatos, se amolda
ao conceito do art. 1.363 do Código Civil “celebram contrato de sociedade as pessoas, que
mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns”.
Assim, em princípio, sociedade de fato não pressupõe relacionamento prolongado e estável;
pode existir entre parceiros antes de se falar em entidade familiar e independentemente dela.
Sem família, a sociedade de fato se resolve no âmbito do direito obrigacional.
Duas pessoas quaisquer podem constituir sociedade de fato, sem ajustarem entre si
uma comunhão de vida estável. Diante disto, o cônjuge adultero pode formar com a amante
uma sociedade de fato – independentemente da família legítima – uma vez comprovada a
contribuição de ambos os adúlteros na formação de um patrimônio comum. Da mesma forma,
pessoas homossexuais entre si. Entretanto, óbvio que o cônjuge adultero e sua (seu) amante
nem os homossexuais não formarão uma entidade familiar.18
Por outro lado, quando se está diante de uma união estável, uma entidade familiar,
a constatação de uma sociedade de fato é sempre da comunhão de vida afetiva e material a
17
MONTEIRO, Whashington de Barros, Curso de Direito Civil. Direito de Família, 31ª edição, São Paulo:
Editora Saraiva, p. 16.
18
Em sentido favorável existem várias julgados, dentre eles: “Temos precedente, em acórdão com essa ementa:
“Sociedade de fato entre concubinos. Homem casado. Dissolução judicial. Admissibilidade. É admissível a
pretensão de dissolver a sociedade de fato, embora um dos concubinos seja casado. Tal situação não impede a
aplicação do princípio inscrito na Súmula 380/STF. Recurso especial conhecido e provido”. (Rec. Esp. 5.537,
DJ. De 09.09.91. A mim me parece que o preceito sumulado não é incompatível com a situação de casado de um
dos sócios, em princípio. Em se tratando como nele se trata, da dissolução da sociedade de fato, não vejo,
exatamente por se cuidar de sociedade e fato, e não de direito, como deixar de reconhecê-la dela participando
pessoa casada. Espécie dessa natureza acha-se regida pelo direito das obrigações e não pelo direito de família.
Impõe-se, portanto, uma vez reconhecida, dela retirar, se dissolvida, consequências próprias, e uma delas, de
acordo com a Súmula 380, é a “partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. Quanto a “dupla
meação” (....) é de se notar que o direito do outro cônjuge restringe-se ao patrimônio resultante da dissolução.
Volto a insistir, na regência pelo direito das obrigações de situações análogas a destes autos. É como se
dissolvesse uma sociedade comercial...” BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 6.080.
Revista dos Tribunais. Relator: Ministro Nilson Naves. Acórdão de 03.12.91.
que os parceiros se propuseram. O reconhecimento de sociedade de fato entre parceiros de
31
união estável, foi importantíssima construção jurisprudencial para evitar o enriquecimento
sem causa (juridicamente plausível) oriundo de uma contingência familiar informal.
Foi por analogia as sociedades de direito, que se concebeu a sociedade de fato e,
por essa via, a possibilidade de divisão do patrimônio adquirido pelo esforço comum, como a
partilha de bens. Da mesma maneira a que alude a partilha na dissolução das sociedades
mercantis (art. 345, do Código Comercial) ou das sociedades civis ou simples (art. 1.107 do
Novo Código Civil), passou-se a cogitar de partilha patrimonial ao final da união estável. A
analogia, no entanto, passa a ser complexa. Ao fim das sociedades de direito, partilha existe
porque tais entidades têm personalidade própria e, por conseqüência, são titulares de
patrimônio (universalidade de bens). Por outro lado, família, ao contrário, quer originada do
casamento, quer da união estável, não é pessoa jurídica, não tem personalidade distinta da dos
membros que a compõe.
No sentido de dar uma solução mais adequada a situação econômica nas uniões
estáveis, foi preciso também imaginar uma comunhão de bens em co-titularidade, para que
logicamente se justificasse a partilha. Neste sentido, as aludidas partilhas ao final das uniões
estáveis assumiram feições e contornos semelhantes à partilha de bens no casamento, porque
em ambas se discutiam contingências familiares.
Além de outros argumentos, o que mais afasta a sociedade de fato, eventualmente
encontrada entre os casais não casados, das demais espécies de sociedades de direito, civis ou
comerciais, além do defeito de forma, que exige contrato escrito, são: a ausência da affectio
societatis assim considerada a intenção de estabelecer a comunhão de interesses, a satisfação
de um interesse comum, e o intuito de lucro, isto é, a participação dos benefícios, resultante
da atividade produtora da especulação realizada. Na união estável a intenção dos parceiros é,
principalmente, de viveram juntos, como marido e mulher, affectio maritalis, ou seja, a
intenção de constituir família.
Entendia-se, originariamente, que só o companheiro que prestasse auxílio
econômico, que contribuísse com dinheiro para a formação ou o aumento do patrimônio do
outro, faria jus à partilha destes bens. Em decisões mais recentes, e de forma mais acertada,
passou-se a considerar que também o trabalho, mesmo o doméstico, podia ser contribuição
relevante para este acréscimo econômico. Assim, por exemplo, a mulher que trabalhava na
empresa ou no comércio do companheiro, ou que cuidava do lar comum, zelando por sua
manutenção e pela educação dos filhos advindos da união, podia, conforme as circunstâncias,
desempenhar importante papel econômico, possibilitando ao companheiro melhores
32
condições para formar e aumentar o patrimônio. São formas de colaboração indireta.
Este alargamento mais ainda se justificava nos casos de concubinatos de pessoas
pobres. Quanto menor o poder aquisitivo dos parceiros, mais relevante se tornava a
contribuição de ambos na formação de algum patrimônio. Notadamente a mulher, nestas
classes economicamente desfavorecidas mesmo sem exercer trabalho remunerado, tinha papel
decisivo neste âmbito, a ponto de, já na época, considerar-se presumida a sociedade de fato
em tais uniões.
Antes do advento das leis ordinárias que instituíram o direito a alimentos entre os
companheiros, entendia-se que, não havendo aquisição de patrimônio passível de partilha,
possuía a mulher direito de ser indenizada pelos serviços domésticos que prestou ao
companheiro, como forma de impedir que o mesmo fosse beneficiado gratuitamente pelo
trabalho da companheira. Era, na verdade, uma forma de concessão de alimentos por vias
transversas, servindo como alento para a companheira repentinamente abandonada após anos
de convivência conjunta.
De todo o exposto, é certo dizer que haverá esforço comum sempre que os
conviventes empenharem-se material ou moralmente na aquisição e na preservação do
patrimônio, tanto direta como indiretamente. Essa dedicação evita-se reconhecer sociedade de
fato naquelas uniões em que um dos parceiros só se beneficiava da boa condição financeira do
outro; ou também, nas uniões em que a independência econômica de ambos implicava na
formação de patrimônios perfeitamente distintos entre si. Percebe-se, portanto, que a prova da
existência da sociedade normalmente leva à conclusão de que os parceiros atuaram em regime
de colaboração exatamente igual, regra que admite exceção.
Com a promulgação da Constituição de 1988, em face do disposto no § 3º do art.
226, houve significativa modificação na maneira em que o ordenamento jurídico enfocava a
união estável, elevando-a à categoria de entidade familiar, como já visto.
Como no casamento, o Estado, no seu poder imperativo, estabeleceu as normas
regulamentadoras quanto aos bens, obrigação alimentar, enfim, direitos patrimoniais e não
patrimoniais em geral.
Renata Raupp Gomes, acerca da união estável, anota:
Afigura-nos como tendência crescente do direito pátrio, a
institucionalização da união estável ou da convivência, quer por sua
inserção em nível constitucional como entidade familiar, quer pelo
próprio status jurídico por esta alcançada, com a promulgação da lei
em questão, sendo, conseqüentemente, matéria de ordem pública,
tanto quanto o casamento.19
2.4 Caracterização das uniões estáveis
33
A adequada compreensão das Uniões Estáveis como entidades familiares exige o
exame atento de suas características. Indispensáveis assim, para esta análise, partir do
conceito legal contido na Constituição Federal e no art. 1723 do novo Código Civil.
O art. 226 § 3º, da Carta assim dispõe:
Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre
o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a
sua conversão em casamento”. O art. 1.723 “caput”, por sua vez,
complementa: “É reconhecida como entidade familiar a convivência,
pública, notória, contínua e duradoura, de um homem e uma mulher,
estabelecida com objetivo de constituição de família.
Da análise de ambos os dispositivos extraem-se os seguintes elementos essenciais
para que se caracterize determinada união como união estável: a dualidade de sexos, o
conteúdo mínimo da relação, a estabilidade e a publicidade. Além destes, podem estar
presentes outras características que, em função de sua variabilidade ou sua prescindibilidade,
dever ser consideradas secundárias. Ou seja, para os doutrinadores, os caracteres secundários
continuam sendo importantes como elementos de convicção e informação para o julgador, que
só a ele caberá aquilatar, dependendo de cada caso concreto.20
No entanto, antes de apreciar cada um dos elementos essenciais, faz-se necessário
definir certos pressupostos da existência destas entidades familiares, tendo em mente, quando
da sua investigação, determinadas premissas e circunstâncias. Inicialmente, de acordo com o
disposto no § 1º do art. 1.723 não existe mais restrição à caracterização da união estável
quando ela é formada por pessoas impedidas de casar.
Quando a Constituição prevê que a lei deverá facilitar a conversão da união estável
em casamento, e por sua vez, o art. 1.726 do Código Civil dispõe que “A união estável poderá
converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao Juiz e assento no registro
Civil”, tais previsões podem ou não ser exercidas pelos envolvidos, de acordo com sua
19
GOMES, Renata R. apud ROSA, Patrícia Fontanella. União Estável. A eficácia Temporal das Leis
Regulamentadoras. Florianópolis-SC. Ed. Diploma Legal. p. 54 a 55.
20
É com essa ressalva que pondera JOÃO BATISTA ARRUDA GIORDANO: “a missão de definir a união
estável é dos Tribunais e não do legislador. Na investigação do conceito, o julgador deverá valer-se dos seguintes
subsídios: elementos indicados pela doutrina paria, ostensividade ou notoriedade das relações, comunidade de
vida, fidelidade e dependência econômica, que estão todos reunidos ou alguns deles, e elementos apontados pelo
direito alienígena, como a existência de contrato informal, ou de filhos, ou ainda o decurso de um certo tempo
desde o início da união.” União estável, Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – AJURIS,
vol. 45, Porto Alegre, p. 253.
vontade. Supõe-se obviamente, que estejam em condições jurídicas de fazer tal opção, qual
34
seja, casar. Isto não significa que os parceiros de uma união estável devam ter condições de
casar. Na prática, as uniões surgem exatamente de pessoas separadas de fato ou judicialmente
dos antigos cônjuges.
Procura-se com a configuração da união estável, definir em que circunstâncias elas
configuram entidades familiares. Estão, portanto, excluídas as relações flagrantemente
adulterinas, pois o casamento sempre deverá prevalecer sobre relações adulterinas.
Para se averiguar a existência do concubinato, é de se considerar que o objetivo de
constituir família, como conteúdo mínimo da união para efeito de entidade familiar, vinculase em muito ao aspecto da seriedade da relação. É claro que o conteúdo básico da relação
continua sendo o afeto, a íntima vinculação emocional dos parceiros, mas, com a intenção de
torná-la sólida e estável no tempo. Para instituir uma união estável, é a vontade dos parceiros
de estabelecer tal relação que passa a ter caráter decisivo para sua configuração. A união
estável continua sendo, em si, e a princípio, um fato jurídico; ela não é previamente pactuada,
sua existência é constatada dia-a-dia, sua subsistência no tempo lhe dará foros de estabilidade
e, então produzirá seus principais efeitos jurídicos.
O envolvimento afetivo e sexual, entre um homem e uma mulher, sem casamento,
é sempre um processo gradativo, que poderá ou não se transformar em uma união estável.
Todas as relações humanas, inclusive o casamento, envolvem sempre uma certa insegurança
quanto ao seu sucesso ou fracasso. As uniões livres têm, aí, a peculiaridade de que podem ser
desfeitas entes mesmo de produzirem qualquer efeito jurídico, antes mesmo de se cogitar de
entidade familiar. Assim, informalmente como surgiram, podem se desfazer.
O que é
absolutamente necessário é que a partir de um momento, e por um período mais ou menos
prolongado, exista a vontade de estabelecer comunhão de vida, uma vinculação intensa entre
o homem e a mulher.
Quando a existência de uma comunhão de vida desta natureza chega a ser debatida
em juízo, quanto mais estável mais evidente a sua constatação, porque ambos os parceiros
haverão de ter assumido uma postura familiar, diferenciando-se de outras relações jurídicas,
sociais ou empregatícias. A intenção de manter esta comunhão de vida, esta vinculação
íntima, tem que ser recíproca entre os parceiros, donde se falar num acordo de vontades entre
eles, que se revela, na maioria das vezes, de forma implícita, na continuidade da relação.
Portanto, pode-se dizer que a União Estável só assume relevância jurídica como
família a partir do reconhecimento de seus elementos essenciais, e ainda, é de extrema
importância a análise dos agentes envolvidos, suas condutas, suas posturas, que é o que vai
definir se determinada união existe, existiu ou não como entidade familiar. Mesmo quando
35
a Lei nº 9.278/96, art. 5º “caput”, possibilita a estipulação em contrato escrito afastando a
presunção de sociedade de fato, ou ainda de forma análoga, possibilita a estipulação em
contrato escrito afastando a administração conjunta do patrimônio comum, não cria nenhum
ato formal de constituição antecipada da União Estável, pois, em primeiro lugar, este contrato
não precisa ser prévio, elaborado no momento em que os parceiros se propõem a viver juntos;
e em segundo lugar, porque mesmo feito antecipadamente, tal contrato não constitui por si só
uma União Estável, mas apenas é indicativo da pretensão dos parceiros de tentarem constituir
família.
