REVISTA PRÓ-CIÊNCIA Título Original: Revista Pró-ciência, v. 6, n. 8 – julho/ dezembro, 2010. Editor André Figueiredo Editoração Eletrônica Ana Paula Cunha P956 Pró – Ciência: Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos. ---v.1, n.1, (1997) – Rio de Janeiro: Publit, 201l. Semestral ISSN 1413-8344 Suspenso de 1998 – 2008 CDD 001.05 Publit Soluções Editoriais Rua Miguel Lemos, 41 sala 605 Copacabana - Rio de Janeiro - RJ - CEP: 22.071-000 Telefone: (21) 2525-3936 E-mail: [email protected] Endereço Eletrônico: www.publit.com.br Entidade Mantenedora ASSOCIAÇÃO DE ENSINO DE CAMPO GRANDE Presidente: Bruno Corrêa Bastos Vice-Presidente: Maria Cristina Bastos Lima Tesoureiro: Dr. Marcelo Bastos Monteiro Secretário: André Teixeira Lima Entidade Mantida UNIMSB – Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos Reitor: Prof. Adilson Rodrigues Pinto Pró-reitor Administrativo: Dr. Marcelo Bastos Monteiro Pró-reitor Acadêmico: Prof. Bruno Corrêa Bastos COORDENADORIAS DE CURSOS Coordenação de Administração Prof. Carlos de Barros Paiva Loureiro Prof. Luís Alessandro Menezes Coordenação de Direito Prof. Bruno Corrêa Bastos Coordenação de Matemática e Física Profª. Luiz Cláudio Nunes Leira Coordenação de Letras Profª. 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Maria Carolina de Almeida Duarte Coordenação de Ensino de Graduação Profª. Lúcia Baroni Martinazzo Coordenação de Estágio Profª. Bianca Santos Silva Reis Coordenação do Núcleo de Prática Jurídica (NPJ) Profª. Maria Lúcia Sucupira Medeiros Coordenação da Comissão Própria de Avaliação (CPA) Profª. Alessandra Amaral Coordenação do Setor de Atendimento (SAE) Profª. Cátia Maria Faria Silva de Oliveira Setor de Ouvidoria Profª. Alcídia Maria Magalhães Faria Secretária Geral Profª. Antonia de Souza Costa Bibliotecária Márcia Helena Reis Pereira Editor Responsável Prof. Bruno Corrêa Bastos Conselho Editorial Prof. Bruno Corrêa Bastos Profª. Lia Santos Oliveira Martins Profª. Maria Carolina de Almeida Duarte Profª. Maria de Fátima Alves Oliveira Prof. Rogério Silva de Melo Profª. Sandra Mara Silva de Lima Profª. Zoraide Amaral de Souza Conselho Consultivo Carlos Alberto Costa Gomes – UNIFACS Fernando Tadeu de Miranda Borges – UFMT Maria da Graça Moura de Souza Soromenho Pires – Universidade Estácio de Sá / RJ Maria Lúcia Freire Roboredo - UFF-RJ Assessoria Técnica Flavia Souza Nogueira Nunes Arte Departamento de Marketing Sumário Palavras do editor.......................................................7 Apresentação..................................................................9 DOSSIÊ: A PESQUISA COMO INSTRUMENTO TRANSFORMADOR DO CONHECIMENTO...........15 Balanced Scorecard: uma proposta de aplicação integrada ao plano de desenvolvimento institucional de um Centro Universitário particular. Andréa Borges Brito...............................................................17 Crianças, mulheres e idosos: um estudo sobre vítimas invisíveis. Maria Carolina de Almeida Duarte, Cleyde Alves da Silva, Rafaelle Sá da Costa, Daniel da Silva Cangerana e Sandra Lúcia Gonçalves.................................................................................42 Os efeitos biopsicossociais da síndrome de Burnout nos docentes de ensino superior do UniMSB. Vicente Alberto Lima Bessa, Rosa Maria Donadello Diogo, Ana Carla Cavalcante de Medeiros e Juliana Cristina Rezende Grechi...........................................................................................79 Os registros de batismo na Paróquia de São João Baptista do Presídio (1810-1820): a busca por registros indígenas. Vlademir José Luft......................................................................96 ARTIGOS................................................................................124 Usucapião especial na vertente do Estatuto da cidade. David Augusto Fernandes ......................................................125 Dragões e áspides: Franciscano Antônio de Lisboa/Pádua e o retrato dos blasfemadores da fé no Século XIII. Jefferson E. S. Machado...........................................................148 O reconhecimento da União homoafetiva e as implicações práticas e sociais decorrentes. Luciana França Oliveira Rodrigues e Amanda Pessoa Parente........................................................................................159 Habilidade de liderança: ferramenta substancial no alcance dos objetivos empresariais. Pedro Alessandro Calaça.........................................................188 Revista Pró-Ciência Palavras do Editor C om imensa satisfação apresentamos à comunidade acadêmica mais um número da Revista Pró-Ciência, do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos reunindo um dossiê intitulado “A pesquisa como instrumento transformador do conhecimento”, bem como, artigos de autoria de docentes e discentes dos Cursos de Administração, Direito, Fisioterapia e História. A Revista, também, publica artigos de professores de outras instituições fazendo tornar realidade o intercâmbio cultural necessário ao meio acadêmico. A troca de idéias visa a aprimorar debates de temas atuais e polêmicos de forma geral, fomentando a formação de massa critica na graduação e pós-graduação. A Revista, de caráter interdisciplinar, está aberta à publicação de artigos, resenhas de livros, resumos de monografias, dissertações e teses, além de resultados de pesquisas. Importante ressaltar o incentivo dado pelo Magnífico Reitor Adilson Rodrigues Pinto que não mediu esforços para a concretização deste trabalho. A Revista Pró-Ciência, do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos será publicada nas formas impressa e eletrônica, esta será disponibilizada no site institucional: <http://www.msb. br>. Essa forma de publicação visa a ampliar a divulgação das publicações produzidas. Agradecemos a todos os autores que nos enviaram artigos. Parabéns a todos. Rio de Janeiro, julho de 2011. 7 Professor Bruno Corrêa Bastos Editor Revista Pró-Ciência Apresentação A Revista Pró-Ciência, do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos avança para mais um número, reunindo o produto da dedicação de professores e alunos desta e de outras IES. Apresenta artigos e resultados de pesquisa nas seguintes áreas: Administração, Direito, Educação, Fisioterapia e História. A Revista será publicada nas formas impressa e eletrônica, objetivando ampliar a troca de conhecimentos com maior número de leitores e autores que pretendem publicar seus artigos e pesquisas sobre relevantes temas. Fica evidente a coerência das políticas de ensino, pesquisa e extensão, realidade demonstrada pelos artigos publicados. Dessa forma, a iniciação científica está consolidada na IES e tem contribuído para a formação de novos pesquisadores comprometidos com a transformação da realidade social vigente. A produção do conhecimento no meio acadêmico não pode prescindir de um programa de pesquisa que propicie a participação de docentes e discentes via iniciação científica. Agradecemos a todos os autores que nos enviaram artigos, bem como ao Magnífico Reitor Prof. Adilson Rodrigues Pinto e ao Pró-reitor Acadêmico Prof. Bruno Corrêa Bastos que não mediram esforços na busca de artigos Esperamos contar com novas contribuições para os próximos números. Rio de Janeiro, julho de 2011. Professora Maria Carolina de Almeida Duarte Coordenadora de Pesquisa 9 Revista Pró-Ciência Dossiê: A pesquisa como instrumento transformador do conhecimento Andréa Borges Brito, em “Balanced Scorecard” uma proposta de aplicação integrada ao plano de desenvolvimento institucional de um Centro Universitário particular” apresenta resultados de uma pesquisa que visa a demonstrar um sistema de medição de desempenho baseado nos conceitos do Balanced Scorecard (BSC) integrado ao PDI (Plano de Desenvolvimento Institucional ) de um Centro Universitário Particular. A pesquisa aponta a perspectiva financeira dos alunos, sociedade, perspectiva dos processos internos, aprendizado e crescimento. O estudo visa a promover a melhoria constante das IES, criando valores sólidos para seus alunos. Maria Carolina de Almeida Duarte, Cleyde Alves da Silva, Rafaelle Sá da Costa, Daniel da Silva Cangerana e Sandra Lúcia Gonçalves no artigo intitulado “Crianças, mulheres e idosos: um estudo sobre vítimas invisíveis” apresentam resultado de pesquisa realizada na Baixada Fluminense e Copacabana bairro localizado na cidade do Rio de Janeiro, onde foi dado destaque ao trabalho da Delegacia de Proteção ao Idoso. A pesquisa visa a dar visibilidade às vitimas invisíveis, sobretudo crianças, mulheres e idosos, sujeitos da “cifra oculta da delinquência” e, além disso, propõe medidas para combater tais tipos de violências. Vicente Alberto Lima Bessa, Rosa Maria Donadello Diogo, Ana Carla Cavalcante de Medeiros e Juliana Cristina Rezende Grechi em “Os efeitos biopsicossociais da síndrome de Burnout nos docentes de ensino superior do UniMSB” apresentam resultados de pesquisa sobre a síndrome de Burnout. A população-alvo do 11 Revista Pró-Ciência estudo foram professores do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos. Os autores concluem sobre a necessidade de prescrição de exercícios preventivos no horário em que o docente entra na instituição, ou seja, antes do início da aula. Vlademir José Luft, no artigo intitulado “Os registros de batismo na Paróquia de São João Baptista do Presídio (1810-1820), a busca por registros indígenas” apresenta pesquisa sobre o referencial histórico dos grupos indígenas Puri, Coroado e Coropó. O período avaliado pelo autor é entre 1810 a 1820. A pesquisa é realizada em registros de batismo que compõem o arquivo paroquial da Igreja de São João Batista, antiga paróquia de São João Baptista do Presídio, Zona da Mata Mineira, no atual município de Visconde do Rio Branco. Muitas pistas são fornecidas a respeito dos indígenas Puri, Coroado e Coropó. Assim, muitos questionamentos surgem abrindo vasto campo para pesquisadores. 12 Revista Pró-Ciência Artigos: David Augusto Fernandes, escreve sobre “Usucapião especial na vertente do Estatuto da cidade” o artigo descreve sobre a importância do usucapião especial individual de imóvel urbano e o especial coletivo como instrumentos de política urbana dirigida a camada populacional carente. Para o autor, o Estatuto da Cidade veio ocupar uma lacuna no meio jurídico, com nítido sentido social no que diz respeito a questão da moradia Jefferson E. S. Machado, em “Dragões e áspides: Francisco Antonio de Lisboa/Pádua e o retrato dos blasfemadores da fé no século XIII” avalia as figuras mitológicas do dragão e da áspide que povoam os sermões de Antônio de Lisboa/Pádua, frei franciscano que se destaca por sua pregação eloqüente. O frade através da simbologia enfoca alguns problemas que a Igreja Romana enfrentou. Importante ressaltar que Antônio de Lisboa esteve na linha de frente de missão evangelizadora. Luciana França Oliveira Rodrigues e Amanda Pessoa Parente, no artigo “O reconhecimento da União homoafetiva e as implicações práticas e sociais decorrentes” avaliam a situação jurídica e social dos companheiros homossexuais. O assunto é polêmico e gera reações da Igreja, do Judiciário e de parcela da própria sociedade que não aceitam os avanços do reconhecimento das famílias homoafetivas. O preconceito e a intolerância são os principais empecilhos nos corações e mentes das pessoas que não aceitam tais relacionamentos. 13 Revista Pró-Ciência Pedro Alessandro Calaça, no artigo “Habilidade de liderança: ferramenta substancial no alcance dos objetivos empresariais” apresenta como tema central a questão da liderança. A pesquisa do autor revela características do Stakeholders e as ações de liderança e a Coaching conhecido como o novo paradigma de liderança. Assim, de acordo com a análise do autor, o líder deve sempre encorpar, motivar e transmitir técnicas que melhorem a capacidade, habilidade e atitudes da equipe na busca de novas oportunidades. De acordo com o pensamento do autor, somente evoluímos quando participamos da evolução de outras pessoas. 14 Revista Pró-Ciência DOSSIÊ: A PESQUISA COMO INSTRUMENTO TRANSFORMADOR DO CONHECIMENTO 15 Revista Pró-Ciência Balanced Scorecard: uma proposta de aplicação integrada ao plano de desenvolvimento institucional de um Centro Universitário particular Andréa Borges 1 Resumo O credenciamento ou recredenciamento das Instituições de Ensino Superior está vinculado a elaboração e execução de um Plano de Desenvolvimento Institucional(PDI).Frenteàimportância deste mecanismo no contexto atual das IES, observou-se a necessidade de se estabelecer formas eficazes para promover o acompanhamento de sua implantação. Neste sentido, este estudo teve como objetivo geral propor um sistema de medição de desempenho baseado nos conceitos do Balanced Scorecard (BSC) integrado ao PDI. Para tanto, realizou-se uma pesquisa de natureza aplicada, com abordagem qualitativa, utilizando-se como meios investigativos um estudo de caso em um Centro Universitário particular. Os resultados desta pesquisa demonstram que é possível acompanhar a execução do PDI por meio da utilização da metodologia do BSC. Abstract The accreditation or reaccreditation of the Instituições de Ensino Superior (IES - Higher Education Institutions) is linked to the development and implementation of a Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI Institutional Development Plan). In face of the relevance of this mechanism in the current IES environment, there was a need to establish effective ways to promote the monitoring of its implementation. Thus, this study aimed at proposing a performance measurement system based on the concepts of the Balanced Scorecard (BSC) integrated to the PDI. For such purpose, an applied research with a qualitative approach was carried out, and the investigation method used was a case study in a private University Center. The results of this research have demonstrated that the implementation of the PDI can be followed up by means of the use of the BSC methodology. Palavras - chave: Plano de Desenvolvimento Institucional. Balanced Scorecard. Instituição de Ensino Superior. Keywords: Institutional Development Plan Balanced Scorecard. .Higher Education Institutions. Administradora formada pelo UNIMSB e especialista no MBA Gestão da Qualidade pela Universidade Federal Fluminense, é professora de Desenvolvimento Gerencial do Curso de Administração do UNIMSB. 1 17 Revista Pró-Ciência Sumário: Introdução; 1. Revisão de literatura; 1.1 Planejamento Estratégico; 1.1.1 Planejamento Estratégico em Instituições de Ensino Superior; 1.2 Plano de Desenvolvimento Institucional – PDI; 1.3 Balanced Scorecard – BSC; 1.3.1 Mapa estratégico; 2 Estudo de caso; 2.1 Proposta do BSC para o Centro Universitário; 2.1.1 Classificação dos objetivos nas perspectivas do BSC; 2.2 Construção do mapa estratégico; Considerações finais; Referências bibliográficas. Introdução Em menos de duas décadas o setor do ensino superior privado no Brasil vivenciou um processo de expansão acelerado, caracterizado pelo aumento do número de IES particulares e de cursos e, conseqüentemente, pela ampliação do número de vagas oferecidas nestas instituições. Estas mudanças fizeram com que as IES particulares mergulhassem em um ambiente altamente competitivo e experimentassem com mais profundidade as regras do mercado, que pareciam até bem pouco tempo não afligi-las. Para assegurar a qualidade do ensino das vagas oferecidas pelas IES brasileiras, o Ministério da Educação (MEC) em sintonia com a legislação estabelecida pelo Governo Federal desenvolveu uma série de mecanismos de avaliação que servem de base para o processo de credenciamento ou recredenciamento destas instituições. Entre estes, destaca-se o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), criado pela Portaria n.º 637, de 13 de junho de 1997 (BRASIL, 1997). O PDI, conforme o art. 6 da resolução nº 10, de 11 de junho de 2002 (Brasil, 2002), representa um compromisso da IES com o Ministério da Educação. Nele devem ser estabelecidos os objetivos e as metas que nortearão no desenvolvimento das atividades da IES, sua expansão e a ampliação da oferta de novos cursos e de novas vagas no ensino superior. 18 Revista Pró-Ciência Os custos para atender às exigências do MEC são altos e não há mais espaço para erros. Para se manter no mercado de forma competitiva, é preciso que as IES planejem e executem estratégias, vinculadas a mecanismos de acompanhamento da implementação dessas, a fim de verificar em tempo hábil, mudanças de rumos necessárias para a consecução dos objetivos e metas previstos em seu PDI. Considerando a importância do cumprimento do PDI nos atos autorizativos que permitirão à IES continuar exercendo suas atividades, a questão principal desta pesquisa é: como acompanhar a execução dos objetivos e das metas institucionais propostos no PDI de um Centro Universitário particular? E o objetivo é propor um sistema de medição de desempenho gerencial para o acompanhamento da execução dos objetivos estratégicos de um Centro Universitário particular, estabelecidos no seu Plano de Desenvolvimento Institucional. Limitando-se à proposição de um BSC com base no PDI de um Centro Universitário particular, para o período qüinqüenal 2008 a 2012. Com relação a metodologia esta pesquisa caracteriza-se como aplicada por gerar conhecimentos para aplicação prática, objetivando a solução de um problema específico. O seu caráter qualitativo vem do fato de que existe uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, de não requerer a utilização de métodos e técnicas estatísticas e de se tomar o ambiente natural como fonte direta para coleta de dados. Em relação ao objetivo, a pesquisa é exploratória, porque visa proporcionar maior familiaridade com o problema, no intuito de torná-lo explícito ou construir hipóteses, a partir de levantamento bibliográfico e entrevistas com pessoas que vivenciem a questão estudada (SILVA; MENEZES, 2000). Em relação aos procedimentos técnicos, a pesquisa classificase como um estudo de caso por conter resultados provenientes do levantamento de dados específicos de um período de tempo definido, relativo ao planejamento estratégico e ao plano de desenvolvimento institucional do Centro Universitário, onde foi realizado o estudo. 19 Revista Pró-Ciência 1 Revisão de literatura 1.1 Planejamento Estratégico A partir da década de 1950, os desafios no mercado dos negócios foram se tornando cada vez mais simultâneos: a necessidade de reativação do espírito empreendedor, de resposta à intensidade crescente da competição em nível mundial, e de envolvimento em nível social quanto à determinação de como a empresa deve ser gerida, e de que papel deve desempenhar na sociedade pós-industrial. (ANSOFF; MCDONNELL, 1993, p. 26). Outra característica marcante de século vinte tem sido a aceleração tanto da incidência quanto da difusão da mudança. A mudança tornou-se menos previsível e as surpresas passaram a ser mais freqüentes. (ANSOFF; MCDONNELL, 1993, p. 34). Essas mudanças geraram uma preocupação com as relações existentes entre a organização e o seu meio, servindo de base para a elaboração de um modelo de planejamento que incorporasse uma análise racional das oportunidades e das ameaças geradas pelo ambiente, em consonância com os pontos fortes e fracos da organização. Assim, ao final da década de 1960 os estudos do russo H. Igor Ansoff originaram o planejamento estratégico, que vem sendo amplamente utilizado até os dias de hoje. (RODRIGUES, 2006, p.26). O planejamento estratégico representa um processo destinado a garantir um ajustamento entre os objetivos e os recursos da organização, e as demandas de um ambiente externo em constante mutação. Neste sentido, Drucker (1984 apud Braga e Monteiro, 2005, p.19), define planejamento estratégico como: [...] processo contínuo de, com o maior conhecimento possível do futuro considerado, tomar decisões atuais que envolvem riscos futuros aos resultados esperados, organizar as atividades necessárias à execução das decisões e, através 20 Revista Pró-Ciência de uma reavaliação sistemática, medir os resultados face às expectativas alimentadas. Oliveira (2004 p.34) salienta a complexidade do planejamento, pois o mesmo deve ser elaborado a partir de um conhecimento sobre o futuro traçará um estado desejado, também futuro, a partir de uma avaliação de alternativas a serem seguidas para se alcançar esse estado. Tudo isso dentro de um contexto ambiental interdependente e altamente mutável. Assim, o objetivo do planejamento pode ser definido como o desenvolvimento de processos, técnicas e atitudes administrativas, as quais proporcionam uma situação viável de avaliar as implicações futuras de decisões presentes em função dos objetivos empresariais que facilitação a tomada de decisão no futuro, de modo mais rápido, coerente, eficiente e eficaz (OLIVEIRA, 2004, p. 36). 1.1.1 - Planejamento estratégico em Instituições de Ensino Superior O setor do ensino superior, até o fim da década de 1980, apresentava um cenário estável, com níveis de competitividade muito baixos, decorrentes do lento crescimento vivenciado pelo setor até então e pelo fato de que a demanda suplantava a oferta. Este cenário, fez com que os gestores das IES brasileiras não se preocupassem tanto em aprimorar seus processos gerenciais (CARDOSO, 2006, p.52). Desta forma, no Brasil, os primeiros registros de implementação de planejamento estratégico em instituições de ensino superior ocorreram na década de 1990 (GIANOTTI, 2004). No entanto, ainda no ano de 2004, mesmo tendo o setor passado por um período de crescimento acentuado, gerando níveis de instabilidade e de competitividade altíssimos, os estudos de Braga e Monteiro (2005, p.25), revelavam que menos de 20% da IES particulares brasileiras possuíam um planejamento estratégico. 21 Revista Pró-Ciência 1.2 - Plano de Desenvolvimento Institucional - PDI O PDI é um documento que identifica a Instituição de Ensino Superior, no que diz respeito à sua filosofia de trabalho, à missão a que se propõe, às diretrizes pedagógicas que orientam suas ações, à sua estrutura organizacional e às atividades acadêmicas que desenvolve e/ou que pretende desenvolver. O PDI identifica a instituição junto ao MEC, constituindo-se no principal instrumento para as avaliações de credenciamento e recredenciamento da instituição e, de autorização e renovação de reconhecimento dos cursos de graduação (BRASIL, 2004). Elaborado para um período de cinco anos, o PDI traz em sua composição os objetivos e metas que a IES se compromete a realizar durante este período, de modo a assegurar que o seu desenvolvimento se dê respeitando os critérios mínimos de qualidade exigidos pelo MEC. Neste sentido, o PDI representa uma carta de compromisso firmada entre a Instituição e o MEC (BRASIL, 2004). A partir da promulgação da Lei Nº 9.394 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) - em 1996, foram publicados diversos dispositivos legais relacionados ao PDI e sua importância no processo regulatório das IES, mas foi com a publicação da Resolução CNE n. 10, de 11 de junho de 2002 (Brasil, 2002), que oficial e efetivamente se condicionou uma série de restrições a todos os tipos de Instituição de ensino superior, caso as mesmas não apresentassem seu PDI. Para Cardoso (2006, p.51), esta obrigatoriedade imposta pelo governo às IES proporcionou aos gestores destas instituições um “despertar” para o processo de aprendizagem de procedimentos administrativos relevantes a condução mais ampla deste tipo de negócio. Este fato tem tornado o PDI uma ferramenta de gestão bem adequada ao ambiente competitivo e turbulento do presente. Para o autor, “o resultado deste processo, ainda em curso, é altamente positivo, porque tem induzido a uma maior profissionalização das IES, fundamental à sua sobrevivência e crescimento”. 22 Revista Pró-Ciência No entanto, Schmitt e Mafra (2003, p.8) observam que o planejamento estratégico é um documento mais completo que o PDI, em nível de gestão, e deve servir de base para a construção do mesmo. Ainda segundo os autores, o PDI por si só não leva a Instituição a um pensamento estratégico. Sobre esta afirmação, Cella (2006, p.75) corrobora comentando que: Uma IES, para elaborar o seu PDI deverá desenvolver inicialmente o seu Planejamento Estratégico Institucional. Portanto, além das exigências legais, uma instituição que não identificou: a sua missão, a visão de futuro, os valores institucionais, as oportunidades de mercado, as ameaças da concorrência, os seus pontos fortes, as fraquezas internas, as opções estratégicas, os objetivos estratégicos e seus projetos estratégicos, dificilmente sobreviverá neste ambiente de altíssima competitividade e incertezas, que é o setor da educação superior particular. Para elaborar o PDI, a instituição deve lança um olhar crítico sobre o presente e traçar metas realistas para o futuro, baseadas no seu planejamento estratégico. Essas metas imprimem direção à gestão dos cursos e programas e, mediante acompanhamento e avaliação, permitem que a sociedade tenha uma percepção clara e articulada dos rumos acadêmicos da instituição. (GIANOTTI, 2004, p.108). Entende-se assim que um PDI coerentemente elaborado em função de análises realizadas no planejamento estratégico da IES é extremamente importante. No entanto, deve-se ter em vista que a consecução dos objetivos e metas propostas neste plano é tão importante quanto a sua elaboração para que a Instituição possa criar valores verdadeiros para a sociedade e para os seus mantenedores. 1.3 - Balanced Scorecard - BSC Medidas de desempenho oferecem importantes sinais para a organização, comunicando às pessoas como elas estão se sain- 23 Revista Pró-Ciência do e se estão integradas ao todo para a consecução dos objetivos organizacionais (HRONEC, 1994, p.5). No entanto, medidas exclusivamente financeiras atuam de forma reativa retratando apenas os acontecimentos passados, sendo inadequadas para orientar e avaliar a trajetória que as organizações da era da informação devem seguir na geração de valor futuro (KAPLAN; NORTON, 1997, p.8). [...] os indicadores contábeis e financeiros tradicionais, como retorno sobre investimento e lucro por ação, às vezes emitem sinais enganosos para fins de melhoria contínua e inovação – atividades exigidas pelo ambiente competitivo da atualidade. Os indicadores tradicionais de desempenho financeiro funcionaram bem na era industrial, mas estão em descompasso com as habilidades e competências que as empresas tentam dominar hoje. (KAPLAN; NORTON, 2000, p.118). As abordagens de caráter unicamente financeiro não eram mais capazes de informar aos gestores o “quanto” da estratégia2 estava sendo efetivamente realizada e “quais” os aspectos dessa estratégia não estariam atingindo os resultados previamente almejados. Desta forma, em meados dos anos 1990, o Instituto Nolan Norton, uma unidade de pesquisa da KPMG, patrocinou um estudo, de duração As origens da palavra estratégia remontam aos gregos e a suas experiências militares. A raiz de estratégia vem de strategos, que se referia, inicialmente, a um cargo, o do general no comando de um exército. Posteriormente, passou a significar a arte do general, ou seja, as habilidades psicológicas e comportamentais com as quais exercia seu papel. Ao tempo de Péricles (450 a.C.), passou a significar habilidades gerenciais (administração, liderança, oratória, poder). E, à época de Alexandre (330 a.C.), referia-se à habilidade de empregar forças para sobrepujar a oposição e criar um sistema unificado de governo (MINTZBERG; QUINN, 2001, p. 20). Atualmente, estratégia pode ser definida no mundo empresarial como um padrão ou plano que integra as principais metas, políticas e seqüências de ações de uma organização em um todo coerente (MINTZBERG e QUINN,2001 p.19) . Wright et al. (2000, p.24) complementam o conceito de estratégia destacando que refere-se aos planos da alta administração para alcançar resultados consistentes com a missão e os objetivos gerais da organização. 2 24 Revista Pró-Ciência de um ano, intitulado Measuring Performance in the Organization of the Future. Este estudo resultou no Balanced Scorecard – BSC (KAPLAN; NORTON, 1997, p.VII). [...] o Balanced Scorecard indica os conhecimentos, habilidades e sistemas de que os empregados necessitarão (perspectiva de aprendizado e crescimento) para inovar e desenvolver as capacidades e eficiências estratégicas certas (perspectiva dos processos internos), capazes de fornecer valor específico ao mercado (perspectiva do cliente), que por fim resultará em maior valor para os acionistas (perspectiva financeira). (Kaplan; Norton, 2000, p. 76). No entanto, Kaplan e Norton (1997, 2000) ressaltam que o BSC não é um simples painel de indicadores financeiros e nãofinanceiros: os objetivos e medidas devem ser articulados e coerentes, e se reforçar mutuamente, de forma a gerar consistência. O BSC deve tornar explícitas as relações entre os objetivos e as medidas nas diversas perspectivas, gerando uma cadeia de causa e efeito que as permeia e identifica como cada perspectiva impacta as demais. O BSC traduz a missão e a estratégia da organização em objetivos e medidas, distribuídos nestas quatro perspectivas, criando assim, uma estrutura que possibilita comunicar a missão e a estratégia, a partir da utilização de indicadores, que irão informar aos funcionários os vetores do sucesso atual e futuro. Para Kaplan e Norton (1997, p. 10), este processo ocorre por meio das respostas às seguintes questões feitas para cada perspectiva: a) Para sermos bem sucedidos financeiramente, como deveríamos ser vistos pelos nossos acionistas? b) Para alcançarmos nossa visão, como deveríamos ser vistos pelos nossos clientes? c) Para satisfazermos nossos clientes e acionistas, em que processos de negócio devemos alcançar a excelência? d) Para alcançarmos nossa visão, como sustentaremos nossa capacidade de mudar e melhorar? 25 Revista Pró-Ciência Figura 1 - Perspectivas do BSC Fonte: Adaptado de Kaplan; Norton, 1997, p.10 O método de mensuração de desempenho é realizado a partir do desdobramento das perspectivas que compõem o BSC em objetivos, indicadores, metas e iniciativas estratégicas (ver figura 3). No desdobramento das perspectivas em objetivos, definem-se os indicadores e as iniciativas estratégicas. Os indicadores possuem metas que são confrontadas com o ambiente real. A periodicidade de monitoramento e revisão de cada indicador é definida conforme a natureza específica de cada um. Cada indicador do BSC é desdobrado em iniciativas estratégicas necessárias para o alcance das metas traçadas. As iniciativas são responsáveis pela obtenção dos resultados e, por conseguinte, a execução da estratégia. 1.3.1 - Mapa Estratégico As quatro perspectivas em que o BSC está fundamentado são interligadas por meio de relações de causa e efeito entre os seus 26 Revista Pró-Ciência objetivos. Buscando tornar estas ligações mais claras, para auxiliar os executivos na definição da estratégia, Kaplan e Norton desenvolveram uma forma de representação gráfica dessas conexões: o mapa estratégico. Kaplan e Norton (2004, p. 10) afirmam que “o mapa estratégico representa o elo perdido entre a formulação e a execução da estratégia”, oferecendo um método uniforme e consistente de descrição da estratégia, que facilita a definição e o gerenciamento dos objetivos e indicadores das quatro perspectivas. O mapa estratégico é a representação gráfica das relações de causa e efeito entre os componentes da estratégia de uma organização, permitindo que se descreva de forma consistente e uniforme a estratégia, o que facilita a definição e o gerenciamento dos objetivos e indicadores. Neste sentido, toda a medida do BSC deve estar integrada em uma cadeia de relações de causa e efeito que comunica estratégia da empresa às unidades do negócio. O sistema de mensuração deve explicar as relações (hipóteses) entre os objetivos (e as medidas) nas diversas perspectivas, de modo que possam ser gerenciadas e validadas. O sistema deve identificar e tornar explicita a seqüencia de hipóteses sobre as relações de causa e efeito entre as medidas de resultado e os vetores de desempenho desses resultados (KAPLAN; NORTON, 1997, p.155-156). A partir da missão, visão e valores organizacionais, esses mapas descrevem as quatro perspectivas do BSC e a relação entre elas, traduzindo a estratégia em planos de ação, facilitando sua avaliação e ajuste. 2 Estudo de caso A instituição em estudo é um Centro Universitário particular, sem fins lucrativos localizado no estado do Rio de Janeiro. Com 41 anos de existência, iniciou suas atividades em 1969 como fa27 Revista Pró-Ciência culdades isoladas oferecendo os cursos de Administração e Ciências Contábeis. Em 2003, consolidou um grande objetivo de seus fundadores, sendo credenciada como Centro Universitário. Conforme o seu Relatório Parcial de Avaliação Institucional, em agosto de 2009, o Centro Universitário possuía em seu quadro funcional 183 docentes, 135 funcionários técnico-administrativos e 3.625 alunos distribuídos em 11 cursos de graduação. 2.1 - Proposta do BSC para o Centro Universitário Em 2007, o Centro Universitário, com o apoio de uma consultoria externa desenvolveu o seu primeiro Planejamento Estratégico. Neste mesmo ano, elaborou o segundo PDI que está em vigor desde o ano de 2008 até o ano de 2012. A elaboração deste PDI se deu para atender ao processo de recredenciamento do Centro Universitário junto ao Ministério da Educação (MEC). O acompanhamento do PDI tem sido promovido por meio de reuniões semestrais entre a Pró-reitoria Administrativa, a Pró-reitoria Acadêmica e a Coordenação da Comissão Própria de Avaliação Institucional (CPA). Nestas ocasiões, a Coordenação da CPA apresenta um relatório contendo uma análise qualitativa dos objetivos alcançados no período em relação ao previsto, até então. Não foram observados nos documentos analisados, nem nas entrevistas realizadas com os dirigentes do Centro Universitário, uma forma sistematizada de avaliação do desempenho destes objetivos. Tão pouco foram previstos no próprio PDI os indicadores que seriam utilizados para acompanhar a implementação dos objetivos institucionais propostos neste documento. 2.1.1 Classificação dos objetivos nas perspectivas do BSC Para a classificação dos objetivos descritos no PDI, foi realizada uma reunião com os dirigentes do Centro Universitário onde foram apresentados os conceitos do BSC, com o intuito de 28 Revista Pró-Ciência se classificar os objetivos nas perspectivas do BSC. Nesta ocasião, foram definidas as seguintes perspectivas: (1) – Perspectiva Financeira; (2) – Perspectiva dos Alunos/ Sociedade; (3) – Perspectiva dos Processos Internos; e (4) – Perspectiva do Aprendizado e Crescimento. A adaptação da Perspectiva Clientes, no BSC original proposto por Kaplan e Norton, para a Perspectiva Aluno/Sociedade é justificada pelo tipo específico de clientes atendidos em IES. Com relação aos indicadores institucionais, estes foram construídos em conjunto entre a pesquisadora e os dirigentes do Centro Universitário. No entanto, foi convencionado para este trabalho utilizar o termo Mecanismo de controle em lugar de indicadores. Esta adaptação justifica-se pelo fato do BSC proposto estar em nível Institucional, onde alguns objetivos não possuem formas quantificáveis de mensuração, sendo o termo, na visão da autora, mais adequado para avaliar de forma quantitativa ou qualitativa, segundo seja o caso, a consecução dos objetivos do PDI. Os quadros 02, 03, 04 e 05 apresentam a proposta do BSC gerada a partir desta reunião. Onde, os quadros 02, 03, 04 e 05 correspondem respectivamente à perspectiva financeira, a perspectiva dos alunos/sociedade, perspectiva dos processos internos e a perspectiva do aprendizado e crescimento. Os objetivos estratégicos elencados nestes quadros foram extraídos do PDI, conforme o quadro 1 apresentado na seção 3.2.1.5. 29 Revista Pró-Ciência PERSPECTIVA FINANCEIRA OBJETIVO ESTRATÉGICO MECANISMOS DE CONTROLE METAS 1 - Reduzir a inadimplência em 30%; 19 – Melhorar os re- 2 - Ampliar a receita em 10% sultados financeiros por ano; 3 – Aumentar em 20% a rentabilidade por curso. 16 – Reduzir os custos internos - Percentual de inadimplência trimestral; - Receita anual; - Rentabilidade por curso, por semestre. 