Separação de poderes Origens da teoria e sua aplicação na atualidade 1. Primeiras ideias 1.1. Esclarecimentos iniciais Pela definição de Estado, dentro de uma ordem jurídica soberana não existem diversos poderes. O poder é uno, indivisível e indelegável. Se assim não fosse, inexistiria soberania. Apesar disto, a “separação de poderes” não descaracteriza a soberania do Estado, pois por “poderes” devese entender as funções que o Estado exerce e/ou os órgãos a quem são atribuídas. 2. Origens 2.1. Precedentes A noção de que o Estado possui diferentes funções tem em Aristóteles seu precursor mais remoto. Em sua obra “Política”, o pensador grego distingue três funções: a) deliberante (tomada de decisões fundamentais); b) executiva (aplicação destas decisões); c) judiciária (fazer justiça). Contudo, não propõe que a atribuição delas seja feita a órgãos distintos. 2. Origens 2.1. Precedentes Apesar disto, aquilo que viria a ser chamado teoria da separação de poderes começa a ganhar força no século XVII, com John Locke. Descrevendo o sistema inglês, Locke descreve basicamente 3 funções: a) legislativa (decidir como empregar a força pública); b) executiva (aplicar a força pública no plano interno para assegurar a ordem); c) federativa (manter relações internacionais com outros Estados). 2. Origens 2.2. Teoria clássica Indubitavelmente, a teoria da separação de poderes ganha notoriedade com a obra “O Espírito das Leis”, de Charles-Louis de Secondat, mais conhecido como barão de Montesquieu. No capítulo “Da Constituição da Inglaterra” é descrito um sistema ideal, organizado mediante 3 funções inconfundíveis: a) poder de legislar; b) poder de executar as coisas que dependem do direito das gentes; c) poder de executar as coisas que dependem do direito civil. 2. Origens 2.2. Teoria clássica “Há, em cada Estado, três espécies de poderes: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem dos direitos das gentes, e o poder executivo das que dependem do direito civil. Pelo primeiro, o príncipe, ou o magistrado, elabora leis para um certo tempo ou para sempre, e corrige ou renova as existentes. Pelo segundo, faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, instaura a segurança, impede as invasões. Pelo terceiro, pune os crimes, ou julga as pendências entre particulares. Chamaremos a este último o poder de julgar e ao outro simplesmente o poder executivo do Estado”. 2. Origens 2.2. Teoria clássica Apesar de afirmar que há três poderes em cada Estado, não se notam diferenças essenciais entre o “poder executivo do Estado” e o “poder de julgar”, pois em ambos há, substancialmente, a função de aplicar a lei criada pelo outro poder, o legislativo. Desta forma, diferenciam-se apenas quanto ao tipo de lei a ser aplicada: o direito das gentes, no “poder executivo do Estado”; o direito civil, no “poder de julgar”. Nada mais. 2. Origens 2.3. Teoria clássica e seu propósito A teoria clássica da separação de poderes objetiva assegurar a liberdade dos indivíduos, e não a eficiência do Estado. Seu propósito foi o de conceder um método de organização dos poderes capaz de enfraquecer o Estado, e evitar a formação de governos absolutistas. Por isso, observa-se que Montesquieu “não dá ao estado qualquer atribuição interna, a não ser o poder de julgar e punir. Assim, as leis elaboradas pelo legislativo, deveriam ser cumpridas pelos indivíduos, e só haveria interferência do executivo para punir quem não as cumprisse” (DALLARI, Dalmo de Abreu,..., p. 218) 2. Origens 2.4. Teoria clássica e o poder de julgar Das funções concebidas por Montesquieu, chama atenção o poder de julgar. Ao pensador francês, tal função deveria ser atribuída a pessoas do povo, por tempo determinado. Além disto, caracteriza-o como uma atividade eminentemente técnica, daí porque, neste concepção, os juízes são somente “a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que não podem moderar nem sua força, nem seu rigor”. Ao juiz compete conhecer os fatos e aplicar a lei, nada mais. 2. Origens 2.5. Teoria clássica e sua dogmatização A teoria da separação de poderes concebida por Montesquieu torna-se dogma do Estado Moderno, tendo sido prevista na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789): Art. 16. A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação de poderes não tem Constituição. 2. Origens 2.5. Teoria clássica e sua dogmatização A Constituição dos Estados Unidos da América (1787) foi a primeira a adotar a teoria clássica da separação de poderes. Nela, cada uma das funções foi atribuída a uma instituição distinta: o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário, justamente na tentativa de viabilizar um sistema de freios e contrapesos a impedir o nem todos os preceitos do pensador francês são adotados, pois aos juízes norte-americanos foi atribuído o papel de exercer o controle de constitucionalidade das leis. 3. Atualidade 3.1. Transformações no papel do Estado A teoria da separação de poderes concebida por Montesquieu, que privilegia a concepção liberal de Estado, torna-se inadequada para as novas feições que o Estado começa a assumir perante a sociedade no fim do século XIX em diante. Com a gradativa mudança na visão acerca do papel a ser exercido pelo Estado (de Liberal para Social), o modo de separação de poderes também começa a se distanciar do modelo clássico, admitindo-se maiores interferências recíprocas nos poderes. 3. Atualidade 3.1. Transformações no papel do Estado Sobretudo após a Revolução Industrial (séc. XIX), verifica-se que a “evolução da sociedade criou exigências novas, que atingiram profundamente o Estado. Este passou a ser cada vez mais solicitado a agir, ampliando sua esfera de ação e intensificando sua participação nas áreas tradicionais. Tudo isso impôs a necessidade de uma legislação muito mais numerosa e mais técnica, incompatível com os modelos da separação de poderes” (DALLARI, Dalmo de Abreu,..., p. 221). 3. Atualidade 3.1. Transformações no papel do Estado Com a transformação do papel do Estado perante a sociedade, nota-se que o “legislativo não tem condições para fixar regras gerais sem ter o conhecimento do que já foi ou está sendo feito pelo executivo e sem saber de que meios este dispõe para atuar. O executivo, por seu lado, não pode ficar à mercê de um lento processo de elaboração legislativa, nem sempre adequadamente concluído, para só então responder às exigências sociais, muitas vezes graves e urgentes” (DALLARI, Dalmo de Abreu,..., p. 221). 3. Atualidade 3.2. Independência e harmonia Por causa das novas demandas sociais exigidas em face do Estado, o modelo de separação de poderes deixa de ser puramente absenteísta, assumindo os contornos necessários a viabilizar o funcionamento do Estado, sobretudo do Poder Executivo. Assim, além de serem independentes, os poderes tornam-se harmônicos, permitindo-se maior integração/interferência entre eles. 3. Atualidade 3.3. Separação de poderes na atualidade Nos dias de hoje, embora ainda seja possível verificar a existência das 3 (três) funções básicas (legislativa, executiva e jurisdicional), os Poderes as exercem apenas prioritariamente, e não mais com exclusividade. No Brasil, exemplo maior disto é a previsão de que o Presidente da República, chefe do Poder Executivo, pode editar medidas provisórias (art. 62, CF/88) com força de lei, para tratar de assuntos urgentes e relevantes.