A respeito do contrato sobre relações pessoais nas uniões livres, RAINER
CZAJKOWSKI ensina que antes mesmo das leis, é perfeitamente possível que os parceiros
estipulem, em contrato, regras sobre aspectos materiais da sua convivência. Contudo em se
tratando das relações pessoais, o tema assume contornos diferentes que segundo o autor,
podem ser analisados em duas perspectivas: a da legalidade e da utilidade.
A união estável, assim como o casamento não se exaure na noção de contrato,
dado o seu conteúdo humano e subjetivo. Lógico que há entre os parceiros, um acordo de
vontades. Este acordo, quanto aos aspectos pessoais do relacionamento, não é formalizado e
nem tem efeito vinculante. A ruptura da união não gera sanção por descumprimento de
contrato. Se a união era estável, pode gerar sanção, ou pode gerar efeito patrimonial, em
função de norma protetiva da família informal, não em função de contrato. Em outras
palavras: a convivência dos parceiros em suas nuances psicológicas, espirituais e mesmo
sexuais, é um acordo, mas não é contrato no sentido jurídico da palavra, pois lhe falta o objeto
lícito. Convivência íntima e afetiva de uma pessoa com outra é exercício de direito da
personalidade, não é objeto de contrato.
Feitas essas considerações, passa-se ao exame dos elementos objetivos e subjetivos
essenciais:
2.4.1 - Oposição de sexos
Quando no artigo 226 § 3º da Constituição Federal, o legislador constitucional
enunciou: "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e
a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento", não
inseriu por acaso os vocábulos homem e mulher ao texto legal. A intenção era de afastar do
âmbito da proteção do Estado, considerando como pilar o abrigado pelo direito de família, as
uniões entre pessoas do mesmo sexo. A lei 10.406 de 10.01.2002 - novo Código Civil, em
36
seu artigo 1.729, sedimentou de uma vez por todas o mandamento Constitucional e a
legislação ordinária subsequente, reproduzindo mais um vez a necessidade da diversidade de
sexos enunciado: ....."união estável entre homem e mulher...".A Doutrina em sua maioria,
reconhece pacificamente que a diversidade de sexos é condições indispensável para a
caracterização a união estável. RAINER CZAJKOWSKI assim se posiciona:
Condição se impõe porque duas pessoas do mesmo sexo não podem
assumir, uma perante a outra, as funções de marido e esposa, ou de
pai e de mãe em face de eventuais filhos. Não se trata em princípio de
perquirir sobre a qualidade física ou psicológica das relações sexuais
entre homossexuais, nem emitir sobre tais relações qualquer
julgamento moral. Os argumentos de que o relacionamento íntimo
entre duas pessoas de mesmo sexo afronta os padrões morais médios
da sociedade, não é, por si só suficiente...
Os argumento de que o relacionamento íntimo entre duas pessoas de
mesmo sexo afronta os padrões morais médios da sociedade, não é,
por si só suficiente....
(....) o primeiro elemento essencial para caracterização de um ente
familiar informal decorrente de uma união livre estável é a dualidade
de sexos; a saber, a relação íntima de um homem e de uma mulher
(com exclusão das relações homossexuais e de quaisquer outro sexos
que a ficção ou a mídia consigam conceber.21
A legislação pátria optou por não reunir ao casamento e as uniões estáveis,
os relacionamentos homoafetivos, negando-lhes na esfera do direito de família, tanto o
reconhecimento quanto a proteção legal. É importante ressaltar, todavia, que os
relacionamentos homossexuais, cada vez mais estão deixando a clandestinidade. Aquilo que
há pouco tempo atrás era visto como preconceito, com discriminação, hoje já não é alvo de
reprovação por grande parcela da sociedade, resultando daí que em muito pouco tempo esta
matéria deverá ser enfrentada no âmbito legislativo. Mesmo porque tramita no Congresso
Nacional Projeto de Lei na tentativa de regulamentar tais relacionamentos.
2.4.2 - Conteúdo mínimo da relação:
Denomina-se aqui aquilo que deve estar presente na vinculação entre um homem e
uma mulher para efeito de caracterizar uma entidade familiar. Simples relações sexuais entre
homem e mulher, mesmo que repetidas não contribuem por si só para a configuração de uma
21
CZAJKOWSKI, Rainer. União estável. p. 23
entidade familiar, já que a proteção do Estado às uniões estáveis não pode servir de
37
ancoradouro a pretensões de proveito econômico fundadas em aventuras.
Do conceito posto pelo art. 1.723 do Novo Código Civil, destaca-se, na parte que
ora interessa a convivência de um homem e de uma mulher entre si, estabelecida com o
objetivo de constituição de família. O art. 1.724, ao estabelecer o respeito e o dever de
lealdade mútuos, e ainda a assistência moral e material recíproca como direitos e deveres
iguais dos conviventes, oferece mais um critério para definir este conteúdo mínimo da
relação. Assim, para melhor compreensão, divide-se a matéria em três linhas de
argumentação: a) o elemento subjetivo; b) o objetivo de constituir família; e c) a assistência
material.
a) O elemento subjetivo: No aspecto lealdade e respeito mútuos são regras
morais antes que jurídicas. São requisitos intrínsecos de qualquer convivência, mesmo que a
lei não o dissesse, e são conseqüência lógica do envolvimento afetivo entre os parceiros. Não
existe prova judicial de respeito e consideração, porque se trata de uma conduta subjetiva,
íntima. Quando há harmonia na relação, há respeito e consideração mútuos. Portanto, o
conteúdo essencial da união, para fins de família, é o vínculo afetivo, do qual decorrem o
respeito e lealdade.
O dever de lealdade foi crescido pelo novo Código Civil e tem o conteúdo de
fidelidade existente no casamento (art. 1566 I), de modo a vedar a manutenção de relações
que tenham em vista a satisfação do instinto sexual fora da união estável. A família em nossa
sociedade é monogâmica, sendo inimaginável a atribuição de efeitos a duas relações que
concomitantemente sejam mantidas por um dos companheiros.
Pode-se então afirmar que desrespeito e desconsideração sistemáticos indicam a
falta de afeto e, portanto, explicam a ruptura da união. A inobservância deste dever e a
violação a este direito definem quem causou a dissolução da união acarretando diversos
reflexos, como exemplo: influem na fixação da guarda dos filhos
e pode resultam em
eventual responsabilidade civil por danos morais.
b) o objetivo de constituir família. No aspecto da constituição da família, haverá
uma união onde o homem e a mulher, em face dos filhos, assumirão o papel de pai e de mãe,
porém, os filhos não são obrigatórios para caracterizar família, pois situações existem, em que
devido a idade ou ainda a impossibilidade de gerar filhos, podem os parceiros constituir união
estável sem nenhuma intenção de terem filhos.
É de se considerar que o objetivo de constituir família, como conteúdo mínimo da
união para efeito de entidade familiar, vincula-se em muito ao aspecto da seriedade da
38
ralação. É elemento volitivo. Pode-se então afirmar que desrespeito e desconsideração
sistemáticos indicam a falta de afeto e, portanto, explicam a ruptura da união. A inobservância
deste dever e a violação a este direito definem quem causou a dissolução da união acarretando
diversos reflexos, como exemplo: influem na fixação da guarda dos filhos e pode resultam
em eventual responsabilidade civil por danos morais.
2.4.3 - Assistência material
Devido a toda complexidade do relacionamento humano, principalmente da união
estável, pode-se dizer que a assistência material é aspecto mais simples e, mesmo, acessório.
Apesar de sua importância, a subsistência da união estável depende, fundamentalmente, de
outros fatores que não o material ou econômico.
A assistência material é dever recíproco entre os parceiros. Como direito e dever
mútuo previsto no art. 1.724 serve como fundamento para o pedido de alimentos, em caso de
necessidade, conforme o art. 1.694 do novo Código Civil. Se um dos parceiros recorre ao
Poder Judiciário para pleitear assistência material, é sinal de que ela voluntariamente cessou e,
junto com ela, a convivência. Necessário provar, então, que união estável houve e que há
necessidade dos alimentos.
A assistência material decorre da estrita vinculação afetiva entre os parceiros,
como é intuitivo, e pode assumir duas conotações distintas. A primeira é aquelas despesas do
cotidiano, normais de convivência. Valores estes que um paga a fim de facilitar a própria
convivência e até incrementar a relação. A segunda conotação é a de assistência material mais
expressiva. Um dos parceiros, em face do vínculo afetivo, faz verdadeiros investimentos
econômicos no outro, há assim transferência patrimonial, enriquecimento. Não pode ser
confundida com doação ou presente.
Quando o art. 1.724 refere-se à assistência material como direito e dever recíproco
dos parceiros, quer dizer: aquele que tem condições econômicas, o homem ou a mulher, pode
ser compelido a pagar ao outro, alimentos se estes forem necessários. A assistência material
como elemento constitutivo da união estável é diferente, ela sempre existe. Tanto faz que
nenhum dos dois precise um da ajuda econômica do outro. Não se cuida, aqui, de dependência
econômica.
É diferente se a assistência material é unilateral, só de um em benefício ao outro.
Ela é característica da União. Diz-se que sempre existe porque, por mais independente
financeiramente que seja cada um dos parceiros, qualquer comunhão de vidas gera sempre
39
uma afetação econômica entre eles.
2.4.4 - A Estabilidade ou Durabilidade
União Estável, para ser entidade familiar, deve ser estável, isto é, prolongar-se por
certo tempo. Tal qualidade deve ser considerada imprescindível na formação das chamadas
famílias informais, por duas razões distintas. A primeira é a previsão legal da Constituição
que condiciona a equiparação de entidades familiares e Uniões Estáveis ao preenchimento de
requisitos da estabilidade ou durabilidade.
A segunda é que a subsistência de uma relação intima entre um homem e uma
mulher, com o passar do tempo, cristaliza a presunção de seriedade, de solidez. A duração de
tal relação por si demonstra que resistiu a momentos difíceis, que são aqueles que melhor
propiciam o reconhecimento mais profundo dos parceiros. O art. 1.723 do Código Civil fala
em convivência duradoura e contínua. Não há diferença relevante entre duradoura e estável.
Assim, a estabilidade, muito mais do que o prazo da união importa a existência de
certa continuidade e um entrosamento subjetivo, para distingui-la de uma união passageira.
Fixar um prazo cronológico mínimo para aferir a existência de uma união estável, é correr o
risco de detectá-la onde não existe, ou, o que é pior, negá-la onde realmente se configura.
Existem situações, por exemplo, quando ocorre o nascimento de prole antes do prazo de cinco
anos ou a morte de um dos companheiros, interrompendo-se ai o relacionamento sem o
concurso de vontade de ambos. Melhor é estabelecer que algum tipo de durabilidade deve
existir. Quanto mais perdurar, no tempo, uma relação íntima de um homem e de uma mulher,
mais se cria entre essas duas pessoas uma relação de natureza familiar.
Na Doutrina e na jurisprudência, existe ainda hoje divergência, ou seja, para
muitos, o fator tempo de duração da relação é preponderante para sua configuração, para
outros, diversamente, o que importa fundamentalmente, não é o fator tempo, mas a qualidade,
o animus dos conviventes naquele relacionamento.
O entendimento majoritário é que, para caracterização da união estável, a duração
do relacionamento, embora reflita a sua solidez, funciona, se muito, como prova da
estabilidade do casal se outras demonstrações não forem suficientes; já para tornar a união
estável e apta a interferir na esfera jurídica dos partícipes, deferindo certos direitos recíprocos,
a lei criadora destes efeitos pode estabelecer termo ou condição, como o transcurso de
determinado período, ou nascimento de filho.
Assim ocorreu, por exemplo, com a lei 8.971/94 que, ao assegurar o direito aos
40
alimentos entre os concubinos, estabeleceu um prazo mínimo de cinco anos de convivência.
Posteriormente, foi referida lei ab-rogada pela Lei 9.278/96, que assegurando o mesmo direito
aos alimentos, não fixou qualquer prazo, apenas fazendo referência a uma “convivência
duradoura”, cuja redação foi reproduzida pelo novo Código no art. 1.723.
Significa dizer, sob esta ótica do tempo e duração da união estável, que, estipulado
certo prazo de convivência para o recebimento de determinados direitos (alimentos, por
exemplo), não significa que a companheira ou companheiro, se a relação findar antes daquele
termo, não tenha outros direitos já assegurados, como os previdenciários, acidentários, uso do
nome do companheiro, etc..
Atualmente a Doutrina vem estabelecendo prazo mínimo de dois anos como
condição de duração para reconhecer alguns direitos às uniões estáveis, porque é o período de
casamento para a separação judicial. Porém, o prazo mínimo não deve ser imposto em termos
absolutos. Necessário se faz a análise de cada caso concreto: as circunstâncias econômicas e
sociais, a idade dos parceiros, a existência de filhos provenientes da união, etc., são fatores
que influenciam na configuração da durabilidade22
O estabelecimento de prazo mínimo pela lei acabaria por gerar situação de extrema
injustiça e de locupletamento ilícito daquele que tem o patrimônio em seu nome e dissolve a
relação antes do alcance daquele prazo, em prejuízo do outro convivente, que ofereceu seu
esforço na respectiva aquisição.
Na falta do prazo para caracterizar a união estável, será devido indenização à
mulher se a esta faltarem condições materiais, como por exemplo, quando houver filho
pequeno e a mãe tiver que abdicar de sua vida pessoal para cuidar do mesmo. Nesse caso, não
é devido alimentos à mãe, porque lhe falta base legal. A indenização será por um período
significativo que ela estará atrelada biologicamente ao filho pequeno estando impedida ou
com dificuldades para outros projetos de vida.