1 - Reduzir até 10% dos custos internos relativos à telefonia, - Índice de redução dos custos ao consumo de energia elétrica internos, por semestre e aos demais produtos utilizados na Instituição. - Taxa de trancamentos e cance04 – Reduzir os 1 - Reduzir os índices de evasão lamentos no período (categoriíndices de evasão em 30% nos dois primeiros zados por motivo), por trimestre discente períodos de cada curso - Taxa de abandonos, por trimestre 1 - Implantar seis cursos de gra02 – Ampliar a duação tecnológica, dois cursos - Número de cursos implantados oferta de cursos de de Licenciatura e dois cursos de na graduação, por semestre. graduação Bacharelado 1 - Aumentar o número de alunos ingressantes em 50%; 2 - Recuperar 25% dos alunos - Número de alunos ingressan03 – Aumentar a evadidos. tes (categorizados por tipo de captação de alunos 3 - Aumentar em 30% o núingresso), por semestre. mero de alunos Portadores de Diploma de nível superior e transferências externas. 05 – Implantar cur- 1 - Implantar, pelo menos dois - Número de cursos implantados sos de Pós-gradua- cursos em cada área do conhena pós-graduação, por semestre. ção lato sensu. cimento. Quadro 1 - Objetivos da Perspectiva Financeira Fonte: Elaborado pela autora com base no PDI do Centro Universitário e nas entrevistas 30 Revista Pró-Ciência PERSPECTIVA DO ALUNO / SOCIEDADE OBJETIVO ESTRATÉGICO METAS MECANISMO DE CONTROLE 1 - Ampliar em 100% o número - Número de atividades de 07 – Ampliar a oferta de de atividades de extensão ofere- extensão oferecidas por seatividades de extensão cidas à comunidade. mestre 1 - Desenvolver, no mínimo cinco projetos de cunho artístico-cultural; 08 – Promover o de2 - Desenvolver, no mínimo, senvolvimento cultural, dois eventos esportivos por ano artístico e esportivo da na Instituição; região 3 - Patrocinar, no mínimo, duas ações culturais regionais por semestre. - Número de projetos de cunho artístico-cultural desenvolvidos por ano; - Número de eventos esportivos realizados por ano; - Número de projetos culturais patrocinados 1 - Reduzir em 80% o número de reclamações e recorrência 12 – Aumentar a satisfa- feitas por alunos; ção do aluno 2 - Alcançar índice de 80% de satisfação dos alunos com relação aos serviços prestados. - Número de reclamações e recorrências recolhidas pela Ouvidoria; - Índice de satisfação do aluno na Avaliação Institucional. 1 - Atender plenamente os critérios quantitativos recomendados pelos MEC; 2 - Aumentar a satisfação por 13 - Melhorar a quali- parte de alunos, professores e dade da biblioteca funcionários com relação aos serviços da biblioteca; 3 - Aumentar em 15% os investimentos para atualização e ampliação do acervo. - Número de reclamações recebidas por parte de alunos, professores e funcionários; - Índice de satisfação com os serviços da biblioteca; - Índices quantitativos recomendados pelos MEC; - Número de livros adquiridos/ ano; - Percentual do orçamento geral/custeio investido em compras de livros e periódicos. 1 - Ampliar em 15% o espaço físico construído na sede; 17 – Melhorar a quali- 2 - Adequar e recuperar 70% dos dade dos espaços físicos espaços físicos; 3 - Aperfeiçoar 100% dos espaços físicos. - Área construída por semestre; - Número de espaços físicos recuperados, por ano; - Número de espaços otimizados, por ano. 31 Revista Pró-Ciência - Número de projetos de extensão realizados junto à comunidade por semestre - Índice de veiculações da instituição na imprensa, com 1 - Aumentar a visibilidade e o ênfase em projetos desenvol15 – Fortalecer a imareconhecimento da marca insti- vidos junto à sociedade; gem institucional tucional. - Índice de acessos e opiniões na página do Centro Universitário; - Relação de candidato versus vaga e origem dos vestibulandos. Quadro 2 - Objetivos da Perspectiva dos alunos/sociedade Fonte: Elaborado pela autora com base no PDI do Centro Universitário e nas entrevistas PERSPECTIVA DOS PROCESSOS INTERNOS OBJETIVO ESTRATÉGICO METAS 1 - Aumentar em 20% o desempenho acadêmico dos alunos; 01 – Melhorar a qualidade 2 - Obter nota superior a 3 no do ensino ENADE de todos os cursos; 3 - Aumentar em 20% a taxa de Conclusão da Graduação MECANISMO DE CONTROLE - Nota do ENADE - Índice de desempenho acadêmico dos estudantes - Taxa de Conclusão da Graduação 1 - Otimizar a carga horária - Média de carga horária 09 – Otimizar o quadro de em sala de aula de todos os em sala de aula dos dodocente docentes em tempo integral e centes por semestre parcial. - Percentual de processos 14 – Melhorar o fluxo dos 1 - Otimizar 100% dos procesinternos reformulados processos internos sos internos. por semestre 18 – Modernizar os siste- 1 – Atualizar e integrar 100% - Número de sistemas aumas de Informação dos sistemas auxiliares. xiliares integrados Quadro 3 – Objetivos da Perspectiva dos Processos Internos Fonte: Elaborado pela autora com base no PDI do Centro Universitário e nas entrevistas 32 Revista Pró-Ciência PERSPECTIVA DO APRENDIZADO E CONHECIMENTO OBJETIVO ESTRATÉGICO METAS MECANISMO DE CONTROLE 06 – Promover o desenvolvimento dos programas de iniciação científica 1 - Desenvolver, pelo menos dois programas de iniciação científica em cada curso de graduação; 2 - Expandir em 30% a publicação da produção do conhecimento científico 3 - Promover dois eventos anuais para divulgação dos trabalhos - Número de programas de iniciação científica por curso; - Número de professores e alunos envolvidos nos programas de iniciação científica; - Número de publicações da produção do conhecimento científico por ano; - Número de eventos promovidos para difusão dos resultados das pesquisas por ano. 1 – Melhorar a atuação de 10 – Promover o desen100% do corpo docente e volvimento do corpo técnico-administrativo de docente e técnico-adminacordo com as demandas istrativo institucionais. - Número de funcionários treinados por semestre; - índice de satisfação dos alunos com os serviços prestados; 1 - Aumentar para 80% 11 – Aumentar a satisfa- Índice de satisfação do coros índices de satisfação do ção do corpo docente e po docente e técnico-admicorpo docente e técnico adtécnico-administrativo nistrativo. ministrativo. Quadro 4 – Objetivos da Perspectiva do Aprendizado e Conhecimento Fonte: Elaborado pela autora com base no PDI do Centro Universitário e nas entrevistas 33 Revista Pró-Ciência 2.2 Construção do mapa estratégico A proposta do BSC do Centro Universitário, vista na seção anterior, apresentou os objetivos institucionais dispostos nas quatro perspectivas: financeira; alunos/sociedade; processos internos; aprendizado e crescimento. No entanto, esta proposta não deixa explícitas as relações de causa e efeito entre os objetivos. Com o objetivo de tornar mais clara a estratégia do Centro Universitário, tendo como base a proposta do BSC, chegou-se à estrutura do mapa estratégico por meio do estabelecimento das relações de causa e efeito entre os objetivos institucionais. Desta forma, é possível que se identifique de forma visual, as relações de causa e efeito responsáveis pela tradução dos objetivos em resultados. As relações causais da perspectiva do Aprendizado e Crescimento procuraram assegurar o capital intelectual e intangível necessários à execução dos processos internos com a máxima eficiência e eficácia. Já, as relações estabelecidas na perspectiva dos Processos Internos, foram estabelecidas de modo a adequar às necessidades dos clientes (alunos), permitindo que a instituição crie valor para os mesmos. Na perspectiva dos alunos/sociedade, as relações estabelecidas procuraram garantir a satisfação dos mesmos, o que possibilitará melhores resultados financeiros e a projeção da instituição junto à sociedade. A figura 10 mostra o Mapa Estratégico Institucional elaborado pela autora e validado junto aos dirigentes da instituição. 34 Revista Pró-Ciência Figura 2 – Mapa estratégico do Centro Universitário Fonte: Elaborado pela autora com base no PDI do Centro Universitário e nas entrevistas 35 Revista Pró-Ciência Considerações Finais Esta pesquisa teve como objetivo propor um sistema de medição de desempenho gerencial, baseado nos conceitos do Balanced Scorecard (BSC), para um Centro Universitário particular, tendo como ponto de partida os objetivos, metas e iniciativas previamente definidos em seu PDI. Para que este objetivo fosse atingido, estabeleceu-se uma referência conceitual sobre as seguintes práticas de gestão: Planejamento Estratégico, Plano de Desenvolvimento Institucional e Balanced Scorecard. E, além desta pesquisa bibliográfica, foi realizado um estudo de caso. Constata-se que diante da importância do cumprimento do PDI para atos autorizativos que permitirão à IES continuar exercendo suas atividades, existe a necessidade de se estabelecer formas sistematizadas de acompanhamento do mesmo. Neste sentido, com base nos resultados apresentados e nas abordagens teóricas da revisão da literatura, foi possível responder a questão que deu início a esta pesquisa. Ou seja, por meio da construção de um sistema de medição de desempenho baseado nos fundamentos do BSC e de um mapa estratégico é possível acompanhar a consecução dos objetivos institucionais previamente estabelecidos no PDI. Entende-se que a utilização do BSC e do Mapa Estratégico proposto para o Centro Universitário estudado possibilitará o alinhamento dos esforços da comunidade acadêmica no sentido de promover o seu desenvolvimento, definindo com clareza a proposição de valor pretendida aos clientes (alunos) e à sociedade, os processos internos necessários ao atendimento dessa proposição de valor e os ativos intangíveis, que serão a base para a execução desses processos de forma excelente. Por fim, conclui-se que mesmo considerando a vocação social, as IES devem estar atentas às questões relacionadas à sua sustentabilidade. Nesse sentido estas instituições não diferem das demais empresas, devendo, por meio da adoção de práticas 36 Revista Pró-Ciência de gestão consagradas em outros segmentos, adaptadas às suas realidades, promover a melhoria constante da qualidade de sua gestão e de seus resultados, criando assim valores sólidos para seus alunos, a sociedade e seus mantenedores. 37 Revista Pró-Ciência Referências ANSOFF, H. Igor; McDONNELL Edward J. Implantando a administração estratégica. 2.ed. São Paulo: Atlas, 1993. BRAGA, Ryon; MONTEIRO, Carlos A. Planejamento estratégico sistêmico para instituições de ensino. São Paulo : Hoper, 2005. BRASIL. Decreto nº 5.773, de 9 de maio de 2006. Dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e seqüenciais no sistema federal de ensino. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 mai. 2006. 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Porto Alegre : Bookman, 2005. 41 Revista Pró-Ciência Crianças, mulheres e idosos: um estudo sobre vítimas invisíveis Maria Carolina de Almeida Duarte 3 Cleyde Alves da Silva 4 Rafaelle Sá da Costa 5 Daniel da Silva Cangerana 6 Sandra Lúcia Gonçalves 7 Resumo Abstract O estudo aqui apresentado versa sobre vítimas invisíveis, especificamente crianças, mulheres e idosos que vivem na Baixada Fluminense e na cidade do Rio de Janeiro, onde foi dado destaque ao trabalho da Delegacia de Proteção ao Idoso de Copacabana. De acordo com seu relato fica evidente que as vítimas sofreram caladas por algum tempo sem procurar a Polícia, demonstrando que, durante essa fase, a violência ficou oculta das instituições encarregadas de controlar o crime: a Polícia, o Ministério Público e o Judiciário. The study presented here deals with invisible victims, specifically the children, women and the aged who live in the Baixada Fluminense (Fluminense Lowlands), in the city of Rio de Janeiro, where the work at the Protection to the Senior Citizens in the Copacabana Precinct was prioritized. According to this account it is clear that the victims kept silent for some time without looking for the police, demonstrating that during that stage violence at institutions was out of sight of institutions in charge of controlling crime: the Police, Public the Attorney’s Office and the Legal Department. Palavras - chave: Keywords: Vítimas invisíveis. Crianças. Mulheres. Invisible victims. Children. Women. Senior Idosos. Citizens. Doutora em Direito pela Universidade Gama Filho/RJ, Mestra em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Especialista em Pesquisa Social pela Universidade Federal de Mato Grosso, Professora Adjunto IV, aposentada pela UFMT, Professora na Universidade Iguaçu/ RJ e no Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos. 4 Mestra em Direito pela Universidade Iguaçu/RJ, advogada, Professora na UNIG/RJ. 3 42 Revista Pró-Ciência Sumário: Introdução; 1 O problema; 1.1 Hipóteses; 1.2 Linha de pesquisa; 2 Análise teórica e dados concretos das vítimas invisíveis; 2.1 Crianças; 2.1.1 Casos concretos; 2.2 Mulheres; 2.2.1 Casos concretos; 2.3 Idosos; 2.3.1 Casos concretos; 4 Metodologia, universo da pesquisa e população-alvo;; 5 Análise de resultados e considerações finais. Introdução A presente pesquisa tem por objeto o estudo das vítimas invisíveis que fazem parte da “cifra oculta da delinquência” e dos processos de vitimização primária (danos psíquicos, físicos e sociais), secundária (vítimas do sofrimento adicional provocado pelas instâncias que controlam o crime: Polícia, Ministério Público e Judiciário) e terciária (vítimas da falta de amparo dos órgãos públicos e dos grupos sociais). Este estudo terá como universo de pesquisa a Baixada Fluminense e o bairro de Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro-RJ, bairro com o maior número de idosos do país. O estudo versa, especificamente, sobre três categorias de vítimas invisíveis: crianças, mulheres e idosos, sujeitos da “cifra oculta da delinquência” que não informam e/ou demoram a informar à Polícia os crimes de que foram vítimas. Tais pessoas muitas vezes não reportam o crime à Polícia por sofrerem ameaças dos seus agressores, por não confiarem na polícia, por terem medo de entrar numa delegacia ou por não possuírem condições físicas ou mentais para denunciar os agentes que as vitimizam. Sabe-se que frequentemente as vítimas são tratadas com desconfiança. Finalmente, muitas víti- Mestranda em Psicanálise pela Universidade Veiga de Almeida, Especialista em Direito Público e Tributário pela Universidade Cândido Mendes, Professora da Universidade Iguaçu/RJ, advogada e Orientadora Jurídica do Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS). 6 Aluno bolsista. 7 Aluna colaboradora. 5 43 Revista Pró-Ciência mas não acreditam no Judiciário, sobretudo pela morosidade da Justiça, fato ocorrente tanto no sistema jurídico-penal brasileiro, quanto em outros países (grifos nossos). A análise teórica da invisibilidade social, no campo da delinquência revela a existência de vítimas, sem consciência de vitimização. A população alvo deste estudo está restrita a crianças, mulheres e idosos, vítimas invisíveis e silenciosas que sofrem todas as formas de violência (grifos nossos). A pesquisa envolve a análise dos tipos de violência que agridem direitos fundamentais da pessoa humana consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em Tratados Internacionais e em inúmeras leis, entre elas: o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) e a lei que disciplina a violência doméstica e familiar, denominada Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). Ademais, a Criminologia, a Vitimologia e a Política Criminal cada vez mais nos indicam que, para a compreensão e controle da criminalidade, é imprescindível o estudo de seus autores e vítimas. De forma geral, a criminalidade real que ocorre na Baixada Fluminense e na cidade do Rio de Janeiro é a quantidade de delitos verdadeiramente cometida. No entanto, sabe-se que as estatísticas oficiais só revelam a criminalidade legal. Segundo Lola Aniyar de Castro (1983, p. 6), as estatísticas oficiais só registram casos em que houve condenação. Entre a criminalidade legal e a real há uma enorme quantidade de casos não conhecidos e esta diferença é denominada cifra obscura, cifra negra ou delinquência oculta. Tal fenômeno é preocupante e existe em todas as cidades, motivando o presente estudo de sua incidência na Baixada Fluminense e na Delegacia de Idosos, em Copacabana/ RJ. Assim, a pesquisa justifica-se plenamente por se tratar de uma reflexão sobre tipos de violência praticada nestas localidades e, sobretudo, por versar sobre problemas criminológicos que envolvem direitos humanos (linha da pesquisa – Direito Penal, da 44 Revista Pró-Ciência Universidade Iguaçu, com viés nas questões ligadas aos Direitos Humanos). Trata-se de uma proposta coerente com o oportuno pensamento de Álvaro Mayrink da Costa (1982, p. 854): “onde estiver o homem, acompanha-o seus Direitos Humanos”. Em paralelo a esta pesquisa importante e oportuna, projetada e desenvolvida por professores e alunos do Curso de Direito da Universidade Iguaçu, são apresentadas sugestões de como lidar com o problema em questão, do ponto de vista de apontar políticas públicas adequadas para instruir e resguardar essas vítimas invisíveis e, finalmente, buscar a punição aos crimes dessa cifra oculta de delinquência. Pretende-se tornar visível a invisibilidade dessas vítimas. 1 - O problema As ideias e os resultados dos estudos acima expostos dão margem a que se pergunte: qual o motivo principal que leva muitas vítimas, entre elas, crianças, mulheres e idosos da Baixada Fluminense e cidade do Rio de Janeiro, a não procurar a Polícia para reportar violências sofridas? Se o fazem, por que não registram a ocorrência logo no primeiro ato praticado pelo agressor? Com base nestas questões fundamentais e na revisão de literatura sobre o tema, outros desdobramentos nortearam a pesquisa: a) a vítima não acredita no trabalho da polícia?; b) a vítima é parente ou amigo do agressor?; c) a vítima não dispõe de provas?; d) a própria vítima tem passado criminoso e, por isso, não quer se expor à polícia?; e) a vítima é desestimulada a registrar a ocorrência?; f) a vítima não acredita na eficiência do Judiciário (Justiça)?; g) a vítima tem medo de novas violências do agressor? 45 Revista Pró-Ciência 1.1 - Hipóteses Hipótese 1: Quanto maior descrédito da população em relação à Polícia, maior o número de cifra oculta da violência. Hipótese 2: Quanto maior a cifra oculta da delinquência, maior o número de vítimas invisíveis, sobretudo crianças, mulheres e idosos. Hipótese 3: Quanto maior o medo da vítima em relação ao agressor, menor o número de denúncias à Polícia. 1.2 - Linha de pesquisa Direito Penal, especialmente nos aspectos ligados à Criminologia, à Vitimologia e à Política Criminal. 3 - Análise teórica e dados concretos das vítimas invisíveis O estudo sobre a violência contra crianças, mulheres e idosos está necessariamente ligado à problemática da invisibilidade social e da cifra oculta da delinquência. O primeiro passo é conceituar o que se entende por invisibilidade social, na perspectiva da situação das vítimas. A invisibilidade social, para Júlia Sá Pinto Tomas (2010, p. 1), é oriunda do desprezo social e do não-reconhecimento do ser humano pelos grupos sociais. Na sociedade contemporânea, dominada pelo ponto de vista ocidental, ser invisível significa ser inexistente ou insignificante. Para a autora, existem duas possibilidades de o indivíduo ser invisível: por um lado, pode ser um ato voluntário, por outro, pode ser o ato de “não-ver”, numa perspectiva coletiva e partilhada, dando origem à alteridade invisível. Fernando Braga da Costa (2004, p. 63) assevera que a invisibilidade pública se caracteriza pelo “desaparecimento intersub- 46 Revista Pró-Ciência jetivo de um homem no meio de outros homens”. O resultado desse processo é visto pelo autor como um problema crônico nas sociedades capitalistas, em que o fenômeno da humilhação social é construído e reconstruído ao longo de muitos anos no cotidiano das classes pobres. A invisibilidade social é um dos componentes da criminalidade oculta, tanto vítimas como criminosos ficam apagados, enfim, ausentes da estatística oficial da criminalidade. Observa Lola Aniyar de Castro (1983, p. 67; 69; 70) que a diferença entre a criminalidade legal, a aparente e a real traz à discussão as estatísticas oficiais que não revelam o total de crimes cometidos numa sociedade. Na realidade, afirma a autora, a delinquência oculta seria muitíssimo maior do que diz respeito à aparente. Os fatos não são levados pelas vítimas ao conhecimento da polícia por diversas razões: [...] 1. o fato não é percebido pela vítima como criminoso; [...] 2. por desconfiança ou aversão à polícia; 3. por simpatia para com o acusado; 4. porque a comunidade a que pertence é contrária a denúncias; 5. por temor a represálias; 6. por ver a condenação que se infringiria como algo mais grave do que o dano sofrido; 7. para evitar ser implicado no caso [...] casos de delitos sexuais (entre parentes ou entre estranhos, especialmente violações ou casos de adultérios); porque há possibilidade de obter a reparação por outra via. No mesmo sentido, Wagner Cinelli de Paula Freitas (2004, p. 154) ensina que haverá sempre delitos que não são descobertos e as razões do silêncio das vítimas são variadas: 1 - o delito pode não ser percebido pela vítima; 2 - determinada conduta, embora criminosa, pode ter aceitação pelo grupo, a exemplo do jogo do bicho; espancamento do filho pelos pais a título de “educação”; 3 - o criminoso é parente ou amigo da vítima; 4 - a vítima considera que o delito sofrido é de pequena importância; 5 - a vítima receia sofrer represálias; 6 - a vítima se sente constrangida com o ambiente da delegacia policial; 7 - a vítima não confia na 47 Revista Pró-Ciência polícia; 8 - a vítima não dispõe de provas; 9 - a própria vítima tem passado criminoso e não quer se expor perante a polícia; 10 - a vítima sente vergonha pelo delito sofrido; 11 - a vítima ou um terceiro soluciona o crime; 12 - a vítima é desestimulada a registrar a ocorrência pela própria polícia. Assim, continua o autor, surge a denominada “cifra oculta”, representada pelos crimes não reportados à polícia que gera uma imensidão de vítimas silenciosas. O mesmo autor assinala que os estudos a respeito da vitimização surgiram nos Estados Unidos a partir da década de 1960. Entre eles destaca-se uma pesquisa intitulada National Crime Victimization Survey (NCVS), publicada anualmente pelo Bureau de Estatística do Departamento de Justiça dos Estados Unidos desde 1973. No estudo, os pesquisadores informam que dois terços dos entrevistados que afirmaram ter sido vítimas de crime não registraram a respectiva ocorrência policial. Afirma Paula Freitas (2004, p. 154) sobre pesquisa realizada pela Rape, intitulada Abuse & Incest National Network (RAINN), que visava a orientar vítimas de crime sexual. Tal pesquisa destaca que no ano de 2001, apenas 39% das vítimas de delitos sexuais procuraram as autoridades para reportar os crimes sofridos. Esse silêncio é, sobretudo verificado nesse tipo de delito, pois a vítima entende tratar-se de uma questão privada. Além disso, ela teme a represália por parte do criminoso. O medo povoa o imaginário social das vítimas invisíveis. A questão da cultura do medo é avaliada por Barry Glassner (2003, p. 39) ao afirmar que a própria criação das crianças é povoada de temores. Para ele a cultura do medo “cresce cada vez mais por meio de correntes de temores e contratemores”, e mais: o medo prolifera por meio de um processo de troca. O autor declara que há na sociedade capitalista verdadeiros vendilhões do medo. O medo é um forte componente da Política Criminal do Movimento de Lei e Ordem que promete segurança social nos projetos políticos e campanhas eleitorais. Como afirma o sociólogo Zygmunt Bauman (2009, p. 55), “nossos medos são capazes de 48 Revista Pró-Ciência se manter e se reforçar sozinhos. Já têm vida própria”. O autor assinala que grandes lucros podem ser gerados pela indústria do medo. Para Bauman “o capital do medo” pode dar origem a lucros políticos e comerciais, sobretudo nos meios de comunicação de massa. A mídia contribui e reforça a produção do medo. Assim, as vítimas preferem calar a ficarem expostas. 3.1 - Crianças A violência contra crianças e adolescentes é objeto de estudo em vários países. Paulo Sérgio Pinheiro (2010)8 informa que, segundo estudo realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a violência contra crianças e apresentado à Assembléia Geral, existem diversos tipos e escalas de violência contra crianças no mundo todo. A tipificação inclui violência física, psicológica, discriminação e maus tratos. Ela vai de abusos sexuais em casa a castigos corporais e humilhantes na escola; do uso de restrições físicas em casa à brutalidade cometida pelas forças da ordem. Além disso, há significativa participação das lutas travadas pelas gangs nas ruas onde as crianças brincam e trabalham. O mencionado estudo aborda alguns ambientes nos quais ocorre a violência, dando ênfase à casa (da própria família) e à escola. Assinala o referido autor que as estatísticas incluídas no estudo revelam dados alarmantes. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima-se que em 2002, cerca de 53 (cinqüenta e três) mil crianças entre 0 - 7 anos de idade foram vítimas de homicídio. Dados da Organização Mundial do Trabalho (OIT) revelam que 5,7 milhões de crianças realizam trabalhos forçados ou em regime de servidão. Destas, 1,8 milhões estavam envolvidas em prostituição e pornografia e 1,2 milhões foram vítimas de tráfico no ano de 2000. PINHEIRO, Paulo Sérgio. Violência contra criança. Disponível em: <http:// www.unicef.pt/pagina_estudo_violencia.php>. Acesso em: 20 abr. 2010. 8 49 Revista Pró-Ciência O estudo da ONU também assinala que muitas crianças internadas em centros de detenção são frequentemente vítimas de atos de violência por parte dos funcionários das instituições, sob forma de castigo ou controle. Em 77 países os castigos corporais e outras formas de punições violentas são aceitos como medidas disciplinares legais em instituições penais. As marcas físicas, emocionais e psicológicas da violência podem ter sérias implicações no desenvolvimento da criança, na sua saúde e na capacidade de aprendizagem. Alguns estudos mostram que o fato de ter sofrido atos de violência na infância está relacionado com comportamento de risco no futuro (consumo de álcool, drogas, criminalidade etc.) e doenças como depressão, problemas cardiovasculares e até mesmo o suicídio9. Outro tipo de violência discutida na atualidade é o bullying. Não existe tradução direta para a palavra bullying. Nos ensinamentos de Lélio Braga Calhau (2009, p. 6), bullying “é um assédio moral, são atos de desprezar, denegrir, violentar, agredir, destruir a estrutura psíquica de outra pessoa sem motivação alguma e de forma repetida”. Segundo o mesmo autor, o bullying pode ser conhecido por outras expressões, entre elas: assédio moral, mobbing (Noruega e Dinamarca), mobbning (Suécia e Filândia), harassment (EUA), acoso (Espanha) e outras denominações. Lélio Braga Calhau (2009, p. 7) assinala que existem alguns critérios fundamentais para diferenciar o bullying de outras formas de violência e de brincadeiras próprias da infância e adolescência. Os critérios citados pelo autor são oriundos da pesquisa de Dan Olweus, na Universidade de Bergan, na Noruega, realizada no período de 1978 a 1993. Os critérios mais presentes são: ações repetitivas contra a mesma vítima num período prolongado de tempo; desequilíbrio de poder, o que dificulta a defesa da vítima; ausência de motivos que justifiquem os ataques. O autor acrescenta ainda que devem ser observados os sentimentos negativos e as sequelas emocionais sofridas pelas vítimas do bullying. 9 PINHEIRO, Paulo Sérgio, op. cit. 50 Revista Pró-Ciência Os participantes do bullying estão divididos da seguinte forma: agressores, vítimas, espectadores passivos e vítimas agressoras (grifos nossos). Nas palavras de Cleo Fante (2005, p. 73), o agressor é aquele que vitimiza os mais fracos (membro de família desestruturada, com pouco ou nenhum relacionamento afetivo, os pais exercem sobre eles uma orientação deficitária, existe por parte dos pais comportamentos agressivos ou violentos para solucionar conflitos); o agressor pode ter a mesma idade ou um pouco mais velho que suas vítimas; costuma ser alguém de mau-caráter, impulsivo e irrita-se com facilidade; custa a adaptar-se às normas; não aceita ser contrariado e pode valer-se de artimanhas nas avaliações. O agressor é considerado malvado e mostra pouca ou nenhuma simpatia com suas vítimas. Adota condutas antissociais, incluindo o roubo, o vandalismo, o uso de álcool e tem especial atração por más companhias. Enfim, os bullies são pessoas que gostam de poder e de controle. As vítimas do bullying, segundo a mesma autora, são geralmente eleitas pelos agressores como alvo de seus ataques. Assim, tais agressões não têm motivo específico. O alvo do bullying são alunos considerados pela turma como diferentes: os tímidos, retraídos, submissos, ansiosos, temerosos, com dificuldade de defesa, de expressão e de relacionamento. Além dessas características, Cleo Fante aponta outras como as doenças de raças, opção sexual, desenvolvimento acadêmico, sotaque, maneira de ser e de se vestir. Os alunos ou os profissionais que se destacam no meio, também são comumente “eleitos” para serem vítimas de bullying. Para Fábio Barbirato (2009, p. 7), o bullying tem efeito nefasto na educação e na autoestima de uma criança ou adolescente, agravado ainda mais em uma cultura social como a nossa, que estimula a ascensão de uns, em demérito de outros. Os agressores (bullies) praticam as agressões morais ou físicas; as vítimas servem de alvo dos ataques, os espectadores passivos são as testemunhas silenciosas que estabelecem relações com o(s) agressor(es) e a(s) vítima(s). Existem, também, as vítimas- 51 Revista Pró-Ciência agressoras. São pessoas que foram vítimas e se transformaram em agressores, ou seja, passaram a reproduzir o comportamento dos bullies que as agrediram. Em geral são aqueles que se munem de armas e explosivos e vão até a escola em busca de justiça. Usam da vingança matando o maior número de pessoas e por fim suicidam-se (FONTE; PEDRA, 2008, p. 60). O filme Elefante, de Gus van Sant, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, mostra com exatidão como a vítima de bullying pode se transformar em algoz: os meninos ridicularizados na escola como fracassados decidem metralhar os colegas de escola. Detalhe: o filme é inspirado em um caso real americano. O dia a dia nas escolas é marcado por vários tipos de violência oculta, como agressões físicas, bem como por “microviolências, ou seja, atos de incivilidade, humilhações e falta de respeito”. A violência tem como umas das causas as discriminações geradas por preconceitos de diversas ordens: condições socioculturais, identidades sexuais são motivos para brigas, humilhações e exclusões que ocorrem nas salas de aula e pátios de colégios (ABRAMOVAY; CUNHA; CALAF, 2010, p. 191). As autoras também comentam a violência de gênero (idem, p. 199), e alertam que as rotulações sociais passam pelas escolas. A homofobia, dessa forma, não é apenas representada por agressões, mas é também uma forma de obrigar as vítimas a ficarem na invisibilidade, ou seja, “no armário”, o único espaço legítimo da homossexualidade. [...] a auto-exclusão de homossexuais também aparece, especialmente como forma de defesa (ibidem, p. 203). Salientam as autoras que a segregação que fere a dignidade e gera baixa autoestima são reproduzidos tanto por alunos, quanto por professores. Os seguintes xingamentos contra homossexuais apontados como exemplos pelas referidas autoras: 52 Revista Pró-Ciência Biroba Bicha Barbie girl Boi de cana Gay Lacraia (em referência à drag queen carioca, dançarina de funk) Lagartixa (para lésbicas) Maria macho Maria João Mulherzinha Precioso Princesa Sapatão Viado Fonte: RITLA, pesquisa Revelando tramas, descobrindo segredos: violência e convivência nas escolas, 2008. Nota: Apelidos retirados das questões abertas do questionário e dos grupos focais. Allan L. Beane (2009, p. 53) avalia o papel da escola que muitas vezes não dá a devida atenção aos problemas do bullying, mesmo quando as crianças informam aos adultos sobre a situação. O autor relata o seguinte: “uma mãe me contou sobre um incidente no qual o aluno que cometeu suicídio deixou um bilhete, relacionando os nomes dos que o haviam maltratado, e a escola não fez nada para punir esse comportamento”. A pedofilia é outro tipo de violência a ser investigada com maior rigor. Embora não seja tipificada como crime pelo Código Penal brasileiro, hoje a conduta do pedófilo pode ser subsumida no delito de estupro de vulnerável, tipificado pela recente Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, na qual foi criado o art. 217 A -“Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos; Pena – reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.” Rogério Greco (2010, p. 621) entende que a pedofilia é um dos crimes que nos causam asco e nos fazem sentir repulsa. O autor ensina que o comportamento daquele que mantém relacio53 Revista Pró-Ciência namento sexual com crianças pode tranquilamente ser amoldado ao conceito de estupro de vulnerável. A jornalista Geralda Doca (2010, p. 5) afirma que a OIT, num relatório que é feito há quatro anos, demonstra que 115 milhões de meninos e meninas estão “submetidos às piores formas de trabalhos, que violentam os direitos fundamentais da criança (em atividades expostas a riscos), como pedir esmolas, tráfico de drogas, exploração sexual e outros atos ilícitos.” No campo da legislação, Andreucci (2010, p. 81-82) ensina que o Estatuto da Criança e do Adolescente é um diploma legal que está em conformidade com a Convenção sobre Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989. O autor, ao relatar um breve histórico sobre as doutrinas referentes a menores, aponta a Doutrina do Menor em Situação Irregular, a Doutrina do Direito Penal do Menor, que inspirou o Código Criminal do Império (1830), o primeiro Código Penal Republicano (1890) e o Código de Menores (1927). O primeiro Código de Menores brasileiro assinalava apenas medidas aplicáveis aos menores de 18 anos pela prática de fatos considerados infrações penais. Além disso, introduziu normas de proteção do menor em situação irregular, ao estabelecer medidas de assistência ao menor abandonado e proibir o trabalho do menor de doze anos e trabalho noturno ao menor de 18 (dezoito) anos. Em 1979, é publicada a Lei nº 6.697, intitulada Código de Menores, que adota nos seus dispositivos a doutrina do menor em situação irregular, embora existam tratados inspirados na Doutrina da Proteção Integral. A proteção se estendia ao menor carente, abandonado, infrator, bem como aquele que estivesse em situação irregular. No ano de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em Paris, estabelecia o direito, cuidados e assistências especiais aos menores. Na mesma esteira, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, assinala que toda criança 54 Revista Pró-Ciência tem direito às medidas de proteção requeridas por sua condição de menor. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com base na Doutrina da Proteção Integral que visa a tornar crianças e adolescentes sujeitos de direitos semelhantes aos adultos, apresenta sua origem no art. 3º, que dispõe o seguinte: A criança e o adolescente gozem de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. 3.1.1 - Casos concretos A seguir são transcritos alguns fatos narrados em boletins de ocorrência, que servem para melhor ilustrar a crueza dos casos analisados durante a pesquisa: OCORRÊNCIA 238/2011 – ESTUPRO DE VULNERÁVEL Fato comunicado em sede policial pela mãe da menor vítima, acerca das condutas do padrasto. Procedimento ainda na fase de verificações das informações, visando a conclusão em tempo próximo. Nomes retirados da dinâmica para manter-se o sigilo das partes envolvidas, podendo ser revelado caso se faça contato e entrevistas pessoais no sentido da pesquisa. 