22
Neste sentido, MÁRIO AGUIAR MOURA leciona o seguinte: “Quanto ao lapso de tempo necessário, tudo
depende das circunstâncias que envolvem a comunhão. A despeito da tendência legislativa sublinha, de lege
lata, de acolher os cinco anos da voz popular, como sinal de estabilidade, é certo que não deve o intérprete a
eles atrelar-se. Para nós, dentro da razoabilidade do concreto, uma união para além dos dois anos pode ser
indicativo da estabilidade, principalmente de adveio filho. De outro lado, se o companheiro, após estabelecida
união extramatrimonial, vem a falecer, decorridos cerca de dois anos, não se há de negar estabilidade, posto que
o falecimento pode ter interrompido um concubinato que estaria destinado a durar muito. Em realidade, trata-se
de tempo um tanto breve na existência de uma pessoa, mas foi o que permitiu a vida do concubinário. A idade
pode influir na apreciação crítica do tempo. (.....) Uma pessoa de idade, sessenta ou setenta anos, que se
concubina poderá ter computado como duradoura uma comunidade de vida que tenha permanecido por dois, três
ou quatro anos, independentemente de ter advindo filhos”. MOURA, Mário Aguiar. Concubinato. 5 ed. Rio de
Janeiro: Aide, 1987, p. 48.
2.4.5 - publicidade
41
A notoriedade do relacionamento, conforme alguns doutrinadores preferem
designar, ou seja, o reconhecimento social público, de duas pessoas vistas pela sociedade
como se casadas fossem se configura num dos requisitos objetivos para configuração do
concubinato ou sociedade conjugal de fato..
Isto porque, como é curial, uma convivência como marido e mulher escondida aos
olhos de todos de nada adiantaria a não ser como satisfação íntima dos conviventes. Uma
união secreta, velada pela dissimulação, é irrelevante para o tema. O concubinato ganha suas
qualificações nas aparências que exteriorizam os caracteres e os dados da sua existência. É
tema em que a evidência deve estar presente.
O ânimo da vivência como marido e mulher conduz à necessidade desta
notoriedade. Ainda que discreto, o concubinato há de mostrar-se porque existe, porque sempre
haverá um terceiro que dele tem conhecimento: um parente, um vizinho, um amigo que sabe
que a relação existe, em que condições e até com quais particularidades. Se se está a aferir a
existência de uma comunhão de vida entre o homem e a mulher, a vida de ambos não pode
ser tão secreta a ponto de ser absolutamente desconhecida, salvo se for ilícita, e então, será
inócuo falar em entidade familiar.
A título de esclarecimento, fazemos aqui um pequeno parêntese, apenas para
registrar que a união estável nada mais é do que um casamento que se reconhece pela ordem
inversa, pois é formalizada pela sua extinção, enquanto o matrimônio se inicia por sua
solenidade. Neste, a sentença de separação judicial o extingue; naquela (união estável) a
sentença declaratória de dissolução de sociedade de fato é que lhe dá reconhecimento e
direitos.
De toda forma, não será exigível, no aspecto probatório, que o terceiro presencie
fisicamente a união, ou que tenha conhecimento de detalhes íntimos dos conviventes. Este
requisito merece sempre cuidadosa análise, dada a sua relatividade, principalmente no tocante
ao significado das expressões. A interpretação de publicidade ou notoriedade, não é aquela
extensiva do que seja público, mas é razoável entender que a relação não seja absolutamente
secreta, em outras palavras, levando mais em conta o aspecto probatório do que seu conteúdo,
é necessário demonstrar a união por meio de alguma evidência, de alguma exteriorização
perceptível perante terceiros, em maior ou menor amplitude.
Publicidade de união livre não se confunde com vida em comum more uxório, que
é característica secundária, nem com a publicidade do casamento. Publicidade, aqui, é
conhecimento da união por outras pessoas, não é necessariamente aparência de casamento.
42
Publicidade do casamento é diferente, é presumida e surge a priori na celebração e com o
registro. A notoriedade que se pretende caracterizar na união livre é gradativa, e só se
estabelece com a continuidade da relação.
O requisito da publicidade aponta para a importância da prova testemunhal. Se
judicialmente um dos parceiros alega que conviveu e se dispõe a provar, para obter um efeitos
jurídico da relação; se o outro contesta, mas não põe em dúvida a existência da união, a
convivência em si não se discute. Só se aprecia a publicidade se o vínculo do homem e da
mulher é impugnado.
2.5 - Características secundárias
A característica secundária será utilizada quando o julgador, nos casos de
incerteza, considera o conjunto probatório e as evidências, e é aí que as características
secundárias tomam peso e são decisivas. Por este motivo, não é sinônimo de irrelevância, mas
sim, possui conotação de acessoriedade.
Os elementos essenciais são imprescindíveis e exigem manifestação, ou pelo
menos cogitação de quem aplica a lei. Ou seja, a dualidade de sexos e estabilidade são
critérios objetivos; ou existem por inteiro, ou não existem. O conteúdo mínimo da relação e a
publicidade dão espaço a maior discricionariedade, mas sempre são constatáveis com certa
feição e em certo grau. Características secundárias, ao contrário, nem sempre existem; são por
si insuficientes na falta de outras, para definir a união estável.
São três os principais elementos acessórios: a) a convivência more uxório – a
aparência de casamento, incluindo a questão da residência comum e a fidelidade; b) a
dependência econômica e, c) a existência de filhos.
2.5.1 a) A convivência more uxório. Para alguns doutrinadores, a convivência
more uxória está entre os elementos essenciais para a caracterização do concubinato, para que
este produza o efeito jurídico positivo. Mesmo em decisões judiciais recentes, encontra-se
ainda a tendência acentuada de entender a união livre estável como um quase-matrimônio,
decorrendo daí a necessidade de residência comum. No entanto, segundo pondera Rainer
Czajkowski, esta concepção, porém, não mais se coaduna com a compreensão mais atual de
união livre que a Constituição e a realidade social formulam.
Os conviventes, hoje, optam por um estado porque não querem casar, porque
43
não acham necessário casar; afastam-se assim, de pelo menos um dos deveres conjugais que o
casamento lhes iria impor, a coabitação sob o mesmo teto. Em face disto, é contraditório que
a doutrina, a jurisprudência ou, a própria lei, tragam um dever do matrimônio para a união
livre, erigindo-o à condição para que se configure entidade familiar.23
A experiência demonstra, é certo, que quanto mais estável uma união livre mais
ela se assemelha à relação resultante do matrimônio; mas isto só acontece na medida em que
tal semelhança seja de interesse dos parceiros; sob está ótica, a convivência sob o mesmo teto
é na união livre uma deliberação entre os conviventes, que, livremente se manifestam neste
sentido. No casamento, pelo menos por enquanto, é uma imposição legal.
O art. 1.723, quando conceitua a união estável como convivência, não quer dizer
moradia comum, quer significar entrosamento de vidas. Nada impede que o homem prefira ter
residência separada; ou a mulher. É exercício de liberdade, de autonomia da vontade, que não
se pode retirar dos conviventes; necessário é que haja acordo de vontades nesta decisão. Se a
relação já surgir com esta característica, moradia separada, o acordo foi implícito. Se a
separação for superveniente e atitude foi só de um dos parceiros, neste caso, a discordância de
um implica abandono da convivência e ruptura da relação.
2.5.2. Aparência de Casamento
Outra característica, bastante polêmica, que decorre da aventada “aparência de
casamento” é a questão da fidelidade entre os parceiros. Quando se diz que as relações
íntimas de um homem e de uma mulher devem ser exclusivas, para efeito de formar uma
união estável, uma entidade familiar informal, pretende-se evitar a abrangência desta
concepção sobre situações de promiscuidade. O homem que se dedica a manter relações
íntimas com várias mulheres concomitantemente, como é óbvio, não pode pretender formar
23
Neste sentido, a Súmula 382 do STF que se refere ao concubinato dos pais como prova da investigação de
paternidade, estabelece: “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxório não é indispensável à
caracterização do concubianto”. E a jurisprudência: “No mérito, prevalece a conclusão no sentido de que o
concubinato se caracterizara, apesar da ausência de habitação diária sob o mesmo teto. O que importa, como diz
PINTO FERREIRA, é a união estável e prolongada de homem e mulher, com notoriedade, fidelidade e
continuidade de relacionamento sexual (na obra Do concubinato ao casamento de fato – ÁLVARO VILLAÇA
DE AZEVEDO, 1986, p. 65). É exatamente o caso dos autos: o relacionamento entre E. e A perdurou durante
muitos anos, ela era apresentada por este como sua esposa, tinha, constas conjuntas e perante o INAMPS
constava como companheira” BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Cível nº 15.421. Relator:
Desembargador Troiano Neto. Acórdão de 24.04.91.
com nenhuma delas união livre no sentido familiar. Faltam, neste caso, o conteúdo da
44
seriedade e a honestidade que a vida em união livre deve pressupor.
2.5.3. Fidelidade
A fidelidade surge, então, como característica das uniões livres estáveis, no sentido
de que as relações íntimas entre o homem e a mulher tenham um caráter de exclusividade para
ambos. A exclusividade nas relações sexuais, então, revela dedicação de um para o outro; é
exercício do respeito e consideração.
Mas, a prova de que houve infidelidade por parte de um ou de ambos os parceiros
não desnatura, por si só, a existência da união livre e a possibilidade de mediante o
reconhecimento de sua estabilidade, caracterizá-la como entidade familiar. Isto se dá, quando,
mesmo em face da infidelidade, a união tenha subsistido, demonstrando ser mais forte do que
a aventura de um ou de ambos os parceiros. Neste sentido, a infidelidade assume maior
relevância quando é causa mesma da ruptura ou dissolução da união, porque houve
desrespeito e desconsideração, na forma infidelidade, sendo causa de ruptura por ter
infringido ao dever genérico imposto pelo art. 1.723 ter causado a dissolução da união estável,
assemelha-se à definição de culpa no fim do casamento para determinados efeitos civis.
3 - DIREITOS SUCESSÓRIOS NA UNIÃO ESTÁVEL
3.1 Considerações acerca dos institutos da meação e do direito sucessório.
No sentido de esclarecer as conclusões que ao final deste capítulo se chegará
acerca das inovações introduzidas pela lei 10.406 - novo Código Civil - relativamente ao
direito dos companheiros em face da sucessão, é que faz-se necessário tecer algumas
considerações acerca da meação e do direito à herança, estabelecendo-se as diferenças entre
elas.
3.1.1. - Da meação
Do regime de bens adotado no casamento nasceu a meação. Instituto pertinente ao
direito de família, a meação decorre do "acordo" que os cônjuges efetuaram ao optar por
determinado regime de casamento. Quando contraem núpcias adotando o regime da
45
comunhão universal de bens, dissolvida a sociedade conjugal pela separação judicial,
divórcio ou pelo falecimento de um dos cônjuges, caberá a cada um metade de todo o
patrimônio do casal. Se a opção for pela comunhão parcial de bens, serão meados apenas os
bens particulares de cada um dos cônjuges, isto é, anteriores à união, recebidos por doação ou
adquiridos por sucessão. No regime da separação total de bens não ocorre a meação.
Quando se pensa em meação automaticamente vem à mente a idéia de uma opção
que o casal efetua relativamente ao seu patrimônio - pessoal ou aquele constituído durante a
vigência do vínculo matrimonial. No momento em que se casam, optam pela maneira sobre a
qual efetuarão a divisão patrimonial no caso de rompimento da relação conjugal.
Em relação à união estável, também se aplicam as regras referentes aos cônjuges,
uma vez que, na conformidade com o artigo 1725 do novo Código Civil, poderão os
conviventes, por contrato escrito, optar por um regime de bens e, caso não o façam, o regime
que vigorará, tal como no casamento, é o da comunhão parcial de bens.
Neste
sentido,
pode-se
dizer
que
meação
diz
respeito
ao
binômio
patrimônio/relação conjugal, e que, apesar de incito no direito de família, guarda estrita
relação com o direito obrigacional, por se tratar de uma relação de intercâmbio de bens entre
pessoas24. Destaque se faz aqui, também à questão de que no regime de bens adotado pelos
conviventes, a forma da aquisição da propriedade importa sobremaneira em como a divisão
dos bens será efetuada.
3.2 -Do direito a sucessão
Suceder, em sentido amplo, significa imitir-se na posição de outrem, assumindo
em seu lugar aquilo que motivou a transferência da titularidade25. O presente estudo limitarse-á ao exame da sucessão pos mortem, isto é, a transmissão de bens e direitos após a morte.
O direito sucessório encontra-se situado no Código Civil na parte especial e é um
dos cinco livros que a compõe. Apesar de receber tratamento apartado do direito de família,
para fins de estrutura no Código Civil, sua ligação a este é tão estreita que, quando se fala aos
leigos acerca do direito hereditário, logo se começa a estruturar o patrimônio considerando
apenas a sucessão legítima que, por ordem de importância relativamente ao vinculo de
parentesco do autor da herança, dita a sua distribuição. Há de se perceber que, na sucessão
24
25
NORONHA, Fernando, Direito das Obrigações. Parte I. Fundamento do Direito das Obrigações, p. 3
VENOSA, Silvio de Sálvio, Direito Civil: Direito das Secessões, p. 15
legítima, a família por ordem decrescente de importância em face do patrimônio do
46
falecido é a viga mestra que sustenta a vocação hereditária, só substituída pelo Estado quando
a distância que afasta o autor da herança de seu parente é tal que não se justifica, por ordem
da lei, que este se beneficie do patrimônio amealhado. Mesmo na sucessão testamentária, em
que a vontade do autor da herança prevalece sob a disposição legal sobrepondo-se ao
enunciado pela vocação hereditária, a preocupação do legislador de resguardar direitos
sucessórios à família é tal, que limita, no caso de testador com herdeiros necessários, que este
só possa dispor da metade de seus bens, reservando a outra metade àqueles mencionados.
A preocupação que dedicou o legislador à família em face do direito à herança,
vinculando propriedade (pelo menos em parte) e família associa em binômio estes dois
institutos, que quase na totalidade da seara sucessória impõe presença.