55 Revista Pró-Ciência Dinâmica “Trata-se de comunicação de ESTUPRO DE VULNERÁVEL, comunicado pela mãe da menor vítima, em desfavor do marido. Informa que é casada há 5 anos, mas a menor vítima não é filha dele. Informa que ontem, durante o banho, sua filha contou que por algumas vezes seu padrasto teria mexido “nas partes dela”, referindo-se a genitália feminina da menor, tendo ele ainda mandado ela mexer “nas partes dele”. Informa que conversou com ele já à noite, não tendo ele negado ou confirmado, apenas começado a chorar. Pelo fato resolveu efetuar a comunicação, recebendo ciência da necessidade de fazer os exames no IML e no Centro de Prevenção à Saúde da Criança e Adolescente, visando corpo de delito e laudo psicossocial. Comunicante ficou ciente das medidas protetivas da Lei 11.340/2006, mas afirmou não ter interesse em pedir neste momento, alegando que possui um filho com o marido e assim não desejar o afastamento judicial. Desta forma lavra-se a comunicação.” OCORRÊNCIA 179/2011 – ESTUPRO DE VULNERÁVEL Fato comunicado em sede policial pelo Conselho Tutelar, acerca das condutas da mãe e do padrasto. Nomes retirados da dinâmica para manter-se o sigilo das partes envolvidas, podendo ser revelado caso se faça contato e entrevistas pessoais no sentido da pesquisa. Dinâmica“Ocorrência de ESTUPRO DE VULNERÁVEL e AMEAÇA confeccionada em conjunto com o CONSELHO TUTELAR DE BELFORD ROXO, estando presente a Conselheira de Plantão. As menores chegaram hoje 24/01/2011 em sede policial com a avó para comunicação, mas já estão sob atendimento do conselho tutelar desde quinta-feira, dia 20/01/2011, estando hoje a conselheira presente para acompanhar a ocorrência e retirar as guias de exame de corpo de delito. A informação é de que as menores chegaram na casa da avó em 20/12/2010, mas somente 30 dias depois o conselho foi comunicado, tendo logo então encaminhado para registro de ocorrência. As duas meninas relatam que o PADRASTO abusava sexualmente delas (tendo as menores 12 e 11 anos de idade), tendo até mesmo tido conjunção carnal com a mais velha. Relatam ainda que o casal proferiu ameaça de morte às menores, caso contassem algo para alguém e falassem no assunto. Pelo fato foi gerada a presente comunicação, tendo a avó assinado como representante-legal e a conselheira como testemunha de comunicação. Foram geradas as guias do IML. Conselho informa que já foram gerados os devidos encaminhamentos, sendo neste momento gerados os encaminhamentos da DEAM ao novo NACA (CASCA), bem como ao Hospital da Posse e ao IML para exames, entregues à conselheira, para juntada aos demais já confeccionados. Cadastradas medidas protetivas perante a mãe e o padrasto, para encaminhamento ao forum.” 56 Revista Pró-Ciência Maio de 2010 – 00802/2010 Delito de ESTUPRO DE VULNERÁVEL que fora levado ao conhecimento do Estado através da genitora da vítima que contava com 6 (seis) anos de idade, apontando o pai da criança como autor da conduta delituosa, acerca de fatos provavelmente ocorridos em datas diversas do ano de 2009, meses antes do comparecimento em sede policial. Segundo a representante-legal, somente ficou sabendo dos fatos no final de semana que esteve na delegacia, justificando-se que foi somente neste momento de separação que sua mãe e sua empregada contaram do que sabiam, informando-a que a menor teria sido molestada sexualmente pelo pai durante os momentos em que com ela ficava sozinho, especialmente durante os banhos. A menor relatou à avó e à empregada algumas condutas do pai, como o dia em que durante o banho, ambos pelados, teria ele “passado o lulu em seu bumbum, desculpando-se dizendo ter confundido com o sabonete”. Em outro momento teria ele “colocado as mãos da vítima em seu lulu, que era grande e duro”. Contou por fim que seu pai “machucava sua xoxota e ficava gemendo com a boca”. Ouvida a empregada, contou que ouvira os fatos diretamente da criança, complementando ainda com mais um dado, que o pai “beijava sua xoxota”, sendo “xoxota” o termo usado pela vítima para referir-se a seu órgão genital. Relatou por fim que a menor, em companhia de seu filho da mesma idade, em um dia em que brincavam na piscina, teria dito “seu filho tem um lulu pequeno, o do meu pai é grande e duro, eu já coloquei a mão”. Ouvida a avó, confirmou também em declarações o que a neta havia contado, justificando não terem falado antes para sua filha, pois, poderiam sofrer algum tipo de represália do imputado autor, enquanto ele ainda morava sob o mesmo teto de sua filha, mãe da menor. O pai e acusado pelo crime esteve presente após solicitação e tomou ciência do conteúdo do procedimento, sobre o qual passou a relatar. Demonstrou-se extremamente surpreso com o que lhe estava sendo imputado, negando veementemente ter tido qualquer contato físico com teor sexual em relação a sua filha. Em declarações, confirmou porém que ficava sozinho com a menina e lhe dava banhos em algumas ocasiões, mas justificando-se ter feito a conduta normal de um pai qualquer. A menor encontra-se sob atendimento psicossocial de um grupo de apoio oficial existente na Baixada Fluminense, local em que está tendo a atenção necessária para dirimir a problemática do caso em tela, não havendo ainda laudo final sobre os atendimentos. O AECD (auto de exame de corpo de delito) deu negativo para conjunção carnal e negativo para ato libidinoso. A justiça, baseada na Lei 11.340/2006, decretou a medida protetiva de proibição de aproximação, até que se finalize os autos e se esclareça a verdade real ainda pendente. 57 Revista Pró-Ciência Dezembro de 2009 – 01983/2009 Delito de ESTUPRO DE VULNERÁVEL, sendo 3 (três) vítimas menores, irmãs, filhas da então comunicante. Uma de 9 anos, outra de 7 anos e a mais nova de 6 anos de idade. O imputado autor é o marido da avó das meninas, considerado como um verdadeiro avô consangüíneo. Em comunicação, disse que sabia do fato há 2 (dois) meses, mas não o fez visando a não exposição das crianças em processo judicial, apesar de saber que se trata de processo indisponível a sua vontade, apesar de ser a mãe, pelo fato de a lei assim determinar. Esclareceu que o Conselho Tutelar recebeu uma “denúncia anônima”, motivo de seu comparecimento no órgão citado, onde recebeu o encaminhamento para registrar os fatos e abrir a ação competente. As menores contaram à mãe que o “avô” nunca “enfiou” nada nelas, mas sempre passava as mãos pelo corpo das crianças e também lhes passava “algo duro”. Em sede policial, porém, contaram que teria ocorrido penetração e contato sexual em si, dizendo ainda que os fatos ocorriam em momentos em que tinham de ficar a sós com o avô, no interior da residência. Após o comparecimento, o imputado autor negou todas as acusações, justificando ter para mais de 20 netos e nunca ter sido “acusado” de nenhum fato ilícito contra qualquer um deles, não entendendo o porquê de estar sendo “acusado” pelas menores. Disse que saiu do local e está residindo em casa diversa, até que se esclareçam os fatos. As crianças encontram-se sob atendimento psicosocial de um grupo de apoio oficial existente na Baixada Fluminense, local em que está tendo a atenção necessária para dirimir a problemática do caso em tela, não havendo ainda laudo final sobre os atendimentos. Os AECD´s (auto de exame de corpo de delito) deram negativo para conjunção carnal e negativo para ato libidinoso. Não foi solicitado o pedido de medida protetiva pela representante-legal. 3.2 - Mulheres A violência doméstica, ou a violência de gênero contra a mulher foi tolerada por muito tempo, em nome da autoridade cultivada pela sociedade machista. Segundo a presidente do Conselho 58 Revista Pró-Ciência Estadual dos Direitos da Mulher de Mato-Grosso Ana Emília Iponema Brasil Sotero (2010, p. 1), o Estado, em geral, reluta para entrar na privacidade familiar. Porém, com os direitos constitucionais de igualdade de gênero entre homens e mulheres, é de fundamental importância a preservação dos direitos individuais no interior da família. A autora considera a violência doméstica como um atentado aos direitos humanos. Para Saffioti (2004, p. 44), a violência de gênero “teoricamente engloba tanto a violência de homens contra mulheres quanto a violência de mulheres contra homens, uma vez que o conceito de gênero é aberto”. Já Andreucci (2010, p. 616) assevera que a violência de gênero é uma das formas mais preocupantes de violência, pois, na maioria das vezes, ocorre no seio familiar, local onde deveriam imperar o respeito e o afeto mútuo. O Brasil, a Espanha e a Mongólia estão entre os países de legislação mais avançada no mundo para coibir este crime, segundo relatório anual do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas Para a Mulher da Organização das Nações Unidas (UNIFEM/ONU) de 2008 a 2009. Como antecedentes da Lei Maria da Penha, podemos apontar a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará em 1994 – promulgada pelo Decreto n° 1.973/1996). Em 2002, o Brasil tornou-se signatário da Convenção para Eliminação de Todas as Formas de discriminação contra as mulheres, promulgada pelo Decreto n° 4.377/2002. Nas palavras de Sotero (2010, p. 1), ocorreu verdadeira articulação das mulheres brasileiras para a redação do documento reivindicatório para a IV Conferência Mundial das Nações Unidas (18 de dezembro de 1979) sobre a mulher, realizada em Beijing, China. Foram realizados 91 eventos, envolvendo mais de 800 grupos femininos em todo o País. A Conferência em Beijing marcou o reconhecimento definitivo do papel social e econômico da mulher, consagrou todas as conquistas das mulheres; sobretudo o princípio da universalidade 59 Revista Pró-Ciência dos direitos humanos e o respeito à especificidade das culturas. O Presidente Lula sancionou 7 de agosto de 2006 a Lei nº 11.340, a Lei denominada Maria da Penha, criando mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Necessário mencionar que Maria da Penha Fernandes, de acordo com Andreucci (2010, p. 616), era uma biofarmacêutica residente em Fortaleza, Ceará. No ano de 1983 ela foi vítima de tentativa de homicídio pelo marido, à época, professor da Faculdade de Economia, Marco Antônio H. Ponto Viveiros. A vítima recebeu um tiro nas costas que a deixou paraplégica. Condenado em duas ocasiões, o réu não chegou a ser preso. Maria da Penha, indignada com a situação, procurou auxílio de organismos internacionais, culminando com a condenação do Estado brasileiro, em 2001, pela Organização dos Estados Americanos (OEA), por negligência e omissão em relação à violência doméstica, recomendando a tomada de providência a respeito do caso. Andreucci (2010, p. 621) explica as formas de violência doméstica e familiar de acordo com o art. 7º da Lei Maria da Penha: a) violência física – que compreende como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal; b) violência psicológica – trata-se de conduta que causa dano emocional e diminuição de autoestima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento. Alguns atos podem causar a violência psicológica: humilhação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que possa causar prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; 60 Revista Pró-Ciência c) violência sexual – significa qualquer conduta que visa a constranger da vítima a presenciar, a manter ou participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, coação ou uso da força. Engloba nessa violência o ato do sujeito ativo induzir a vítima a comercializar sua sexualidade, que impeça de usar qualquer método contraceptivo e atos que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais; d) violência patrimonial - é aquela na qual o agressor usa de conduta com objetivo de reter, subtrair, destruir parcial ou total seus objetos, instrumentos de trabalhos, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; e) violência moral – trata-se de qualquer conduta que possa ser subsumida como crimes de calúnia, difamação ou injúria. Importante ressaltar que, pelo Princípio da Especialização, a Lei da Violência Doméstica e Familiar contra a mulher estabelece, no art. 14, a criação, pela União, no Distrito Federal e Territórios, e pelos Estados, dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária, com competência cível e criminal (integram a Justiça Comum Estadual) para processo, julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar. Além disso, a Lei prevê que os atos poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária (ANDREUCCI, 2010, p. 626). Para Ângela Weber e Gina Costa Gomes (2010, p. 92), a Lei Maria da Penha representa um marco importante de proteção integral em relação à integridade física, moral, intelectual e emocional. No entanto, são necessários meios para a devida efetiva- 61 Revista Pró-Ciência ção da Lei. Para elas, “o enfrentamento da violência de gênero contra a mulher poderá contribuir não só para instrumentalizar ações efetivas nesse campo, como para aperfeiçoar as medidas já existentes”. 3.2.1 - Casos concretos Neste tópico são relatados alguns casos de violência doméstica contra mulheres. Novembro de 2009 – 01744/2009 LESÃO CORPORAL comunicada em final do mês de Novembro de 2009, imputando o fato ao namorado, com quem se relacionava há 4 (quatro) anos seguidos. Em declarações contou que já fora agredida por 4 (quatro) vezes, tendo na última vez, antes da comunicação, seu namorado quebrado sua mandíbula durante uma série de agressão física praticada dentro de sua casa. Disse que nunca efetuou comunicação e nunca fez a abertura formal de processo por temer seu consorte, mas que desta vez daria uma finalização na relação e no comportamento doentio de seu namorado. Apresentou o filho como testemunha de todos os ocorridos e em especial, do fato recente comunicado. Solicitou ordem de afastamento e proibição de aproximação à justiça, pedido este devidamente entregue na Vara de Violência Doméstica por jurisdição, ficando o pedido sob análise do juízo a quo. Ouvido o namorado, confirmou as agressões atuais e passadas, justificando o comportamento agressivo dizendo que a vítima assim também age. Na mesma semana, a comunicante retornou em sede policial solicitando o arquivamento do procedimento, não desejando mais o seguimento do feito na justiça, alegando motivos pessoais. Contudo, recebeu ciência do Artigo 16 da Lei 11.340/2006, que a renúncia não pode ser efetuada em sede policial e tão somente em juízo, após ouvido o MP e em audiência especialmente marcada para este fim. O AECD foi entregue pelo IML com informação positiva para agressão física. 62 Revista Pró-Ciência Dezembro de 2009 – 01851/2009 A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro apresentou o casal em sede policial, com a informação de AMEAÇA DE MORTE do homem para com a mulher. A mulher contara que o ex-companheiro era um homem violento, tendo assim fugido e passado a residir em local para ele não informado, contudo, pelo comportamento doentio acabou descobrindo a moradia e lá comparecido, proferindo então as ameaças citadas em termos. Não havia contudo testemunhas oculares, somente o casal. Fora lavrado o registro e instaurado o devido inquérito policial, ficando a vítima ciente de que deveria em data marcada em mandado, apresentar a testemunha citada em seu termo, para instruir os autos e o pedido de afastamento do ex-companheiro. Mulher fez a solicitação de medida protetiva em ocorrência, contando já haver ocorrências passadas durante os anos de relacionamento, sem contudo poder informar o destino de cada procedimento, justificando não ter ido ver e nunca ninguém ter avisado acerca do andamento. Passados dias sem o comparecimento e sem a justificativa da mulher comunicante, foi então um contato efetuado com a casa de parentes, quando então passaram a informação de que o casal, novamente juntos, estavam passeando em cidade do litoral. O procedimento continua pendente para apresentação da testemunha intimada. Em suas declarações relatou ainda que o marido era uma pessoa violenta e já havia matado uma pessoa há 17 anos atrás, após uma briga e ser também contrariado. Disse que tal fato ocorrera no estado do Pará, mas não cedeu maiores detalhes, somente que fugiram para o Rio de Janeiro, sem ele ser identificado pela polícia, ficando impune à ação penal. Complementou dizendo que já havia sofrido TENTATIVA DE HOMICIDIO anterior, quando durante uma discussão doméstica o marido, novamente com uma faca, desferiu um golpe contra a comunicante, tendo porém uma vizinha entrado na frente, pegando nela a facada direcionada à mulher, dizendo por fim que a vizinha não morreu. Especificamente foi perguntado o porquê de ter mantido o relacionamento apesar a primeira tentativa de homicídio, tendo pensado por alguns momentos e dito não saber responder. Foi ainda perguntado se houve procedimento criminal sobre o segundo fato e se procurou orientação jurídica ou a delegacia de polícia, respondendo que fugiram do local, a comunicante com o marido e as crianças, não tendo assim sequer pensado em procurar uma delegacia e denunciar seu marido, mantendo a união. A filha foi ouvida em declarações e confirmou os fatos narrados. 63 Revista Pró-Ciência O autor prestou declarações posteriormente, alegando que havia uma desconfiança de estar sendo traído, apesar de estar separado, dizendo ainda que no dia da tentativa de homicídio encontrou um homem na casa, o que o deixou transtornado e cego, confirmando que tentou por fim matar a mulher, mas parou ao ver a filha se aproximar, quando então correu do local para não ser preso. A vítima e a filha desmentem a presença de um homem no local. Novembro de 2009 – 01815/2009 HOMICÍDIO TENTADO. Mulher vivia há 22 anos com o companheiro, com quem tinha filhos. Estava separada nos últimos 2 meses, mas ele continuava a freqüentar a casa da ex-companheira, sob alegação de visita aos filhos, apesar da vontade contrária da mulher. No dia da tentativa de homicídio, o homem insistiu em ter com a mulher uma conversa sobre a união de 22 anos e iniciou uma vontade interna de voltar e manter o relacionamento, restabelecer a relação na casa outrora familiar. A vítima informou que não estava desejosa de ter aquela conversa, pois em sua cabeça já estava com a situação resolvida, quando então, por insistir em não conversar com o homem, veio a ameaça de morte verbal “então eu vou matar você”. A mulher disse que o homem foi até a cozinha e voltou com uma faca nas mãos, conseguindo lhe desferir um golpe pelas costas. A vítima gritou, o que alertou uma das filhas, 15 anos de idade, tendo ela chegado até o local em que os pais estavam, vendo ainda o pai correr da casa com a faca nas mãos, ajudando então no socorro da mãe ao hospital mais próximo, para procedimentos. 64 Revista Pró-Ciência Agosto de 2010 – 01325/2010 LESÃO CORPORAL POR VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. Relatou relacionamento de 8 (oito) anos com o homem, afirmando que já havia sofrido muitas agressões físicas, além de fatos verbais. Em especial disse que já havia comparecido em sede policial antes da comunicação de Agosto/2010, mas que sempre desistiu de dar início ao procedimento penal, justificando que seria para não vir a prejudicar o companheiro, autor das agressões, que foram baseadas em socos e chutes, levando até mesmo a comunicante a desmaiar em dado momento do ocorrido. Fora questionada como poderia, como vítima, prejudicar seu companheiro, pois ela própria estava sendo prejudicada, tendo respondido para não prejudicar com processo e anotação na ficha criminal devido a trabalhos do companheiro. Agosto de 2009 – 01226/2009 LESÃO CORPORAL POR VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. Mais uma vítima que relatou desmaio pelas agressões sofridas, bem como não sendo o primeiro evento, tendo esta 5 (cinco) anos de relacionamento. A vítima foi questionada sobre o número de vezes que já sofreu agressão física, tendo respondido ter sido entre 5 (cinco) e 10 (dez) vezes, não se lembrando ao certo. Menos de 30 dias depois, após não ter o autor comparecido na delegacia, mesmo sendo intimado, foi efetuada uma ligação telefônica para o autor, quando então a própria vítima atendeu a ligação, esclarecendo que havia mantido o relacionamento. Menos de 2 (dois) meses depois, a comunicante/vítima compareceu de forma espontânea na delegacia e solicitou atendimento. Durante o novo atendimento relatou que estava em sede policial com o objetivo de arquivar o processo, demonstrando o desejo de não mais seguir com o procedimento iniciado. Contudo, tomou ciência de que seu processo não poderia ser parado na delegacia de polícia e que a Lei 11.340/2006 permitia a renúncia em juízo, contudo, em audiência especificamente destinada para esta finalidade, após ouvido o Ministério Público e antes do órgão oferecer a denúncia, peça inicial da fase judicial do procedimento, quando então não mais poderia parar o feito. Deixou a sede policial cientificada da legalidade procedimental. 65 Revista Pró-Ciência Agosto de 2009 – 01168/2009 LESÃO CORPORAL POR VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E AMEAÇA DE MORTE. A condição especial desta vítima foi sua declaração que estava há 8 (oito) anos tentando dar fim ao relacionamento. Disse então que há 8 (oito) anos tenta acabar com o namoro, afirmando não conseguir, alegando para tal as ameaças constantes que vem sofrendo ao longo dos tempos. Mais uma vítima que relatou agressões passadas e até mesmo com desmaios a até mesmo um chute em seu órgão genital, o que causou complicações inflamatórias sérias. O autor, intimado e ouvido, negou todas as acusações lhe imputadas, contudo, testemunhas foram ouvidas e confirmaram a versão contada pela vítima. 3.3 - Idosos O Estatuto do Idoso, Lei n° 10.741, de 1º de outubro de 2003, adotou, segundo Andreucci (2010, p. 366), a doutrina da proteção integral. O Estatuto abandona o sistema de fornecimento de eficácia, próprio do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código de Defesa do Consumidor, para proteger em tipos penais autônomos, bens jurídicos relevantes como a vida, a integridade física, a saúde, a liberdade, a honra, a imagem, o patrimônio do idoso, que é considerada a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. Foi tipificado o abandono do idoso em hospitais, casas de saúde, entidade de longa permanência, ou congêneres. Da mesma forma, merece destaque especial à omissão de socorro ao idoso, cujo crime está tipificado no art. 97. A integridade física é bem jurídico tutelado no Estatuto, visando a proteger o idoso com idade igual ou superior a 60 anos a “condições desumanas ou degradantes”, ou quando obrigado a fazê-lo, “privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis”, bem como “sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequado”. Esse crime recebe qualificação do legislador se dele decorrer morte ou lesão corporal de natureza grave. O patrimônio do idoso é protegido pela nova Lei, quando 66 Revista Pró-Ciência este “sem discernimento de seus atos” for induzido a “outorgar procuração para fins de administração de bens ou deles dispor livremente”. Segundo Andreucci (2010, p. 367), o Estatuto do Idoso modificou vários artigos do Código Penal e da legislação especial, sempre visando à proteção integral à pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. O Ministério Público tem poder fiscalizador sobre a violência contra idosos, além disso, “o agente que impedir ou embaraçar ato do representante do Ministério Público ou de qualquer agente fiscalizador” pode ser criminalmente responsável, imputando-lhe a pena de seis meses a um ano de reclusão e multa (art. 109). 3.3.1 - Casos concretos São relatados alguns casos de violência a idosos e o registro para o encaminhamento do processo: COMUNICAÇÃO EM 02/09/2009 Título da Ocorrência: Estupro Denúncia anônima à Ouvidoria Geral que ensejou o processo onde o noticiante informa que a idosa de 81 anos, doente mental e usuária de remédios para dormir, estaria sofrendo abuso sexual por parte do filho que reside com ela, pois ele manteria relações forçadas com a mãe. Além disso, informa que os outros filhos da idosa, que também residem com ela seriam alcoólatras e nada auxiliariam a mãe, o que contribui para a aparência de poucos cuidados que ela apresenta. Fato ocorrido no Bairro de Vila da Penha, área da 27ª DP. 67 Revista Pró-Ciência Título da Ocorrência: Discriminar Pessoa Idosa - Ameaça Comunica a idosa e vítima que o seu filho, em 29 de setembro do presente ano, por volta das 19:00 h ofendeu-a dizendo para ela:”SUA MALUCA, SUA DOIDA, VOCÊ NÃO VALE NADA, VOCÊ NÃO PRESTA, TODA A VIZINHANÇA JÁ LHE CONHECE, EU SOU HERDEIRO E NINGUÉM ME TIRA DAQUI !”, além de dizer também: “SEU EU SAIR DAQUI A SENHORA VAI SE ARREPENDER !”. Não houve testemunhas do fato, que ocorreu na residência da comunicante, localizada em Padre Miguel, circunscrição da 34ª DP e do XVII JECRIM. Segundo a comunicante as ofensas por parte de seu filho são constantes e sempre ocorrem quando ele está alcoolizado e o mesmo em outras ocasiões já disse para ela:”VAI SE FUDER, VAI TOMA NO CÚ!”. A comunicante deseja utilizar as medidas protetivas que a lei lhe faculta. COMUNICAÇÃO EM 14/10/2010 Título da Ocorrência: Discriminar Pessoa Idosa - Ameaça Narrou a comunicante/vítima, residente à Avenida Marechal Fontenelle, localidade Vila Malet, bairro Jardim Sulacap, município do Rio de Janeiro, que no dia 13/10/2010, cerca das 21h, foi mais um a humilhada e ameaçada por seu filho e pela esposa deste. A comunicante disse não mais suportar as humilhações e ameaças de seu filho e da nora. Área da 33ª D. P. COMUNICAÇÃO EM 12/02/2010 Título da Ocorrência: Estatuto do Idoso A vítima compareceu nesta Especializada comunicando que seu filho de criação contraiu empréstimo no Banco Itaú em nome da comunicante sem autorização, e tem utilizado o cartão bancário da comunicante, bem como entrou em um consórcio para a aquisição de um automóvel, sendo que no que diz respeito ao consórcio, a comunicante conseguiu cancelar a compra. COMUNICAÇÃO EM 04/02/2010 Título da Ocorrência: Estatuto do Idoso Narrou a comunicante que sua mãe [...], nesta data com 76 anos de idade e residente na localidade de Gardenia Azul, bairro Jacarepaguá, está sendo vítima de desvio de seu benefício, no valor aproximado de R$5.200,00 (cinco mil e duzentos reais) mensais, por parte do irmão da comunicante. Área da 32ª DP. 68 Revista Pró-Ciência COMUNICAÇÃO EM 08/03/2010 Título da Ocorrência: Estatuto do Idoso A comunicante comparece para informar que sua mãe, de 80 anos de idade, está sem alimentação em sua casa, pois a irmã da comunicante está de posse de todos os documentos da idosa , inclusive do cartão de benefícios dela. Segundo a comunicante, sua irmã está com a curatela provisória do irmão deficiente, de 56 anos de idade, cujo prazo termina em fins deste mês, início de abril; a idosa que antes se alimentava com “quentinhas” que eram entregues na sua casa, agora não tem o que comer, pois a filha interrompeu o pagamento das quentinhas e disse à pessoa que as entregava que não mais o fizesse, pois ela mesma faria, fato que não está ocorrendo; por outro lado a comunicante tenta levar comida de sua casa, uma vez que reside próximo, mas a mãe, por estar depressiva, devido a ausência do filho, não aceita a comida. A comunicante teme pelo bem estar de sua mãe e já tentou levar a mãe para sua casa, mas esta foge e retorna para a dela. COMUNICAÇÃO EM 08/03/2010 Título da Ocorrência: Estatuto do Idoso A comunicante comparece para informar que sua mãe, de 80 anos de idade, está sem alimentação em sua casa, pois a irmã da comunicante está de posse de todos os documentos da idosa , inclusive do cartão de benefícios dela. Segundo a comunicante, sua irmã está com a curatela provisória do irmão deficiente, de 56 anos de idade, cujo prazo termina em fins deste mês, início de abril; a idosa que antes se alimentava com “quentinhas” que eram entregues na sua casa, agora não tem o que comer, pois a filha interrompeu o pagamento das quentinhas e disse à pessoa que as entregava que não mais o fizesse, pois ela mesma faria, fato que não está ocorrendo; por outro lado a comunicante tenta levar comida de sua casa, uma vez que reside próximo, mas a mãe, por estar depressiva, devido a ausência do filho, não aceita a comida. A comunicante teme pelo bem estar de sua mãe e já tentou levar a mãe para sua casa, mas esta foge e retorna para a dela. COMUNICAÇÃO EM 30/03/2010 Título da Ocorrência: Estatuto do Idoso A neta comparece para comunicar que sua avó, idosa de 93 anos de idade, teve seus bens e rendimentos utilizados por um dos filhos dela, aproximadamente desde 2003, quando este vem se utilizando de procurações e renovando-as para movimentar a conta bancária dela e até a venda do único imóvel da idosa. As pensões da idosa somam um total de aproximadamente R$ 22.000,00 e o imóvel foi vendido por R$ 330.000,00 e ainda segundo a comunicante informa e de acordo com os contra cheques da idosa, há empréstimos num total aproximado de R$ 220.000,00. 69 Revista Pró-Ciência COMUNICAÇÃO EM 10/05/2010 Título da Ocorrência: Abandonar Idoso. Trata-se de expediente oriundo do MPRJ em que denuncia maus-tratos a idosa de 80 anos de idade, residente em Pilares - RJ, praticado pela filha. Menciona que a idosa mora sozinha e possui doença gravíssima no joelho direito que impede sua locomoção. Ela não está em sã consciência e sofre de esquecimento. A denunciada não toma postura para cuidar da mãe, inclusive não a visita. Permite que sua progenitora fique sem alimentação e com roupa suja de fezes e urina. A idosa não toma a medicação diária, possui pensão, mas não se sabe quem administra. COMUNICAÇÃO EM 10/05/2010 Título da Ocorrência: Estatuto do Idoso. Trata-se de expediente oriundo do MPRJ em que a denunciante comunica que a idosa vítima estaria sofrendo maus-tratos por parte de sua neta, e, estaria tendo seus proventos desviados pelo pai da neta, genro, além de sofrer xingamentos e a ser mantida em cárcere privado. Fato ocorrido no Maracanã. ÁREA DA 18ª DP. COMUNICAÇÃO EM 10/05/2010 Título da Ocorrência: Estatuto do Idoso. Comunica ocorrência de abandono e desprovimento. Informa que desde maio de 2009, encaminhou sua mãe em estabelecimento de repouso para idosos, providência tomada em acordo com seu único irmão, de forma que dividissem os custos da clínica. Esclarece que todos os pagamentos referentes à sua cota ideal, qual seja 50%, foi entregue pela comunicante ao seu irmão, mas que este apoderou-se das quantias, efetuando apenas pequenos pagamentos, no sentido de ganhar tempo e esconder o que acontecia à comunicante. Esclarece que a partir de junho do corrente, o engodo veio à tona, pois a comunicante foi chamada naquele estabelecimento de repouso, e cientificada de um débito da ordem de R$ 15.000,00. Diante de tal situação, o comunicante assumiu a dívida oriunda de sua cota parte não cumprida, prontificando-se a, doravante, efetuar os depósitos em dia. Entretanto, seu irmão até hoje não efetua os pagamentos acordados em sua totalidade, o que acarreta em uma “bola de neve “ de dívidas, causando transtornos à toda a família, sobretudo ao bem estar de sua mãe idosa. Que não admite esta situação de descaso e abandono por parte de seu irmão. 70 Revista Pró-Ciência 4. Metodologia, universo da pesquisa e população-alvo A pesquisa é qualitativa, na qual consta a investigação da legislação e da casuística em livros, revistas especializadas e jornais. O Curso de Direito da Universidade Iguaçu promoveu palestra sobre a temática na qual professores e alunos pesquisadores apresentaram os primeiros resultados da pesquisa, mediante um relatório parcial. A seguir, tomando por respaldo a pesquisa bibliográfica, os pesquisadores/alunos partiram para a pesquisa de campo, tomando como fonte inquéritos, procurando sempre preservar o anonimato das vítimas. Aliás, muitos processos correm em segredo de justiça, logo, fica proibida a divulgação de nomes de autores e vítimas. Cabe destacar que os inquéritos policiais e atendimentos realizados incluem: a comunicação do fato através do registro de ocorrência, das solicitações técnicas efetuadas ao Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (IMLAP), a juntada das peças técnicas recebidas meses depois da comunicação, as declarações posteriores de testemunhas e de imputados autores dos crimes comunicados e a confecção de relatório final de inquérito, que remete o procedimento ao Ministério Público Estadual para análise. O universo do presente estudo é a Baixada Fluminense, local onde está a sede da Universidade Iguaçu (UNIG), especificamente no município de Nova Iguaçu, e Copacabana, o qual, conforme já mencionado, é o bairro da cidade do Rio de Janeiro que possui maior número de idosos no Brasil, no qual foi criada uma Delegacia Especializada para Idosos. A população-alvo estudada é formada por crianças, mulheres e idosos que foram vítimas de violências durante o período de dois anos, entre janeiro de 2008 a janeiro de 2010. 71 Revista Pró-Ciência 5 Análise dos resultados e considerações finais A primeira fase do projeto envolveu a revisão teórica sobre doutrina jurídica e áreas afins, em livros, revistas, jornais e artigos publicados na internet. O Curso de Direito da UNIG promoveu palestra sobre a temática no dia 16 de setembro de 2011, às 14 horas, no auditório do bloco K da Universidade Iguaçu, para apresentar uma comunicação sobre a pesquisa, com a participação de professores e alunos bolsistas envolvidos no projeto. O evento foi amplamente divulgado aos alunos da IES e comunidade de forma geral. Na análise exploratória realizada em campo avaliamos 100 comunicações de ocorrências referentes a 2009, 2010. Identificamos 21 comunicações nas quais foi revelada a existência das vítimas invisíveis: crianças, mulheres e idosos. Tais comunicações foram relatadas acima, nos quais colocamos grifos para demonstrar que a vítima passou algum tempo na invisibilidade até a “denúncia” à Polícia. São vítimas que sofreram por longo tempo vários tipos de violências. No entanto, preferiram ficar caladas, ou não tinham condições de denunciar à polícia, sobretudo crianças e idosos. A violência oculta, não faz parte das estatísticas oficiais, tem como sujeitos tais vítimas, que muitas vezes não têm consciência plena da própria situação. Os dados da pesquisa revelam que, na violência contra criança, a ausência de denúncia da agressão à polícia se deve ao fato de a vítima ou familiares terem medo do agressor. A revelação ou “denúncia” seria motivo para novas agressões. Além disso, observa-se um protecionismo por parte das mulheres em relação aos padrastos, parentes ou maridos que praticam atos de violência sexual. A pesquisa sobre violência doméstica revela que a vítima demora a comunicar o fato às autoridades competentes. Algumas delas quando comunicam os fatos, dias ou meses após retornam a coabitar novamente com o agressor. A omissão das mulheres vítimas de violência doméstica ocorre devido à esperança de que 72 Revista Pró-Ciência o agressor possa mudar seu comportamento ou por medo de novas agressões. Com relação à vitimização dos idosos, se constatou que, na maioria dos casos, devido a problemas de saúde e idade avançada, eles não revelam as agressões às autoridades. Assim, as denúncias são geralmente feitas de forma anônima por parentes e vizinhos. Ficou evidenciado que os agressores são os próprios parentes. Os relatos não registram opiniões sobre o trabalho da polícia, nem do Judiciário. Possivelmente, esses dados só seriam revelados em entrevistas com as vítimas das agressões, trabalho praticamente impossível diante da obrigatoriedade de sigilo. Cabe ressaltar que as políticas públicas para controlar esses tipos de violência estão, primeiramente, no campo educacional. As escolas devem adotar um sistema de apoio psicopedagógico no sentido de alertar pais e autoridades sobre crianças vítimas de violência. A escola é onde a criança passa grande parte do tempo e é o local no qual ocorre parte dessas violências. Porém, os próprios professores vêm sendo vítimas de violência por parte dos alunos. O medo e a impunidade também imperam nas escolas. A denúncia dos agressores deve ser incentivada pelas autoridades competentes. Os julgamentos devem ser rápidos. A Polícia, o Ministério Público e o Judiciário devem adotar um intercâmbio para agilizar as ações para punir e proteger tais vítimas. 73 Revista Pró-Ciência Referências ABRAMOVAY, Miriam; CUNHA, Anna Lúcia; CALAF, Priscila Pinto. Revelando tramas, descobrindo segredos: violência e convivência nas escolas. 2. ed., Brasília: Rede de Informação Tecnológica Latino-americana (RITLA); Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF), 2010. ALBERGARIA, Jason. Criminologia. 2. ed. 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Considerando que a manifestação e a limitação da Síndrome de Burnout requerem medidas preventivas e tratamento específico multidisciplinar, é possível destacar a importância da intervenção fisioterapêutica na melhora da qualidadade de vida dos professores, diminuindo os níveis de estresse, o quadro de dor generalizada, entre outros. The general objective of this study was to investigate whether the faculty members at UniMSB have reported Burnout Syndrome and have presented the physical therapy recommendations in situations that have a positive diagnosis of the syndrome. The non-probability sampling included 42 teachers with informed and consented participation who responded the Jbelli questionnaire. After the data analysis, it was concluded that stage 2 of the syndrome affected 31% of the teachers and stage 3 affected 7.1% of them. Taking into account that the manifestation and the constraints imposed by the Burnout Syndrome require specific treatment and multidisciplinary preventive measures, the weight of physiotherapy intervention to improve the life quality of faculty members can be highlighted, reducing their stress levels, the widespread pain conditions, among others. Palavras - chave: Keywords: Síndrome de Burnot. Fisioterapia. Quali- Burnout Syndrome. Physiotherapy. Life quality. dade de Vida Mestre em Ciência da Motricidade Humana, Professor das seguintes instituições: Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO), Centro Universitário Celso Lisboa. 10 79 Revista Pró-Ciência Sumário: 1 Situação problema; 1.1 Hipóteses do estudo; 1.2 Objetivos gerais; 1.3 Objetivos específicos; 1.4 Justificativa; 2 Revisão de Literatura; 3 Metodologia; 3.1 Questionário preliminar de identificação da Burnout; 4 Análise dos resultados; Considerações finais; Referências bibliográficas. 1 Situação do Problema A Síndrome de Burnout pode se desenvolver em diversas categorias profissionais, dentre elas, a categoria dos professores, profissionais da saúde, policiais, agentes penitenciários, entre outros. Esta síndrome também é conhecida como síndrome do esgotamento profissional, pois provoca uma exaustão física e emocional que começa com um sentimento de desconforto e paulatinamente evolui à proporção que a vontade de lecionar gradativamente diminui, e segundo a UNESCO afeta mais de 55% dos professores brasileiros (CURY, 2007). O quadro clínico desta síndrome é caracterizado, na maioria das vezes, pela carência de alguns fatores motivacionais: energia, alegria, entusiasmo, satisfação, interesse, vontade, sonhos para a vida, ideias, concentração, autoconfiança e humor (BRENNINKMEIJER e VANYPEREN, 2003). A pessoa com a Síndrome de Burnout não consegue desenvolver sua atividade profissional adequadamente, pois percebe que não pode dar mais de si a nível afetivo. Percebe esgotada a energia e os recursos emocionais próprios, além de aparecer sentimentos de endurecimento afetivo, “coisificação” da relação desenvolvimento de sentimentos e atitudes negativas, e de cinismo às pessoas destinatárias do trabalho (usuários/clientes). Portanto, o seu envolvimento pessoal no trabalho entra em decadência. Mestre em Ciência da Motricidade Humana, Professora do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos 12 Aluna do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos 13 Aluna do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos 11 80 Revista Pró-Ciência É necessário enfatizar que a Síndrome de Burnout tem afetado os docentes de forma mais insidiosa que os profissionais de saúde e este fato coloca a docência como um profissão de alto risco. (FABER, 1999). É sabido que a síndrome pode afetar mesmo os docentes extremamente motivados, quando reagem ao estresse laboral intensificando a carga de trabalho até o colapso. Por isso, há um consenso que define essa reação como resposta particular ao estresse laboral crônico, e que difere do estresse relacionado à vida fora do ambiente de trabalho. Baseado no exposto surgiu a seguinte situação problema: será que os professores de ensino superior no Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos apresentam a saúde ocupacional livre da Síndrome de Burnout? 1.1 Hipóteses do estudo Hipótese afirmativa • Os docentes de ensino superior do UniMSB apresentam a Síndrome de Burnout. Hipótese nula • Os docentes de ensino superior do UniMSB não apresentam a Síndrome de Burnout. 1.2 Objetivos gerais • Investigar se os docentes de ensino superior do UniMSB apresentam a Síndrome de Burnout. • Apresentar recomendações da intervenção primária e secundária da fisioterapia em situações nas quais a Síndrome de Burnout esteja presente. 81 Revista Pró-Ciência 1.3 Objetivos específicos • Colher informações sobre o estado de saúde dos docentes do UniMSB concernentes a Síndrome de Burnout. • Identificar o grau da Síndrome de Burnout na amostra que compõe o estudo. • Investigar na literatura na área de saúde as recomendações da aplicação da fisioterapia como procedimento de promoção e prevenção da Síndrome de Burnout. • Descrever os procedimentos fisioterapêuticos de ação secundária que podem ser aplicados aos portadores da Síndrome de Burnout. 1.4 Justificativa A Síndrome de Burnout possui quatro estágios de evolução e para cada um deles, é necessário fazer um programa de tratamento diferenciado, seja preventivo ou curativo. Assim sendo, deve-se investigar literatura vigente na área de Saúde a respeito das recomendações da aplicação da fisioterapia como procedimento de promoção e prevenção da Síndrome de Burnout. Acrescenta-se a orientação de programas bem definidos sobre as atividades do cotidiano e atividades de vida profissional, com intervalos adequados; quanto à diferenciação de competência e competição; com relação a busca de qualidade nas relações inter-pessoais; ao que tange à prática de atividades físicas e às possibilidades de mudanças referentes ao estilo de vida. Visto que a Síndrome de Burnout pode gerar sérios problemas à saúde do professor, desde uma dificuldade em lembrarse de fatos recentemente ocorridos até o suicídio. Ela, também, conduz ao afastamento temporário ou a desistência do magistério. Desta forma, a fisioterapia poderia atuar prevenindo a síndrome ou colaboraria na cura do seu portador. 82 Revista Pró-Ciência Portanto, o presente estudo se justifica na medida em que além de permitir a manutenção do docente no exercício do magistério, algo necessário ao desenvolvimento do país, melhoraria a qualidade de saúde dos docentes. 2 Revisão da literatura Em 1970, o psicanalista nova-iorquino Hebert J. Freudenberg definiu a Síndrome de Burnout ou síndrome do esgotamento profissional como “um estado de esgotamento físico e mental no qual a etiologia esta diretamente relacionada a vida profissional” (KRAFT, 2006). O termo que originou a síndrome é o resultado da composição entre duas palavras em inglês, burn (queima) e out (exterior), caracterizando um tipo de estresse profissional, durante o qual a pessoa consome-se física e emocionalmente, o que resulta em exaustão, comportamento hostil e irritação. A presente síndrome pode afetar vários grupos de profissionais, dentre eles os professores de ensino superior. Há estudos bem abrangentes dos quais destaca-se uma pesquisa realizada na região metropolitana de Porto Alegre-RS, com uma amostra constituída por 563 professores que exercem atividade docente em instituições privadas de ensino de educação básica e superior. Este estudo realizou uma análise fatorial que identificou os três fatores correlatos às três dimensões originalmente identificadas pelo Inventário de Burnout de Maslach (MBI): exaustão emocional, despersonalização e realização profissional. Ele também apresentou os modelos que explicam as etiologias e consequências desta síndrome em professores de instituições de ensino (CARLOTTO e CÂMARA, 2004). É importante ressaltar que a Síndrome de Burnout é constituída, segundo Maslach e Leiter (1999 apud SARRIERA, 2010), por três dimensões: a exaustão emocional que pode ser compreendida como a falta de energia e sentimento de esgotamento afetivo; a despersonalização, ou seja, o estabelecimento de relações inter- 83 Revista Pró-Ciência pessoais de forma fria, caracterizando insensibilidade emocional; e a baixa realização pessoal, que é resultado da autoavaliação negativa e falta de motivação para o trabalho. No município de Duque de Caxias / Rio de Janeiro, uma pesquisa com 71 professores de oito escolas constatou que 100% apresentavam transtornos mentais em consequência da despersonalização apurada. Os participantes da pesquisa ainda culpam as pessoas, os alunos, os colegas, a direção e o Estado pelo seu estado de saúde (FERENHOF e FERENHOF, 2002 apud BARASUOL, 2004, p 49). Estudo realizado em Porto Alegre / Rio Grande do Sul com 190 docentes foi constatado baixo nível de exaustão emocional, despersonalização e diminuição da realização pessoal no trabalho (CARLOTTO e PALAZZO, 2006). Também há outro estudo realizado com uma amostra de 12 docentes de ensino superior da Uni-Inhumas / UEG, o qual averiguou que 57% da amostra apresentaram um grau alto a médio de exaustão emocional; 18%, um grau alto à médio de despersonalização e 44% grau alto a médio de reduzida realização profissional. Na rede municipal de ensino São José / Santa Catarina realizou-se estudo sobre a Síndrome de Burnout em professores de Educação Física e sua possível influência na prática pedagógica. Embora o estudo tenha sido realizado com uma amostra pouco significativa, ou seja, apenas 5 professores, o seu resultado revelou a incidência da síndrome em 4 docentes, pelo fato de apresentarem elevada pontuação para as dimensões de exaustão emocional (EE) e despersonalização (DE) e baixa pontuação para realização profissional (RP). Constatou-se, também que os valores encontrados nas dimensões de EE, DE e RP são superiores aos valores de estudos realizados com docentes de cursos de graduação em Educação Física (MOREIRA et al., 2008). Todavia, outro estudo feito com 157 professores de Porto Alegre constatou que 36,9% dos participantes apresentaram nível alto para exaustão emocional (MOREIRA et al., 2009). 84 Revista Pró-Ciência O estudo de Moreira et al. (2008) destacou que as condições de trabalho têm afetado a prática pedagógica, acrescentando dentre os fatores mais negativos no ambiente escolar, a falta de recursos pedagógicos, a estrutura/espaço físico inadequada, barulho, falta de compromisso do aluno/família, direção não atuante e péssima acústica. E alertou para a necessidade de ações de prevenção e intervenção para amenizar possíveis situações que levem ao desencadeamento da síndrome, como também auxiliar o professor no seu ambiente laboral. Torna-se evidente que a Síndrome de Burnout tem se manifestado de forma mais acentuada, No Brasil ela é reconhecida como um problema de saúde ocupacional, sendo enquadrada no Regulamento da Previdência Social, na parte específica que trata dos transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho (Grupo V do Código Internacional de Doenças, CID103), em 18 de junho de 1999 (FERENHOF e FERENHOF, 2002) – (Quadro 1). Quadro 1 – CID 10 AGENTES ETIOLÓGICOS OU FATORES DE RISCO DE NATUREZA OCUPACIONAL DOENÇAS XII – Sensação de Estar Acabado . Ritmo de trabalho penoso (Z 56.3) (Síndrome de Burn-Out, ou Síndrome . Outras dificuldades físicas e mentais do Esgotamento Profissional (Z 73.0) relacionadas ao trabalho (Z 56.6) Fonte: SABATOVSKI e FONTOURA (2001, p.289) É necessário enfatizar que a Síndrome de Burnout pode evoluir em quatro estágios, que são (CURY, 2007): 85 Revista Pró-Ciência • Primeiro Estágio – Falta ânimo para ir ao trabalho; – Surgimento de dores genéricas e imprecisas nas costas e na região do pescoço e coluna; – Profissional sente-se mal, mas não conhece a exata razão disso. • Segundo Estágio – Relação com os companheiros de trabalho torna-se difícil; – Surgem pensamentos neuróticos de perseguição e trapaça com relação à equipe de trabalho, fazendo com que a pessoa pense em mudar de setor ou até de emprego; – Faltas e pedidos de licença médica cada vez mais frequentes; e – A pessoa recusa-se a participar das decisões em equipe. • Terceiro Estágio – Perda de habilidade e capacidade para realização das atividades cotidianas do trabalho; – Erros são mais freqüentes; – A pessoa fica desatenta e distante; – Doenças psicossomáticas, como alergias e picos de pressão arterial começam a surgir junto com a auto-medicação; – Inicia-se ou eleva-se o consumo de bebidas alcoólicas como fuga; – Despersonalização, ou seja, a pessoa fica indiferente em suas relações de trabalho. • Quarto Estágio – Alto grau de alcoolismo; – Uso freqüente de drogas lícitas e ilícitas; – Aumento dos pensamentos de auto-destruição e suicídio; – O exercício da profissão fica comprometido e o afastamento do trabalho é inevitável. 86 Revista Pró-Ciência Considerando a gravidade da síndrome ao afetar o profissional de educação, faz-se mister desenvolver estudos que possam identificar de forma precoce o seu surgimento e medidas de intervenção para evitar o seu desenvolvimento. Neste ponto a fisioterapia pode atuar com procedimentos fisioterapêuticos de ação secundária que podem ser aplicados aos portadores de Burnout, tais como: fisioterapia respiratória (exercícios que ajudem à controlar a respiração à ponto de conter a ansiedade, como por exemplo o Peak Flow); massoterapia, mecanoterapia; acupuntura, auriculoterapia, shiatsu, RPG, Pilates, hidroterapia entre outros. 3 Metodologia O presente estudo realizou-se no Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, uma instituição de ensino superior no Bairro de Campo Grande, no município do Rio de Janeiro. A seleção dos participantes foi intencional e a amostra do tipo não probabilística foi constituída pelos professores de ensino superior da instituição que lecionam disciplinas no 2º semestre de 2010, totalizando 134 professores. Os professores foram convidados a participar de forma voluntária, sendo garantido sigilo quanto à sua participação e assegurado que os dados seriam utilizados somente para fins da investigação, conforme termos de consentimento (Anexos I e II). A pesquisa utilizou o método de Survey para obter informações sobre características, ações ou opiniões dos participantes, por meio de um instrumento de pesquisa, denominado de questionário Jbeili para identificação da Burnout, baseado no Maslach Burnout Inventory - MBI (apud PINSONNEAULT; KRAEMER, 1993). O questionário é composto por 20 perguntas, as quais devem ser respondidas através da marcação de um “X” em uma das colunas que possuem graduação de 1 a 5. Cada graduação faz alusão a indicadores de frequência da sintomatologia apresentada, conforme pode-se observar a seguir. 87 Revista Pró-Ciência 3.1 - Questionário preliminar de identificação da burnout Elaborado e adaptado por Chafic Jbeili, inspirado no Maslach Burnout Inventory – MBI MARQUE “X” na coluna correspondente: 1- Nunca | 2- Anualmente | 3- Mensalmente | 4- Semanalmente | 5- Diariamente Nº Características psicofísicas em relação ao trabalho 1 Sinto-me esgotado(a) emocionalmente em relação ao meu trabalho 2 Sinto-me excessivamente exausto ao final da minha jornada de trabalho 3 Levanto-me cansado(a) e sem disposição para realizar o meu trabalho 4 Envolvo-me com facilidade nos problemas dos outros 5 Trato algumas pessoas como se fossem da minha família 6 Tenho que desprender grande esforço para realizar minhas tarefas laborais 7 Acredito que eu poderia fazer mais pelas pessoas assistidas por mim 8 Sinto que meu salário é desproporcional às funções que executo 9 Sinto que sou uma referência para as pessoas que lido diariamente 10 Sinto-me com pouca vitalidade, desanimado(a) 11 Não me sinto realizado(a) com o meu trabalho 12 Não sinto mais tanto amor pelo meu trabalho como antes 13 Não acredito mais naquilo que realizo profissionalmente 88 1 2 3 4 5 Revista Pró-Ciência 14 Sinto-me sem forças para conseguir algum resultado significante 15 Sinto que estou no emprego apenas por causa do salário 16 Tenho me sentido mais estressado(a) com as pessoas que atendo 17 Sinto-me responsável pelos problemas das pessoas que atendo 18 Sinto que as pessoas me culpam pelos seus problemas 19 Penso que não importa o que eu faça, nada vai mudar no meu trabalho 20 Sinto que não acredito mais na profissão que exerço Totais (multiplique o numero de X pelo valor da coluna) ◊Some o total de cada coluna e obtenha seu score Os resultados foram analisados de acordo com a pontuação obtida, sendo que há 5 resultados possíveis, a saber: • De 0 a 20 pontos: Nenhum indício da Burnout. • De 21 a 40 pontos: fase 1 da Burnout, procure trabalhar as recomendações de prevenção da Síndrome. • De 41 a 60 pontos: fase 2 da Burnout, procure ajuda profissional para debelar os sintomas e garantir, assim, a qualidade no seu desempenho profissional e a sua qualidade de vida. • De 61 a 80 pontos: fase 3 da Burnout. Procure ajuda profissional para prevenir o agravamento dos sintomas. • De 81 a 100 pontos: fase 4 da Burnout. Você pode estar em uma fase considerável da Burnout, mas esse quadro é perfeitamente reversível. Procure o profissional competente de sua confiança e inicie o quanto antes o tratamento. 89 Revista Pró-Ciência Após contabilizados os dados individuais, procedeu-se a análise dos mesmos,sendo obtida a média aritmética simples e o desvio padrão, que é uma medida dispersão estatística. 4 Análise dos resultados Dos 134 docentes que poderiam compor a amostra e responder ao questionário, um total de 42 foi respondido, porém foram considerados 41 que estavam preenchidos adequadamente (gráfico 1). Um questionário foi inutilizado, pois a participante não respondeu todas as questões. Desta forma, a amostra foi composta por 31,3% dos docentes do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos. Destaca-se que 68,7% dos questionários não foram devolvidos mesmo após terem sido novamente apresentados ao grupo selecionado para a pesquisa. Gráfico 1: Correlação entre o resultado das respostas e os participantes Verificou-se que apenas 2,4% dos participantes não apresentavam nenhum indício da Burnout. Todavia, 59,5% dos questionados, apresentou indícios de possibilidade de desenvolver a síndrome. Este pode ser considerado o primeiro estágio da doença e neste caso os principais indicadores são: falta ânimo para ir ao 90 Revista Pró-Ciência trabalho; surgem algias genéricas e imprecisas nas regiões cervical e/ou torácicas; a pessoa se sente mal, porém não conhece a exata razão disso. Constatou-se que 31% dos investigados apresentavam a síndrome no seu segundo estágio, o que já causa um prejuízo qualitativo no desempenho profissional e na qualidade de vida. Neste estágio é possível observar que a relação entre os colegas de trabalho começa a ficar difícil; podem aparecer sensação de perseguição e trapaça com relação à equipe de trabalho, fazendo com que a pessoa pense em mudar de setor ou até de emprego; torna-se mais comum a falta e justificativa de afastamento por motivos de saúde; a pessoa torna-se mais resistente a participar das decisões do grupo. Apenas 7,1% dos participantes apresentaram a síndrome no seu terceiro estágio. Entretanto, este estágio já é bastante preocupante, pois há perda de habilidade e capacidade para realização das atividades cotidianas do trabalho; há aumento de erros durante a realização de tarefas devido a perda de atenção; a pessoa fica indiferente em suas relações de trabalho; além de surgimento de doenças psicossomáticas e hipertensão arterial; e em alguns casos se inicia ou se eleva o consumo de bebidas alcoólicas como fuga. Não foi constatada a existência da síndrome no seu quarto estágio no grupo pesquisado, embora um participante tenha se aproximado desse estágio. Todavia, considerando que 97,6% do grupo apresentou algum dos estágios da Síndrome de Burnout, recomenda-se a adoção de medidas preventivas para evitar novos casos e evolução dos já existentes. É mister destacar que a Síndrome de Burnout, pela sua própria característica, oferece barreiras às boas relações interpessoais. Por sua vez, a carência de suporte social no trabalho e da cooperação dos colegas podem agravar ainda mais a doença no trabalhador. Por outro lado, os vínculos entre os companheiros, quando bem estabelecidos podem proteger o docente da sín- 91 Revista Pró-Ciência drome, especialmente em duas das suas formas de expressão: exaustão emocional e reduzida realização profissional. Sabe-se que os vínculos criados entre a equipe de trabalho permitem que o trabalhador se proteja mutuamente. Por isso, os vínculos devem ser estimulados pelos gestores. Além deste procedimento, outros podem ser adotados, tais como: ações educativas, nas quais os docentes devem ser esclarecidos a respeito da síndrome e do estágio no qual aqueles avaliados se encontram. Neste caso, o grupo participante que apresentou indícios da síndrome deve procurar orientações profissionais para avaliar mais adequadamente a sua condição de saúde. Exercícios respiratórios e de relaxamento corporal são extremamente recomendados, pois ajudam a superar fisiologicamente as consequências da resposta ao Burnout, mais objetivamente as síndromes de hiperventilação e respiração insuficiente. Além de diminuir a tensão que se produz na situação de Burnout, partindo da diferenciação tensão-relaxamento e ensinando a pessoa a relaxar-se ao detectar esta tensão. O fisioterapeuta também pode fazer orientações quanto a postura no desempenho da atividade profissional e prescrever exercícios para serem realizados antes e após as aulas. Uma rotina pode ser estabelecida no horário de entrada dos professores, com a realização de pelos menos cinco minutos de exercícios preventivos realizados em grupo com os docentes. Este seria um momento de fortalecer as relações entre o grupo e evitar as doenças ocupacionais músculo-esqueléticas. 92 Revista Pró-Ciência Considerações finais A saúde do professor deve ser alvo de preocupação junto às instituições de ensino e do Governo, pois trata-se de uma classe de trabalho responsável pela transformação da sociedade. Em novo estudo foi verificado que a síndrome de Burnout começa a dar indícios de manifestação em parte da amostra, embora não se tenha avaliado clinicamente os seus integrantes. O estágio 1 predominou em relação ao estágio 2, conforme os indicadores do questionário Jbelli. Portanto, uma ação preventiva é extremamente recomendável a fim de preservar a saúde dos docentes e consequentemente aulas de melhor qualidade das aulas. Diante da diversidade dos sinais e sintomas, o seu tratamento requer intervenção multidisciplinar nos diversos níveis de atuação, sendo viável a atuação do fisioterapeuta. 93 Revista Pró-Ciência Referências BRENNINKMEIJER, V e VANYPEREN N. How to conduct research on burnout: advantages and disadvantages of a unidimensional approach in burnout research. Occupational Environmental Medicine. n. 60. supl. 1. pp.16-20, 2003. CARLOTTO, Mary Sandra e CÂMARA, Sheila Gonçalves. Análise fatorial do Maslach Burnout Inventory (MBI) em uma amostra de professores de instituições particulares. Psicologia em Estudo. Maringá. 9 v. 3 n. set/dez. 2004. CARLOTTO, Mary Sandra e PALAZZO, Lílian dos Santos. Síndrome de Burnout e fatores associados: um estudo epidemiológico com professores. Caderno de Saúde Pública. Rio de Janeiro 22 v. 5 n. maio. 2006. 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Engaged in the pursuit of historical and archaeological references of Indian groups Puri, Coroado and Coropó, we are, at this point, examining the religious sources generated by the Parish of São João Baptista do Presídio, in the current municipality of Visconde do Rio Branco, in the region in the Brazilian State of Minas Gerais, known as Zona da Mata. The registers date back to the years between 1810 and 1820, and they bring references to the presence of the mentioned Indian in baptismal records. Palavras - chave: Keywords: Índios. Zona da Mata Mineira. Arqui- Indians. Zona da Mata Mineira. Parish Archives. vos Paroquiais. Trabalhando na busca de referencial histórico (documental) e arqueológico (cultura material) dos grupos indígenas Puri, Coroado e Coropó15 desde 1992, quando da criação do Programa Arqueológico Puri-Coroado (PAP-C), debruçamo-nos neste 14 Doutor em História Social, Professor do UniMSB, [email protected] Para a grafia dos nomes dos grupos indígenas, seguimos a convenção estabelecida pela Associação Brasileira de Antropologia - ABA, em 1953, onde normatiza que os nomes de povos e de línguas indígenas sejam empregados na forma invariável, sem flexão de gênero e número. In: Revista de Antropologia, volume 2, número 2, USP, São Paulo, 1954, pp. 150-154 15 96 Revista Pró-Ciência momento, nas fontes geradas em paróquias da Zona da Mata Mineira, onde aparecem referencias da presença destes grupos. É desta forma, por entendermos, como SILVA (2008)16, que “As informações registradas nos assentos de batismo nos ajudam com o apoio de outras fontes (registros de casamento, de óbitos e inventários post-mortem) a constituir e compreender a sociedade e seu comportamento num determinado período.” é que o texto que ora apresentamos, tem por finalidade fazer uma nota, prévia, acerca dos trabalhos realizados no “arquivo” paroquial da Igreja de São João Baptista, antiga Paróquia de São João Baptista do Presídio, localizada em Visconde do Rio Branco17. Composto por 61 livros de registro de batismo, por 25 livros de registros de casamento e 9 de livros de registro de óbitos, o referido “arquivo” está sob a guarda do atual vigário local, o padre Volnei Ferreira Noro, que por sua vez está sob a jurisdição da Diocese de Leopoldina-MG e da Arquidiocese de Juiz de Fora18 , tendo assumido seu posto em 10 de janeiro de 2006, em lugar do então padre José Carlos Leite. Embora guardados sem o devido cuidado (principalmente no que diz respeito a fatores técnicos, como temperatura, umidade e manuseio), para documentos gerados à praticamente dois séculos, os livros encontram-se em condições razoáveis de preservação e guarda. O acesso aos mesmos, depois de estabelecidos os motivos e a forma de trabalho, pode ser considerado bom. SILVA, Sidney Pereira. Os registros de batismo e as novas possibilidades historiográficas, In: Revista eletrônica história e-história (http://www.historiaehistoria. com.br/), em 21 de julho de 2008, publicação organizada com o apoio do núcleo de estudos estratégicos / arqueologia, UNICAMP. 17 O município de Visconde do Rio Branco conta hoje com as paróquias de São João Batista e de São Sebastião, esta última instalada em 1998 no bairro do Barreiro e comandada hoje pelo padre Silas ... 18 Até de 1964, esta Arquidiocese estava sediada em Mariana - MG. 16 97 Revista Pró-Ciência É possível constatar que com o passar do tempo, estes registros passam a ficar mais simples e com variações no que tange à grafia e à tinta utilizada. Verifica-se, diante disso, que são constantes, a partir dos registros do ano de 1814, as mudanças do responsável pelo registro. Também pode-se verificar que a deterioração dos livros está avançando, o que, diante da leitura dos registros, devido a este estado e às dificuldade colocadas, uma vez que alguns trechos ou palavras estão ilegíveis, borradas ou danificadas, fomos levados, para identificar as informações faltantes, a usar “asteriscos (***)” sobrescritos. Os registros de batismos, constantes neste “arquivo”, têm por data inicial, 20 de dezembro de 1810. Seu primeiro livro, registrado como B-01, tem seu último registro à folha 81, com data de 10 de maio de 1818. Até o registro datado de 22 de julho de 1811, os assentamentos são assinados pelo “cura”19 Marcelino Reis, que a partir de então passa a assinar como “vigário”20 . O livro dois, registrado como B-02, foi aberto em 18 de setembro de 1822, tendo por local Mariana e assinatura de Marcos Antonio Monteiro. Sobre este livro, vale ressaltar que o mesmo passou, em 3 de setembro de 1823, por “visitação de superiores religiosos”, conforme registro da página 39. As assinaturas dos registros de assentamentos de batismos deste livro foram feitas, também, pelo “vigário” Marcelino Reis. No que diz respeito ao livro B-01, não há registro de abertura. Termo de caráter religioso, que significa padre. De acordo com o Dicionário Aulete Digital, é um substantivo masculino, originário do latim “curae”, que significa “Vigário de aldeia, de paróquia.” 20 Religioso católico que exerce funções em determinado local e por determinado tempo. De acordo com o Dicionário Aulete Digital, é um substantivo masculino, originário do latim “vicarium”, que pode significar o “Padre que dirige uma paróquia 19 98 Revista Pró-Ciência Na análise dos referidos livros, tem sido comum encontrarmos registros de batismo incompletos e fora de ordem, possivelmente por ter sido realizado sem o devido registro. Como exemplo podemos citar: • No termo de abertura do livro B-02, lê-se a data de 18 de setembro de 1822, apesar de a data do primeiro assentamento de batismo ser de 3 de maio de 1818. • Os registros de assentamento de batismo de números 8 (de 8 de outubro de 1798 - Joanna - pais José Botelho de Mendonça e Gertrudes Maria do *** Santos), 9 (dos últimos dias de agosto de 1802 - Barbara - pais Manoel Leni da Silva e Barbara Maria de Araujo), 10 (de 1 de dezembro de 1800 - Thereza - pais Manoel Dias de Carvalho e Quitéria Rodrigues de Alencar), 11 (de *** de agosto de 1801 - João - sem pai e com mãe solteira e parda) e 12 (de 12 de agosto de 1797 - Anna - pais Manoel *** Gomes e Rita Francisca de Jesus), do livro B-01, além de aparecem fora da ordem, são de anos anteriores à abertura dos livros de batismo paroquiais e de seus respectivos registros. • Na página 29, do livro B-01, onde lê-se registros de assentamento de batismo até o mês de maio de 1816, apresenta, em seu verso, registros do mês de novembro e dezembro, retomando, a seguir, os registros do mês de maio. Neste caso, constata-se que além de ter ocorrido um “pulo” de cinco meses nos registros, demonstra que os registros estariam sendo realizados em datas posteriores a data de acontecimento. Em relação aos realizadores dos batismos, aparecem os padres, co-adjuntos, Justino José de Freitas, *** João de Freitas, José Lopez de Meirelles, Manoel Gonsales Fontes e Manoel Antonio Brandão. A partir do ano de 1814, são constantes os registros de batismo realizados em casa, quando encontra-se a observação de que o assentamento fica sob condição de verificação de veracidade para obter a validade necessária, conforme exemplos a seguir: Aos vinte e sete de março de mil oitocentos e quatorze nesta paróquia de São João Baptista do Presídio solenemente baptisei 99 Revista Pró-Ciência debaixo de condição a Manoel filho de Antonio Alves Moreira por duvidar do baptismo feito em casa por Maria Rosa de Lima de quem me informei foi nascido no primeiro de fevereiro próximo e lhe pus os santos oleos foram padrinhos Francisco Caetano de Almeida e a dita Maria Rosa todos desta freguesia, o vigário Marcelino Reis. José filho legítimo do Capitão Manoel Lima da Silva e de D. Barbara Maria de Araujo foi baptisado solenemente nesta freguesia de São João Baptista nesta Capella curada pelo reverendo José Lopez de Meirelles aos *** dias de novembro do anno de mil setecentos e noventa e tres foi padrinho José Antonio Lima por não apparecer este assento no livro competente para ceder a necessaria informação e despacho o abri neste, o vigario Marcelino Reis. Neste tipo de batismo, costumam aparecer como realizadores o Alferes Antonio Coelho, Maria Rosa de Lima, Josefa Maria de Jesus, Victoria da Silva, Josefa Maria de Jesus e João Ribeiro de Siqueira. Além disso, encontramos dentre os registros de assentamento de batismo, no ano de 1814, um assentamento onde um, ou ambos, os padrinhos de batismo são representados por procuração: Aos dois de outubro de mil oitocentos e quatorze nesta matriz de São João Baptista baptisei solenemente e pus os santos oleos a Eulalia filha legitima de Francisco Ferreira de Araujo e de Thomazia Maria da Silva nascida de trinta dias forão padrinhos o soldado pago Francisco Ronaldo da Silva e D. Maria Victoria de *** por procuração que apresentarão digo *** procurador o Capitão Guido Thomas Marliere todos desta freguesia, o vigário Marcelino Reis. Outro registro merecedor de atenção foi observado no registro de assentamento de batismo onde o vigário Marcelino Reis possuía a propriedade de escravo: Aos vinte e um de dezembro de mil oitocentos e quatorze solenemente baptisei e pus os santos oleos a Anna filha natural de Francisca crioula escrava minha nascida de dose 100 Revista Pró-Ciência dias forão padrinhos Antonio Rodrigues Ferreira e Maria Rosa de Andrade todos desta freguesia, o vigário Marcelino Reis. Além deste, também já havíamos registrado em assentamento de batismo de 18 de abril de 1812, que “... senhorinha filha de Romana crioula escrava ...”, que tinha por madrinha “... Maria escrava minha ...”, do vigário. A mesma observação serve para o que acontece no registro de assentamento de batismo onde o Diretor (Geral de Índios)21 , José Ferreira da Silva, possuía a propriedade de escravos: Aos vinte e sinco de dezembro de mil oitocentos e quatorze nesta matriz de São João Baptista solenemente baptisei e pus os santos oleos a Anna filha legitima de José Pardo e Maria crioula escrava do Director Jose Ferreira da Silva nascida de oito dias forão padrinhos Marianno escravo de João Luiz da Motta e Jacinta crioula escrava do mesmo todos desta freguesia, o vigário Marcelino Reis. Antes de mencionarmos a respeito dos registros de indígenas, vale citar que: • seis registros do livro B-01 não são de moradores locais, mas de outras Freguesias22 como as de Piranga, Sumidouro, Pomba e Guarapiranga; O Regulamento das Missões, Decreto nº 426, de 24 de julho de 1845, baixado pelo Imperador D. Pedro II, cria a figura do Diretor Geral de Índios, determinando, em seu artigo 1º que “Haverá em todas as Províncias hum Director Geral de Índios, que será de nomeação do Imperador.” e que, artigo 2º, “Haverá em todas as aldeas hum Director, que sera de nomeação do Presidente da Província, sob proposta do Director Geral.” 22 No Brasil até a proclamação da república, o termo freguesia foi utilizado da mesma forma que em Portugal, de forma não haver distinção entre o termo utilizado na estrutura civil (administrativa) e na estrutura religiosa (igreja), principalmente pelos estreitos laços mantidos entre Estado e Igreja. Representam a menor parte da estrutura. Na primeira as províncias eram divididas em municípios e estes em freguesias. Na segunda, as freguesias normalmente correspondiam às paróquias. 21 101 Revista Pró-Ciência • pouco freqüente nestes registros é o fato de escravos relacionados como padrinhos; • assentamento de batismo onde a criança, de mãe escrava, foi declarada, no batismo, forra e liberta. Ressaltamos que, além da data (1816), esta é uma região onde o escravo é concorrido e valorizado. Aos vinte de março de mil oitocentos e dezeseis nesta matriz de São João Baptista solenemente baptisei e pus os santos oleos a Francisco filho de Vicencia crioula solteira escrava de Thereza Maria de Souza que o deo por forro e liberto declarando que como tal fosse baptizado de doze dias forão padrinhos e testemunhas Francisco Cardoso e Theodora Maria todos desta freguesia, o vigário Marcelino Reis. • Somente em 1813 aparecem os primeiros registros de batismo constando data de nascimento: Aos sinco de março de mil oitocentos e quinze nesta matriz de São João Baptista solenemente baptisei e pus os santos oleos a Maria filha de Maria Caetana índia nascida de quinze dias forão padrinhos João Luiz da Mota e Beatriz crioula escrava do Furriel José Lucas todos desta freguesia, o vigário Marcelino Reis. Aos nove de agosto de mil oito centos e treze nesta parochial igreja de São João Baptista solenemente baptisei e pus os santos óleos a Emeria filha legitima de *** e Correa de Meirelles e de Clara Maria do Espírito Santo nascida a quatorze de julho passado forão padrinhos Manoel Vieira de Andrade e D. Anna Joaquina da Fraga ambos deste presídio, o vigário Marcelino Reis. Aos dezenove de septembro de mil oito centos e treze nesta parochial igreja de São João Baptista solenemente baptisei e pus os santos óleos a João adulto preto congo escravo de Felisberto *** da Silva morador na freguesia da Pomba forão padrinhos Francisco de Paula Pacheco e Theresa Maria de *** desta freguesia. 