3.3. Regulamentação anterior a lei 8971/94
Anteriormente à promulgação da Constituição de 1988, sequer como família era
reconhecida a relação entre companheiros e tampouco gozava, como a aquela constituída
pelo matrimônio, proteção do Estado. Era antes havida a relação em concubinato como algo
que, se não repudiado - como as menções que lhe fazia o antigo código civil, pelo menos
ignorado e colocado à margem no mundo jurídico. Cada situação patrimonial - separação ou
morte dos conviventes, que fosse trazida ao judiciário envolvendo questões relativas às uniões
concubinárias, era decidida ao sabor das ideologias e valores pessoais dos magistrados, que
assumiam, contrariando o princípio constitucional de separação dos poderes, a função de
legislar e julgar. Em face da falta de instrumentos jurídicos que, esmo minimamente,
abrigassem as relações de concubinato puro - em número bastante considerável em nosso
país26, muitas injustiças foram praticadas. Entre as populações menos favorecidas, era comum
que o "casamento" se desse apenas por intermédio da cerimônia religiosa e, neste caso,
falecendo o companheiro e não deixando descendentes, estavam os antecedentes, os colaterais
e, até mesmo o Estado, na falta de outros sucessíveis, como candidatos a pleitear os bens do
casal, que normalmente pela situação patriarcal em que vivia a sociedade brasileira, estavam
em nome do varão.
A única forma que se permitia àqueles que viviam em situação de concubinato, de
resguardar os direitos patrimoniais da companheira, em face dos demais sucessíveis, era por
intermédio de disposição testamentária. Tal atitude, no entanto, é inconcebível, já que se nem
casar-se - por desconhecer a legislação - preocupou-se o convivente, que dirá testar que
47
envolve burocracia muito maior. Até porque, a tradição brasileira é adotar em sua maioria a
sucessão legítima
27
raramente utilizando-se do testamento como forma de determinação dos
que lhe irão suceder.
A Constituição de 1988, como dito anteriormente, elevou as relações de
concubinato puro - denominada de união estável, à condição de entidade familiar,
outorgando-lhes concomitantemente o status de instituto protegido pelo Estado, tal como o
casamento. Se não por determinação expressa, que aos companheiros reconhecesse direito à
herança, a Constituição de 1988 ostentou sua vontade pelo enunciado no § 3º do art. 226 de
que mudara o tom do tratamento que se dispensava a estas uniões, orientando juristas e
magistrados, que passaram a buscar, com base no princípio da isonomia, reduzir a enorme
diferença de tratamentos dispensada ao casamento civil em face da união cujos elementos
constitutivos em quase tudo se assemelhavam a ele. A diferença que os apartava residia na
opção de unicamente lastrear o relacionamento em bases afetivas sem trajá-lo com o
formalismo do casamento.
Neste sentido, face a construção doutrinária e jurisprudencial, fulcrado no ideal
constitucional, foi editada a lei 8971/94.
3.4 - Lei 8.971/94 - Direito à Sucessão - usufruto e Direito à propriedade
Muitas foram as interpretações e comentários acerca do conceito e dos direitos dos
conviventes na união estável segundo as Leis 8.971/94 e 9.278/96. Essa nova legislação
representa uma guinada radical nos direitos em proteção à união estável. A primeira dessas
leis foi promulgada sem a devida discussão no Congresso Nacional, por isto, trouxe inúmeras
dúvidas de interpretação. Até a promulgação da Constituição de 1988, dúvidas não havia de
que o companheiro ou companheira não eram herdeiros. A nova Carta no art. 226 § 3º,
quando reconheceu a união estável entre um homem e uma mulher como entidade familiar a
ser protegida pelo Estado, não atribuiu direito sucessório a concubina ou companheira. Os
Tribunais admitiam a divisão do patrimônio adquirido pelo esforço comum dos
companheiros, com base na Súmula 380 do STF.
Quando não se atribuía parte do patrimônio pelo esforço comum, a jurisprudência
26
27
AZEVEDO, Álvaro Villaça, União Estável: antiga forma do casamento de fato, p.8.
RODRIGUES, Silvio, Direito Civil, vol. 7. Direito das Sucessões, p.7.
concedia indenização à concubina, a título de serviços domésticos prestados. Esse patamar
48
de direitos relativos à convivência sem casamento foi totalmente modificado com os dois
diplomas legais aqui referidos.
No que pertine à sucessão, a Lei nº 8.971/94 inseriu o companheiro na ordem de
vocação hereditária. Dentre muitas imperfeições o art. 1º dispõe o seguinte: “A companheira
comprovada de homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele
viva há mais de 5 anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478/68,
enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade. Parágrafo único. Igual
direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada
judicialmente, divorciada ou viúva”. A lei pretendeu atribuir direito a alimentos entre os
companheiros, mas omitiu quanto ao direito material, referindo-se somente à lei processual
que regula a ação de alimentos.
O art. 2º do mesmo diploma estabeleceu direito sucessório a esses conviventes,
assim enunciando:
Art. 2º As pessoas referidas no artigo anterior participarão da
sucessão do (a) companheiro (a) nas seguintes condições:
I - o (a) companheiro (a) sobrevivente terá direito enquanto não
constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do "de
cujus", se houver filhos deste ou comuns;
II - o (a) companheiro (a) sobrevivente terá direito, enquanto não
constituir nova união, ao usufruto de metade dos bens do "de cujus"
se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes;
III - na falta de descendentes e ascendentes, o (a) companheiro (a)
sobrevivente terá direito a totalidade da herança.
A Doutrina admite que a matéria sucessória no concubinato é a mais complicada
entre tantas outras levantadas por essa lei. Esse Diploma restringiu os direitos a que alude, de
alimentos, de herança e de meação aos companheiros com convivência de mais de cinco anos
ou com prole. Com a edição da segunda lei (nº 9.278/96), o companheiro sobrevivente,
independentemente do prazo de duração da união ou da existência de prole, é meeiro em
relação aos bens adquiridos onerosamente, durante a convivência.
Observa-se que o legislador preferiu estabelecer um sistema sucessório isolado, no
qual o companheiro sobrevivente não foi equiparado ao cônjuge, não se estabelecendo regras
claras para sua sucessão. A lei mais recente (9.278/96) em quase nada acresceu a lei anterior,
ao contrário, mais ainda confundiu, pois se limitou, laconicamente, atribuir direito real de
habitação ao companheiro com relação ao imóvel destinado à residência familiar, enquanto
não constituísse nova união.
49
Analisando o art. 2º da mencionada lei observa-se que os direitos sucessórios
são atribuídos às “pessoas referidas no artigo anterior”. Ora, essas pessoas são a companheira
ou companheiro do homem ou da mulher, respectivamente, solteiro, separado judicialmente,
divorciado ou viúvo. Essa lei, portanto, protegeu somente o concubinato puro, isto é, a união
estável que não coexiste com o casamento. Desse modo, se o falecido era casado, pouco
importando se separado de fato, não haverá direito hereditário para o convivente sobrevivente
porque nesse aspecto, ao menos, a lei foi clara.
Em termos hereditários, prevalecem os direitos do antigo cônjuge do de cujus,
embora de há muito separado de fato, porque ainda não está dissolvida a sociedade conjugal
para efeitos sucessórios. Neste caso, subsiste possibilidade de partilha dos bens da sociedade
de fato entre os concubinos, com a aplicação da Súmula 380.
É de se destacar que neste aspecto as Leis 8.971/94 e 9.278/96 coexistiam, - até a
vigência do novo código civil, cada qual com suas particularidades.
Após muitos anos de silêncio em face dos direitos pertinentes àqueles que
conviviam em concubinato puro, a Lei 8971/94, em seu artigo 2º, inaugurou o direito
sucessório na união estável, aquinhoando os companheiros em algumas situações em pé de
igualdade com os cônjuges e, em outras, com relativa vantagem. ROBERTO GONÇALVES
assim leciona relativamente ao assunto:
... e a manutenção de dispositivos da Lei 8971/94 que não conflitam com
aquela acabaram por conferir mais direitos à companheira do que à
esposa. Esta poderá ter o usufruto vidual ou direito real de habitação,
dependendo do regime de bens adotado pelo casamento, enquanto
àquela poderá desfrutar de ambos.28
Dos direitos sucessórios, que aos cônjuges beneficiavam, isto é, direito à
propriedade, usufruto e direito real de habitação, foram contemplados pela Lei 8971/94:
usufruto e direito à propriedade, conforme os incisos I e II do art. 2º acima transcrito
estabelecem o denominado usufruto vidual, disposto igualmente para o cônjuge viúvo no art.
1.611 § 1º do antigo Código Civil. Nesse usufruto houve equiparação significativa dos
direitos do companheiro aos do cônjuge. Trata-se de usufruto legal, não depende da situação
econômica do companheiro, de considerações sobre a existência de sociedade de fato com o
falecido, nem da presunção de condomínio. Pelos princípios do usufruto, não sobrevindo nova
união, o usufruto é vitalício, extinguindo-se com a morte do usufrutuário. Entenda-se que
apesar de ser tratado o usufruto, neste caso, como parte integrante do direito sucessório entre
os conviventes, assim como aquele que protege os cônjuges, trata-se na verdade, de direito
50
real sobre coisa alheia, não é nessa condição, o companheiro ou o cônjuge herdeiro do de
cujus.
Quando houver, concomitantemente, direito ao usufruto e à meação, não há
superposição de direitos porque o usufruto incide sobre a herança e meação não é herança.
Esse usufruto da quarta parte ou de metade dos bens incide sobre a totalidade da herança
ainda que venha a atingir a legítima dos herdeiros necessários. O inciso III, na verdade,
equiparou o companheiro ao cônjuge sobrevivente, na ordem de vocação hereditária prevista
no art. 1.603 do antigo Código Civil. Portanto, quando faltam descendentes e ascendentes do
falecido, nesta ordem, o companheiro herda a totalidade da herança, assim como faria o
cônjuge viúvo se o de cujus fosse casado. Assim, como é irrelevante para este fim o regime de
bens adotado no casamento, é irrelevante também saber se há ou não presunção de
condomínio entre os companheiros. O que é absolutamente necessário é que se prove ter sido
a união estável. EUCLIDES DE OLVIEIRA, assim leciona acerca do assunto:
Em tais hipóteses, por que não lhe cabe direito à herança, o
companheiro se vê assistido com o direito de usufruto sobre parte dos
bens, em fração ideal ou em bens determinados, conforme se
estabeleça a partilha. Consiste o usufruto, no direito de fruir as
utilidades e frutos dos bens, destacando-se da nua propriedade
reservada aos herdeiros (arts. 674 e 713 do CC). Como espécie de
direito real, uma vez constituído sobre imóveis, deve ser levado a
registro. O benefício será devido enquanto o usufrutuário não
estabelecer nova união, se de fato ou pelo casamento. Trata-se do
mesmo "usufruto vidual" garantido aos cônjuges sobreviventes, se o
regime de bens não era o da comunhão universal (art. 1611 § 1º, do
CC)29.
É importante observar que o legislador não mencionou ou efetuou condição que se
referisse ao regime de bens dos conviventes relativamente aos dispositivos em que tratou de
sucessão e, neste caso, os bens adquiridos ou não durante a convivência, a qualquer título, que
integrem o patrimônio do companheiro falecido, serão transmitidos ao companheiro
superstite.
Na Lei 8971/94, o artigo 3º estabelece que, quantos aos bens que estejam no nome
do falecido companheiro, houver a colaboração do companheiro sobrevivente, e sua aquisição
ocorrida durante a constância da união, terá este direito a metade dos referidos bens. Aqui se
28
GONÇALVES, Carlos Alberto. Direito das Sucessões vol. 4, p. 23
OLIVEIRA, Euclides de. União Estável: comentários às leis 8971/94e 9.278/96. Direitos e Ações dos
Companheiros. , p. 68.
29
identifica uma analogia ao regime da comunhão parcial de bens, e a consequente meação
51
dos bens adquiridos na constância do casamento.
Tratou, portanto, adequadamente o legislador, da sucessão e da meação, institutos
diferentes e que não se confundem.
3.5 - Do Direito Real de Habitação - Lei 9.278/96
A lei 9278/96, veio a corrigir duas impropriedades que o artigo primeiro da Lei
8.971/94 houvera cometido quando estabelecera os limites para o reconhecimento da união
estável: a primeira ao olvidar os separados de fatos para fins de caracterização da união
estável, e a segunda, referia-se ao tempo de convivência que, por ser taxativo, acabou por
criar muitas dificuldades relativamente ao exame dos casos em concreto. A nova lei
estabelecia, utilizando-se dos elementos referendados pela Constituição, uma definição menos
estanque, assim enunciando:
Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência
duradoura, pública e contínua de um homem e uma mulher,
estabelecida com objetivo de constituição de família30.
A Lei nº 9.278/96 acrescentou o direito real de habitação, como direito sucessório
à esfera da união estável. Diz o § único do art. 7º: “Dissolvida a união estável por morte de
um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não
constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da
família.”
No casamento esse direito está contemplado no artigo 1.611 § 2º do Código Civil.
Em sede de união estável, o direito de habitação se apresenta de forma mais ampla, pois no
casamento estava restrito aos enlaces sob o regime da comunhão universal, afora o fato de
tratar-se de imóvel destinado à residência da família e o único bem desta natureza a
inventariar. Segundo a Doutrina, tratava-se de restrição injusta, pois nenhuma restrição é feita
quanto aos conviventes sob esse aspecto.
O Direito real de habitação tem o objetivo de na hipótese de haver um único bem a
partilhar e sendo este imóvel destinado a residência do companheiro sobrevivente, que lá
reside com os filhos, garantir-lhe o direito de habitação.
Na lei 8971/94, viu-se que já havia sido outorgado aos conviventes o direito à
30
BRASIL, Lei nº 9278 de 10 de maio de 1996. Regula o artigo 226 da Constituição Federal. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília,DF, 11 maio 1996.
propriedade e ao usufruto, faltava para equiparar-se à situação do cônjuge quanto aos
52
direitos de sucessão tão somente o direito real de habitação, sendo contemplado pela lei
9278/96.
Estava finalmente, no que tange à questão sucessória, abrigada integralmente a
união estável, não restando dúvidas que sua posição frente ao casamento, em nada deixava a
dever.