102 Revista Pró-Ciência Finalmente, no que diz respeito aos indígenas, temos: • Registro de assentamentos de batismo de índio “Pory” ou “Pori”, conforme registros que seguem: Aos does de abril de mil oitocentos e quinze nesta matriz do Presídio São João Baptista e pus os santos oleos a Adam *** indio Pory forão padrinhos Antonio de Meirelles Pinto e Elena Rosa de Jesus todos desta freguesia, O vigário Marcelino Reis. Aos deseseis de maio de mil oitocentos e quinze nesta matriz do Presídio solenemente baptisei e pus os santos oleos a Lina *** india Pori educada em caza de Eduardo João dias forão padrinhos Francisco de Paula Pacheco e Maria Eduarda todos desta freguesia, O vigário Marcelino Reis. • Registro de assentamento de batismo condicional de índia “adulta”, da nação “Pory” e batizada em casa conforme registro que segue: Nesta matriz de São João Babtista do Presidio solenemente baptisei e pus os santos oleos como baptismo condicional a Maria adulta de nação Pory existente em caza de Maria Ferreira por *** do baptismo conferido em caza por Thomé Correa de quem me informei forão padrinhos o dito Thomé Correa e Bernardina Maria do Espírito Santo, O vigário Marcelino Reis. • Registro de assentamento de batismo de “índia Pori”, adulta e educada conforme relato: Aos dezesseis de maio de mil oitocentos e quinze nesta matriz do presídio solenemente baptisei e pus os santos oleos e Lina *** índia Pori educada em caza de Eduardo João Dias forão padrinhos Francisco de Paula Pacheco e Maria Eduarda, o vigário Marcelino Reis. 103 Revista Pró-Ciência • Registro de assentamento de batismo de “índio Pori”: Aos sete de junho de mil oito centos e treze nesta parochial igreja de São João Baptista solenemente baptisei e pus os santos óleos a Fidelis filho de pay incógnito de nação Pori pousado posto em cidade Manoel dos Santos Gato desta freguesia forão padrinhos Felisberto Jose da Silva da freguesia da Pomba e Maria Rosa desta freguesia o vigário Marcelino Reis. Aos dezesseis de janeiro de mil oitocentos e quatorze solenemente baptizei a pus os santos oleos nesta igreja de São João Baptista a João e Maria filhos de Antonio da Silva e de Roza indios forão padrinhos Manoel Marques França soldado pago e Francisca Maria do Nascimento todos desta freguesia, o vigário Marcelino Reis. Aos dezenove de janeiro de mil oitocentos e quatorze nesta paroquial igreja de São João Baptista solenemente baptizei e pus os santos óleos a Manoel filho de Antonio Francisco de Paula e de Maria Angélica índios forão padrinhos *** Jose de Souza e Maria Angélica todos desta freguesia, o vigário Marcelino Reis. A primeiro de janeiro de mil oitocentos e quinze digo quatorze nesta matriz de São João Baptista solenemente baptizei e pus os santos óleos a Luiz filho de Luiz e de Anna índios idem a Antonio filho de Manoel Pereira e de Thereza forão padrinhos de ambos Manoel José de Freitas e Florinda Maria do Espírito Santos, o vigário Marcelino Reis. Aos dezenove de janeiro de mil oito centos e onze nesta parochial igreja de São João Baptista solenemente baptisei e pus os santos óleos a Nicolao filho natural de Francisco e Anna Maria índios Croatos forão padrinhos João Lopes da Rocha e Maria Freire de Andradas todos desta freguesia o cura Marcelino Reis. 104 Revista Pró-Ciência Aos vinte de oito de janeiro de mil oito centos e onze nesta parochial igreja de São João Baptista solenemente baptisei sub conditione e pus os santos óleos a Maria filha natural de Manoel da Costa e de Clara índios Croatos foi padrinho Luis Gomes que baptisava em casa e me informão sobre baptismo os julguei duvidoso todos desta freguesia o cura Marcelino Reis. Além disso, em alguns dos registros de assentamento de batismo de índios “Pory” ou “Pori”, realizados no livro B-02, apresentam, em sua grafia, um símbolo, na forma de assento circunflexo, sobre a letra “i”23 , bem como nos registros de assentamentos de batismo de 15 de agosto de 1819, do livro B-02, consta que o índio batizado tem uma extensão ao nome, como um sobrenome, de “***”, onde seus pais são “applicados ***”. Antes de encerrar esta “nota prévia” sobre os trabalhos que estão sendo realizados no “arquivo” paroquial da Igreja de São João Baptista, antiga Paróquia de São João Baptista do Presídio, localizada em Visconde do Rio Branco, apresentamos uma tabela (anexo 1) que nos dá conta da dispersão de registros de assentamentos de batismos, com ênfase aos registros de índios, no período de 1810 a 1820. Destes dados, numa primeira análise, pode-se observar que a população de escravos e índios batizados, a partir de 1815, está em torno dos 60% dos registros; que a população índia é igual ou superior, em relação aos números absolutos, à negra, na aceitação deste ritual católico para esse período; que no número absoluto de batizados do sexo masculino em relação ao do sexo feminino existe um ligeiro favorecimento para o sexo masculino. Vale ressaltar também que baseado em parecer da Mesa de Desembargo do Paço (anexo 2)24 , datado de 18 de maio de 1809, desta forma “î” Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Conjunto documental: Consultas da Mesa do Desembargo do Paço, Notação: códice 149, volume 01, Data-limite: 1808-1814, Título do fundo: Mesa do Desembargo do Paço, Código do fundo: 4k, Argumento de pesquisa: instrução pública, Data do documento: 18 de maio de 1809, Local: Rio de Janeiro, Folha(s): 29 e 29v. 23 24 105 Revista Pró-Ciência a partir do pedido feito por moradores da então capela curada da Nova Aldeia dos Índios Coroados do Presídio São João Batista, devido ao aumento populacional local (superior a 1.300 pessoas, sendo mais de 800 portugueses e 500 índios), há uma solicitação para a implementação de uma cadeira de primeiras letras, o que permite entender os percentuais de índios e negros presentes nos livros de registro paroquiais da referida capela, que somente a partir da Lei de 16 de março de 1839 (anexo 3)25 , sancionada pelo então Presidente da Província de Minas Gerais, Bernardo Jacintho da Veiga, o então povoado de São João Batista do Presídio, composto pelas freguesias de São João Batista do Presídio, de Santa Rita do Turvo e de Arrepiados, é elevado à categoria de vila, pertencente à comarca do Rio Paraibuna. Além disso, ao analisarmos os dados coletados até esta etapa de trabalho, constatamos que, no que refere-se aos registros de assentamento de batismo de índios: • Em 68 registros de batismo não aparece o nome do pai; • Em 3 registros de batismo não constam o nome do batizado; • A predominância de nomes de procedência cristã, onde: 26 são Maria; 25 são José; 25 são João; 18 são Antônio; 16 são Anna; 7 são Francisca e 6 são Francisco; • 16 nomes são de procedência portuguesa, sendo 10 como Manoel e 6 como Joaquim; Carta de Lei, que eleva a Vilas as Povoações do Bonfim, Santa Bárbara, Presídio, Caldas, Oliveira e Formiga, estabelecendo os limites dos respectivos Municípios, cria duas novas Câmaras, suprime o Lugar de Juiz do Cível do Termo de São João del-Rei e regula a nomeação dos Juizes de Direito e dos substitutos, contendo outras disposições como nela se declara. 25 106 Revista Pró-Ciência • 67 dos registros de assentamento de batismo apresentam uma extensão em seu nome, como que um sobrenome que poderia identificar a tribo da qual pertenceriam. Este mesmo fato se observa seja no nome do batizado, seja dos pais e/ou dos padrinhos. Da associação entre batizados e pais, observa-se que: 1. Antonio Francisco e Joaquina, por duas vezes foram pais de filhas chamadas pelo nome de Anna 2. Cipriano e Lucianna, por duas vezes foram pais de filhos chamados pelo nome de Antônio *** 3. Domingos Pereira e Maria Angélica, por duas vezes foram pais de filhos chamados pelos nomes de Casemiro e de Catharina *** 4. João e Maria, por três vezes foram pais de filhos chamados pelos nomes de Floreanna, Floreanno e Florentino 5. Manoel Dias e Joanna, por duas vezes foram pais de filhos chamados pelo nome de João *** 6. Victorianno Lima e Lucianna Rita, por cinco vezes foram pais de filhos chamados pelos nomes de Serafim, Severina, Severino, Silvana e Thereza 7. Patrício e Thereza, por duas vezes foram pais de filhos chamados pelo nome de José 8. Ignácio e Francisca, por duas vezes foram pais de filhos chamados pelos nomes de Constantino e Custódia *** 9. Anna, por duas vezes foi mãe de filhos chamados pelos nomes de Prudente ***, com paternidade de Silvério, e Quintiliana com paternidade de Silvério da Silva. Neste caso é provável que no momento do registro possa ter sido omitido o restante do nome do pai, que poderia ser da Silva 107 Revista Pró-Ciência 10.Maria Joanna, por duas vezes foi mãe de filhos chamados pelos nomes de Joaquina, com paternidade de Jerônimo, e Joaquina, *** com paternidade de Jerônimo Dias. Neste caso é provável que no momento do registro possa ter sido omitido o restante do nome do pai, que poderia ser Dias. 11.Francisca, por duas vezes foi mãe de filhos chamados pelos nomes de Prudente ***, com paternidade de Luis Antonio, e Quintiliana com paternidade de Luiz Antonio. Neste caso é provável que no momento do registro possa ter acontecido erro na grafia do nome Luis ou Luiz. 12.Maria Moreira, por duas vezes foi mãe de filhos chamados pelos nomes de Matilde e Paulino, na primeira com paternidade de Severino Leme e na segunda com paternidade de Severino Lima. Neste caso é provável que no momento do registro possa ter havido um erro na grafia, que poderia ser Severino Lima ou Severino Leme, muito provavelmente Severino Lima, uma vez que Leme não é nome comum por entre os moradores da região 13.Joaquina, por duas vezes foi mãe de filhos chamados pelo nome de João, na primeira com paternidade de Lucas, e na segunda com paternidade de Lucas João Luis. Neste caso é provável que no momento do registro foi omitido o restante do nome do pai, que poderia ser João Luis. 14.Micaela, por duas vezes foi mãe de filhos chamados pelos nomes de Felipe e Felisberto, na primeira com paternidade de Januário e na segunda com paternidade de Januário Pires. Neste caso é provável que no momento do registro foi omitido o segundo nome da pai, quando do registro do primeiro filho, que poderia ser Pires. 108 Revista Pró-Ciência 15.Antonio Roza, por duas vezes foi pai de filhos chamados pelo nome de Antonio, na primeira com maternidade de Maria Antonia, e na segunda com maternidade de Maria. Neste caso é provável que no momento do registro foi omitido o segundo nome da mãe, que poderia ser Antonia. 16.Francisco, por duas vezes foi pai de filhas chamadas pelo nome de Clara, na primeira com maternidade de Maria Geralda, e na segunda com maternidade de Maria. Neste caso é provável que no momento do registro foi omitido o segundo nome da mãe, que poderia, perfeitamente, ser Geralda. 17.José da Fonseca, por duas vezes foi pai de filhas chamadas pelo nome de Joanna, na primeira com maternidade de Maria Angélica, e na segunda com maternidade de Maria. Neste caso é provável que no momento do registro foi omitido o segundo nome da mãe, que poderia ser Angélica. 18.Manoel, por duas vezes foi pai de filhos chamados pelo nome de João, na primeira com maternidade de Maria Dias, e na segunda com maternidade de Maria. Neste caso é provável que no momento do registro foi omitido o segundo nome da mãe, que poderia ser Dias. 19.Manoel Alves, por duas vezes foi pai de filhos chamados pelo nome de João, na primeira com maternidade de Francisca Lopes, e na segunda com maternidade de Francisca. Neste caso é provável que no momento do registro foi omitido o segundo nome da mãe, que poderia ser Lopes. 20.Maria Francisca, por duas vezes foi mãe de filhas chamadas pelos nomes de Joaquina, com paternidade de Manoel Marques, e Joaquina *** com paternidade de Manoel Marques Correa. 109 Revista Pró-Ciência Neste caso é provável que no momento do registro possa ter sido omitido o restante do nome do pai, que poderia ser Correa. Diante disso, acerca dos pais, pode-se considerar que: • Felícia de Freitas e Felicia Freitas, que aparecem com a maternidade em três dos registros de assentamento de batismo, poderiam ser a mesma pessoa, desde que tenhamos associado a ela a paternidade. Além disso, a partir desta maternidade, pode-se inferir que um dos registros sem a paternidade declarada, ou “... de pay incógnito ...” possa ser declarada com a paternidade de José Novaes, que também passa a ter, em seu nome, três dos registros de assentamento de batismo, bem como retirado de um de seus registros o “de” de ligação entre o primeiro e o último nome. • A mesma situação considerada para Felícia Freitas e José Novaes poderia acorrer com Clara e Manoel da Costa, ou seja, a partir desta maternidade, podese inferir que um dos registros sem a paternidade declarada, ou “... de pay incógnito ...” possa ser declarada com a paternidade de Manoel da Costa, que também passa a ter, em seu nome, dois registros de assentamento de batismo. • Outra situação da mesma ordem poderia estar ocorrendo com Anna Maria e Francisco, ou seja, a partir desta maternidade, pode-se inferir que um dos registros sem a paternidade declarada, ou “... de pay incógnito ...” possa ser declarada com a paternidade de Francisco, que também passa a ter, em seu nome, dois registros de assentamento de batismo. 110 Revista Pró-Ciência • Devido a estas observações, dos 10 (dez) registros de assentamento de batismo sem a paternidade, ou “... de pay incógnito ...”, passam a ser em número de 7 (sete) Sobre os padrinhos pode-se observar que: • 12 registros de assentamento de batismo aparecem sem o padrinho • Por 6 vezes aparece como sendo João Ferreira da Silva • Por 5 vezes aparece como sendo Bernardo Martins de Azevedo • Por 4 vezes aparece como sendo João Luiz da Mota (sendo que 2 vezes como Mota e por 2 vezes como Motta); como sendo José Caetano Diniz (sendo que apenas 1 vez como José Caetano); como sendo Manoel José de Freitas; como sendo Antonio Rodrigues de Aguiar (sendo que 2 vezes como “de” e 2 vezes sem “de”); • Por 3 vezes aparece como sendo Sebastião da Costa; como sendo Francisco Miguel Gonçalves Nere (sendo que 1 das vezes como Nery); como sendo Francisco de Paula Pacheco; como sendo Francisco Alves de Souza (sendo que apenas 1 vez como Francisco Alves); • Por 2 vezes aparece como sendo João Ferreira da Cruz; como sendo José Ferreira da Silva; como sendo José Lucas; como sendo João Antonio da Silva; como sendo Geraldo Rodrigues de Aguiar; como sendo Felisberto Soares Ferreira; como sendo Domingos de *****; como sendo Dezidério Gomes; como sendo Antonio Rodrigues Ferreira; como sendo Antonio Pereira da Silva; como sendo Antonio Luis Pacheco; como sendo Antonio 111 Revista Pró-Ciência da Costa Lima; como sendo André Rodrigues Bragança; como sendo Alexandre Gonçalves de Mattos (sendo que 1 das vezes sem o “de Mattos”); como sendo Bonifácio Martins; Sobre as madrinhas pode-se observar que: • 20 registros de batismo aparecem sem a madrinha • Por 34 vezes aparece como sendo Thereza Maria de Jesus • Por 21 vezes aparece como sendo Maria Rosa de Andrade (sendo que 2 vezes a madrinha de batismo aparece como Maria Rosa) • Por 14 vezes aparece como sendo Anna Roza (sendo que 1 vez como Anna Roza de Jesus) • Por 11 vezes aparece como sendo Maria Geralda • Por 8 vezes aparece como sendo Libânia Camila (sendo que 4 vezes como Libânia Camila da Cunha) • Por 6 vezes aparece como sendo Maria Thereza (sendo que 2 vezes como Maria Thereza de Jesus) • Por 5 vezes aparece como sendo Maria Rita de Cássia; como sendo Anna Maria (sendo que 2 vezes como Anna Maria de Jesus) • Por 4 vezes aparece como sendo Thereza Lucas; como sendo Maria Vicência de Andrade • Por 3 vezes aparece como sendo Vicência Ignácia da Silva; como sendo Maximianna da Costa; como sendo Maria Patrícia; como sendo Maria Angélica (sendo que 1 vez como Maria Angélica da Luz); como sendo Luciana Maria do Espírito Santo; como sendo Florência Ignácia da Silva; como sendo Nana Joaquina (sendo 2 vezes Anna Joaquina de Jesus); como sendo Francisca Roza (sendo que 1 vez como Francisca Roza de Jesus) 112 Revista Pró-Ciência • Por 2 vezes aparece como sendo Vicência (sendo que 1 vez como Vicência de Freitas); como sendo Quitéria Maria do Espírito Santo; como sendo Maria Vicência Rodrigues; como sendo Maria Quitéria (sendo que 1 vez como Maria Quitéria de Jesus); como sendo Maria Pereira; como sendo Maria Antonia; como sendo Joanna Baptista; como sendo Gertrudes Maria do Espírito Santo; como sendo Francisca Maria (sendo que 1 vez como Francisca Maria de Jesus); como sendo Florinda Maria do Espírito Santo; como sendo Emerenciana Clara; como sendo Emerenciana Francisca (sendo que 1 vez como Emerenciana Franscisca da Silva); como sendo Clara Maria do Espírito Santo; como sendo Maria Victoria Marliere Destes registros de assentamento de batismo, formaram par, como padrinhos: • Por 7 vezes Anna Roza & João Caetano Diniz • Por 4 vezes Maria Geralda & Jerônimo Alves da Costa e Thereza Lucas & José Lucas Pereira dos Santos • Por 3 vezes Maria Rita de Cássia & Antonio Rodrigues de Aguiar e Luciana Maria do Espírito Santo & Bernardo Martins de Azevedo • Por 2 vezes Esmênia Clara & Sebastião da Costa; Florinda Maria do Espírito Santo & Manoel José de Freitas; Francisca Roza & Antonio Pereira da Silva; Joanna Baptista & Francisco de Paula Pacheco; Lucianna Joaquina Teixeira & Francisco Miguel Gonçalves Nere; Maria Patrícia & Antonio da Costa Lima; Maria Vicência de Andrade & Manoel José de Freitas; Maria Vicência de Andrade & João 113 Revista Pró-Ciência Ferreira da Silva; Thereza Maria de Jesus & André Rodrigues Bragança; Vicência Ignácia da Silva & João Ferreira da Silva; Maria Rosa de Andrade & Bonifácio Martins; Maria Rosa de Andrade & Felisberto José da Silva; Maria Rosa de Andrade & Guido Thomas Marliere; Florência Ignácia da Silva & Joça Ferreira da Silva; Clara Maria do Espírito Santo & José Correa de Meirelles; Maria Thereza & Bernardo Martins Vale ressaltar que aparecem sem seu parceiro (padrinho ou madrinha), por 6 vezes Maria Rosa de Andrade e Anna Roza e por 2 vezes Anna de Souza; Vicência Ignácia da Silva; José Ferreira da Silva; José Ferreira; João Luiz da Motta; Domingos de ***. Em decorrência da associação de batizados e seus padrinhos e madrinhas, observa-se que alguns deles aparecem em repetidos registros, tais como: 1. Maria Rosa de Andrade com 17 registros de assentamento de batismo, dos quais 2 vezes em companhia com Bonifácio Martins, 2 vezes com Felisberto José da Silva, 3 vezes com Guido Thomas Marliere e 4 vezes sem a designação de padrinhos. Vale ressaltar que em 2 registros aparece apenas o nome de Maria Rosa, os quais consideramos serem também madrinha Maria Rosa de Andrade. Também é pertinente dizer que em alguns casos a grafia de Rosa aparece com “S” e em outras com “Z”. 2. Anna Roza de Jesus com 7 registros de assentamento de batismo, dos quais 4 vezes em companhia com José Caetano Diniz, sendo que n´uma delas o mesmo aparece apenas como José Caetano. Os outros 3 registros estão sem o nome do padrinho. 114 Revista Pró-Ciência É pertinente dizermos que em alguns casos a grafia de Rosa aparece com “S” e em outras com “Z”. 3. Libania Camilla da Cunha com 4 registros de assentamento de batismo. Vale ressaltar que em 2 registros aparece apenas o nome de Libania Camilla, os quais consideramos serem também madrinha Libania Camilla da Cunha. 4. Thereza Maria de Jesus com 16 registros de assentamento de batismo, sendo que em 15 eles o padrinho é diferente. Em um deles não aparece o nome do padrinho. 5. Florência Ignácia da Silva com 3 registros de assentamento de batismo, dos quais 2 em companhia com Joca Ferreira da Silva e 1 vez sem a designação de padrinho. 6. Maria Geralda com 4 registros de assentamento de batismo, dos quais 2 vezes em companhia com Jeronimo Alves da Costa, vez com Geronimo Alves da Costa e 1 vez com Geronimo ***. Devido ao formato dos registros, passaremos a considerar que todos os 4 têm como padrinho Jeronimo Alves da Costa. 7. Maria Theresa com 2 registros de assentamento de batismo, tendo como companhia Bernardo Martins. 8. Maria Theresa de Jesus com 2 registros de assentamento de batismo, tendo como companhia a Antonio Gomes dos Santos n´um deles e João Lopes da Rocha n´outro. 9. Theresa Maria de Jesus com 2 registros de assentamento de batismo, tendo como companhia Lucas José de Araújo n´um deles e Guido Thomas Marliere n´outro. Nesse ponto, é relevante ressaltar que devido aos vários “enganos”, “erros” e/ou 115 Revista Pró-Ciência “problemas” verificados quando da leitura dos registros de assentamento de batismos paroquiais da igreja de São João Batista do Presídio e que têm provocado “interpretações”, nos fazem acreditar que Maria Theresa de Jesus e Theresa Maria de Jesus sejam a mesma pessoa e que também seja muito provável ser Maria Theresa a mesma pessoa, o que faria com que Maria Theresa de Jesus apresentasse em seu nome 6 registros de assentamentos de batismo. 10.Maria Victoria Marliere com 2 registros de assentamento de batismo, tendo como companhia Francisco Romualdo da Silva n´um deles e Guido Thomas Marliere n´outro. 11.Bernardo Martins com 2 registros de assentamento de batismo, em companhia com Maria Theresa. 12.Bonifácio Martins com 2 registros de assentamento de batismo, tendo como companhia Maria Rosa de Andrade. 13.Felisberto José da Silva com 2 registros de assentamento de batismo, tendo como companhia Maria Rosa de Andrade. 14.Francisco Romualdo da Silva com 2 registros de assentamento de batismo, tendo como companhia Maria Paulo n´um deles e Maria Victoria Marliere n´outro. Também vale ressaltar, neste momento, uma observação feita por SAINT-HILARE (1975), quando de sua passagem pelo Quartel do Canto da Serra de São João, em visita à Aldeia de Santo Antonio, na província de Minas Gerais, em sua primeira viagem, em 1816-1817, pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais: 116 Revista Pró-Ciência O ajudante do comandante me acompanhava; era um homem excelente; os índios pareciam considerá-lo seu pai, e era o padrinho de quase todos os seus filhos. Essa boa gente o viu chegar com o maior prazer e receberam-no da melhor maneira possível. A nossa chegada, uma velha mulher nos trouxe aipins assados debaixo da cinza, e outros índios tentaram fazer-nos aceitar cereais e penas. Esta constatação, associada aos registros na Paróquia de São João Baptista do Presídio, poderiam estar nos apresentando uma prática “comum” entre os índios aldeados e convertidos ao cristianismo na Província de Minas Gerais e quem sabe no Brasil. Diante destas primeiras análises, algumas questões surgem e nos indicam um caminho a seguir: Onde estariam os registros anteriores a 20 de dezembro de 1810?; Onde viviam estes índios?; Quantos eram estes índios?; Estes índios eram da mesma tribo?; Estes índios viviam em uma mesma aldeia ou em aldeias distintas?; Estes índios, se viviam em aldeias distintas, quantas eram estas aldeias? Da mesma forma, outros dados ainda seguem em analise. Seriam eles, as listas de nomes dos batizados, de nomes dos pais e das mães e de nomes dos padrinhos e das madrinhas. 117 Revista Pró-Ciência Referências LUFT, V. J.; AMANTINO, M. S.; MACEDO, J. de. Programa Arqueológico Puri-Coroado: elementos para uma tipologia de suas fontes históricas, In: Revista da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, n. 12, Curitiba: SBPH, 1997, pp. 91-95. LUFT, V. J.; AMANTINO, M. S.; ALBERTINI, A. I. M.. Programa Arqueológico Puri-Coroado, In: Anais da VIII Reunião Científica da Sociedade de Arqueologia Brasileira, Coleção Arqueologia 1, v. 2, Porto Alegre: PUC-RS, 1996, pp. 623-628. SAINT-HILAIRE, A. de. Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, Coleção Reconquista do Brasil, v. 4, Belo Horizonte – São Paulo: Ed. Itatiaia-EDUSP, 1975. SILVA, S. P. da. Os registros de batismo e as novas possibilidades historiográficas, In: Revista Eletrônica História e-história, Publicação organizada com o apoio do Núcleo de Estudos Estratégicos / Arqueologia, Campinas: UNICAMP, ISSN 1807-1783, 21 de julho de 2008. 118 Revista Pró-Ciência ANEXO 1 livro ano registro índios total % fem mas 1 1.810 13 1 7,69 1 0 1 1.811 62 15 24,19 7 8 1 1.812 84 12 14,28 5 7 1 1.813 97 24 24,74 11 12 1 1.814 99 35 35,35 12 23 1 1.815 114 39 34,2 15 24 1 1.816 95 23 24,2 15 8 1 1.817 108 40 37,03 15 24 1 1.818 132 41 31,06 23 15 2 1.819 127 36 28,35 17 19 2 1.820 135 26 19,26 13 13 1.066 292 18,04 134 153 ANEXO 2 Arquivo Nacional do Rio de Janeiro Conjunto documental: Consultas da Mesa do Desembargo do Paço Notação: códice 149, vol. 01 Data-limite: 1808-1814 Título do fundo: Mesa do Desembargo do Paço Código do fundo: 4k Argumento de pesquisa: instrução pública Data do documento: 18 de maio de 1809 Local: Rio de Janeiro Folha(s): 29 e 29v 119 Revista Pró-Ciência O povo da capela curada da Nova Aldeia dos Índios Coroados do Presídio de São João Batista, pede em razão do aumento da sua população, chegando ao número de mais de oitocentos portugueses, e quinhentos índios, se estabeleça uma Cadeira de Primeiras Letras, para ensino da mocidade. Parece a Mesa, que o requerimento merece ser deferível, porque constando da informação o estado florente daquela povoação, nada é mais coerente às Paternais Intenções de Vossa Alteza Real do que promover o ensino, e educação pública dos seus fiéis vassalos, estabelecendo mestres, onde forem necessários, e muito mais, quando o que pede o Povo do Lugar de S. João Batista é de Primeiras Letras, e por isso o mais necessário, como a base mais segura de toda a Literatura, e absolutamente precisa para qualquer gênero de vida, e para todos os estados da Sociedade Civil, merecendo além disto muita contemplação o ser a Povoação de que se trata, composta tão bem de índios já aldeados, e civilizados, a quem cumpre fazer amar a instrução nacional, para se tornarem cidadãos úteis, e verdadeiramente Vassalos Portugueses, o que se conseguirá por meio da mistura de Nacionais e Índios, e por uma igual educação. Por estes tão justos, como úteis motivos, mui dignos da Real consideração se deve criar a cadeira de Primeiras Letras na forma da súplica, com o ordenado, que vencem os demais professores da capitania de Minas Gerais, provendo-se pelo Governador e Capitão General, de acordo com o Reverendo Bispo, para ser confirmado por esta Mesa, como é por Vossa Alteza Real decretado, que decidirá com tudo o que for mais justo. Rio de Janeiro em 18 de maio de 1809. S. A. R Como parece. Palácio do Rio de Janeiro 20 de maio de 1809. 120 Revista Pró-Ciência ANEXO 3 Carta de Lei, que eleva a Vilas as Povoações do Bonfim, Santa Bárbara, Presídio, Caldas, Oliveira e Formiga, estabelecendo os limites dos respectivos Municípios, cria duas novas Câmaras, suprime o Lugar de Juiz do Cível do Termo de São João del-Rei e regula a nomeação dos Juizes de Direito e dos substitutos, contendo outras disposições como nela se declara. Bernardo Jacintho da Veiga, Presidente da Província de Minas Gerais: Faço saber a todos os seus habitantes que a Assembléia Legislativa Provincial decretou, e eu, sanciono a Lei seguinte: Art. 1º - Ficam elevadas à vilas as seguintes povoações: § 1º - A do Bonfim, compreendendo no seu Município a freguesia do mesmo nome, e as da Piedade da Paraopeba, e de Mateus Leme. § 2º - A de Santa Bárbara, compreendendo no seu município a freguesia do mesmo nome e as de São João Batista do Morro Grande, de São Miguel do Paracicaba e de Catas Altas de Mato Dentro. § 3º - A de São João Batista do Presídio, compreendendo no seu município a freguesia do mesmo nome e as de Santa Rita do Turvo e de Arrepiados. § 4º - A de Caldas, compreendendo no seu município a freguesia do mesmo nome, e as de Cabo Verde, e de São José e Dores dos Alfenas. A Serra dos Campos servirá de limite entre este município e o da Campanha pelo lado da Freguesia de Santana do Sapucaí. § 5º - A de Nossa Senhora da Oliveira, compreendendo no seu Município a Freguesia do mesmo nome, e as do Amparo e do Passa-Tempo. § 6º - A de São Vicente Ferrer da Formiga, compreendendo no seu Município a Freguesia do mesmo nome, e as de Piumhi e Bambuí, com a denominação de Vila Nova de Formiga. 121 Revista Pró-Ciência Art. 2º - Os habitantes dos novos municípios são obrigados a construir à sua custa as Casas para Sessões das Câmaras Municipais e dos Conselhos de Jurados, e cadeias seguras, conforme os planos que forem determinados pelo Governo. Art. 3º - Enquanto os habitantes dos novos municípios não puderem construir as Casas, de que trata o Art. 2º, servirão para o exercício das funções municipais e judiciárias, e para Cadeias quaisquer Edifícios próprios, ou arrendados pelos mesmos habitantes para este fim, contanto que tenham as comodidades indispensáveis; e proceder-se-á à instalação das vilas logo que os seus habitantes mostrarem ter as ditas Casas. Art. 4º - Haverá em cada um dos Municípios novamente criados um Escrivão de Órfãos e dois Tabeliães do Público, Judicial e Notas: o 1º escreverá na Provedora de Capelas e Resíduos, e o 2º nas execuções Cíveis e Crimes. Art. 5º - A Freguesia de Itajubá fica desmembrada do Município da Vila da Campanha, e unida ao da Vila do Pouso Alegre. Art. 6º - Além das Comarcas ora existentes, nessa Província, são criadas as seguintes: § 1º - A do Rio Grande, compreendendo os Municípios de Tamanduá, de Oliveira, e da Vila Nova de Formiga. § 2º - A do Rio Verde, compreendendo os Municípios da Campanha, Baependi e Aiuruoca. Art. 7º - A Vila do Bonfim pertencerá à Comarca do Ouro Preto; a de Santa Bárbara à Comarca do Rio das Velhas; a do Presídio à Comarca do Rio Paraibuna; e a de Caldas à Comarca do Rio Sapucaí. Art. 8º - Fica suprimido o lugar de Juiz de Direito do Cível na Cidade de São João del-Rei. Art. 9º - A preferência garantida pelo Art. 4, da Lei Provincial nº 72 aos Juizes de Direito Substitutos para serem nomeados efetivos, regular-se-á pela sua antigüidade. 122 Revista Pró-Ciência Art. 10o - No provimento dos Juizes de Direito Substitutos serão preferidos os Bacharéis formados em Direito, que houverem servido de Juizes Municipais, e de Promotores Públicos. Art. 11o - Ficam revogadas as disposições em contrário. Mando, portanto, as todas as Autoridades, a quem o conhecimento, e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir, tão inteiramente como nela se contém. O Secretário desta Província a faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Governo, na Imperial Cidade do Ouro Preto, aos 16 de março de 1839. Bernardo Jacintho da Veiga - Presidente da Província de Minas Gerais. 123 Revista Pró-Ciência ARTIGOS 124 Revista Pró-Ciência Usucapião especial na vertente do Estatuto da cidade David Augusto Fernandes 26 Resumo Abstract O presente artigo apresenta de uma forma geral, o Estatuto da Cidade que veio ocupar uma lacuna no mundo jurídico, tecendo uma teia a fim de que as anomalias ou a ausência em diversos setores da cidade fossem formatadas e atendidas em conformidade com esta lei. Apresentando, também, de forma específica o usucapião especial individual de imóvel urbano e especial coletivo apresentado no Estatuto da Cidade. This article presents a general view of the Estatuto da Cidade (City Statute) that fulfilled a gap in the legal world, weaving a web so that anomalies or absence in various sectors of the city were formatted and treated in accordance with this law. It also demonstrates specifically the legal rights that derive from the occupation of a property as a result of long-time, open, notorious adverse possession of it (usucapião) in both individual case of urban real estate units and the collective case as presented in the City Statute. Palavras - chave: Usucapião; Estatuto da Cidade. Keywords: Usucapion; City Statute. Delegado da Polícia Federal. Professor de Direito Internacional Público/Privado, Direito Penal. Mestre e Doutorando em Direito. E-mail: david.daf@ dpf.gov.br. 26 125 Revista Pró-Ciência Sumário: Introdução; 1.Usucapião; 2.Usucapião Especial Individual de imóvel urbano; 2.1 Definição; 2.2 Fundamento; 2.3 Pressupostos; 2.4 Aquisição do Direito; 2.5 Título do domínio; 2.6 Direito do herdeiro; 3 Usucapião Especial Coletivo; 3.1 Definição; 3.2 Características; 3.3 Fundamento; 3.4 Requisitos; 3.5 Condomínio indiviso especial; 3.6 Sucessão de posses; Considerações Finais; Referências Bibliográficas. Introdução O direito de superfície pode ser interpretado na perspectiva da concessão, da cisão e do usucapião. O interesse deste trabalho é enfocá-lo na perspectiva do usucapião, tomando-se por base o Estatuto da Cidade, regulamentado mediante a Lei n.º 10.257, de 10 de julho de 2001. A mencionada Lei, em seus artigos 9º e 14, elencou, entre os instrumentos da política urbana, o usucapião especial do imóvel urbano. É particularmente nessa perspectiva instrumental que se aborda a matéria, sem, contudo, perder de vista suas matrizes conceituais materiais. O Código Civil apresenta o usucapião como uma forma de aquisição de domínio pela posse prolongada. Na mesma esteira, Caio Mario da Silva Pereira27 expõe que “a aquisição da propriedade ou outro direito real pelo decurso do tempo estabelecido e com a observância dos requisitos instituídos em lei”. Constata-se, portanto, que dois são os elementos básicos, essenciais, para a aquisição por usucapião: posse e tempo. Exige-se, ainda, o animus domini. Pode-se conceituar o usucapião como a aquisição do domínio ou de um direito real sobre coisa alheia, mediante posse mansa e pacífica, com ânimo de dono, durante o tempo estabelecido em PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 4, p. 119. 27 126 Revista Pró-Ciência lei. Esta conceituação está calcada, de forma geral, na apresentada por Modestino, no Digesto28. Neste sentido, é o caso de se indagar: por que a posse continuada, pelo tempo estabelecido em lei, leva ao usucapião? Salles29 expõe que todo bem móvel ou imóvel deve ter uma função social. Vale salientar que deve ser usado pelo proprietário, direta e indiretamente, de modo a gerar utilidades. Se o dono abandona esse bem, se se descuida no tocante à sua utilização, deixando-o sem uma destinação e se comportando desinteressadamente como se não fosse o proprietário, poderá, com tal procedimento, facilitar a outrem a oportunidade de se apossar do referido bem. Essa posse mansa e pacífica por determinado tempo levará à aquisição da propriedade por quem seja seu usuário, porque interessam à coletividade a transformação e a sedimentação de tal situação de fato em situação de direito. Argumenta Salles30 que à paz social interessa a solidificação daquela situação de fato na pessoa do possuidor, convertendo-a em situação de direito, inibindo-se, assim, a incidência da instabilidade do possuidor que poderia eternizar-se, levando a discórdias e conflitos que afetem a harmonia da coletividade. Assim, o proprietário desidioso, ao não cuidar do que é seu, ao deixar seu bem em estado de abandono, mesmo sem a intenção de abandoná-lo, perde sua propriedade em favor daquele que, havendo se apossado da coisa mansa e pacificamente, durante o tempo previsto em lei, da mesma cuidou e lhe deu destinação, utilizando-a como se sua fosse. Usucapio est adiectio dominii per continuationem posessionis temporis lege definite, ou seja, usucapião é a aquisição do domínio pela posse continuada por um tempo definido. (MODESTINO. Digesto, Livro 41, Título III, frag. 3) 28 SALLES, José Carlos Moraes. Usucapião de bens imóveis e móveis. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 26. 30 SALLES, José Carlos Moraes, op. cit., p. 27. 29 127 Revista Pró-Ciência 1 Usucapião O usucapião31 é um instituto extremamente complexo, de origem na Roma antiga e que até hoje é palco de discussões doutrinárias. Foi regulado na antiguidade pela Lei das XII Tábuas, que sagrava o usucapião de bens imóveis (dois anos) e móveis (um ano), prazo este prorrogado, posteriormente, para dez anos entre os presentes e vinte entre os ausentes. Outras leis, da mesma forma, vieram regulamentar o usucapião e, mesmo sendo um instituto tão antigo, gera polêmica até hoje. Carvalho Filho32 alude a que o usucapião constitui modalidade de aquisição da propriedade em virtude da ocorrência de prescrição aquisitiva. O núcleo conceitual básico é representando pelos fatores posse e tempo, mas a lei, dependendo da modalidade de usucapião, pode reclamar a presença de outros requisitos. O usucapião enseja a aquisição da propriedade móvel e da propriedade imóvel33. Vários são os fundamentos éticos para a adoção do usucapião, por vezes ligados ao direito subjetivo de propriedade, e em outras associados à função social da propriedade. O correto é que para alguns o instituto se justifica em face do abandono da coisa pelo antigo dono; para outros, no grau de certeza de que se deve revestir o direito de propriedade; e para Conforme FERRAZ, Sergio. Estatuto da Cidade. DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sergio (Coords.). Estatuto da Cidade. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 139: À celeuma sobre a nomenclatura “a usucapião” ou a indicação “o usucapião” Clóvis Beviláqua preferia “usocapião” a “usucapião”, mas a maior parte da doutrina tem optado por atribuir à palavra o gênero feminino, quase sempre forte na sustentação de que as palavras latinas da terceira declinação, com o nominativo terminando em “io”, invariavelmente eram femininos. Há, contudo, relevante corrente que sustenta o gênero masculino do vocábulo, inclusive porque os substantivos portugueses terminados em “ão” a esse gênero habitualmente pertencem. 32 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. 3. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009, p.122. 33 Os artigos 1238 a 1243 do Código Civil regulam o usucapião de bens imóveis, ao passo que os artigos 1260 a 1262 tratam do usucapião de bens móveis. 31 128 Revista Pró-Ciência outros, ainda, na segurança social e no aproveitamento econômico do bem usucapido. Doutrinariamente o usucapião tem sido classificado em três modalidades. A primeira é o usucapião extraordinário, marcado pela só exigência da posse em determinado prazo e pela dispensa do justo título e boa-fé. A segunda é o usucapião ordinário, em que, além do tempo e da posse, são exigidos o justo título e a conduta de boa-fé. E concluindo, há o usucapião especial, cuja linha marcante consiste na posse e na finalidade do uso do bem, finalidade esta em que está envolta a função social exigida para o instituto da propriedade, como consagrada no art. 5º, XXIII, da Carta Magna34 . O usucapião especial de imóvel urbano enquadra-se no usucapião especial, face a seu caráter social. Por meio dele é possível buscar a concretização da justiça social, permitindo-se alcançar passo a passo o longo percurso necessário à redução das desigualdades entre as camadas da sociedade35 . 2 Usucapião especial individual de imóvel urbano O presente instituto veio trazer a paz social, tanto almejada pela sociedade, mas propriamente de uma camada da população que sem meios para a aquisição de um imóvel urbano para moradia, por vezes se utiliza deste descrito no Estatuto da Cidade. 2.1 Definição É aquele que o possuidor adquire o domínio de imóvel, com a dimensão máxima de 250 metros quadrados, em que resida sozinho ou com a família por cinco anos no mínimo, sem interrupção, sem oposição e sem que seja proprietário de qualquer outro imóvel. PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. cit., p. 115-120. CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 123; FERRAZ, Sergio, op. cit., p. 139. 34 35 129 Revista Pró-Ciência 2.2 Fundamento O objetivo do presente instituto é que o possuidor-usucapiente, além da aquisição do domínio sobre o imóvel do usucapido em virtude da posse no prazo estabelecido na lei, também leva ao seu fim social, que se revela pela aquisição do direito por parte do usucapiente e pela adequação do imóvel às regras de política urbana da cidade. Além disso, impõe-se o atendimento de alguns requisitos especiais previstos em lei para propiciar a aquisição do domínio. No âmbito do Estatuto da Cidade, o usucapião especial de imóvel urbano é o instrumento jurídico pelo qual o possuidor adquire o domínio de imóvel, atendido o descrito no tópico acima. É salutar lembrar que a Constituição de 1946 foi a primeira a tratar do usucapião especial de imóvel urbano e rural, estipulando o prazo de dez anos (art. 156, § 3º). Entretanto, um dos requisitos era o de que o possuidor tivesse tornado produtivo o imóvel, razão pela qual foi o instituto, denominado de usucapião pro-labore. A Constituição de 1967, porém, não contemplou essa modalidade de usucapião. A atual Constituição abordou o instituto no art. 183, estando este dispositivo também inserido no capítulo dedicado à política urbana, que constitui a fonte constitucional do usucapião especial de imóvel urbano36 . Conforme salienta Carvalho Filho37, essa modalidade de usucapião foi disciplinada no Estatuto da Cidade entre os artigos 9º e 14, configurando-se como diploma regulamentar do citado mandamento constitucional. Não bastasse o profundo impacto de tudo quanto já operado de novidade, precedentemente referido, a isso veio juntar-se a decisão do constituinte de alargar a boa experiência do usucapião pro labore do campo , fazendo-o também incidir na cidade. Dessa opção surgiu o art. 183, da Carta Maior, de alcance tão amplo quanto seu congênere rural (cabendo lembrar que nem um nem outro incidem sobre bens públicos, por taxativa exclusão constitucional), com os perfis próprios às específicas preocupações que aqui comparecem. (FERRAZ, Sergio, op. cit., p. 140-141). 37 CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 124. 36 130 Revista Pró-Ciência O Código Civil vigente contempla, também, a figura do usucapião especial para fins de moradia, em seu art. 1.240, sendo que a única diferença na redação entre o art. 9º do Estatuto e o disposto no Código Civil encontra-se na referência ao objeto do usucapião. O Código Civil simplesmente alude à “área urbana”, enquanto no Estatuto é feita menção à “área ou edificação urbana”. É salutar consignar que o projeto do Código é anterior ao projeto do Estatuto. A natureza jurídica do usucapião especial de imóvel urbano possui duas vertentes. A primeira trata de importante instrumento de política urbana, pois visa à regularização fundiária de imóveis situados na zona urbana, sobretudo aqueles localizados em áreas de comunidades de baixa renda38. A indefinição a respeito do domínio de imóveis urbanos atenta contra o processo de urbanização, e o usucapião serve exatamente para eliminá-la, proporcionando grau de desejável certeza ao sistema da propriedade urbana. A segunda apresenta o usucapião como poderoso instrumento de justiça social, permitindo àqueles que fazem do imóvel urbano o centro de sua moradia e de sua família a aquisição do domínio como compensação pelo uso efetivo, ininterrupto e imune a qualquer oposição. E, conforme preceituado no parágrafo único, do art. 1º do Estatuto, os objetivos de política urbana consistem em proporcionar segurança e bem-estar aos cidadãos. 2.3 Pressupostos O usucapião urbanístico configura-se ante o cumprimento de determinados pressupostos. Sem que estejam presentes, não se completa o ciclo de elementos componentes do substrato fático do direito. Observe-se que o legislador não fixou com exatidão o que seja baixa renda, ficando o critério de especificação de tal conceito a cargo de quem for analisar o caso em concreto. 38 131 Revista Pró-Ciência O primeiro pressuposto jurídico é a posse (grifo desse trabalho). Não caindo no dilema entre a teoria subjetivista e a objetivista, verifica-se que o Código Civil utilizou o pensamento de IHERING39, ou seja, o segundo, apesar de ter alguns tons da teoria subjetivista. O Código, em seu art. 1.196, define a posse como o exercício de fato, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio ou propriedade. Interessante observar que a regra contida no Estatuto apresenta-se aparentemente mais afinada com a teoria subjetivista da posse, ao estabelecer, no art. 9º, que “aquele que possuir como sua área ou edificação [...]” adquirirá o domínio do imóvel urbano. Conforme salienta Carvalho Filho40 o texto parece deixar claro que será exigida a prova do animus domini. Ou seja, não bastará o poder de fato que o possuidor exerce sobre o imóvel (corpus), mas será preciso também que esse poder seja exercido com a convicção de que o imóvel é seu. Aqui o que a lei impõe é considerar sua posse com a noção material de ocupação – noção despedida de subjetivismo. No mínimo terá o possuidor situação de certeza jurídica potencial, isto é, a expectativa de que em algum momento poderá ser reconhecida, em seu favor, a propriedade do imóvel em que reside ou outra situação jurídica pela qual se lhe assegure a permanência do status quo. Como segundo requisito exposto na lei há a presença do pressuposto temporal (grifo deste trabalho): o prazo da posse deve alcançar no mínimo cinco anos. Como o usucapião urbanístico é especial, justifica-se o período menos extenso da posse, se comparado com os estatuídos no Código Civil. Não custa lembrar o fim social do instituto, no caso a moradia do possuidor ou de sua família, isso sem contar a importância da regularização fundiária dos imóveis urbanos. No caso em comento, a posse deve IHERING, Rudolf von. In: MORRIS, Clarence. Os grandes Filósofos do Direito. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2002, p. 400/4008. 40 CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 126 39 132 Revista Pró-Ciência ser contínua e pacífica, ou seja, exercida sem interrupção e sem oposição do proprietário. Há também o pressuposto territorial (grifo deste trabalho). Só podem ser objeto do usucapião especial urbanístico os imóveis de até 250 metros quadrados. Imóveis com área superior a essa poderão enquadrados no usucapião extraordinário ou ordinário, adotando-se para tanto os respectivos prazos. O imóvel deve ainda caracterizar-se como urbano; se o caso for de imóvel rural, a dimensão territorial será diversa: 50 hectares (art. 191, CF/88). O quarto pressuposto é o finalístico (grifo deste trabalho): o imóvel só pode ser utilizado pelo possuidor ou por sua família para moradia. Face ao aludido, é vedado, para fins do usucapião urbanístico, que o possuidor utilize o imóvel para locação ou como estabelecimento comercial, ressalvado, neste último caso, o fato de ser a moradia o objetivo básico da utilização do bem. Em relação ao possuidor, a lei refere-se a “sua moradia ou de sua família”. A melhor exegese é no sentido de que o usucapião será viável mesmo se o possuidor abandonar sua família, hipótese em que o título de propriedade será conferido à esposa, companheira ou conviventes, conforme preceito da Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996, que regula a união estável descrita no art. 226, § 6º , da CF/88. Por derradeiro, há o pressuposto patrimonial (grifo deste trabalho): o possuidor não pode ser proprietário de qualquer outro imóvel, urbano ou rural. Pode ocorrer que o possuidormorador tenha a posse de outro imóvel. Em tal situação nada impede a pretensão de usucapir o imóvel em que reside, pois o outro, por não ser sua moradia, nem ser objeto de domínio, será insuscetível de ser adquirido por ele por meio do usucapião especial. 133 Revista Pró-Ciência 2.4 Aquisição do Direito O direito de propriedade é adquirido no usucapião pelo preenchimento de certos elementos que formam o substrato fático do direito. Consumando-se o substrato fático, nasce o direito subjetivo. No usucapião especial de imóvel urbano, consagrado no art. 9º, § 2º, do Estatuto, o reconhecimento desse direito somente se dará uma vez, desde que o possuidor-morador preencha os requisitos para adquirir a propriedade. Neste mesmo diapasão, se o possuidor-morador se transformar em proprietário e alienar o imóvel, vindo, posteriormente, a exercer a posse em outro imóvel urbano, usado para sua moradia, não poderá, após o prazo de cinco anos, reivindicar o domínio desse imóvel. Face ao fato de que o direito de propriedade, no usucapião urbanístico, exaurese com uma única aquisição. Tal premissa não impede que o interessado venha a adquirir o direito de propriedade por este instituto. O que a lei inibe é que venha a adquirir imóvel urbano por meio do usucapião especial. Ou seja, nenhum impedimento haverá para a propriedade ser adquirida pelo usucapião extraordinário ou ordinário, hipóteses em que o possuidor terá de cumprir prazos mais longos para ver reconhecido o domínio. O fundamento da limitação consiste na natureza singular do usucapião especial urbano. O alvo do instituto, como se tem observado, tem nítido sentido social e se afigura eminentemente protetivo em favor daquele que exerce a posse do imóvel para sua moradia. Daí o legislador não ter deixado margem para eventual desvio de perspectiva. A ser admitido o reconhecimento do direito por mais de uma vez, poderiam pessoas menos escrupulosas empregar artifícios fraudulentos para configurar mais de uma posse-moradia e adquirir várias propriedades. A aquisição teria então finalidade especulativa e não protetiva, como foi o objetivo do instituto. 134 Revista Pró-Ciência 2.5 Título do domínio Lastreado pelo parágrafo 1 º, do art. 9 º, do Estatuto da Cidade, observa-se a descrição de que o título de domínio será outorgado ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil41. A norma deve ser interpretada em consonância com o fim social do usucapião especial urbano. Sendo assim, a aquisição do domínio constitui forma de proteção do possuidor e de sua família. O beneficiário, portanto, não é apenas o possuidor como integrante da família, mas a própria família. Conforme acentuado por Carvalho Filho42, o título deve ser conferido ao homem ou à mulher isoladamente se a posse-moradia for exercida isoladamente, sem outros integrantes familiares. No caso de possuidor casado no regime da comunhão de bens, o título pode ser outorgado ao marido ou a mulher sem qualquer problema, já que se comunicam os bens adquiridos na constância do casamento e a propriedade e posse dos bens serem comuns. Idêntica solução se processa se o regime for o da comunhão parcial: o bem imóvel também entra para o patrimônio comum do casal, vez que a aquisição pelo usucapião especial constitui fato eventual. Entretanto, se a posse do morador, bem como os demais requisitos, se tiver completado antes do matrimônio por esse regime, a aquisição do bem terá por título causa anterior ao casamento, hipótese em que o bem não entra na comunhão. O título nesse caso deverá ser conferido exclusivamente ao cônjuge que tiver exercido a posse do imóvel. Se o regime for o da separação total, o título deve ser outorgado apenas ao cônjuge que iniciou a posse no imóvel, caso o início O art. 1.240, parágrafo 1º, do vigente Código Civil, tem idêntica regra, quando trata do usucapião especial para fins de moradia. 42 CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p.129. 41 135 Revista Pró-Ciência se deu antes do matrimônio. No caso de o casal ter iniciado a posse em conjunto, antes ou depois do matrimônio, o título há de ser atribuído a ambos os cônjuges, já que naquele regime matrimonial os patrimônios, como regra, permanecem separados. Tratando-se de união estável, o título deve se conferido, como regra geral, a ambos os companheiros, presumindo-se que ambos iniciaram juntos a posse do imóvel. Mas aqui se ressalva a mesma hipótese relativa ao momento da aquisição do direito. Se a aquisição do domínio se completou antes de iniciada a união familiar, o título será outorgado ao companheiro que tiver sido o titular da posse anterior. Não obstante, cabe aqui produzir a prova de que o direito foi adquirido antes de iniciada à união43. 2.6 Direito do herdeiro O direito do herdeiro descrito no parágrafo 3º, do art. 9º, do Estatuto testifica que, se o possuidor falece no curso do prazo para a consumação do usucapião, a lei assegura ao herdeiro o direito de continuar de pleno direito, com o período da posse considerado até a aquisição do domínio. O presente fundamento é de simples alcance. A posse do imóvel é destinada à moradia do possuidor e da família. Ressalta, pois, o núcleo familiar em relação à figura do possuidor. Dessa maneira, o falecimento do possuidor não desfaz o núcleo familiar; desfalca-o apenas. Mais do que justa, então, é a continuação da contagem do prazo prescricional em favor da família, de modo a propiciar a aquisição do domínio. Como leciona Carvalho Filho44 ,o herdeiro legítimo continua a posse de seu antecessor, portanto é ele o destinatário do direito. Entende-se, porém, que a posse só terá prosseguimento com o herdeiro quando anteriormente não houver composse entre 43 44 Art. 1.725 do Código Civil. CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p.131. 136 Revista Pró-Ciência o marido e a mulher, ou entre companheiros. Caso faleça um deles, a posse deverá prosseguir em favor do supérstite, e não do herdeiro, salvo se o próprio supérstite tiver a qualidade de herdeiro legítimo. Em suma, o herdeiro continua a posse do antecessor, se a posse deste for exclusiva e não compartilhada com seu composseiro. É o caso da mãe possuidora-moradora, sem marido ou companheiro, que tenha um filho: falecendo ela com quaro anos de posse do imóvel, o filho, como herdeiro legítimo, poderá contar esse período para que, com mais um ano, se complete o prazo para a aquisição da propriedade. Se forem vários os herdeiros legítimos, terão estes a composse do imóvel. Salles45 afirma que o Estatuto não faz diferença entre sucessor universal e o singular, tendo ambos direito subjetivo à continuação da posse, desde que resida no imóvel à ocasião da abertura da sucessão. 3 Usucapião especial coletivo O inovado instituto lançado pelo Estatuto da Cidade veio de encontro a uma camada da população de baixa renda, desassistida pelo poder público e, que não tendo com quem contar permanecia por décadas em aglomerações urbanas, sem o devido documento probatório da posse do bem e, também, sem quaisquer garantias. A lembrança do legislador, na inserção deste tópico foi muito benéfica. Trataremos a seguir do usucapião especial coletivo. 3.1 Definição É a aquisição conjunta do domínio, por pessoas integrantes de comunidades de baixa renda, quando se afigura impossível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor (art. 10, do EC). 45 SALLES, José Carlos Moraes, op. cit., p. 217. 137 Revista Pró-Ciência 3.2 Características A característica principal dessa modalidade de usucapião consiste na circunstância de que a aquisição é coletiva, beneficiando em terrenos situados em área urbana superior a 250 metros quadrados. Como os terrenos ou o tipo de construção não propiciam um dimensionamento específico para cada possuidor, não haveria outro meio de regularizar a propriedade senão pelo usucapião coletivo. O usucapião coletivo, em virtude de seus fins, se enquadra como modalidade de usucapião especial. Ao mesmo tempo, representa mecanismo de política urbana pelo qual se propicia a regularização da propriedade urbana. Outro parâmetro é o aspecto social, pois beneficia comunidades de baixa renda. Assim, pode-se dizer que o usucapião coletivo tem a natureza de usucapião especial instituído como instrumento de política urbana e de justiça social. 3.3 Fundamento Inova o legislador ao introduzir este instituto no sistema de aquisição da propriedade pela prescrição. Não porque não se conhecesse o usucapião requerido por indivíduos que exerciam a posse em conjunto, mas sim porque o usucapião coletivo agora introduzido tem caráter urbanístico e se configura como instrumento de política urbana para atender à população de baixa renda. A norma foi inspirada na necessidade de regularizar o domínio de áreas em que os possuidores não conseguem identificar os terrenos ocupados, fato bastante conhecido em comunidades de baixa renda. O processo de posse em tais aglomerações urbanas faz-se ao largo de qualquer regramento jurídico, mas é inegável que o fenômeno decorrente das numerosas posses não poderia ser relegado pela ordem jurídica. 138 Revista Pró-Ciência O fundamento da norma reside exatamente na justiça social, espelhada pela aquisição do domínio, por possuidores e terrenos urbanos, em razão do decurso de certo tempo. Não é por outra razão que esse tipo de estratégia constitui diretriz da política urbana, como está descrito no art. 2º, XIV, do Estatuto. Conforme salienta Mattos46, também deve ser considerado que esta inovação do legislador demonstra uma economia no procedimento a ser adotado perante o Poder Judiciário, visto que em uma só ação todos os interessados deduzem sua pretensão. Para os moradores, a facilidade consiste em poderem ser representados por sua associação, que tem a missão de representá-los em juízo, como já acentuou acertadamente a doutrina especializada. O presente instituto não contempla pessoas com status social diverso daquele em que se situam indivíduos de baixa renda. Nunca se pode esquecer do objetivo social dessa forma de aquisição da propriedade, e por essa razão não podem pessoas de uma melhor condição social socorrer-se do usucapião especial coletivo para ampliarem mais ainda seu patrimônio. Outro pressuposto específico decorre da relação entre o possuidor e a área objeto da posse. Na esteira do art. 10, do Estatuto, só se aplica o instituto nos casos em que não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor. Essa é realmente a situação que ocorre nas comunidades de baixa renda. A agregação dos indivíduos à comunidade se processa sem qualquer pré-requisito e a posse vai sendo exercida em cada área sem haver prévia definição de sua metragem. Se numa comunidade, por exemplo, os indivíduos exercerem a posse sobre terrenos com definição clara, sendo possível identificar o possuidor e a área que ocupa, não incidirá o usucapião coletivo, mas sim o individual. MATTOS, Liana Portilho. Nova ordem jurídico-urbanística: função social da propriedade na prática dos tribunais. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 86. 46 139 Revista Pró-Ciência 3.4 Requisitos Aliado ao exposto no item anterior, o Estatuto considerou ainda alguns requisitos a serem observados para o usucapião coletivo. Conforme o preceito legal, a área a ser usucapida coletivamente tem que ter mais de 250 metros quadrados. A fixação da área mínima não foi uma boa opção do legislador. O real fundamento dessa modalidade de usucapião deveria ser apenas a impossibilidade de identificação dos terrenos ocupados, e não também a limitação da área. Poderão surgir efeitos injustos para posseiros urbanos. Assim, se uma área de 250 metros quadrados, por exemplo, for objeto de várias posses, em espaços não identificados para cada possuidor, não poderá ser objeto de usucapião coletivo, nem do usucapião individual, já que para este é necessário identificar o terreno sob a posse do morador. Outro requisito é o período da posse: da mesma forma que no usucapião urbano individual, o prazo é de cinco anos, devendo a posse ser ininterrupta e sem oposição. O objetivo da posse há de ser, da mesma forma, a moradia do possuidor. Faz-se necessário ainda, que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. A exigência é a mesma que foi descrita para o usucapião individual. Entretanto, como se verificará mais à frente, aqui poderá surgir alguma dificuldade no que se refere à fração ideal a ser atribuída a cada possuidor (art. 10, § 3º), se houver entre os possuidores algum que seja proprietário de outro imóvel e que, por isso mesmo, não pode ser beneficiado com a aquisição da área em que exerce a posse. Aplica-se ao interessado no usucapião coletivo a mesma restrição dirigida àquele que pretende o reconhecimento do usucapião individual, previsto no art. 9º, § 2º, do Estatuto: o direito não poderá ser reconhecido mais de uma vez. Apesar de a restrição não ter sido incluída no art. 10, relativa ao usucapião coletivo, é clara a disposição contida no texto constitucional (art. 140 Revista Pró-Ciência 183, § 2º), onde a Constituição não faz distinção entre o usucapião individual e o coletivo, limitando-se a tratar do usucapião especial como instrumento de política urbana. Logo, não poderia a lei suprimir restrição definida no mandamento constitucional. Deve-se entender, pois, que não pode pleitear o quinhão do usucapião coletivo o possuidor que anteriormente já tiver sido beneficiado pelo instituto47. Também deve ser assinalado que, embora repugnasse ao espírito jurídico romano, nas origens, a idéia de condomínio, com a expansão do colonialismo do império a noção exclusivista se foi abandonando. A acomodação, a início, pretoriana, não tardou. À fórmula peremptória do Digesto, seguiu-se a conveniente construção da idéia de condomínio indiviso extensivo, com a atribuição ideal de uma fração do todo a cada condômino. E o conceito de propriedade condominial, com essas feições, existe entre nós desde muito, estando enraizado no Código Civil (artigos 1.314 e seguintes). De sorte, se há propriedade condominial coletiva, pois não há razão jurídica para se inadmitir a aquisição coletiva da propriedade, inclusive pela via do usucapião, inexistindo qualquer vedação a isso no inciso XXII, do art. 5 º, da Constituição da República48. 3.5 Condomínio indiviso especial A aquisição coletiva dá origem a um condomínio indiviso especial, conforme preceitua o art. 10, § 4º, do Estatuto. Por ser condomínio indiviso, a ele se aplica os artigos 1.314 e seguintes do Código Civil, quando compatíveis com a especificidade do Estatuto da Cidade. Como especial que é, o condomínio do art. 10, do Estatuto, tem a vocação da durabilidade no tempo. Sua extinção só é posCARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 135. FERRAZ, Sergio, op. cit., p.144. Sergio, op. cit., p.146. CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 137 47 48 141 Revista Pró-Ciência sível, e desde que aprovada por no mínimo dois terços dos condôminos (art. 10, § 4º), no caso de urbanização da área supervenientemente à constituição do condomínio. Havendo decisão condominial neste sentido, admitir-se-á a divisão ou a extinção do condomínio especial. É que se tem em mente o dado de que a urbanização acresce valor ao bem, podendo inclusive beneficiar diferentemente os condôminos – circunstâncias essas que alteram profundamente a situação econômico-funcional de fato que justificara sua criação, e o dinamismo de sua administração, levando o afastamento da incidência dos artigos 1.320, 1.323, 1.325, todos do Código Civil49. Salienta Carvalho Filho50 que a indivisibilidade ou a inextinguibilidade do condomínio não se confunde com a divisão ou a extinção ideal do terreno atribuída a cada condômino. Para exemplificar: se um condômino é proprietário da fração de 1/50 do terreno, pode ela transformar-se e duas frações de 1/100, seja causa mortis ou inter vivos a sucessão. No caso de herança, os herdeiros serão coproprietários da fração. Assim, ou permanecem com o domínio da fração ideal que resultou da herança ou podem aliená-la em conjunto ou separadamente para outrem, passando então o adquirente a ser o novo proprietário da fração originária ou da decorrente da subdivisão. A administração do condomínio é encargo que se origina naturalmente da situação da copropriedade de frações ideais. É que, além dos interesses individuais dos condôminos, existem outros que pertencem à coletividade condominial em conjunto. Desse modo, é preciso que se estabeleça a gestão do conjunto condominial até como forma de prevenir conflitos entre os moradores. Com base no art. 10, § 5º, do Estatuto, as deliberações concernentes à administração do condomínio especial deverão ser 49 50 FERRAZ, Sergio, op. cit., p.146. CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 137. 142 Revista Pró-Ciência tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes. A lei é omissa a respeito, mas seria muito recomendável que os condôminos se reunissem para eleger um síndico, tal como ocorre nos condomínios verticais em geral. A ele caberia convocar a assembléia de condôminos para tratar de assuntos de interesse comum. A presença dos condôminos é fundamental, já que as decisões dependem apenas de maioria simples, ou seja, aquela obtida pela maioria dos presentes. Inexiste, pois, quórum de presença, mas apenas quórum de decisão. Cabe representação do condômino na assembléia por procurador com os poderes específicos para tal fim. A deliberação, tomada de acordo com os requisitos que a lei estabeleceu, tem o condão de obrigar a todos os demais condôminos, incluindo-se não só os que discordaram da maioria, como também os que não compareceram. Para estes, que depois não podem reclamar das decisões adotadas, trata-se de ônus natural derivado de sua ausência. No caso de recalcitrância desse grupo em observar a decisão condominial, é cabível, não havendo composição entre os interessados, o recurso à via judicial, nela podendo ser formulado pedido de que o réu seja obrigado a respeitar a decisão da maioria dos condôminos na forma do que dispõe a lei51. 3.6 Sucessão de Posses O Estatuto em comento admitiu a sucessão de posses, condicionando-as que sejam contínuas e ininterruptas (art.10, § 1º). Com base neste dispositivo, o possuidor pode acrescentar sua posse à do antecessor para completar o prazo de cinco anos exigido para a aquisição do domínio. Como a lei não impõe qualquer restrição a respeito, pode haver mais de dois possuidores. Sendo ininterruptas as posses, o sucessor tem o direito de contar o período de posse dos antecessores. 51 CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 138. 143 Revista Pró-Ciência Observe-se que, diversamente do que contempla o art. 9º, § 3º, do Estatuto, usucapião individual, a continuação da posse não depende apenas da relação sucessória. Significa que um possuidor pode até mesmo alienar seu direito de posse para que o adquirente prossiga na contagem do prazo quinquenal. Aqui não se trata apenas de sucessão causa mortis, mas também a que se processa inter vivos. A sucessão de posses tem de ser contínua. Havendo qualquer interrupção, a nova posse terá de obedecer ao prazo legal de cinco anos. A continuidade da posse é matéria de prova, de modo que poderá ser objeto de discussão no curso da ação judicial em que o possuidor pretende o reconhecimento do usucapião. Quanto à ocorrência de herança, é de se considerar que o herdeiro tenha direito à sucessão na posse sem a restrição prevista no artigo supramencionado para o usucapião individual, segundo o qual a continuação da posse só é admitida se o herdeiro residir no imóvel no momento da abertura da sucessão. No usucapião coletivo inexiste tal limitação. Nem a Constituição a menciona. Assim, não se podendo dar interpretação extensiva a mandamentos restritivos, não deve incidir no usucapião coletivo a exigência prevista para o usucapião individual no que se refere ao herdeiro. 144 Revista Pró-Ciência Considerações finais O Estatuto da Cidade, no que concerne ao usucapião, na modalidade implantada, veio fornecer um meio de atendimento a uma camada populacional carente e que não possuía uma via eficaz para alcançar sua moradia. O alvo do instituto, como se tem observado, tem nítido sentido social e se afigura eminentemente protetivo em favor daquele que exerce a posse do imóvel para sua moradia, fazendo com que o legislador não tivesse deixado margem para eventual desvio de perspectiva. A ser admitido o reconhecimento do direito por mais de uma vez, poderiam pessoas menos escrupulosas empregar artifícios fraudulentos para configurar mais de uma posse-moradia e adquirir várias propriedades. A aquisição teria, então, finalidade especulativa e não protetiva, como foi o objetivo do instituto. Inova o legislador ao introduzir este instituto no sistema de aquisição da propriedade pela prescrição. Não porque não se conhecesse o usucapião requerido por indivíduos que exerciam a posse em conjunto, mas sim porque o usucapião coletivo agora introduzido tem caráter urbanístico e se configura como instrumento de política urbana par atender à população de baixa renda. Atrelado a isto o fato de serem estabelecidos pressupostos para serem alcançados pelo pleiteante mereceu, por parte do legislador, uma grande sensibilidade quando cercar-se de algumas exigências para que os oportunistas não possam se utilizar deste instituto para lucrar. Verifica-se que o texto do Estatuto da Cidade não é explicito no sentido de informar o conceito do que seria baixa renda, sendo esta avaliada pela autoridade julgadora, no momento de sua manifestação em algum processo. De uma forma geral, o Estatuto da Cidade veio ocupar uma lacuna no mundo jurídico, tecendo uma teia a fim de que as anomalias ou a ausência em diversos setores da cidade fossem for- 145 Revista Pró-Ciência matadas e atendidas em conformidade com esta lei. A sua implementação ainda não foi plenamente executada, pouco existindo ou inexistindo jurisprudência que trate dos pontos mencionados no corpo da lei. Mas no decorrer dos anos espera-se que o Estatuto seja aplicado e cumprido conforme a lei promulgada. 146 Revista Pró-Ciência Referências CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentário ao Estatuto da Cidade. 3. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris 2009. FERRAZ, Sergio. Estatuto da Cidade. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sergio (Coord.). Estatuto da Cidade. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 131/142. IHERING, Rudolf von. In: MORRIS, Clarence. Os grandes Filósofos do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.400/4008. MATTOS, Liana Portilho. Nova ordem jurídico-urbanística: função social da propriedade na prática dos tribunais. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. MODESTINO. Digesto, Livro 41, Título III, frag. 3. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, SALLES, José Carlos Moraes. Usucapião de bens imóveis e móveis. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992. 147 Revista Pró-Ciência Dragões e áspides: Franciscano Antônio de Lisboa/Pádua e o retrato dos blasfemadores da fé no Século XIII Jefferson Eduardo dos Santos Machado 52 Resumo Abstract A Igreja Romana passou por profundas transformações entre os séculos XI e XIII. Entre elas, está o surgimento de uma nova maneira de se viver a fé. Entre o final do XII e todo o XIII surgiram grupos que reivindicaram a Igreja o retorno a forma de vida dos primeiros cristãos. Entre esses grupos está o fundado por Francisco de Assis. Antônio de Lisboa/ Pádua foi um dos que ingressaram nas fileiras da Ordem dos Frades Menores em busca de viver esse novo frescor religioso. Esse frade português destacou-se na pregação contra a heresia cátara e o relaxamento dos costumes dos membros da Igreja. Para isso, escreveu um manual de sermões, que entre muitas peculiaridades, tem na linguagem simbólica das bases da construção do seu discurso. Nesse artigo, veremos de que forma o religioso utilizou a simbologia do dragão, um dos grande símbolos medievais e elemento fundamental nos Bestiários medievais. The Roman Church underwent deep changes between the 11th and 13th centuries. Among them is the emergence of a new way of experiencing faith. Between the end of the 12th and the whole 13th centuries groups emerged claiming the Church should come back to early Christians’ way of life. Among those groups is the one founded by Francis of Assisi. Among those who joined the ranks of the Order of Friars Minor in an attempt to live this new religious freshness was Antônio de Lisboa/ Pádua. This Portuguese friar was prominent in preaching against the albingensian heresy and the desertion of customs by the Church. For this purpose, he wrote a manual of sermons, which, among many peculiarities, applies the symbolic language to the groundwork of his speech construction. In this article, we will examine how the priest used the symbolism of the dragon, one of the great medieval symbols and a key element in the medieval bestiaries. Palavras - chave: Keywords: Idade Média. Franciscanos. História da Middle Age. Franciscans. History of the Church. Igreja. Bacharel em História pela UFRJ e Mestre em História Comparada, pelo Programa de Pós Graduação em História Comparada da UFRJ. Além disso é Pesquisador Colaborador do Programa de Estudos Medievais da UFRJ, com o projeto “Pregação dos Frades Menores no Século XIII” . Atua também como professor Assistente no UniMSB. 52 148 Revista Pró-Ciência Antônio de Lisboa/Pádua, o primeiro mestre de teologia franciscano, nasceu em Lisboa entre 1190 e 1195. Em terras lusas estudou na escola episcopal da Sé de Lisboa, no Mosteiro de São Vicente de Fora e no maior de todos os mosteiros de seu período, o de Santa Cruz de Coimbra. Tornou-se cônego regrante de Santo Agostinho e sacerdote. Como cônego Fernando, após alguns anos de vida religiosa regrante, passou a criticar o cotidiano da vida religiosa, ou seja, os regrantes já não viviam tal como ordenava a sua Regra. Diante desta realidade, após alguns contatos com os Irmãos Menores, que sempre iam mendigar no mosteiro em que vivia, estabeleceu uma certa comparação entre as duas formas de trilhar os caminhos do Evangelho. Esta confrontação ficou ainda mais latente quando passaram por Portugal os primeiros mártires franciscanos que tinham como destino final o Marrocos. Como o lisboeta pôde conhecê-los antes de sua ida e, certamente, ficou impactado com o retorno de seus restos mortais, que foram enterrados em Santa Cruz, quis imediatamente tornar-se frade menor. Como franciscano, Antônio distinguiu-se por sua pregação eloquente contra os excessos dos religiosos e como combatente voraz das ideias contestadoras, principalmente as pregadas e praticadas pelos cátaros, aos quais ele dedicou boa parte de seu apostolado, com objetivo de convencê-los a retornar ao seio da Igreja Romana. A sua fama de bom pregador e servidor da Santa Sé fez com que Francisco de Assis o nomeasse o primeiro mestre de teologia da Ordem dos Frades Menores. Sua principal incumbência passou a ser a formação de um novo modelo de pregador franciscano, que ao invés de utilizar-se só do seu exemplo pessoal, pudesse contar com um arcabouço intelectual que melhor o fundamentasse contra o grupo herético em questão, que possuía membros bem instruídos e preparados para debater intelectualmente sobre suas crenças e criar embaraços aos novos religiosos. Dentro deste ideal de formar novos pregadores para a ordem, o frade começou a redigir sua maior obra, os Sermões Dominicais 149 Revista Pró-Ciência e Festivos. Os Dominicais foram escritos entre 1227 e 1230 e os Festivos, entre o outono e o inverno europeu de 1230-1231. Estes sermões não foram exatamente os que Antônio pregou, pois trata-se, na verdade, de um manual para pregadores da ordem e que poderia ser consultado por leigos cultos e religiosos de outras instituições. Seus propósitos, nesta obra, são essencialmente religiosos e morais. Os Sermões consistem, então, em um guia prático que, ao mesmo tempo, é uma compilação teórica, doutrinária e um tratado moral, contendo informações de um mestre experiente no ofício da pregação. O franciscano utilizou em suas obras a pregação moralizante, tendo como base as características dos animais. Em sua obra sermonária, Antônio citou 99 bestas diferentes, em sua grande maioria com a finalidade de exercitar a exempla, prática muito comum nos textos medievais. O que nos chama atenção é que muitas destas características são humanas, muitos destes animais são de regiões distantes da Europa e, portanto, distante da realidade do autor, e outros nem existem. Por isso direcionamos nosso olhar para as obras que são conhecidas como Bestiários Medievais e que foram de grande circulação entre aqueles que viveram no período. Michael Arnott e Iain Beavan definem o gênero literário conhecido como Bestiário como uma coleção de descrições curtas que tratavam do que se entendia como características dos animais na Idade Média, fossem eles reais ou imaginários, incluindo dados sobre plantas e pedras, acompanhados por uma explicação moralizante53. Desta forma, segundo esta publicação, eles não podem ser classificados e interpretados como textos “científicos”. Os bestiários, como são conhecidos por nós hoje, surgiram na Inglaterra nos séculos XII e XIII, como uma compilação de ARNOTT, M., BEAVAN, I., GEDDES, J., The Aberdeen Bestiary: an Online Medieval Text. Computers & Texts [CTI Textual Studies Newsletter], n. 11. 