3.6 - Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002 - Sucessão em face da Nova Lei
Após doze anos que separaram a promulgação da Constituição de 1988 até a
publicação da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, aliado ao ideal constitucional, a união
estável foi adquirindo robustez, fortalecida pela legislação ordinária esparsa, doutrina e
jurisprudência, que aos contornos delineados pela Constituição, imprimiram fortes traços,
agregando direitos que, pelo disposto no § 3º do art. 226 da Constituição, para muitos, se
consideraram implícitos.
Relativamente à regulamentação da união estável, o novo Código Civil tratou de
ratificar todos os mandamentos enunciados pela Constituição de 1988 e legislação ordinária
subseqüente, e agregou, ao já estabelecido, novidades que em verdade mais se tratam de
detalhamento e elucidação de assuntos que apesar de controversos, já haviam sido dirimidos
pela doutrina e jurisprudência. As principais inserções foram as seguintes:
a) à semelhança do casamento, instituiu impedimentos vinculados aos laços de
consangüinidade entre os companheiros (art. 1723, § 1º)
b) estabeleceu de forma textual o regime de comunhão parcial de bens como o
regime legal da união estável, permitindo aos companheiros estabelecer por intermédio de
contrato outra forma de relação patrimonial (art. 1725)
c) estabelece de maneira definitiva a cisão conceitual entre união estável e
concubinato (art. 1727)
Portanto, na seara das questões gerais relativas à união estável, o novo Código
tratou de maneira bastante adequada o assunto, aproveitando as conquistas e avanços já
incorporados, e, pela vivência prática das situações havidas e os estudos que se seguiram por
conseqüência, acabou por prever situações outras que visavam dar maior transparência ao
instituto.31
31
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v. 7. Direito das Sucessões. , p. 117.
53
Quando o assunto, porém, passa a ser a sucessão entre companheiros, tratou o
novo código de efetuar uma verdadeira celeuma. A doutrina em face da ligeira vantagem que
o companheiro apresentava relativamente ao cônjuge - direito simultâneo ao usufruto vidual e
o direito real de habitação, naturalmente propugnava por adaptações e consertos de forma a
que pelo menos ambos se encontrassem em situação igualitária. Não imaginava, entretanto,
que pudesse se deparar com a terrível mutilação sofrida pelo direito sucessório entre
companheiros e sua evidente posição de inferioridade, não só em relação ao cônjuge, mas
também em relação aos demais sucessíveis. Houve um reprovável retrocesso privando os
partícipes da união estável de várias conquistas alcançadas com muito esforço da sociedade.
Para melhor compreensão acerca das modificações havidas, cabe esclarecer a
situação em que se encontravam os companheiros relativamente à sucessão, antes da vigência
do novo código. O companheiro, na falta de descendentes e ascendentes, herdava a totalidade
da herança do companheiro falecido, independendo do período ou forma de aquisição dos
bens constantes do patrimônio, estando, portanto, em terceiro lugar na ordem da vocação
hereditária. Em havendo descendentes e ascendentes usufruiria percentuais do patrimônio em
função da classe com a qual concorresse. Tinha assegurado o direito real de habitação em
relação ao imóvel destinado à residência da família. Todos esses direitos inseridos na órbita
do direito sucessório, espelharam-se nos direitos que aos cônjuges assistiam.
Passa-se então a análise das impropriedades cometidas pela nova Lei Civil em face
da união estável, enumerando cada uma delas.
3.7-Artigo 1790 que disciplina a sucessão entre os companheiros no Código
Anteriormente à vigência do novo código, toda a matéria que tratou da união
estável, além do mandamento constitucional, encontrava-se regulamentada na legislação
ordinária esparsa, que, por seus enunciados, acabavam por modificar o que o antigo Código
referia, ou não, relativamente à situação do concubinato puro. Reconheceu que, àqueles cuja a
união fosse estável tratavam-se de entidade familiar para fins da proteção do Estado,
outorgando-lhes formalmente direitos a alimentos, sucessão, equiparando-os, no que diz
respeito aos direitos oriundos da união entre homem e mulher, nestas condições, ao casamento
civil.
Tratou o novo código de inserir no Livro IV - Do Direito de Família, Título III Da União Estável, todo o compilado até então acerca da união estável, tratando inclusive de
alguns assuntos ainda não detalhados de forma satisfatória.
54
O livro V do Código, que trata do Direito das Sucessões, subdivide-se em quatro
títulos que são: Título I - Da Sucessão em geral. Título II - Da Sucessão Legítima; Título III Da Sucessão Testamentária e Título IV - Do Inventário e Partilha. No Título I, são tratadas as
questões gerais relativas ao direito das sucessões, que a todos os demais títulos servirá como
instrumento operacional. No Título II, trata-se da sucessão legítima, isto é, aquela que a lei,
por ordem decrescente de importância quanto ao vínculo de parentesco, estabelece a
preferência quanto ao direito de herdar.
De forma a respeitar a boa técnica legislativa era de se esperar que o
companheiro, assim como os demais sucessíveis, estivesse inserido no Título II, do Livro V
do Código, uma vez que pareceu ser essa a intenção do legislador ao tê-lo entitulado como
"participante" do direito à herança do companheiro falecido. Sendo uma das pessoas que
participaria do direito a herdar, isto é, herdeiro, não poderia ter cometido o legislador tal
deslize, tratando de sua sucessão no Título I - Da Sucessão em geral. A doutrina já vem
delineando seu posicionamento em face da redação do art. 1790 no Título I - Da Secessão em
Geral, enunciando:
SILVIO DE SALVIO VENOSA. Ademais, o novo Código traça em
apenas um único dispositivo todo o direito sucessório da companheira
e do companheiro no art. 1790, em local absolutamente excêntrico,
entre as disposições gerais, fora da ordem de vocação hereditária.32
ZENO VELOSO, Este artigo está mal localizado, pois integra
capítulo das Disposições Gerais da sucessão em geral, e de
disposições gerais não trata, como se conclui à simples leitura do
dispositivo. Ele regula a sucessão decorrente da união estável, e
devia estar no Título II - Da Sucessão Legítima, Capítulo I - Da
Ordem da Vocação Hereditária33.
Ainda em relação ao posicionamento do artigo 1790 no Título I do
Livro V, o raciocínio construído por ZENO VELOSO acerca do assunto, a saber:
A impressão que o dispositivo transmite é de que o legislador teve
rebuços em classificar a companheira ou o companheiro como
herdeiros, procurando evitar percalços e críticas sociais, não os
colocando definitivamente na disciplina da ordem da vocação
hereditária. Desse modo, afirma eufemisticamente que o consorte da
união estável "participará" da sucessão, como se pudesse haver um
32
33
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões., p, 117/118.
BRASIL, Novo Código Civil Comentado. Coordenação Ricardo Fiusa, 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
34
meio termo entre herdeiro e mero "participante" da herança .
55
Apesar da aparente sensibilidade do legislador, dedicando aos companheiros artigo
que lhes rege o direito a participar da herança, equiparando-o a situação do cônjuge
sobrevivente, procedeu de forma inadequada, pelo bem da boa técnica legislativa quanto ao
posicionamento do art. 1790, pois tratou de uma determinada classe de sucessores,
completamente apartada das demais.
3.7.1-Sucessão entre companheiros, da confusão relativamente a direito à herança e à
meação.
Antes de dar continuidade ao raciocínio que se há de desenvolver, retornar-se-á a
discussão acerca de meação e direito à herança. Meação está associada ao regime de bens
entre os cônjuges ou companheiros e a respectiva partilha dos bens, importando aqui,
sobremaneira, o período e a forma de aquisição dos bens. O direito à herança - referido
relativamente a sucessão legitima - vincula-se aos ditames da lei que representa a presumida
preferência que o autor da herança teria se pudesse agraciar aos seus familiares com seu
patrimônio. Na sucessão legal, sendo os herdeiros necessários ou não, pouco importa a forma
de aquisição dos bens referentes ao patrimônio herdado, salvo quando o cônjuge, na
qualidade de herdeiro necessário, concorre no mesmo grau com a classe dos descendentes.
Não há como se falar do direito à herança dos companheiros sem se referenciar o
direito à herança que aos cônjuges atinge, uma vez que, toda a construção legislativa,
doutrinária e jurisprudencial que aos companheiros agregou direitos, foi efetuada até então
sobre a base de que os conviventes, sendo elementos basilares da entidade familiar protegida
pelo Estado, teriam asseguradas as garantias protetivas que à família constituída pelo
matrimônio civil são conferidos. No artigo 1829 do Código, tratou o legislador da sucessão
legítima assim enunciando:
Art. 1829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
1 - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente,
salvo se casado este com o falecido no regime de comunhão
universal de bens, ou na separação obrigatória de bens (art. 164
parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor
da herança não houver deixado bens particulares;
11- aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III -ao cônjuge sobrevivo
lV- aos colaterais..35
O legislador, relativamente ao cônjuge superstite, efetuou profundas alterações
34
35
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões., p. 118.
BRASIL, Novo Código Civil Comentado. Coordenação Ricardo Fiusa, 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
56
relativamente ao direito das sucessões; incluiu-o como herdeiro necessário, colocou-o em
concorrência com descendentes e ascendentes, na mesma ordem - algo inédito no direito
sucessório, uma vez que, um de seus paradigmas era de que uma classe excluia a outra na
ordem da vocação hereditária; elevou portanto o cônjuge no que pertine à seara sucessória a
situação bastante privilegiada em face até dos demais herdeiros necessários.
Considerou-se necessária esta abordagem acerca do direito sucessório e o
cônjuge, para que se faça um comparativo entre a sucessão relativa a ele e a do companheiro
relacionada à importância do regime de bens para o direito sucessório.
No artigo 1829 que trata da vocação hereditária, enumerando por ordem
decrescente de preferência os herdeiros legítimos, a única menção que é feita ao regime de
bens entre os cônjuges localiza-se no inciso I que trata da sucessão dos descendentes em
concorrência com o cônjuge sobrevivente. De maneira simplificada, só herdará o cônjuge em
concorrência com os descendentes se:
a) o regime de bens for o da comunhão parcial de bens e o de cujus houver
deixado bens particulares;
b)
o regime de bens for o da participação final nos aquestos;
c)
o regime de bens for o da separação convencional de bens.
O que se pode depreender da norma é que relativamente aos bens que não coube
meação pelo regime de bens adotado, participará o cônjuge em concorrência com os
descendentes do patrimônio herdado. Quanto aos demais sucessíveis na ordem da vocação
hereditária, ascendentes em concorrência com o cônjuge, e os colaterais não há qualquer
menção ao regime de bens entre cônjuges como condicionante ao direito de herdar do cônjuge
superstite.
Feitas as ponderações acerca da sucessão entre os cônjuges, retorna-se ao caput
e incisos do art. 1790, que trata da sucessão dos companheiros como participes do direito à
herança:
Art. 1790. A companheira ou o companheiro participará da
sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na
vigência da união estável, nas condições seguintes:
1 - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota
equivalente à que por lei for atribuida ao filho;
II- se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocarlhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III- se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um
terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da
herança.
36
57
Apesar da dificuldade verificada de estabelecer comparativo entre os Art. 1829 que trata da ordem da vocação hereditária dos sucessíveis - e 1790 - que trata de toda a
regulamentação relativa a um dos sucessíveis - , cuja finalidade difere, fica evidente pelo
caput do Art.1790, que somente uma modalidade dos bens que constituem o patrimônio do de
cujus será passível de herdar pelo companheiro sobrevivente. Na contramão do direito
sucessório relacionado ao cônjuge, que herda em quase todas as situações alijadas do regime
de bens pactuado, e, no único caso em que se chama o regime de bens, herda relativamente
àqueles cuja meação não alcançou; o companheiro, herda somente com relação aos bens
adquiridos onerosamente durante a vigência da união estável.
O Art. 1790, em relação aos bens passíveis de serem herdados, coloca cônjuge e
companheiro em pólos opostos se considerarmos o seu §1º e o inciso 1 do Artigo 1829 , não
em situação de inferioridade, como querem alguns doutrinadores37 extraindo da intenção do
legislador a opção de, colocando cada um no seu lugar, demonstrar a inferioridade da união
estável em face do casamento. Esclarecendo a oposição em que se encontram cônjuges e
companheiros em face dos descendentes, os primeiros herdam no regime legal de bens comunhão parcial -, somente se houver bens particulares, os segundos só herdam
relativamente aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, ora, sendo o
atual regime de bens da união estável (Art. 1725) o da comunhão parcial, significa que só
herdará em relação aos bens comuns. Há que se considerar, que mesmo para os mais
extremados defensores de tratamento apartado conferido ao cônjuge e ao companheiro, esta
situação de incompatibilidade é indefensável.
Com o intuito de melhor demonstrar a situação colocaremos cônjuge e
companheiro com o seguinte histórico patrimonial e situação familiar: ambos, cônjuges e
companheiros, iniciaram a relação familiar, cada qual atendendo às normas e regras relativas
às suas entidades familiares - casamento e união estável. Ao iniciarem o relacionamento
ninguém possuia patrimônio particular. O casal que optou pelo casamento adotou o regime
legal, o que convivia em união estável por ordem do Código Civil também tem por regime
legal a comunhão parcial de bens. Ambos tiveram prole. Considerando o falecimento de um
dos cônjuges ou de um dos companheiros, somente os companheiros herdariam em
concorrência com os descendentes, sem prejuízo da meação que lhe caberia. Ao cônjuge
superstite, relativamente ao direito sucessório nada tocaria.
Na situação mencionada acima, ficariam os filhos oriundos de união estável, em
situação desfavorável em relação aos filhos oriundos da relação matrimonial, o que se entende
jamais deve ter sido a intenção do legislador, ou seja, desigualar situação dos descendentes
36
BRASIL, Novo Código Civil Comentado. Coordenação Ricardo Fiusa. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2002
LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao Novo Código Civil, v. XXI, do Direito das Sucessões (art.
1784 a 2027), p. 47/54.
37
58
relativamente ao patrimônio hereditário do cônjuge em face do companheiro.
EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE exemplifica de forma bastante coerente, em
sua defesa relativamente ao Art. 1790, de como se pode utilizar inadequadamente a meação
relacionada ao regime de bens entre os cônjuges, como suporte para justificar-lhe a redação
do caput e a expressão "bens adquiridos onerosamente durante a vigência da união estável":
O caput do artigo 1790 sublinha a diferença, desejada pelo
constituinte de 1988, existente entre casamento e união estável,
reafirmando que o (a) companheiro (a) participará da sucessão do
outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da
união estável Independente de qualquer consideração de caráter
axiológico sobre o teor da disposição e da intenção do legislador
de estabelecer limites entre as duas realidades, o fato é que o
mesmo deixou suficientemente claro que a pretensão ao direito
sucessório decorre exclusivamente do patrimônio adquirido
onerosamente pelos companheiros Situação inferior a do
casamento onde a regra geral continua sendo a de considerar a
mulher como meeira do patrimônio comum do casal O privilégio
da meação, pois, fica ressaltado, ainda uma vez, 110 texto
infraconstitucional, a afastar qualquer exegese equivocada que
pretenda visualizar na união estável igualdade ao casamento.
O cônjuge casado, pois, e submetendo-se a regime legal
determinado pela lei civil) é meeiro. O (a) companheiro (a) não o é
e só terá direito à sucessão do (a) outro (a) nas condições
estabelecidas pela lei. O cônjuge, independente de qualquer
participação na aquisição de bens (basta considerar as disposições
relativas ao regime da comunhão universal de bens, plenamente em
vigor) é sempre meeiro. O companheiro não, e sua eventual
inserção no mundo sucessório fica na dependência da efetiva
participação (que lhe competirá provar em juízo).38
A forma da redação dada ao Art. 1790 sugere que o legislador confundiu os
institutos da meação e direito à herança, caso não fosse, por que será então que, no caput do
Art. 1829, a exemplo do Art. 1790, não condicionou, pelo menos no que se refere ao cônjuge
em todos os momentos que figura como herdeiro, que, somente os bens que se constituíram
pelo esforço comum serão objeto de direito a herdar? Pelo contrário, quando no Inciso I do
Artigo 1829, relacionou regime de bens e direito à herança, tratou de resguardar direito ao
cônjuge justo dos bens que não se encontravam no patrimônio comum. Por óbvio, fica
evidente que, ao redigir o Art. 1790, o legislador efetuou desastrosa mistura, que resultou
numa alteração radical relativamente ao direito de herança dos companheiros.
É importante ressaltar que relativamente à redação do artigo 1790, a emenda que
38
LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao Novo Código Civil, v. XXI – Do direito das sucessões (art.
1.784 a 2027), p. 54/55.
59
lhe deu origem, nº 358, apresentada pelo Senador Nelson Carneiro ao Projeto de Lei 634/75
- se referia ao novo código civil - à época em que foi proposta foi considerada avançada.
Ainda não havia a Constituição de 1988, nem as Leis 8971/94 e 9278/96. A realidade era que,
para aquele momento tratar os concubinos como sendo passíveis de participar do direito a
herdar estava além do que se podia esperar.39
A conseqüência mais grave desse desacerto legislativo, fica por conta de que,
todos os demais sucessíveis, caso o patrimônio do falecido companheiro seja na sua totalidade
composto por bens que não se enquadrem naqueles que sejam "adquiridos onerosamente na
vigência da união estável", herdam, deixando o companheiro superstite, em situação de
completo desamparo, contrariando tudo o que até então, pelo mandamento constitucional, fora
conquistado e resguardava à família constituída fora do matrimônio civil paridade de
tratamento em relação à constituída pelo casamento.
A situação criada é de tal forma desacertada que poderá criar a seguinte situação
por intermédio da fórmula estabelecida pelo Código:
a) Companheiros que conviveram por longos anos, de maneira harmoniosa,
partilhando a vida em comum, como se casados fossem, não tendo casado
por motivos de ideologia ou conveniência,
b) patrimônio que ambos usufruem é de propriedade de apenas um dos
companheiros, que o adquiriu antes do estabelecimento do vínculo afetivo,
c)
pela tradição brasileira, que não é afeta ao hábito de testar não se
preocupou em registrar sua vontade de ao companheiro sobrevivente beneficiar
com sua herança;
d) não tendo deixado descendentes ou ascendentes, como não há patrimônio
adquirido onerosamente durante a constância da união estável, ficará a totalidade
da herança para um irmão ou sobrinho, e, até mesmo para o Estado, na falta dos
colaterais, sem que ao companheiro sobrevivente caiba o direito a herdar.
Para melhor entendimento acerca da atual situação do direito sucessório entre os
companheiros, serviu-se da lição de SILVIO RODRIGUES relativamente à matéria em
questão na análise que efetuou acerca do caput do Art. 1790:
Não vejo razão alguma para que o companheiro sobrevivente
concorra - e apenas com relação à parte de herança que for
representada por bens adquiridos onerosamente durante a união
estável com os colaterais do de cujus. Nada justifica colocar-se o
companheiro sobrevivente numa posição tão acanhada e bisonha
na sucessão da pessoa com quem viveu pública, contínua e
duradouramente, constituindo família, que merece tanto
39
HINOKARA, Giselda Maria Fernandes Novaes, Direito Sucessório Brasileiro: Ontem, Hoje e Amanhã.
60
reconhecimento e apreço, e que é tão digna quanto a família
fundada no casamento.
O correto como já fazia a Lei n0 8971, art. 20, III, teria sido
colocar o companheiro sobrevivente à frente dos colaterais, na
sucessão do de cujus.
Finalmente, o inciso IV do Art. 1790, enuncia que, não havendo
parentes sucessíveis, o companheiro sobrevivente terá direito à
totalidade da herança. Entenda-se, porém, da herança que ele está
autorizado a recolher: bens adquiridos onerosamente na vigência
da união estável.40
A única justificativa, que parece plausível, para que o legislador haja restringido o
direito à herança, por parte do companheiro, exclusivamente aos bens adquiridos
onerosamente durante a vigência da união estável é haver efetuado enorme confusão acerca
dos institutos da meação e o direito sucessório.
A oposição, quanto ao atual status do direito sucessório do companheiro e sua
situação anterior, é tal que na doutrina41 há quem afirme categoricamente que breve será a
vida do Art. 1790 com sua atual redação. Já existe hoje, Projeto de Lei - nº 6960 de 2002
proposto pelo deputado Ricardo Fiuza, com base na sugestão legislativa que foi oferecida pelo
IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família com as alterações necessárias efetuadas
por Zeno Veloso para uma compatibilização com o Artigo 1829 no que se refere ao cônjuge
em concorrência com os descendentes. A proposta se encontra abaixo redigida:
Art. 1790. 0 companheiro participará da sucessão da outro na
forma seguinte
J - em concorrência com descendentes, terá direito a uma quota
equivalente à metade do que couber a cada um destes, salvo se
tiver havido comunhão de bens durante a união estável e o autor
da herança não houver deixado bens particulares, ou se o
casamento dos companheiros, se tivesse ocorrido, observada a
situação existente no começo da convivência, fosse pelo regime da
separação obrigatória (art. 1641);
II- em concorrência com ascendentes, terá direito a uma quota
equivalente à metade do couber a cada um destes;
lII - em falta de descendentes e ascendentes, terá direito à
totalidade da herança.
Parágrafo único. Ao companheiro sobrevivente, enquanto não
constituir nova união ou casamento, será assegurado, sem prejuízo
da participação que lhe caiba na herança, o direito real de
habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da
família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.
Acredita-se que a solução acima, apesar de reduzir sobremaneira a mutilação
40
41
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v. 7. Direito das Sucessões, p. 119
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v. 7 Direito das Sucessões, p. 120
61
sofrida no direito sucessório em relação aos companheiros, ainda os coloca em posição de
inferioridade em face do cônjuge. A Constituição de 1988 ao reconhecer a união estável como
entidade familiar, isto é, família, garantido-lhe a proteção do Estado, pelo menos no que diz
respeito ao caráter protetivo que o Estado confere a entidade familiar, não estaria sendo
razoável se assim estabelecesse: a família constituída pelo casamento há que receber uma
porção de proteção; àquela oriunda da união duradoura, contínua de convivência pública
estabelecida com o objetivo de família, receberá meia porção de proteção. Óbvio parece que,
no que pertine a proteção, e nesta órbita circundam os direitos afetos a instituição familiar,
não há como se quantificar com mais ou menos, seja para o que for, cônjuge e companheiro,
como se um fosse em relação ao outro uma categoria inferior.
Faz-se necessário ao que parece, que sejam promovidas alterações relativamente
ao Art. 1790, primeiro pela inadequação de seu posicionamento, segundo porque trata da
sucessão dos companheiros de maneira completamente discriminatória e apartada das
conquistas que lhe conferiram tratamento paritária em face do cônjuge. A solução que parece
ser a mais adequada, sugerida pela doutrina, seria suprimir o Art. 1790, e, em todas as
menções em que figurar o cônjuge como herdeiro ou detentor de direito oriundo do direito das
sucessões - por exemplo, usufruto e o direito real de habitação - era seguida da expressão "ou
companheiro". A alteração que se faria necessária em face da inserção do companheiro logo
após a menção que se referir ao cônjuge, seria a de que, no inciso I do Art. 1829, substituir-seia a expressão "salvo se casado este com falecido" por "salvo se relativamente ao regime de
bens adotado, houver optado pelo" . Efetuados este ajustes se entende que estariam corrigidas
as incompatibilidades ocasionadas pelo Artigo 1790.
Relativamente ao direito material que se relaciona ao direito sucessório entre os
companheiros, e, se encontra impresso na nova codificação civil, duvidas não há quanto a sua
situação de extrema inferioridade em face das leis anteriores que o regiam e dos demais
sucessíveis com os quais concorre. No próximo capítulo, far-se-á um estudo relativo ao direito
sucessório na união estável, considerando as questões relativas ao direito intertemperal.
3.8 - DIREITO INTERTEMPORAL E A SUCESSÃO NA UNIÃO ESTÁVEL
3.8.1 - Do Direito Intertemporal
O estudo acerca do direito temporal é de suma importância para se entender de
maneira adequada as questões relativas ao direito sucessório entre companheiros, uma vez que
mais de uma lei o regulou utilizando parâmetros díspares relativamente aos direitos agregados
por cada uma das leis, mister se faz, o perfeito entendimento acerca de seus fundamentos e a
questão conceitual que o envolve.
Direito Intertemporal, conforme o enunciado por WALDIR VITAL é:
62
(Herm.) Diz-se daquele que procura solucionar todos os conflitos
de lei no tempo. Pode ser simples e duplo. V Conflito de Leis, vol
I42.
Relativamente ao conflito de leis, referido na definição acima, assim o descreve
DE PLACIDO E. SILVA:
Assim se diz da situação criada na aplicação da lei ao caso
concreto, quando existindo duas leis que se mostram aplicáveis ao
caso, surgem dúvidas ou divergências, em relação a qual delas
deve ter primazia.
Esse conflito pode ocorrer em determinado momento e local,
gerando-se a dúvida relativamente à aplicação de duas leis
existentes em um mesmo país (conflito de leis no tempo), uma nova
e outra velha (...)
(...) O conflito de leis no tempo, que se poderia perfeitamente
chamar de conflito de leis nacionais, ocorre assim, quando,
existindo duais leis do mesmo país, uma velha e a outra nova, ficase em dúvida a qual delas se deve recorrer para solução do caso
em espécie.
O conflito é suscitado, para se apurar qual a lei que deve ser
aplicada, esclarecendo-se assim a dúvida e pondo término à
divergência ou colisão, que se aparenta entre as duas leis.
O esclarecimento que o conflito suscita, e que se refere,
notadamente, à sua obrigatoriedade, procura verificar o início, a
duração, a extensão e o tempo em que as leis obrigam, a fim de
evidenciar qual a que deve ser dominante na aplicação
pretendida...
(...)Em qualquer circunstância a lei sempre respeitará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e o caso julgado43
Como já visto, o Direito Intertemporal trata das questões relativas ao conflito de
Leis no tempo. A doutrina de Paul Roubier e Planiol44, adotada pelo direito positivo pátrio,
que é a regra geral que baliza conflito de leis no tempo, encontra-se refletida no Art. 60 e
parágrafos da Lei de Introdução ao Código Civil que assim enuncia:
A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico
perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
§ 1º Reputa-se o ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei
42
VITRAL, Waldir. Vocabulário Jurídico: volume V, A-Z, pág. 272.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico – edição universitária. Editora Forense, 1 ed. 1987, pág
509/510.
44
Relativamente a retroatividade das leis, Paul Roubier, refere-se a três planos temporais nos quais a lei pode
atuar: passado, presente e futuro. Com relação a cada uma dessas etapas admite um determinado efeito. Efeito
retroativo é a aplicação da lei nova ao passado, isso é, aos fatos anteriores à sua existência. Efeito imediato da lei
no presente aos fatos pendentes, ou, não consumados. Efeito diferido é a aplicação da lei velha a fatos futuros,
mesmo após sua revogação.
43
63
vigente ao tempo em que se efetuou
§ 2º Consideram-se adquiridas assim os direitos que o seu titular; ou
alguém por ele, possa exerce,; como aqueles cujo começo do
exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida
inalterável, a arbítrio de outrem.
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de
que já não caiba recurso45.
No Direito Intertemporal, as situações objeto de observação, dizem respeito aos
fatos pendentes. O que já gerou efeito, se extinguiu na vigência da lei antiga, ou ainda se
refere a fatos que só surgiram depois da vigência da nova lei não serão objeto de estudo do
Direito Intertemporal.
Não é pacífico o entendimento acerca do Direito Intertemporal e sua relação
quanto à divisão das leis e os efeitos de sua aplicação no tempo. FERNANDO NORONHA,
assim se posiciona quanto à celeuma:
A classificação das leis em retroativas e irretroativas é inexata
porque existem três tempos, passado, presente e futuro, e as leis
podem aplicar-se a fatos passados, presentes e futuros. O passado,
para uma lei, é o que aconteceu ao tempo da norma anterior; o
presente é o que acontece ao seu tempo de vigência; o futuro é o que
pode acontecer após ele ser substituída por outra norma. O vício
básico que inquina o pensamento de tanta gente ilustre está em
dividir as leis, para efeitos de sua aplicação no tempo, em apenas
duas categorias, as retroativas e as irretroativas, quando elas são
efetivamente três: retroatividade, imediatidade e pós atividade.46
A retroatividade opera fazendo com que os efeitos que só decorreriam por fatos
praticados na vigência da nova lei produzam resultados em face de fatos ocorridos no
passado. Apesar de ser passível sua ocorrência, a regra geral é da irretroatividade.
O efeito imediato é a regra, fato ocorrido e consumado a partir da promulgação de
lei nova, por ela será norteado, tanto os que tenham sua ocorrência inteiramente havida a
partir da nova lei quanto àqueles que somente a consumação alcançou a nova 1ei47.
EDUARDO ESPINOLA e EDUARDO ESPINOLA HLHO estabelecem a
diferença existente entre retroatividade e efeito imediato:
A distinção entre efeito retroativo e efeito imediato é que o efeito
retroativo é proibido, ao passo que o imediato não o é, constituindo,
45
BRASIL, Decreto-Lei nº 4657, de 04 de setembro de 1942. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro.
Diário oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 09 de setembro de 1942.
46
ROUBIER, apud ROSA, Patrícia Fontanella. União Estável – Eficácia Temporal das Leis Reguladoras.,
p. 65.
47
NORONHA, Fernando. Retroatividade, Eficácia Imediata e Pós-Atividade das Leis: Sua caracterização correta
como indispensável para solução dos problemas de Direito Intertemporal. P. 91.
64
ao contrário o direito comum, porque, em princípio, uma lei nova
deve receber logo aplicação, ainda quanto às situações em curso.
Reconhece, porém, que em certas matérias é excluído o efeito
imediato, da mesma sorte que o retroativo: é o que se verifica, por
exemplo, nos contratos anteriormente constituídos48
A pós-atividade ou sobrevivência da lei antiga ocorre quando aplica-se a lei
revogada a fatos que ocorrerão ou se completarão após sua vigência, apesar de haverem se
desenrolado de situações jurídicas que remontam a sua vigência.
Em se tratando de Direito Intertemporal, o adequado entendimento acerca das três
situações que excetuam na letra da lei o efeito imediato é assaz importante. O direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada apontam em que condições não haverá de
ocorrer a incidência da lei nova.
O ato jurídico perfeito é aquele consumado na vigência da norma que, ao tempo da
ocorrência do fato comandava-lhe as conseqüências.
A coisa julgada é a decisão da Justiça da qual não mais cabe recurso.
O direito adquirido nas palavras de DE PLÁCIDO E SILVA é:
O direito que já se incorporou ao patrimônio da pessoa, já é de sua
propriedade, já constitui um bem, que deve ser juridicamente
protegido contra qualquer ataque exterior, que ouse ofendê-lo ou
turbá-1o.49
Algumas características são necessárias para que se possa distinguir a presença do
direito adquirido, quais sejam:
a) sucedido o fato jurídico, de que se originou o direito, nos termos
da lei, tenha sido integrado no patrimônio de quem o adquiriu;
b) resultando de um fato idôneo, que o tenha produzido em face de
lei vigente ao tempo, em que tal fato se realizou, embora não se tenha
apresentado ensejo para fazê-lo valer, antes da atuação de um lei
nova, sobre o mesmo fato jurídico, já sucedido.
No sentido de compreender adequadamente as diversas formas de revogação da
lei, mister se faz o esclarecimento acerca dos conceitos relativos a derrogação e ab-rogação,
que nas palavras de MARIA HELENA DINIZ, assim se traduzem:
A revogação é o gênero, que contêm duas espécies: a abrogação e a
derrogação. A ab-rogação é a supressão total da norma anterior e a
derrogação torna sem efeito uma parte da norma. Lego. se
derrogada, a norma não sai de circulação jurídica, pois somente os
dispositivos atingidos é que perdem a obrigatoriedade.
48
49
ESPÍNDOLA, E. ESPÍNDOLA FILHO, E. A lei de introdução ao Código Civil Brasileiro, p. 247.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico – edição universitária., p. 77.
65
A revogação pode ser, ainda expressa ou tácita. Será expressa
quando o elaborador da norma declarar a lei velha extinta em todos
os seus dispositivos ou apontar os artigos que pretende retirar. Será
tácita quanto houver incompatibilidade ebtre keu biva e a antiga,
pelo fato de que a nova passa a regular inteiramente a matéria
tratada pela anterior (LICC, art 2º, § 2º)50.
Efetuados estes breves esclarecimentos acerca do Direito Intertemporal,
estabelecer-se-á a importância de aplicabilidade em face do direito sucessório na União
Estável.
3.8.2 -Direito Intertemporal e Sucessão na União Estável
Apesar do direito sucessório ter história recente agregada à união estável e, a
primeira lei que o regulamentou datar de 1994, não deixou de suscitar a intervenção do direito
que trata do conflito de leis no tempo, o Direito Intertemporal. Dois anos após a promulgação
da primeira lei que regulamentou alguns direitos aos conviventes, semelhantes aos que aos
cônjuges assistiam, foi editada nova lei também regulamentando a união estável, agregando
novos direitos, modificando outros e alterando parâmetros relativamente à caracterização da
união estável. Quando da promulgação da Lei 8971/94, boa parte da doutrina insurgiu-se
relativamente aos parâmetros estabelecidos para a caracterização da união estável. Entendiam
que houvera por parte do legislador excessiva objetividade quanto às condicionantes que
caracterizavam a união estável. Caso não houvesse convivência por mais de cinco anos ou
dela não resultasse prole e os envolvidos não fossem: solteiros, separados judicialmente,
divorciados ou viúvos, não se poderiam reger pela Lei 8971/94 os direitos oriundos de
determinada união que não atendesse aos requisitos mencionados.
A Lei 9278/96 trouxe maior subjetividade ao conceito de união estável, deixando
que o exame do caso em concreto fosse efetuado com base na conjunção de seus elementos
caracterizadores. A opção legislativa de não os aglutinar em uma só lei, associado ao fato de
que o mandamento constitucional tratara do assunto de forma dignificante e respeitosa, porém
pouco esclarecedora, quanto até que ponto o reconhecimento da união estável como entidade
familiar se processaria objetivamente, ocasionou em relação ao instituto da união estável uma
enorme variedade interpretativa, que ia desde a sua caracterização até os direitos a ela
associados.
Em face da diversidade de interpretações que sempre circundaram as questões
relativas à união estável, ora exigindo-lhe maior objetividade, ora entendendo que as leis
ordinárias trataram-na de maneira restritiva em face da Constituição, ora tendo que recorrer ao
conjunto de princípios circundantes do Direito Intertemporal para solucionar as situações
fáticas que são levadas a apreciação da justiça, faz com que cada situação receba resultado
50
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Vol. I – Teoria Geral do Direito Civil, p. 63/64.
66
que seria construído considerando todas as variáveis que poderiam interferir para a solução
do caso em análise, desde o entendimento quanto à sua caracterização, até o momento preciso
do seu rompimento ou extinção por morte, com as consequências que lhe sobrevierem.
Antes de entrar propriamente na seara da relação estabelecida entre Direito
Intertemporal e sucessão entre companheiros considerando as legislações existentes, cabe
estabelecer, relativamente ao direito sucessório, a partir de que momento se dará o fato que
transformará a expectativa de direito em direito adquirido. No direito das sucessões, no
preciso momento da morte do autor da herança, estará o pretenso herdeiro na condição de
titular da herança. EDUARDO ESPINDOLA e EDUARDO ESPINDOLA FILHO assim se
posicionam quanto à questão:
A sucessão hereditária é regulada pela lei do tempo em que se abre.
Significa isso que recebe aplicação, quer na sucessão legitima, quer
na testamentária, a lei vigente no momento em que se verifica a
morte do de cujus, abrindo-lhe a sucessão (ordem dos sucessíveis,
medida dos direitos sucessórios, capacidade de testar, etc. )51.
Ainda sobre a questão relativa a assunção da qualidade de herdeiro em face do
momento de ocorrência e a lei que lhe regulará o direito, leciona SILVIO RODRIGUES:
A legitimação para suceder é a do tempo da abertura da sucessão,
que, naturalmente, regular-se-á conforme a lei então em vigor(CC.
Art. 1787), pois, como é no momento do falecimento que o herdeiro é
chamado a suceder, nesse momento é que deve ele ostentar a
condição de herdeiro. Por força desse principio, serão reguladas
pelas normas do Código Civil de 1916, todas as sucessões que se
abriram no tempo em que este vigorava. E o novo Código Civil
regera as sucessões que forem abertas a partir do dia em que
começar a vigorar52.
3.9 - Direito Intertemporal e Sucessão aberta a partir da promulgação da Lei 8971/94 à
vigência da Lei 10406- Novo Código Civil
Quando se relaciona união estável e fatos que venham a produzir efeitos na órbita
do conflito de leis no tempo, é importante destacar que, quanto às situações que já se
consumaram antes da vigência da nova lei, não há como se falar em retroatividade. Por
exemplo: união cujas características estejam ínsitas na atual concepção de união estável,
iniciada em 1980, e cujo término, por morte de um dos conviventes tenha ocorrido em 1992,
neste caso, não terá o conviventes supérstite direito a pleitear o instituído na Lei 8971/94 no
51
ESPÍNDOLA, E, ESPÍNDOLA FILHO, E. A lei de introdução ao Código Civil Brasileiro, p. 328.
52
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Sucessões, p. 11/12.
67
que se refere a sucessão, por que o evento que deu origem a sua abertura ocorreu
anteriormente à vigência da Lei. NOGUEIRA DA GAMA assim leciona acerca do assunto:
A Lei 8971/94, ao instituir o direito a alimentos, a sucessão e o
regime de bens no companheirismo, à evidência, observa os mesmos
princípios e regras jurídicas do direito intertemporal e, portanto, não
pode ter efeito retro operante quanto às situações jurídicas cujos
efeitos já foram consumados com a dissolução da relação extra
patrimonial (facta praeterita). Assim, as relações fundadas no
companheirismo que já não existissem em 30 de dezembro de 1994
(data da publicação e início da vigência da lei), por força de sua
dissolução por ato inter vivos ou causa mortis, não sofrem qualquer
influência das novas disposições contidas na Lei 8.971/94 e,
portanto, não são aplicáveis as normas instituidoras de alimentos, de
sucessão legitima e de regime de bens do companheirismo.53
Ainda com relação a este assunto, assim se manifestou EUCLIDES DE
OLIVEIRA:
Por isso, não se admitem postulações de herança por companheiros
em inventários em curso na data da publicação da Lei 8971/94, ou
instaurados depois, mas relativos a óbitos ocorridos anteriormente.
Valem os mesmos princípios com relação ao direito real de
habitação, previsto na Lei 9278/96. Não fosse assim, e teríamos a
absurda chance de reabertura de inventários findo, por antigos
companheiros do autor da herança, com pretensões anulatórias de
partilhas já efetuadas em favor dos herdeiros à época legitimados na
sucessão54.
Quanto à união estável que, apesar de ter sido consubstanciada anteriormente à
vigência da Lei 8971/94, e o evento morte de um dos conviventes tenha ocorrido após 30 de
dezembro de 1994, estaria o companheiro superstite abrigado pelos ditames dessa Lei.
Até a vigência exclusiva da Lei 8971/94, apesar da discussão doutrinaria acerca
dos requisitos para sua caracterização, relativamente às questões de direito intertemporal o
entendimento era pacífico quanto à aplicação da referida Lei, qual seja: apenas aos fatos cuja
consumação houvesse ocorrido após sua vigência estariam por ela sendo regidos. Ao entrar
em vigor a Lei 9278/96, iniciaram-se as dificuldades relacionadas ao conflito de normas no
tempo. Pelo fato de que ambas as Leis não trataram integralmente dos assuntos que se
dispuseram a regulamentar e o parâmetro para a caracterização da união estável encontrar-se
em dissonância, um em relação ao outro, formaram-se correntes que entediam diferentemente
53
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo; uma espécie de família. P. 357
OLIVEIRA, Euclides de. União Estável: comentários às leis nº 8971/94 e 9278/96. Direitos e Ações dos
Companheiros, p. 68.
54
68
a situação das Leis relativamente à sua vigência e utilização para os casos em concreto.
PATRÍCIA FONTANELLA ROSA55, assim leciona acerca do assunto:
Com o advento da Lei 9278/96, formaram-se três correntes em torno
da vigência das Leis. Paro alguns, ambas as Leis vigoram
simultaneamente, sendo uma destinada a regular o concubinato na
forma descrita pela Lei de 1994, e outra a regular a união estável, de
acordo com a Lei de 1996. Para outros, a nova lei dispôs
inteiramente sobre a matéria relativa ao concubinato e portanto, abrogou a Lei 8971194. E ainda, para uma terceira corrente há apenas
uma derrogação da Lei de 1994, sendo revogada apenas a parte que
era incompatível com a Lei 9278/96.
A grande divergência doutrinária acerca do assunto exigiu do aplicador do direito
o complexo exercício de associar a hermenêutica aos princípios do Direito Intertemporal. Não
se tratava apenas de um conflito de normas no tempo em que uma das Leis, em dispositivo
isolado que nos demais não interferisse, tivesse por ordem da outra, sido ab-rogado. A grande
dificuldade interpretativa criada pelas duas leis foi a de que o Art. lº da Lei 8971/94, que
determinava quais atributos caracterizariam àquela relação entre homem e mulher e,
consequentemente, vinculavam os direitos a eles conferidos, não guardava semelhança com o
Art. 1º da Lei 9278196 quanto à caracterização da união estável. Como não houve por parte
da Lei 9278196, menção expressa de que, somente quanto ao caráter restritivo que cunhava
os requisitos necessários para a caracterização da união estável - o Art. 1º da Lei 8971/96
estaria revogado, a conseqüência foi a formação de algumas correntes com entendimentos
bastante díspares.
Apesar das discussões e divergências que envolveram o tema quanto à
coexistência das Leis, predominou a corrente que entendia que a Lei 9278/96 pretendia, além
de regulamentar o disposto no § 3º do Art. 226 da Constituição Federal, dando maior
amplitude aos elementos caracterizadores da união estável, coexistir com a lei 8971/94 numa
de situação de complementariedade, ou de derrogação, conforme o caso, sendo para o
instituto da união estável, ambas a leis balizadoras dos direitos que aos companheiros
assistiam.
O que de novo acresceu ao direito sucessório a Lei 9278/96 foi o direito real de
habitação, último dos direitos que na órbita sucessória aos cônjuges assistia, e que a Lei
8971/94 não havia mencionado.
3.10 -Direito Intertemporal e sucessão aberta a partir da Lei 10.406- Novo Código Civil
55
ROSA, Patrícia Fontanella. União Estável: A Eficácia Temporal das Leis Regulamentadoras., p. 94/95.
69
A nova Lei Civil que entrou em vigor a partir de 11.01.2003, como já visto no
capítulo anterior alterou tão substancialmente o direito sucessório entre os companheiros, que,
com o enunciado pelo Art. 1790 do Código Civil, praticamente inaugurou também um novo
direito sucessório relativamente à união estável.
Quanto ao conflito de normas que poderia ocorrer em face da vigência da nova
Lei Civil, há que se verificar que, à exceção do direito real de habitação, previsto na Lei
9278/96 e não mencionado no Art. 1790, os demais dispositivos das Leis que tratavam da
sucessão entre companheiros foram ab-rogados.
Para que melhor se perceba a situação hereditária do companheiro em face da
nova Lei Civil foi efetuada a tabela abaixo:
DATA DA ABERTURA DA SUCESSÃO
A PARTIR DE 11.01.2903
Situação dos bens em face da
união (particulares ou
comuns)
Falecido companheiro só
deixou bens particulares
Companheiro Superstite
Demais Sucessíveis
Não herdam
Herdam a totalidade da
herança, respeitando a ordem
da vocação hereditária.
Na ausência de herdeiros
necessários e legítimos, herda
o Estado
Falecido companheiro deixou Herdam percentuais diferentes Herdam percentuais em
bens particulares e comuns à em relação à classe que
relação aos bens comuns, e,
relação de união estável
concorrer em relativamente
relativamente aos bens
aos bens comuns. Dos bens
particulares herdam a
particulares nada herdam
totalidade respeitando a
ordem da vocação hereditária
Falecido companheiro só
Herdam percentuais diferentes Herdam percentuais
deixou bens comuns
em relação à classe que
concorrem – todas as classes
concorrem
O direito real de habitação ensejou posicionamentos diferentes na doutrina quanto
a sua permanência, relativamente aos companheiros, no que tange ao direito sucessório.
SILVIO RODRIGUES , assim se posiciona em relação ao tema:
O direito real de habitação sobre o imóvel destinada à residência da
família, que o legislador anterior conferia ao companheiro
sobrevivente, não foi mencionado no Código Civil, com relação a
união estável, o que significa outro recuo. Porem, como o direito real
de habitação, relativamente ao imóvel destinado à residência da
família, foi previsto em lei especial (Lei nº 9278/96, art. 70,
70
parágrafo único), e como esse benefício não é incompatível com
qualquer artigo do novo Código Civil, uma corrente poderá
argumentar que ele não foi revogado, e subsiste. Em contrapartida,
pode surgir opinião afirmando que o aludido art. 70, parágrafo
único, da Lei 9278/96 foi revogado pelo Código Civil, por ter este, no
art.
1790, regulado inteiramente a sucessão entre companheiros, e,
portanto, não houve omissão quanto ao aludido direito real de
habitação, mas silêncio eloqüente do legislador56.
MARIA HELENA DINIZ a respeito do tema, discorre que:
Além disso, urge lembrar que o companheiro sobrevivente, por força
da Lei 9.278/96, art. 7º,; parágrafo único, também terá direito real
de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou
casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da
família: mas pelo Código Civil tal direito só é deferido ao cônjuge
sobrevivente. Diante da O11'i55ã0 do Código Civil, o art. 70,
parágrafo único daquela Lei estaria vigente por ser norma
especial57.
Ainda sobre o assunto, SILVIO DE SALVO VENOSA, assim se manifesta:
Por outro lado, a Lei 9.278/96 estabelecera, no art. 7º o direito real
de habitação quando dissolvida a união estável pela morte de um dos
companheiros, direito esse que perduraria enquanto vivesse ou não
constituísse o sobrevivente nova união ou casamento, relativamente
ao imóvel destinado à residência da família. Somos da opinião de
que é perfeitamente defensável a manutenção desse direito no
sistema do Código de 2OO258.
Apesar da enorme distância que aparta o até então conquistado em relação ao
binômio direito sucessório/união estável e o preceituado pelo novo Código Civil, em sede de
Direito Intertemporal, salvo o já mencionado direito real de habitação, não haverá polêmica
pelo fato da atual legislação ter colocado, num único artigo, tudo que dissesse respeito ao
direito sucessório entre companheiros.
O grande problema verificado será o relativo aos direitos sucessórios dos
companheiros que tiverem que se submeter às novas regras da atual legislação civil. A
Doutrina na maioria defende a reforma legislativa, alterando o art. 1790, para que a sucessão
entre companheiros seja regulada de forma idêntica à sucessão entre os cônjuges e segundo
consta, a atual redação do mencionado artigo não perdurará por muito tempo, pois há um
Projeto de Lei que visa alterá-lo. Enquanto isto não acontecer, caberá aos magistrados,
56
RODRIGUES, Silvio, Direito Civil, v. 7. Direito das Sucessões, 25ª ed. Editora Saraiva, São Paulo, 2002
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 6. Direito das Sucessões., p. 109.
58
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Seucessões, v. 7, p. 120.
57
71
quando confrontados com as situações fáticas que lhes forem sendo trazidas, decidir pela
melhor forma de resolver as questões sem ferir a Lei, não esquecendo porém dos demais
princípio que podem nortear uma decisão que envolva situação tão controversa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na elaboração deste trabalho, buscou-se traçar as suscitações que circundam a
união estável no decurso do tempo até a atualidade.
Durante anos o concubinato foi considerado um meio ilícito de união, pois desde
os primeiros tempos o caráter da imoralidade rondou o mesmo, principalmente por
interferência da Igreja que condenava este tipo de união, segundo a qual a constituição da
família somente era reconhecida sendo aquela advinda do matrimônio sacramentalizado.
Com o passar dos tempos, o homem afastando-se dos princípios religiosos, com a
dinamização da imprensa, imprimiu mudanças nos valores e costumes. Foi então que na
sociedade moderna a união estável passou a alcançar outros planos, chegando, segundo
publicações divulgadas em 1961, pelo IBGE, a representar 50% das uniões existentes. Tratase, portanto, de uma realidade social expressiva a desafiar tutela jurídica do Estado. Vale
dizer, o direito não é estático, ele evolui de acordo com o aperfeiçoamento cultural do povo.
Com isso, as relações estáveis entre homem e mulher passaram a ter caráter de
legitimidade, ao lado da família legítima, como entidade familiar, gerando diversos efeitos,
previsto pela Constituição Federal de 1988, que consagrou uma lúcida orientação
jurisprudencial sedimentada ao longo dos anos. De outro lado, provocou algumas reações
contrárias de setores vinculados a concepções mais conservadoras da família e que anteviam
na disposição constitucional um sério perigo aos alicerces morais da sociedade.
Cumpre mencionar que, apesar das divergências na doutrina e jurisprudência, vez
que a matéria envolve muito mais questões de ordem subjetivas, as leis 8.971/94 e 9.278/96
trouxeram, todavia, aspectos positivos e representa o primeiro passo para a ampla
reformulação do Direito de Família. Por outro lado, o judiciário, respeitando os limites, e
consciente de que ao concubinato deve ser deferida a proteção estatal, buscou uma solução
para os direitos e obrigações que dele irradiam e que as leis ordinárias não podem alcançar,
72
representando hoje, a jurisprudência brasileira, uma das mais avançadas no mundo.
Receberam os companheiros por ordem da Lei 8.971/94 o direito a suceder,
colocando-os na ordem da vocação hereditária em terceiro lugar, precedidos pelos
descendentes e em sua falta pelos antecedentes. Assim o que há muito se clamava para os que
viviam um “casamento de fato”, foi conferido pela mencionada lei de forma efetiva,
reconhecendo direitos, tais como: secessão, alimentos e meação dos bens.
Quando a partir de 11 de janeiro de 2003 passou a vigorar o novo Código, o
direito sucessório que aos companheiros assistia sofreu tal mutilação que se torna difícil
entender o retrocesso sob qualquer aspecto.
O que tornou inaceitável o tratamento conferido ao companheiro sobrevivente, foi
sua posição de inferioridade no direito sucessório em relação ao casamento. Tal se verifica
quando o art. 1790 modifica radicalmente a sucessão entre os companheiros se comparado
com a legislação até então em vigor, condicionando o direito do companheiro que só herdará
sobre os bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável.
Outra posição radical em que o companheiro é privado de recolher a integralidade
da herança, é quando na falta de descendentes e ascendentes,
impõe o novo código a
concorrência do sobrevivente com os colaterais, até o 4º grau. Vale dizer, dividiria sua
limitada herança com os irmãos, tios ou até primos do falecido. Esta modificação legislativa
acabou desprestigiando a união estável ao colocar seus partícipes em posição inferior aquela
conquistada em 1996.
Denota-se, então que o legislador ao tratar do assunto secessão entre
companheiros confundiu meação – diz respeito ao regime de bens adotado pelo casal – com
direito à herança – diz respeito a presumida preferência que o de cujus teria em face da
sucessão legítima, criando assim parâmetros diferenciados para tratar de uma das classes de
sucessíveis em face dos demais.
Não se pode mais desconsiderar que a objetividade dos atos e fatos jurídicos é
permeada por uma subjetividade que interfere e determina o mundo jurídico, particularmente
o Direito de Família que pode ser considerado como a (tentativa) de regulamentação das
relações de afeto e as conseqüências daí decorrentes.
A consideração dessa subjetividade advém da revelação por Freud, da existência
do inconsciente e de que, portanto, não é somente o sujeito consciente que pratica atos
jurídicos, faz e desfaz negócios. Há também o sujeito inconsciente que é, repita-se,
determinante nas relações jurídicas.
Fala-se muito, ainda, em crise e desintegração da família. Há quem atribua isso
73
ao grande número de separações e divórcios. Outros querem responsabilizar os meios de
comunicação pela divulgação sem censura de uma certa liberalização das relações sexuais,
etc. É certo que a família hoje está muito diferente daquela do início do século passado.
Estamos vivendo um processo histórico importante de transformação em que a quebra da
ideologia patriarcal impulsionada pela revolução feminista são os elementos determinantes.
Mas não se pode falar em desagregação. É incontestável a premissa de que a
família é, foi e será sempre a célula básica da sociedade. É a partir daí que se torna possível
estabelecer todas as outras relações sociais, inclusive os ordenamentos jurídicos.
A Constituição Federal de 1988 absorveu essa transformação e fez uma verdadeira
revolução no Direito de Família. Expressou em seu art. 226 a evolução de que a família no
limiar do terceiro milênio é plural. Em outras palavras, existem hoje várias formas de
constituição de família: pelo casamento, pela união estável (concubinato) e pela comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Apesar da clareza do texto constitucional, alguns operadores do direito resistem
em entendê-lo e insistem em considerar a família apenas aquela constituída pelo casamento. É
que eles não podem voltar seu olhar para a realidade e ver, por exemplo, que no Brasil 55%
das uniões entre homens e mulheres, no meio rural, constituem-se sem o selo da oficialidade.
No art. 227, § 6º, alterou o sistema de filiação ao dizer que estão proibidas as
designações discriminatórias sobre os filhos. O terceiro ponto reside no art. 5º I, e 226 § 5º
que estabeleceu o princípio da igualdade entre homens e mulheres.
As mudanças são mesmo muito difíceis. Admiti-las significa repensar modelos,
paradigmas e abrir mão de determinados poderes instituídos. Devemos nos acautelar e
desconfiar sempre daqueles que resistem à mudanças, que se posicionam como os guardiões
de uma moralidade, como por exemplo alguns profissionais do Direito que chegam a afirmar
que as novas leis sobre a união estável são um incentivo à promiscuidade.
Segundo a psicanálise, quanto mais moralizador mais pervertido é o sujeito. Ora,
as mudanças e transformações nos rumos e formas de constituição da família atual são apenas
a expressão e reivindicação da ampliação do espaço de liberdade das pessoas. A evolução do
conhecimento científico – somado ao fenômeno da globalização ao declínio do patriarcalismo
e a redivisão sexual do trabalho – fez uma grande transformação da família, formou-se uma
nova mentalidade associada inclusive, a um novo discurso sobre a sexualidade, cuja base foi
formada pela psicanálise na virada do século passado.
Sua travessia para um novo milênio se faz em um barco que está transportando
74
valores totalmente diferentes. A travessia nos deixa assustados, mas traz consigo um valor que
é uma conquista, ou seja, ela não é mais essencialmente um núcleo econômico e de
reprodução onde sempre esteve instalada a superioridade masculina. Nessa transformação, ela
passou a ser muito mais o espaço para o desenvolvimento do companheirismo, do amor e
acima de tudo, embora sempre tenha sido assim e será, o núcleo formador da pessoa e
fundante do sujeito.
75
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Renato Franco de. União Estável: Qual a Estabilidade Desta União? Jus
Navegandi. Endereço Eletrônico: http// www.jus.com.br/doutrina. Acesso em 5 maio 2002.
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Com a Promulação da Lei 9.278/96, Está em Vigor o Estatuto
dos Concubinos. Revista Literária de Direito nº 11, maio/junho de 1996. São Paulo: Jurídica
Brasileira, 186 p.
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