1996 53 150 Revista Pró-Ciência várias fontes anteriores, tendo como base principal o Physiologus. Este texto constituía-se em uma série de descrições moralizantes de animais reais ou imaginários, que buscavam dar um ensinamento cristão apoiado, geralmente, em citações bíblicas. A verdadeira finalidade da obra era a exposição das características dos animais como exempla54. Podemos afirmar que tais obras tornaram-se muito populares em seu período, pois seus relatos eram divertidos e as ilustrações, criativas, feitas para serem ferramentas didáticas, a fim de auxiliar os povos simples a apreender as lições de forma mais abrangente. Todas as criaturas tiveram o mesmo tratamento nos Bestiários, fossem animais, plantas ou pedras reais ou imaginárias, porque a moral da história era o que deveria ser focalizado e apreendido pelo homem medieval. Como não havia nenhuma maneira de verificar os fatos, não havia nenhuma razão para que o leitor duvidasse da existência das criaturas, cujos nomes originavam-se de fontes consagradas, como Aristóteles e Plínio. Ao contemplarem a natureza, os homens medievais procuravam interpretações alegóricas e simbólicas, a fim de perceber nelas uma instrução moral para conhecer a conduta correta que os homens deveriam ter, como tudo a sua volta. Vale destacar que, para os medievais, cada elemento da natureza era visto como um microcosmo de uma ordem maior, na qual todos se integravam: o cosmo. Assim acreditava-se, inclusive, que os nomes das criaturas tinham significado, tanto que ganharam grande ênfase nas etimologias no medievo55. Nesse trabalho abordaremos a figura mitológica do dragão e da áspide. Essa escolha vem da semelhança entre as duas bestas, pois segundo os manuais o medievais a áspide é um dragão pe- Disponível em: http://bestiary.ca/index.html. Acesso em: 6 abril. 2006 Disponível em: <http://penelope.uchicago.edu/~grout/encyclopaedia_romana/britannia/anglo-saxon/flowers/ bestiary.html>. Acesso em: 17 jan. 2005. 54 55 151 Revista Pró-Ciência queno. Além disso, vamos tratar aqui apenas dos sermões criados para a pregação durante a quaresma. Para a Igreja Católica Apostólica Romana, a Quaresma é o período de quarenta dias que antecede a Páscoa Cristã. Para os cristãos, essa seria a festa da ressurreição de Cristo. Tal evento aconteceu depois de uma seqüência de fatos que definiu o começo da crença dos seguidores de Jesus. Porém, a origem de tal momento litúrgico confunde-se com os costumes da religião judaica. Isto porque a Paixão de Cristo ocorreu durante o Pessach, palavra hebraica que significa passagem e se refere à libertação do povo hebreu que era cativo no Egito. São oito dias de celebração que formam um dos maiores feriados religiosos do judaísmo. Essa festa era antecedida de 40 dias de resguardo do corpo em relação aos excessos, para rememorar os 40 anos passados no deserto. O número quarenta (40) pode simbolizar espera, preparação, provação ou castigo e marca a história da salvação. Este número é utilizado, também, para assinalar o final de um ciclo, o período de uma mudança radical que produzirá uma outra ordem de ação e vida. Os exemplos constantes na Bíblia são muitos: os quarenta dias do dilúvio, que são transição purificadora entre a antiga e a nova aliança figurada pela arca; a própria quaresma, que prepara a ressurreição pascal e dura quarenta dias; a pregação de Jesus durante quarenta meses; sua ressurreição depois de passar quarenta horas no sepulcro; e sua permanência entre seus discípulos, durante os quarenta dias que precederam sua ascensão56. CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympo,1992, p. 757. 56 152 Revista Pró-Ciência Segundo os bestiários, O dragão era considerado a maior de todas as serpentes, na verdade de todos os seres vivos que para os medievais existiam. Os gregos o chamavam draconta, e este foi traduzido para o latim com o nome de draco57. Quando o dragão saia da cova, ou mesmo voava, o ar ao seu redor ficava quente. Tinha crista, boca pequena e um estreito lábio através do qual todo o alimento vai para a língua. Apesar disso, sua força não estava nos dentes, e sim na cauda, e fazia mais danos com seus golpes que com suas bicadas. Assim, era inofensivo no que tange ao veneno. Porém, diziam que necessitava do veneno para matar, já que, se ele se enroscava em torno de alguém, o matava. Nem mesmo o elefante se via protegido contra o tamanho de seu corpo, pois o dragão, que ficava de espreita junto aos caminhos por onde passavam os elefantes, enlaçava suas patas com um nó, graças à sua cauda, e os matava por asfixia58. O demônio, que era o maior de todos os répteis, era como esse dragão. Saía abaixado de sua toca e lançava-se ao espaço, e o ar em torno a ele se inflamava, pois o demônio, ao elevar-se das regiões inferiores, se convertia em um anjo de luz e enganava os nécios com falsas esperanças de glória e gozo terreno. Se dizia que tinha uma crista ou coroa, porque era o rei da soberba, e sua força não estava nos dentes, e sim na sua cauda, porque enganava aos que atraia com artimanhas, destruindo sua fortaleza. Deitava escondido junto aos caminhos por onde passavam, porque seu caminho para o paraíso estava obstaculizado pelos seus pecados, e os estrangulava até matá-los. Pois se alguém cai preso nas redes do crime, morre, e vai sem dúvida para o inferno59. MORETTI, Felice. Immaginario medievale. Disponível em: <http://www.mondimedievali.net/ Immaginario/drago.htm>.Acesso em: 26 jul. 2007. 58 MORETTI, Felice. Immaginario medievale. Disponível em: <http://www.mondimedievali.net/ Immaginario/drago.htm>. Acesso em: 26 jul. 2007. 59 Cambridge. In: MALAXECHEVERRIA, Ignacio. Bestiário Medieval, op. cit., p. 180-181. 57 153 Revista Pró-Ciência O dragão não matava homem algum, senão que o devorava lambendo-o com a sua língua60. O dragão era um animal de corpo enorme, de aspecto terrível, com uma boca grande e muitos dentes, olhos flamejantes e de grande comprimento. No começo era uma serpente, e com o passar do tempo se transformou em dragão e trocou de forma; sobre esse assunto, falava-se que: “Quando a serpente encontrava oportunidade, virava dragão”. Quando a serpente alcançava trinta metros de comprimento e aos cem anos de idade, a chamavam dragão; e seguia crescendo gradualmente, até que se convertia de tal forma que os outros animais se aterrorizavam ao vê-la. Segundo os medievais, Deus todo Poderoso a lançava ao mar; e também no oceano aumentava o seu tamanho, de forma que excedia dez mil metros; e nasciam duas pequenas asas como a um pé, e seus movimentos causavam as ondas do mar. E quando o dano que faziam resultava em manifestação no mar, Deus Todo Poderoso o enviava à morte, e um vento a lançava a terra. Comer o coração do dragão aumentava a valentia; quem o comia vencia os animais. Se amarrasse seu couro a um enamorado, este ficaria apaixonado. O estado de qualquer lugar que se enterrasse sua cabeça se tornaria agradável61. Quando o dragão tinha sede, ia direto em busca de um formoso manancial de água pura, limpa e saudável; porém antes, na verdade, vomitava em uma vala. Quando estava limpo e purificado do veneno, poderia então beber com toda segurança. Os fiéis deveriam imitar aos dragões: quando iam à igreja escutar a palavra de Deus: não deveriam levar nenhuma cobiça ou avareza; deveriam purgar-se de todo vício, mediante à confissão. Então poderiam entrar no templo a orar e escutar a palavra de Deus62. Importados da Índia não só de Plinio, mas, também de Solino, esses animais no balanço entre o real e o fabuloso, cruzaCambrai. In: MALAXECHEVERRIA, Ignacio. Bestiário Medieval, op. cit., p. 181. Nuzhat. In: MALAXECHEVERRIA, Ignacio. Bestiário Medieval. Op. cit., p. 181-182. 62 MORETTI, Felice. Immaginario medievale. Disponível em: <http://www.mondimedievali.net/ Immaginario/drago.htm> Acesso em: 26 jul. 2007 60 61 154 Revista Pró-Ciência ram-se nos mosteiros europeus de Cluny, Fulda, Reichenau, San Gallo, Montecassino, S. Vicente com outros monstros, diabos e dragões nascidos das penas de ganso de monges solitários, dando origem a uma fauna mais fantástica e monstruosa na qual real existência acabaram por crer. Áspide era um pequeno dragão, que às vezes era representado como quadrúpede outras como bípede. Desse réptil se contava que era muito sensível à música. Por evitar a suas irresistíveis tentações ele ficava surdo encostando uma orelha na terra e bloqueando a outra com a ponta da calda. O único meio de capturar um áspide era o canto, porém o animal era muito cuidadoso ao ponto de fazer-se surdo para evitar os mágicos encantos que tendem a tirar-lhe a coroa63. Os teólogos medievais, viram na áspide o pecador que tapa as orelhas à palavra da vida; era a imagem daqueles que se recusavam a praticar e escutar a palavra de Deus. Esse réptil é uma variedade do dragão que saiu das antigas culturas orientais para povoar o imaginário do Ocidente medieval. Sob a forma de serpente se apresentou a Eva, considerada a primeira pecadora. Daí o famoso verso bíblico: “Tu te arrastarás sobre teu ventre e comerás pó todos os dias de tua vida. (Gen. 3, 14). Com este texto de gênesis se explicava no medievo que a partir dali ela perdeu as patas, e se transformou de dragão em serpente: variação muito antiga, retratada seja nas tradições hebraicas ou nas gregas64. Antônio usou as bestas da mesma forma que muitos outros autores, ou seja, para ele deveriam simbolizar as práticas, sejam elas virtuosas ou não, dos homens medievais e representar elementos espirituais, da doutrina católica ou bíblicos, entre eles a própria representação do mistério cristão da Santíssima Trindade. MORETTI, Felice. Immaginario medievale. Disponível em: <http://www.mondimedievali.net/ Immaginario/aspide.htm>. Acesso em: 26 jul. 2007. 64 MORETTI, loc. cit.. 63 155 Revista Pró-Ciência A partir daqui, discutiremos como o frade, através da simbologia dos animais, tratou alguns problemas que a Igreja Romana passava naquela momento histórico. Aqui trataremos de um ponto fundamental da história do frade menor Antônio. Como já vimos anteriormente, o religioso esteve na linha de frente da missão evangelizadora da Igreja Romana que buscava combater o avanço dos cátaros e fortalecer o poderio da instituição junto aos fiéis. Então seria esperado que em seus sermões ele tecesse críticas aos inimigos da fé católica. O religioso afirma, no primeiro sermão da quaresma, que “a mente ou a consciência do pecador é covil de dragões pelo veneno do ódio e da detração”65, indicando que muitos ouvintes acabavam convencidos pelos pecadores, que nós identificamos como uma referência aos hereges. Os fiéis ficavam “inebriados e intoxicados” pelo que ele chama de “fel de dragões”. Dessa forma, procura sublinhar que, a pregação, a murmuração e a maledicência daqueles que se rebelavam contra a autoridade da Igreja, faziam com que as populações dos locais por onde o pregador passava ficassem envenenadas contra a instituição. O dragão era considerado, como já apontamos na primeira parte desse capítulo, a maior das serpentes, por isso era visto como experiente e que sabia muito bem enganar suas presas. Ao falar de detração, Antônio também faz referência à característica dessa besta de matar os homens somente pela língua. Assim, utilizando a simbologia do dragão, Antônio busca demonstrar que os hereges eram o diabo e matavam os fiéis quando os convencia através de seu discurso. Outra colocação interessante do frade é que o seu vinho é fel de dragões e veneno incurável das áspides66. Podemos aqui, primeiramente, observar uma distinção. Quando os dragões são citados, Santo Antônio. Sermão do Primeiro Domingo da Quaresma In: REMA, Henrique Pinto. Santo Antônio: Obras Completas. op. cit, p. 96. 66 Idem. 65 156 Revista Pró-Ciência o franciscano está tratando de pessoas do alto clero e que de certa forma tem uma proeminência social. Entendemos, então que áspides, que como informamos acima são dragões menores, possam ser religiosos e pessoas de menos influência que também espalham informações diferentes da que a Instituição Romana desejava. Antônio usava palavras duras para despertar em seu público um sentimento de temor face aos hereges, estimulando uma reforma dos hábitos do clero e a uma conversão ao catolicismo. Busca inculcar na população, através da pregação dos franciscanos a idéia de que quem pregava contra o que Roma queria era um agente demoníaco. 157 Revista Pró-Ciência Referências BESTIÁRIOS MEDIEVAIS. Disponíveis em: <http://bestiary. ca/beasts/beast78.htm>. Acesso em: 26 jul. 2007. FOREVILLE, R.. (Gd.): Lateranense IV. Vitória: Eset, 1973. HEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympo,1992, p. 757. ISIDORE OF SEVILLE.Disponível em: <http://bestiary.ca/ beasts/beast78.htm>. Acesso em: 26 jul. 2007. LIBELLUS DE NATURA ANIMALIUM. Disponível em: <http://www.bivir.com/ DOCS/NORM/ bestiario.html>. Acesso em: 26 jul. 2007 MALAXECHEVERRIA, Ignacio. Bestiário Medieval. Madrid: Edições Siruela, 1986. PHYSIOLOGUS. Disponível em: <http://www.mondimedievali.net/Immaginario/indice.htm> . Acesso em 22 nov. 2005. PLINY THE ELDER. Disponível em: <http://bestiary.ca/beasts/beast78.htm>. Acesso em: 26 jul. 2007. REMA, Henrique Pinto. Santo Antônio: Obras Completas. Porto: Lello & Irmão, 1987. 158 Revista Pró-Ciência O reconhecimento da União homoafetiva e as implicações práticas e sociais decorrentes. Luciana de França Oliveira Rodrigues 67 Amanda Pessoa Parente 68 Resumo Abstract O presente estudo visa analisar a situação jurídica e social dos companheiros homossexuais. O artigo avalia as situações sob a ótica da Igreja, dos Tribunais, bem como dos países que vivenciam essa realidade. Ademais, busca confrontar as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil com a realidade, estabelecendo uma interpretação sistemática, afim de conferir legitimidade àquelas famílias homoafetivas. Os avanços são inúmeros, porém ainda há situações em que imperam preconceito e a intolerância. This study aims to analyze the legal and social status of homosexual partners. The article evaluates those situations from the perspective of the Church, the Courts, as well as countries where people are familiar with this behavior. Moreover, it seeks to confront the provisions of the Constitution of the Federative Republic of Brazil with reality, establishing a systematic interpretation in order to give legitimacy to those homoaffectional families. There are several advances, but there still are a few situations in which prejudice and intolerance prevail. Palavras - chave: Keywords: União homoafetiva. Homossexualidade. Homoaffectional Union. Homosexuality. Preconceito. Prejudice Doutoranda em Direito, pela Universidade Gama Filho, Mestre em Direito pela Universidade Iguaçu e professora do Curso de Direito da Universidade Iguaçu e da Uniabeu – Faculdades integradas. 68 Especialista em Direito Público pela Universidade Iguaçu e professora do Curso de Direito da Universidade Iguaçu/ RJ. 67 159 Revista Pró-Ciência Sumário: Introdução; 1. Conceito e antecedentes históricos da família, união estável e união homoafetiva; 2. Conflitos entre as disposições da CRFB/88 e a união homoafetiva; 3. A Igreja e as uniões homoafetivas; 4. Notícias do direito estrangeiro; 5. O comportamento dos Tribunais brasileiros; 6. Direitos adquiridos como entidade familiar; Considerações finais; Referências bibliográficas. Introdução A temática da sexualidade vem revestida frequentemente de certo tabu que, por vezes, restringe a discussão ao que se considera trivial na sociedade, provocando inquietações e curiosidades. A homossexualidade sempre foi vislumbrada como traço de personalidade, algo inerente à pessoa, e, por essa razão, alvo de estigmatização, por fugir à regra do que se espera como comportamento adequado e padrão. O presente artigo traz à discussão não apenas questões ligadas aos direitos dos que nessa condição se encontram, mas também a realidade de sua convivência no seio da sociedade. Parte-se do princípio que as distintas formas de expressar e vivenciar o afeto e as diferentes maneiras de compartilhar a vida com o parceiro ou a parceira emergem e demandam reconhecimento jurídico e da coletividade. A relação entre pessoas do mesmo sexo sempre existiu na história da humanidade, sendo um fato da vida, lícito e relativo à esfera privada de cada indivíduo. Cada vez mais um número maior de pessoas tem assumido publicamente sua condição de homossexualidade e se dedicado a relacionamentos afetivos profundos, estáveis e duradouros. Prova disso é Censo de 2010 divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quando se constatou o expressivo número de 60 mil casais homossexuais vivendo no Brasil, apesar de se saber, na prática, que esse número é infinitamente maior. 160 Revista Pró-Ciência A preocupação com a regulação das uniões homossexuais integra a pauta do pensamento jurídico mundial. Hoje, vários países já deixaram "cair a venda" outrora existente de ignorar os vínculos homoafetivos. Os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo sempre existiram e, dia após dia, demandam soluções judiciais e legislativas. Democracias constitucionais como a do Brasil reconhecem cada vez mais que as reivindicações dos homossexuais são baseadas em direitos constitucionais fundamentais alicerçados, por sua vez, no respeito aos direitos humanos. 1 Conceito e antecedentes históricos da família, união estável e união homoafetiva. A referência a pessoas do mesmo sexo que se relacionam afetivamente é antiga na humanidade. Ouve-se falar, inclusive em relatos bíblicos69, a existência de homossexualidade. Apesar de esse tipo de relação ser antigo, e já ter sido tratado de forma aberta em vários momentos da história, o tradicionalismo familiar sempre impediu que a ideia de um relacionamento de pessoas do mesmo sexo aflorasse. Ainda hoje, época em que a modernidade e os avanços tecnológicos propiciam mudanças tão profundas no meio social, há quem não aceite a homossexualidade como uma situação que estabeleça um vínculo gerador de família70, nos mesmos moldes de uma família71 convencional criada por heterossexuais. Tanto no Antigo como no Novo Testamento, a Bíblia faz menção aos atos homossexuais. A primeira referência ao homossexualismo está no livro de Gênesis, quando os habitantes das cidades Sodoma e Gomorra tentaram violentar sexualmente dois anjos com aparência humana. Assim a Bíblia menciona, em Gênesis 19, a exigência dos homens da cidade que tentavam invadir a casa de Ló, onde os anjos se hospedaram: “Onde estão os homens que, à noitinha, entraram em tua casa? Traze-os fora a nós para que abusemos deles.” 70 “A formatação da família não decorre exclusivamente dos sagrados laços do matrimônio. Pode surgir do vínculo de convívio e não ter conotação de ordem sexual entre seus integrantes. Tanto é assim que a Constituição Federal esgarçou 69 161 Revista Pró-Ciência O vínculo familiar é formado por motivações psicológicas, afetos, desejos, dependência econômica, com divisão de direitos e obrigações. Ele sofre transformações desde o período romano, conhecido como o berço do Direito moderno, passando pela concepção religiosa da era cristã matrimonializada, monogâmica e sacralizada, até os dias atuais, quando a família monoparental formada por um dos pais e filhos é protegida. No entanto, relações antigas entre pessoas do mesmo sexo com prole de um deles ou até por meio de adoção faz com que os novos direitos criem vulto. As famílias72 formadas por pessoas do mesmo sexo ou homoafetivos73 (expressão já popularizada) têm a mesma estrutura e reciprocidade entre seus membros que a da família tradicionalmente instituída. Partindo desta percepção e principalmente do o conceito de entidade familiar para albergar não só o casamento, mas também a união estável e a que se passou a ser chamada de família monoparental: um dos pais com a sua prole”. (DIAS, Maria Berenice. Família ou famílias? Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/fam%EDlia_ou_familias.pdf> Acesso em: 22 de abr. 2011. 71 Segundo Engels, em A origem da família, da propriedade e do Estado, a evolução da sociedade humana passou por três fases distintas. A primeira se estabeleceu pelo estado selvagem, a segunda pela barbárie e a terceira pela civilização. Trata-se de vínculo social que compõe a estrutura do Estado. O termo surgiu em Roma, mas as concepções variam conforme a evolução da sociedade e das culturas. Caio Mário da Silva Pereira considera “família o conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum. Ainda neste plano geral, acrescenta-se o cônjuge, aditamse os filhos (enteados), os cônjuges dos filhos (genros e noras), os cônjuges dos irmãos e os irmãos do cônjuge (cunhados)”. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. 5, p. 13. Expressão foi criada por Maria Berenice Dias. Segundo a autora, esta foi a forma encontrada para evidenciar que as uniões homoafetivas estão compreendidas no conceito de entidade familiar e, como tal, são merecedoras da especial proteção do Estado. (DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2009, p. 7. 73 Expressão também criada por Maria Berenice Dias. (Idem). 72 162 Revista Pró-Ciência que já se tem discutido nos tribunais, acredita-se não haver mais um conceito predefinido de família74. O vínculo familiar era formado nos termos da concepção judaico-cristã a partir do casamento entre pessoas de sexo oposto. No entanto, interesses diversos fizeram com que várias famílias (noção atual) fossem criadas em relações de fato conhecidas como união estável75, as quais depois de várias reivindicações sociais passaram a gozar de proteção legal. A união de homoafetivos também já está encontrando reconhecimento nos tribunais76. É fato que ainda não há uma regulamentação da situação “O conceito de família, expresso na Constituição da República, está atrelado aos direitos e garantias fundamentais e ao princípio da dignidade da pessoa humana, sendo, pois, inconcebível a distinção entre modelos familiares, não havendo como restringi-las a formas predefinidas [...]”. (TJMG, Apelação Cível nº 1.0145.07.411192-6/001, Relª Desª. Evangelina Castilho Duarte, 14ª Câmara Cível, public. 09/03/2010) 75 “[...] relacionamento entre um homem e uma mulher que pretendem formar uma entidade familiar sem as formalidades atribuídas a uma casamento [...]” (CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável: requisitos e efeitos pessoais. Barueri, SP: Manole, 2004, p. 67. “[...] o vínculo afetivo entre homem e mulher, como se casados fossem, com as características inerentes ao casamento, e a intenção de permanência de vida em comum.” (CAHALI, Francisco José. União estável e alimentos entre companheiros. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 87. “[...] a união estável é a convivência entre homem e mulher, alicerçada na vontade dos conviventes, de caráter notório e estável, visando à constituição de família[...].” VIANA, Marco Aurélio S. Da união estável. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 29. 76 “À união homoafetiva, que preenche os requisitos da união estável entre casais heterossexuais, deve ser conferido o caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. - O art. 226, da Constituição Federal não pode ser analisado isoladamente, restritivamente, devendo observar-se os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Referido dispositivo, ao declarar a proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher, não pretendeu excluir dessa proteção a união homoafetiva, até porque, à época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos, não teve o legislador essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação analógica da norma a situações atuais, antes não pensadas. - A lacuna existente na legislação não pode servir como obstáculo para o reconhecimento de um direito [...]”. (TJMG, Apelação Cível Reexame necessário, n° 1.0024.06.930324-6/001, Rel Des. Heloisa 74 163 Revista Pró-Ciência como pretendida, mas muito se tem discutido e há muito que normatizar. É importante frisar que, independente de aspecto religioso, cultural, social, estético, consequências jurídicas existem e devem ser tuteladas a fim de se proteger a dignidade dos envolvidos. A atração de pessoas do mesmo sexo já teve várias conotações ao longo da história, doença, perturbação, maldição77 e o que todas têm em comum é a suposta probabilidade de cura. Durante duas décadas a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou internacionalmente a tendência homossexual como doença, mediante sua Classificação Internacional de Doenças (CID). A CID nº 9 era de 1975 e nela o homossexualismo aparecia como um diagnóstico psiquiátrico, no capítulo das doenças Combat, 7ª Câmara Cível, public. 27/07/2007). “[...] A união homoafetiva merece proteção jurídica, ainda que não encontre no ordenamento jurídico em vigor regramento legal específico, porquanto traz em seu bojo a hodierna concepção de família que leva em conta os laços afetivos que unem essas pessoas em vida comum, bem como os princípios constitucionais da liberdade, da igualdade, da dignidade da pessoa humana e da proibição de discriminação por motivo de orientação sexual [...]”.(TJDF, Rec. 2010.01.1.013690-7, Ac. 481.435, 2ª T. Cív., Rel. Des. Waldir Leôncio Júnior, p. 22/02/2011). “Aplicação das regras da união estável às relações homoafetivas, mormente quando as conviventes se uniram como entidade familiar e não como meras sócias. Lacuna na lei que deve ser dirimida a luz dos princípios gerais e do direito comparado. Impossibilidade de dar tratamento diferenciado entre união heterossexual e união homossexual, eis que a própria Constituição veda expressamente a segregação da pessoa humana por motivo sexo, origem, raça, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação. [...]”(TJRJ, AC 000730938.2003.8.19.0204, 19ª C. Cív., Rel. Des. Ferdinaldo Nascimento, j. 28/09/2010). “[...]Não é possível ignorar a situação de fato - notória e ampla existência de relações homoafetivas na sociedade contemporânea - e condenar os sujeitos de tais relações a uma situação jurídica manifestamente prejudicial simplesmente em razão da opção sexual assumida [...]”. (TJMG, Reex. Nec. 1.0024.08.256048-3/001. Rel. Desa. Albergaria Costa, j. 23/07/2009). “Restando devidamente comprovada a existência, por mais de quatro anos, de relação de afeto entre as partes, numa convivência more uxoria, pública e notória, com comunhão de vida e mútua assistência, deve ser mantida a sentença que reconheceu a união estável. “[...] (TJRS, AC 70016660383, 8ª C. Civ., Rel. Des. Claudir Fidelis Faccenda, j. 26/10/2006). 77 DIAS, Maria Berenice, op. cit., p. 45. 164 Revista Pró-Ciência mentais e no subcapítulo “Dos desvios e transtornos sexuais”. Em 1985, numa de suas revisões periódicas, a OMS deixou de classificar o homossexualismo como doença por si só, para classificá-lo como “sintomas decorrentes de circunstâncias psicossociais”, ou seja, passou a ser considerado um desajustamento social decorrente de discriminação política, religiosa ou social. Em 1995, na última revisão da CID, o sufixo “ismo”, que significa “doença” foi substituído pelo sufixo “dade”, que significa modo de ser. Essa é a razão pela qual não mais se deve usar o termo homossexualismo, mas sim homossexualidade. (Grifos deste trabalho). Como classificação das tendências homossexuais, podem ser encontradas as expressões “reprimidos”, “enrustidos” e “afeminados”78. Para os primeiros, têm-se aqueles que, na busca de ocultarem seus reais desejos pelo mesmo sexo, recusam-se a ceder, levando-os a uma vida triste e solitária, cheia de ansiedade e agressividade, ao revelar quadros psicossomáticos crônicos79. Os enrustidos revelam uma aparência de bissexual, pois embora assumam em alguns momentos sua tendência homossexual, por vezes comportam-se como pertencendo ao sexo biológico. Se eventualmente casam ou têm filhos, terão grandes chances de fracasso. Os chamados afeminados são aqueles que assumem sua preferência e, por esta razão, conseguem se impor perante a sociedade, participando e muitas vezes encabeçando movimentos contra a discriminação aos homossexuais, ficando em evidência perante a sociedade e, com isso, sofrendo maior discriminação. DIAS, Maria Berenice, op. cit., p. 51. Trata-se de doença física que exige um atendimento psicológico/psicanalítico, podendo se manifestar em diversos sintomas que constituem o nosso corpo como, por exemplo, gastrointestinais (úlcera, gastrite, retocolite); respiratórios (asma, bronquite); cardiovasculares (hipertensão, taquicardia, angina); dermatológicos (psoríase, dermatite, vitiligo, herpes, urticária, eczema); endócrinos e metabólicos (diabetes); nervosos (enxaqueca, vertigem); das articulações (artrite, artrose, tendinite e reumatismos). Disponível em: <http://www.palavraescuta.com.br/ perguntas/o-que-e-doenca-psicossomatica>. Acesso em: 23 jun. 2011. 78 79 165 Revista Pró-Ciência Contudo, independente de terminologia ou classificação, o fato é que, como já mencionado, as uniões homossexuais constituem realidade que não pode ser ocultada do contexto social e jurídico. À convivência entre duas pessoas do mesmo sexo, pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, tem de ser atribuída normatividade talvez idêntica à da união estável, ao relacionamento afetivo entre homem e mulher, com os efeitos jurídicos daí derivados, evitando-se que vários direitos fundamentais das pessoas envolvidas sejam suprimidos. 2 Conflito entre as disposições da CRFB/88 e a união homoafetiva. A família, que é a base da sociedade, goza de proteção especial do Estado80. Nos termos da atual Carta Magna, é formada após o casamento, mas a união estável entre homem e mulher e o vínculo estabelecido entre um dos pais e os filhos também são reconhecidos como entidade familiar. Não há mais a necessidade da existência de filhos para a família ser formada. No entanto, prevalece a exigência da união entre pessoas de sexo distinto. Alguns matizes constitucionais devem ser levados em conta no estudo da união homoafetiva. A dignidade da pessoa humana, a igualdade, a liberdade, além do direito à identidade sexual são princípios destacados por Maria Berenice Dias81 . A República Federativa do Brasil, sendo um Estado democrático, não pode deixar de dar efetividade aos princípios e direitos fundamentais previstos em sua Magna Carta. O art. 1º, III, da CRFB dispõe como valor fundamental a dignidade da pessoa humana. Segundo Luís Roberto Barroso, trata-se de expressão nuclear dos direitos fundamentais82. Art. 226 da CRFB/88. DIAS, Maria Berenice, op.cit., 2009, p. 101. 82 BARROSO, Luís Roberto. Diferentes, mas iguais: o reconhecimento jurídico das relações homoafetivas no Brasil. Disponível em: <http://www.lrbarroso.com.br/pt/ profissionais/advogados/roberto/artigos_diferentes.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2011. 80 81 166 Revista Pró-Ciência Valorizar o ser humano sem discriminação de raça, cor, credo, idade, o fato de ser homem ou mulher já é prerrogativa constitucional. Maria Celina Bodin de Moraes aduz que, será desumano, isto é, contrário à dignidade da pessoa humana, tudo aquilo que puder reduzir a pessoa (o sujeito de direitos) à condição de objeto83. Também sobre a idéia da dignidade da pessoa humana, Carmem Lúcia Antunes Rocha pontua ser pressuposto da idéia de justiça humana, isto porque se trata de condição superior do homem como ser de razão e sentimento. A dignidade, segundo a autora, independe de merecimento pessoal ou social. Não há necessidade de empenho para merecê-la, pois é inerente à vida, é direito pré-estatal84. A dignidade é ínsita ao homem e sequer deveria ser normatizada. Mas, como o desrespeito impede tratamento humanitário do outro, o ordenamento jurídico serve para impor a proteção. O problema então passa a ser o da aplicação efetiva. Ingo Wolfgang Sarlet contribui para o esclarecimento da questão, ao afirmar tratar-se a dignidade da pessoa humana de qualidade intrínseca e distintiva que deve ser reconhecida em cada ser humano. Tal assertiva, segundo o autor, implica um complexo de direitos e deveres fundamentais, os quais asseguram a todos de ato de cunho degradante ou desumano85. Em se tratando de ser humano, independente da orientação sexual escolhida, o respeito é fundamental. Para os que pensam ser um mal tal situação diferenciada, e mesmo se assim fosse, atinge ou atingiria apenas os envolvidos e mais ninguém. MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. São Paulo: Renovar, 2009, p. 85. 84 ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Revista interesse público, São Paulo, ano 1, n. 4, out./dez. 1999, p. 26. 85 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 60. 83 167 Revista Pró-Ciência A Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas afirma, no art. 1º, que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. A Constituição da República proclama tratamento isonômico a todos, sem distinção no âmbito social. Luís Roberto Barroso86 diferencia a igualdade da igualdade perante a lei. Discute o autor a necessidade de aplicação da lei conforme a semelhança das situações. Logo, se há tratamento jurídico para pessoas de sexo oposto que convivem maritalmente por meio da já regulamentada união estável, por que não dar o mesmo tratamento para aqueles que vivem em união homoafetiva, já que o motivo que os une é o mesmo, com efeitos econômicos e sociais tais como aqueles comprovadamente existentes entre o homem e a mulher? A igualdade pede a realização, sem exceção, do direito existente, sem consideração da pessoa: cada um é, em forma, igual, obrigado e autorizado pelas normalizações do direito. Tais preceitos servem para elucidar o fato de que nenhum ser humano pode sofrer tratamento desumano ou degradante. A orientação sexual deve ser respeitada à medida que este fato pertence ao foro íntimo de cada indivíduo. Não há como impor jeito de ser87 ; não há como discriminar escolhas, por mais que aos olhos da maioria pareça diferente; não há como afetar direitos da personalidade; não há como se sentir alheio a uma situação sempre presente ontem, hoje e sempre. Por mais que o legislador esteja andando na contramão da direção da história, pessoas estão sendo afetadas por sua omissão. 86 87 BARROSO, Luís Roberto, op. cit., p. 14. DIAS, Maria Berenice, op. cit . 2009, p. 58. 168 Revista Pró-Ciência 3 A Igreja e as uniões homoafetivas Outro ponto a ser explorado na abordagem do tema diz respeito à opinião da Igreja com relação aos homossexuais. À primeira vista, a imagem da Igreja Católica é associada ao conservadorismo e intolerância, quando considera as relações homossexuais verdadeira perversão, em razão do que diz a Bíblia em Levítico, 18:2288. Em decorrência disso, a condenação à homossexualidade, como forma de preservar o grupo étnico, baseada no Gênesis e na história de Adão e Eva89. No entanto, em 18 de fevereiro de 2008, o presidente da Conferência dos Bispos da Alemanha, Robert Zollitsch, declarou-se a favor da união civil dos homossexuais, tendo afirmado em entrevista concedida à revista Der Spiegel que, na verdade, se trata de uma questão da própria realidade social: se há pessoas com esta orientação, o Estado deve adotar uma legislação correspondente. Contudo, Robert Zollitsch considera errada a idéia de “casamento homossexual”, devido à própria concepção do matrimônio, essencialmente heterossexual90. Embora haja divergência de opiniões, o fato é que ainda há muita resistência por parte da Igreja, seja Católica ou Protestante, em virtude das próprias tradições já consolidadas. São Tomás de Aquino justificava o sexo com sinônimo de procriação. O casamento era considerado um remédio de Deus para preservar o homem da impudícia e da luxúria91. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), quanto à decisão do Supremo Tribunal Federal, se manifestou da seguinte forma: “Com o homem não te deitarás como se fosse mulher, é abominação”. DIAS, Maria Berenice, op.cit., 2009, p. 38. 90 Disponível em: <http://www.direitohomoafetivo.com.br/ArtigoList. php?page=2&>. Acesso em: 23 jun. 2011. 91 DIAS, Maria Berenice, op.cit., 2009, p. 39. 88 89 169 Revista Pró-Ciência Nós, Bispos do Brasil em Assembléia Geral, nos dias 4 a 13 de maio, reunidos na casa da nossa Mãe, Nossa Senhora Aparecida, dirigimo-nos a todos os fiéis e pessoas de boa vontade para reafirmar o princípio da instituição familiar e esclarecer a respeito da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Saudamos todas as famílias do nosso País e as encorajamos a viver fiel e alegremente a sua missão. Tão grande é a importância da família, que toda a sociedade tem nela a sua base vital. Por isso é possível fazer do mundo uma grande família. A diferença sexual é originária e não mero produto de uma opção cultural. O matrimônio natural entre o homem e a mulher bem como a família monogâmica constituem um princípio fundamental do Direito Natural. As Sagradas Escrituras, por sua vez, revelam que Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança e os destinou a ser uma só carne (cf. Gn 1,27; 2,24). Assim, a família é o âmbito adequado para a plena realização humana, o desenvolvimento das diversas gerações e constitui o maior bem das pessoas. As pessoas que sentem atração sexual exclusiva ou predominante pelo mesmo sexo são merecedoras de respeito e consideração. Repudiamos todo tipo de discriminação e violência que fere sua dignidade de pessoa humana (cf. Catecismo da Igreja Católica, nn. 2357-2358). As uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo recebem agora em nosso País reconhecimento do Estado. Tais uniões não podem ser equiparadas à 170 Revista Pró-Ciência família, que se fundamenta no consentimento matrimonial, na complementaridade e na reciprocidade entre um homem e uma mulher, abertos à procriação e educação dos filhos. Equiparar as uniões entre pessoas do mesmo sexo à família descaracteriza a sua identidade e ameaça a estabilidade da mesma. É um fato real que a família é um recurso humano e social incomparável, além de ser também uma grande benfeitora da humanidade. Ela favorece a integração de todas as gerações, dá amparo aos doentes e idosos, socorre os desempregados e pessoas portadoras de deficiência. Portanto têm o direito de ser valorizada e protegida pelo Estado. É atribuição do Congresso Nacional propor e votar leis, cabendo ao governo garanti-las. Preocupa-nos ver os poderes constituídos ultrapassarem os limites de sua competência, como aconteceu com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal. Não é a primeira vez que no Brasil acontecem conflitos dessa natureza que comprometem a ética na política. A instituição familiar corresponde ao desígnio de Deus e é tão fundamental para a pessoa que o Senhor elevou o Matrimônio à dignidade de Sacramento. Assim, motivados pelo Documento de Aparecida, propomo-nos a renovar o nosso empenho por uma Pastoral Familiar intensa e vigorosa92. Disponível em: <http://www.cnbb.org.br/site/eventos/assembleia-geral/6533nota-da-cnbb-a-respeito-da-decisao-do-supremo-tribunal-federal-quanto-a-uniaoentre-pessoas-do-mesmo-sexo>. Acesso em: 23 jun. 2011. 92 171 Revista Pró-Ciência Da manifestação emitida pela CNBB se extrai que, não obstante a Igreja repudie qualquer forma de discriminação, é a favor da constituição tradicional de família, conforme seus preceitos religiosos. 4 Notícias do Direito estrangeiro A homossexualidade já é reconhecida legalmente em vários países, como se verá adiante e o Brasil já caminha, ainda que a passos curtos, para tentar consolidar a situação daqueles que há muito vêm reivindicando o reconhecimento dos seus direitos. Afinal, utilizando a expressão de ordem para o moderno Direito de Família, as relações familiares se constituem com base no afeto e tão nobre sentimento, que une as pessoas, não faz distinção de sexo. Pelo contrário, está presente nas mais variadas formas de se gostar. E, quando duas pessoas se unem em prol de um fim comum, que é a constituição de uma família, elas merecem o respeito e o reconhecimento legal, a fim de poderem gozar da proteção oferecida pelo Estado à família, conforme prescreve o artigo 226 e seus parágrafos da Constituição da República Federativa do Brasil. Os primeiros países a aceitarem a união civil entre casais homossexuais foram os seguintes: Dinamarca (1989), permitindo inclusive a troca de nome; Noruega (1993), permitindo o registro civil, com direitos quase iguais; Suécia (1994), legalizando a situação dos homoafetivos com direitos iguais aos dos heterossexuais; em 1996 foi a vez da Islândia, da Hungria e da Groenlândia aprovarem leis que garantem às pessoas do mesmo sexo que se relacionam, os mesmos direitos das pessoas casadas; Holanda (1998), conferindo direito à saúde, educação e benefícios trabalhistas, e tendo, em 2001, tornado possível também o casamento93. 93 DIAS, Maria Berenice, op. cit ., 2009, p. 63-64. 172 Revista Pró-Ciência Posteriormente, outros atores da comunidade internacional também aderiram ao reconhecimento dos direitos dos homossexuais: Finlândia, Inglaterra e Portugal, em 2001; Alemanha, em 2002; Luxemburgo, Austrália e Itália, em 2004; Nova Zelândia, em 2005; República Tcheca e Cidade do México, em 2006; Suíça, em 2007; Uruguai, em 2008. Alguns estados dos Estados Unidos da América também conferem direitos aos casais homossexuais, como Massachusetts, Connecticut, Nova Jersey, New Hempshire, Havaí, Califórnia, Maine, Columbia, Washington e Oregon, cada estado com suas peculiaridades. No dia 24 de junho de 2011, o Senado de Nova Iorque aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, recebendo o nome de Lei de Igualdade Matrimonial (Marriage Equality Act), aprovada por 33 votos contra 29, após uma série de modificações no projeto original. Entretanto, alguns países, além de não legalizarem, punem aqueles que se assumem homossexuais, como é o caso dos países islâmicos e mulçumanos, bem como grande parte dos países do Oriente Médio. Em Uganda, muitos gays já foram achincalhados e até atacados, além de serem obrigados a viver quase clandestinamente num país onde não se reconhece a homossexualidade como direito humano. Em reportagem exibida no Fantástico em 25 de abril de 2010, jovens relataram a discriminação que sofrem por serem homossexuais, como é o caso de Frank Mugisha, de 28 anos, um dos líderes do movimento gay no país, que previne: “Eu acordo todo dia sem saber o que vai acontecer comigo”94. Enquanto em diversos lugares do mundo, os homossexuais vêm conquistando direitos como casar e adotar crianças, na África mais de 30 países consideram crime ser gay. Em 17 de junho de 2011, a BBC Brasil noticiou o caso em que a Justiça italiana está obrigando um casal a se divorciar conDisponível em :<http://fantastico.globo.com/Jornalismo/ FANT/0,,MUL1578920-15605,00.html>. Acesso em: 25 abr. 2010. 94 173 Revista Pró-Ciência tra a própria vontade, depois que o marido trocou de sexo e se tornou mulher. Segundo informações contidas no noticiário: Alessandro Bernaroli, de 40 anos, se submeteu a uma operação de troca de sexo em 2009, quatro anos após ter se casado no civil e no religioso. Ele passou a se chamar de Alessandra e não tinha a intenção de se separar da esposa. Nem ela dele. Em outubro do ano passado, um tribunal de Modena, cidade onde foi celebrado o casamento, reconheceu que o casal tinha o direito de permanecer unido legalmente. Agora, uma sentença do tribunal de apelação de Bolonha, onde eles moram, impôs o divórcio, alegando falta de diversidade sexual entre os cônjuges. O problema surgiu quando Alessandra foi regularizar seus documentos com a nova identidade feminina na prefeitura. Um funcionário anulou o casamento alegando não ser possível legalizar a união entre duas mulheres. “Pensei que fosse suficiente mudar o nome na certidão de casamento, mas eles decidiram que a gente tinha que se separar”, disse ela à BBC Brasil. Segundo o advogado do casal, embora a legislação italiana não reconheça os casamentos entre pessoas do mesmo sexo, não há lei que os obrigue a se divorciar sem o próprio consentimento. “A lei de ratificação da identidade sexual não prevê a dissolução automática do casamento. E ainda que a mudança de sexo seja motivo para pedir o 174 Revista Pró-Ciência divórcio, ele deve ser solicitado pelo cônjuge”, explicou o advogado Michele Giarratano ao jornal La Repubblica. O casal se considera vítima de discriminação. “É uma situação intolerável, pois não se julga com base na legislação existente, mas sim no preconceito. Não queremos que nosso casamento tenha uma definição: homossexual, transexual ou heterossexual, mas continuar vivendo como antes”, diz Alessandra. Agora os advogados entrarão com um recurso no tribunal de última instância, cuja sentença definitiva deve sair em 4 ou cinco anos. “Enquanto isso, não sabemos se somos casados ou não, o que podemos e o que não podemos fazer. Isto fere nossa dignidade ”, reclama. Caso a última sentença seja negativa, Alessandra disse que pretende recorrer à Corte Européia de Direitos Humanos e pedir asilo político a um país membro da União Européia. Ela é também ativista de um grupo que defende os direitos dos homossexuais e afirmou que deseja transformar seu caso numa batalha pelos direitos de todos. “Queremos que a Itália seja como o Brasil, por exemplo, onde as pessoas do mesmo sexo já podem conviver legalmente”, afirma95. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/bbc/justica+italiana+ obriga+casal+a+se+separar+apos+marido+mudar+de+sexo/n1597033692023. html>. Acesso em: 23 jun. 2011 95 175 Revista Pró-Ciência Analisando a notícia, verifica-se o problema psicológico criado para as pessoas que, ao mudarem de sexo, tentam consolidar uma identidade que já possuem. No entanto, ao se afirmarem civilmente, se deparam com outros dilemas criados pela própria legislação, uma vez que esta autoriza a modificação da identificação civil, mas não prevê soluções para situações como a citada. A Organização das Nações Unidas (ONU) também está engajada no repúdio à discriminação contra os homossexuais. Em 17 de junho do corrente, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas aprovou uma resolução histórica destinada a promover a igualdade dos indivíduos sem distinção da orientação sexual. Pela primeira vez, o grupo condenou discriminações baseadas em orientação sexual. A resolução recebeu 23 votos favoráveis, 19 contrários e três abstenções. A resolução afirma que "todos os seres humanos nascem livres e iguais no que diz respeito a sua dignidade e seus direitos e que cada um pode se beneficiar do conjunto de direitos e liberdades [...] sem nenhuma distinção". Com a edição desta resolução, a ONU contribui para a implementação de legislação de reconhecimento das uniões homoafetivas em países que ainda não as aceitam. 5 O comportamento dos Tribunais brasileiros Não se podem discutir as decisões dos tribunais brasileiros, sem antes trazer à baila a última decisão do Supremo Tribunal Federal que, no dia 5 de maio de 2011, escreveu um novo capítulo da história do Direito brasileiro, ao reconhecer as uniões homossexuais como uniões estáveis equiparadas às uniões heterossexuais, conferindo a proteção do Estado dispensada às entidades familiares. Ao dar ao artigo 1.723 do Código Civil a interpretação conforme a Constituição Federal, a Suprema Corte preencheu a lacuna antes existente, acabando com injustificável omissão legislativa, geradora de ódio, discriminação e preconceito. 176 Revista Pró-Ciência Diante da inexistência de legislação infraconstitucional regulamentadora, devem ser aplicadas analogicamente ao caso as normas que tratam da união estável entre homem e mulher, devendo-se frisar que a Suprema Corte não concedeu o direito ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, tampouco interferiu nos sacramentos da igreja com relação ao casamento religioso, mas apenas reconheceu às uniões homoafetivas o status de união estável, com os direitos e as obrigações dela decorrentes. Esclareça-se, por oportuno que não há qualquer necessidade de edição de nova lei para tratar especificamente da adoção por casais homoafetivos. O Estatuto da Criança e do Adolescente afirma, em seu texto o artigo 42, § 2°, que, para a adoção, basta que o casal comprove o casamento ou a união estável. Com o reconhecimento das uniões homoafetivas como uniões estáveis protegidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, o processo de adoção ficará, sem sombra de dúvida, muito mais fácil. Destaque-se, ainda, que, a partir da decisão do STF, basta que o casal homossexual tenha em mãos um comprovante de sua união estável (contrato particular de união estável ou escritura pública declaratória de união estável) para requerer o reconhecimento dos direitos dela decorrentes, entre eles direitos previdenciários, sucessórios, alimentares, regime de bens e partilha, adoção, entre tantos outros96. Entretanto, a histórica decisão do órgão máximo do Judiciário não impediu o juiz Jeronymo Pedro Villas Boas, de Goiânia, de anular a união civil de um casal homossexual. Na decisão, o juiz de Goiás contestou o Supremo, e disse que a Corte não tem competência para alterar normas da Constituição Federal. O artigo 226 traz em seu texto que, “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher Disponível em: <http://pub.oab-rj.org.br/index.jsp?conteudo=15222>. Acesso em: 20 jun. 2011 96 177 Revista Pró-Ciência como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão”. Esta seria a norma que o juiz entendeu inviolável. Villas Boas afirmou que a decisão do STF "ultrapassou os limites" e é "ilegítima e inconstitucional"97. Ainda sobre o caso, a corregedora do Tribunal de Justiça de Goiás, desembargadora Beatriz Figueiredo Franco, cassou a decisão do juiz que anulou a união estável do casal homossexual e proibiu os cartórios do Estado de emitir outros contratos de união estável. O caso será levado para a Corte Especial do Tribunal, que irá decidir se instaura um processo disciplinar contra o juiz. Recentemente, em decisão inédita o Superior Tribunal de Justiça reconheceu união homoafetiva, pós-morte, a um casal do Mato Grosso. Eles conviveram por 18 anos, até 2006, quando um dos parceiros faleceu. A decisão é da lavra de Nancy Andrighi, onde a relatora afirmou ser incontestável a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família. 6 Direitos adquiridos como entidade familiar A despeito de não haver, ainda, uma lei que regulamente a união estável homoafetiva no Brasil, a última decisão do Supremo Tribunal Federal, fez eclodir para os companheiros homossexuais, direitos análogos aos concedidos a companheiros heterossexuais, nos termos do artigo 1.723 e seguintes do Código Civil. No entender de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona98, seria uma hermenêutica que na verdade respeita o fato jurídico de união estável em si, por tratar-se de união informal, despida de soleDisponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2011/06/21/corregedora-do-tj-cassa-decisao-de-juiz-que-anulou-uniao-homoafetiva-em-goias.jhtm>. Acesso em: 24 jun. 2011. 98 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 6: Direito de família: as famílias em perspectiva constitucional. p. 485. 97 178 Revista Pró-Ciência nidade e intervenção estatal na sua constituição e se caracterizar como um fenômenno eminentemente social e sem formalidade. Com o reconhecimento das uniões homoafetivas como entidade familia, surge para essas famílias direitos pessoais (direitos e deveres recíprocos) e direitos patrimoniais (alimentos, regime de bens e direitos sucessórios). Nesse aspecto, a legislação previdenciária andou a passos largos em 2000, quando editou a Instrução Normativa nº 25, de 7 de junho de 2000, estabelecendo procedimentos a serem adotados para a concessão de benefícios previdenciários ao companheiro ou companheira do mesmo. Independentemente da orientação sexual que o Direito Civil confere às uniões do mesmo sexo, a legislação previdenciária optou por proteger o dependente – homossexual – com o benefício alimentar, afastando eventuais impedimentos de ordem puramente civil. Quanto à adoção, ainda é tema objeto de grande celeuma, tendo em vista os obstáculos que a Justiça impõe àqueles que, na condição de homossexuais, pretendem adotar. Na verdade, a questão toda é muito mais psicossocial do que jurídica, pois os defensores da proibição argumentam que a inserção da criança no seio de uma família “não convencional” de pais do mesmo sexo seria uma má influência para ela e tal experiência poderia fazê-la enfrentar discriminação perante a sociedade e/ou influenciá-la em sua orientação sexual. O ministro Luiz Felipe Salomão, no Resp 889.852, julgado em 27 de abril de 2010, a respeito da adoção, proferiu o seguinte julgado: DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO DE MENORES POR CASAL HOMOSSEXUAL. SITUAÇÃO JÁ CONSOLIDADA. ESTABILIDADE DA FAMÍLIA. PRESENÇA DE FORTES VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE OS MENORES E A REQUERENTE. IMPRESCINDIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS 179 Revista Pró-Ciência MENORES. RELATÓRIO DA ASSISTENTE SOCIAL FAVORÁVEL AO PEDIDO. REAIS VANTAGENS PARA OS ADOTANDOS. ARTIGOS 1º DA LEI 12.010/09 E 43 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DEFERIMENTO DA MEDIDA. 1. A questão diz respeito à possibilidade de adoção de criança por parte de requerente que vive em união homoafetiva com companheira que antes já adotara os mesmos filhos, circunstância a particularizar o caso em julgamento. 2. Em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da informação, sem fronteiras ou barreiras, sobretudo as culturais e as relativas aos costumes, onde a sociedade transforma-se velozmente, a interpretação da lei deve levar em conta, sempre que possível, os postulados maiores do direito universal. 3. O artigo 1º da Lei 12.010/09 prevê a "garantia do direito à convivência familiar a todas e crianças e adolescentes". Por sua vez, o artigo 43 do ECA estabelece que "a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos". 4. Mister observar a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, até porque está em jogo o próprio direito de filiação, do qual decorrem as mais diversas consequencias que refletem por toda a vida de qualquer indivíduo. 5. A matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos 180 Revista Pró-Ciência das crianças, pois são questões indissociáveis entre si. 6. Os diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema, fundados em fortes bases científicas (realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência, na Academia Americana de Pediatria), "não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores". 7. Existência de consistente relatório social elaborado por assistente social favorável ao pedido da requerente, ante a constatação da estabilidade da família. Acórdão que se posiciona a favor do pedido, bem como parecer do Ministério Público Federal pelo acolhimento da tese autoral. 8. É incontroverso que existem fortes vínculos afetivos entre a recorrida e os menores – sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser sopesado numa situação como a que ora se coloca em julgamento. 9. Se os estudos científicos não sinalizam qualquer prejuízo de qualquer natureza para as crianças, se elas vêm sendo criadas com amor e se cabe ao Estado, ao mesmo tempo, assegurar seus direitos, o deferimento da adoção é medida que se impõe. 10. O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. Vale dizer, no plano da “realidade”, são ambas, a requerente e sua companheira, responsáveis pela criação e educação dos dois infantes, de modo que a elas, solidariamente, compete a responsabilidade. 11. Não se pode olvidar que se trata de situação fática consolidada, pois as crianças já chamam as duas 181 Revista Pró-Ciência mulheres de mães e são cuidadas por ambas como filhos. Existe dupla maternidade desde o nascimento das crianças, e não houve qualquer prejuízo em suas criações. 12. Com o deferimento da adoção, fica preservado o direito de convívio dos filhos com a requerente no caso de separação ou falecimento de sua companheira. Asseguram-se os direitos relativos a alimentos e sucessão, viabilizando-se, ainda, a inclusão dos adotandos em convênios de saúde da requerente e no ensino básico e superior, por ela ser professora universitária. 13. A adoção, antes de mais nada, representa um ato de amor, desprendimento. Quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor, é um gesto de humanidade. Hipótese em que ainda se foi além, pretendendo-se a adoção de dois menores, irmãos biológicos, quando, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, que criou, em 29 de abril de 2008, o Cadastro Nacional de Adoção, 86% das pessoas que desejavam adotar limitavam sua intenção a apenas uma criança. 14. Por qualquer ângulo que se analise a questão, seja em relação à situação fática consolidada, seja no tocante à expressa previsão legal de primazia à proteção integral das crianças, chega-se à conclusão de que, no caso dos autos, há mais do que reais vantagens para os adotandos, conforme preceitua o artigo 43 do ECA. Na verdade, ocorrerá verdadeiro prejuízo aos menores caso não deferida a medida. 15. Recurso especial improvido. 182 Revista Pró-Ciência Do julgado apresentado, pode-se concluir que a adoção, por ser um ato de amor e forma de imitar a família biológica, não pode sofrer restições de modo a retirar da criança uma vida digna e confortável. Além de proporcionar a efetivação de direitos sociais básicos como a educação, moradia, lazer e consequentemente a diminuição da quantidade de crianças abandonadas em abrigos. Considerações finais O presente artigo buscou tratar de assunto cuja discussão vem sendo amplamente enfocada nos mais diversos segmentos sociais. No entanto, foi objeto de estudo o aspecto jurídico e social, numa tentativa de demonstrar o desenvolvimento e atuais considerações a respeito das uniões entre pessoas do mesmo sexo. Para tanto, utilizou-se da instituição família desde a sua formação tradicional até a constituição familiar moderna, deixando de unir apenas os componentes pai, mãe e filhos, para autorizar inclusive sua formação por pessoas do mesmo sexo. Apesar de a Carta da República autorizar a união apenas entre pessoas do mesmo sexo para a preservação da dignidade da pessoa humana, os tribunais estão decidindo, com base nos princípios da não discriminação e, em especial, da igualdade substancial, pelo reconhecimento das uniões homossexuais como entidade familiar para fins de proteção do Estado, com todos os direitos inerentes à tradicional união estável. Embora contra a discriminação de qualquer natureza, a Igreja preserva a tradição e o ideal de não aceitar o reconhecimento de uniões entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, por ser contra os preceitos religiosos. No Direito estrangeiro se vislumbrou a maior aceitação que a proibição desta entidade familiar e o quanto a comunidade internacional tem sido favorável ao reconhecimento, não só das 183 Revista Pró-Ciência uniões homoafetivas, como também do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, como foi o caso da recente aprovação pelo Senado de Nova Iorque da chamada Lei de Igualdade Matrimonial (Marriage Equality Act). Não obstante as críticas, no Brasil houve um grande avanço com a última decisão do Supremo Tribunal Federal, quando se reconheceu como entidade familiar as uniões homoafetivas, conferindo os mesmos direitos previstos no Código Civil para a união estável, ou seja, direitos pessoais e patrimoniais. Tal decisão, associada a outros casos isolados no mesmo sentido – o de conferir legitimidades às uniões homoafetivas –, só reforça a consolidação da tendência à legalização dos direitos homoafetivos. Por oportuno, conclui-se que a efetivação dos direitos fundamentais não pode ficar à disposição da vontade ou da inércia legislativa, sobretudo quando se tratar de direitos pertencentes a minorias estigmatizadas pelo preconceito, devendo o Estado fazer seu papel de ente democrático, que é o de acolher as vítimas da intolerância e discriminação, e não o de rejeitá-las. 184 Revista Pró-Ciência Referências Assembléia Geral da CNBB. Disponível em: <http://www.cnbb. org.br/site/eventos/assembleia-geral/6533-nota-da-cnbb-a-respeito-da-decisao-do-supremo-tribunal-federal-quanto-a-uniaoentre-pessoas-do-mesmo-sexo>. Acesso em: 23 jun. 2011 BARROSO, Luís Roberto. Diferentes, mas iguais: o reconhecimento jurídico das relações homoafetivas no Brasil. Disponível em:<http://www.lrbarroso.com.br/pt/profissionais/advogados/roberto/artigos_diferentes.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2011. BARROTE, Adriana Pinto da Silva. 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Provouse a importância que deve ser dada pelas empresas, hodiernamente, ao seu capital intelectual e aos Stakeholders, através das ações de liderança e coaching. The approach to the influence of the leader in business results must go beyond empirical defenses, as it is a tool to achieve objectives in different institutions. In a research conducted by Vincent Falcone (considered one of the 21 world’s leading authorities on business management by the American Society for Quality), significantly higher results were found where there were action-oriented, charismatic leaders. The research was qualitative and quantitative, having taken two plants of a tire industry in São Paulo as its object of study. The conclusion was that nowadays companies must give much importance to their intellectual capital and stakeholders through leadership and coaching actions. Palavras - chave: Keywords: Liderança atuante. Stakeholders. Capital Action-oriented Leadership. Stakeholders. Intellectual capital. Coaching. intelectual. Coaching. MBA em Administração de Empresas e Negócios pela FGV/EBAPE, Administrador, Especialista em Estratégia Empresarial, Planejamento Organizacional e Gestão de Pessoas. Consultor de empresas, palestrante e professo. Extensões em Recursos Humanos na Califórnia e Marketing em Londres. Velejador e professor de navegação, Capitão amador pela Capitania dos Portos do Rio de Janeiro. Diretor de empresa de serviços desde 1998. Sabático em 2005, atuando como consultor de empresa de serviços no complexo Disney World, Flórida. 99 188 Revista Pró-Ciência Sumário: Introdução; 1- Fundamentação teórica; 2 - O líder nasce pronto ou pode ser formado?; 3 - O capital intelectual e os Stakeholders; 4 – Coaching; Considerações finais; Referências bibliográficas. Introdução Até o início da década de 1980 era comum a preocupação dos empresários com seus maquinários, imobilizado, instalações prediais e arquivos. O mundo evoluiu, o imobilizado, nos dias de hoje, é passível de cobertura por parte de seguradoras. Ao mesmo tempo, a chamada “mão de obra” de obra cedeu lugar, em importância, ao capital intelectual. Nos dias atuais o empresário vai para a sua casa ao final do expediente, e não mais se preocupa com seu imobilizado, mas pergunta-se: “será que meus empregados virão trabalhar amanhã?”. Descoberta a importância desses stakeholders, surgiu a necessidade de cuidar dos mesmos de uma forma mais criteriosa, evitando fuga de talentos e consequentes prejuízos, tanto no atendimento ao cliente quanto no alcance de objetivos empresariais. Surge então um olhar mais acurado sobre a importância do líder nas organizações. Este é o agente que consegue resultados por meio das pessoas, criando metas críveis e desafiadoras, promovendo o treinamento e o desenvolvimento da equipe, estabelecendo melhoria contínua, promovendo meritocracia, decidindo com base em fatos e dados e que, por fim, seja o exemplo a ser seguido, sendo esse processo o diferencial na geração dos resultados organizacionais. Liderança é a habilidade de influenciar pessoas a agirem entusiasticamente na busca de objetivos para o bem comum. (HUNTER, 2007, p.25). 189 Revista Pró-Ciência 1 Fundamentação teórica A importância da habilidade de liderança, na consecução dos objetivos empresariais e no próprio dia a dia das pessoas, tem sido deixada de lado desde épocas passadas até os dias atuais, como se estivéssemos tratando apenas de auto-ajuda ou o que valha. A liderança é um processo chave em todas as organizações. O administrador deveria ser um líder para lidar com as pessoas que trabalham com ele. A liderança é uma forma de influência. A influência é uma transação interpessoal em que uma pessoa age para modificar ou provocar o comportamento de outra pessoa, de maneira intencional. (CHIAVENATO, 2009, p. 453). O líder é a referência, a pessoa que mostra o caminho, que influencia a equipe na busca, que investe tempo para estar com as pessoas, para desenvolvê-las e mostrá-las o caminho do sucesso. A liderança é o fator mais importante numa organização. Sem esta não acontece nada. Liderar é bater metas consistentemente, com o time fazendo certo. Um bom líder deve conseguir resultados por meio das pessoas, logo o líder deve investir um tempo substancial no desenvolvimento do seu time. (CAMPOS, 2009, p. 82) O líder não faze exatamente o que a equipe quer mas sim o que equipe precisa para, assim, gerar resultados que serão bons tanto para a empresa quanto para o indivíduo, nessa difícil equação que tenta fechar os interesses entre indivíduos e organizações. Em função de objetivos definidos de forma unilateral, visando apenas os lucros organizacionais, os indivíduos acabam não tendo vida fora das organizações, prejudicando a família, o lazer, a cultura e outras vertentes da vida. Nesse caso, é imprescindível a figura do líder, que vai equilibrar objetivos da empresa com os objetivos do indivíduo. (FOGUEL, 1995, p. 57). 190 Revista Pró-Ciência A primeira abordagem de que se tem notícia, surgiu com os resultados da famosa experiência de Hawthorne, realizada na década de 1930 para pesquisar o efeito das condições ambientais sobre a produtividade do pessoal, no sentido de dar importância ao fator humano na organização e a necessidade de humanização e democratização das organizações. É um marco importante na Teoria da Administração, pois, mesmo que de forma ainda empírica, inicia nas organizações o enfoque humanístico, quando Elton Mayo e Kurt Lewin, precursores da Escola das Relações Humanas, lançaram-se em complemento à Teoria Clássica, que alicerçada sobre as obras de Taylor e Fayol, imperava tranqüilamente nas três primeiras décadas do século passado. As principais contribuições da Teoria das Relações Humanas se concentram no esforço pioneiro rumo à humanização das empresas: a ênfase nos grupos sociais, nas comunicações, na motivação, na liderança [...] (CHIAVENATO, 2011, p. 36). Algumas conclusões de Hawthorne: o trabalho é uma atividade tipicamente grupal; o operário não reage como indivíduo isolado; a tarefa da administração é formar líderes capazes de compreender, comunicar e persuadir; e a pessoa é motivada essencialmente pela necessidade do trabalho em equipe. Com o impacto da Teoria das Relações Humanas, os conceitos antigos, tais como: organização formal, disciplina, departamentalização; passam a ceder lugar para novos conceitos como organização informal, liderança, motivação, grupos sociais e recompensas. Como conseqüência dessa teoria, surgem os líderes a fim de melhorar o tratamento dado às pessoas e propiciar um ambiente motivacional de trabalho mais favorável e amigável. Em seguida, a Teoria Comportamental, descendente da Escola das Relações Humanas, mantém o foco nos aspectos comportamentais, buscando em seus estilos de administração, desenvolver a motivação individual nos participantes das organizações, e reduzir os conflitos entre os interesses individuais e organiza191 Revista Pró-Ciência cionais. A seguir, o Desenvolvimento Organizacional, surgido recentemente, e apoiado na Teoria Comportamental, utiliza-se do investimento em modificações comportamentais, aliadas às estruturais, em suas estratégias de mudança organizacional. Clássicos da gestão estratégica e da administração também apontam para o líder como uma figura central nas estratégias. Napoleão Bonaparte citava que somente o exemplo pode levar as pessoas à seguirem seus passos. Uma criança vai seguir sempre o que damos de exemplo e não o que falamos para a mesma fazer, quebrando de vez o mito do “faça o que eu digo mas não faça o que eu faço” Conheço apenas uma única forma de liderar, que é pelo exemplo. (MAQUIAVEL, 2000, p. 169). O mesmo vale para a cultura empresarial, um líder com brilho nos olhos, que age de acordo com o que preconiza é muito mais efetivo que qualquer outro. Outra característica importante no líder é saber fazer aflorar o que cada um tem de melhor. Um hábil empregador de homens usará o prudente, o bravo, o cobiçoso e o burro. (TZU, 2010, p. 27) Um líder com suas habilidades bem desenvolvidas vê talento onde todos estão vendo defeitos, pois achar defeitos nos outros qualquer um o faz, porém achar virtudes é para os sábios e, saber usá-las, para os nobres. 2 O líder nasce pronto ou pode ser formado? Sendo liderança uma habilidade e, sendo a habilidade algo que pode ser desenvolvido, podemos concluir que, sim, o líder pode ser formado. (HUNTER, 2007, p.27). O autor cita o exemplo de uma criança de dois anos tentando usar pela primeira vez o papel higiênico. É uma ferramenta nova, estranha àquele ser mas que depende de uma habilidade a ser desenvolvida. 192 Revista Pró-Ciência Quando o navegador Cristóvão Colombo, no século XV, queria encontrar um caminho para as índias, que fosse diferente do que passava pelo cabo das Tormentas, propôs uma idéia absurda para a época, navegar infinitamente, acreditando que a Terra fosse redonda. Colombo estava tão obcecado pela idéia, que esse sonho fez com que o mesmo desenvolvesse uma habilidade que não tinha: a liderança. Tal habilidade fez com que o mesmo tivesse convencido a rainha da Espanha a financiar a viagem, além de convencer também uma equipe de marinheiros, considerados loucos, pois “todos sabiam” que a Terra era quadrada, e o mar despencava como uma cachoeira em algum ponto do horizonte, além das criaturas horríveis que ali habitavam. Podemos observar então a importância dos objetivos, dos sonhos na vida das pessoas e das organizações, servindo como alavanca no desenvolvimento de habilidades que nos levarão ao alcance do que desejamos. Os sonhos estão para a alma assim como o alimento para o corpo. [...] Existem certas necessidades que são aprendidas e adquiridas socialmente através da interação com o meio ambiente. As pessoas que demonstram forte necessidade de realização são particularmente responsivas aos ambientes de trabalho nos quais podem atingir o sucesso através de seus próprios esforços. Na realidade, a motivação pela realização é, em grande parte, uma teoria para empreendedores. (CHIAVENATO, 2010, p. 104). Não podemos negar que algumas pessoas são carismáticas por natureza, mas, inclusive nestes, o espírito de liderança pode e deve ser refinado e potencializado. Esse é o papel do Coaching: o novo paradigma da liderança. A palavra deriva do inglês (coach – treinador) e denota a ação de treinar, e na vertente gestão de pessoas, de desenvolver as habilidades que formarão líderes para as organizações. Construir competências para a formação de um líder é um processo contínuo, que exige investimentos em autoconhecimento, empatia, saber ouvir, paciência, abnegação, 193 Revista Pró-Ciência conhecimento, inovação, metodologia, foco, enfim, um trabalho de lapidação [...]. (SENGE, 2006, p. 75). O tema liderança é muito estimulante. Sempre nos perguntamos: de que é feito um líder? Administradores e profissionais de todos os níveis em todos os setores se interessam por essa questão. Acreditam que a resposta proporcionará melhora no desempenho da organização e no sucesso das carreiras pessoais. Esperam adquirir as habilidades que transformarão um gestor "mediano" num verdadeiro líder transformador. Sim a liderança pode ser ensinada e aprendida. A liderança parece ser a convocação de habilidades possuídas por uma maioria, mas utilizada por uma minoria. É, porém, algo que pode ser aprendido por qualquer pessoa, ensinado a todos, não devendo ser negado a ninguém. Como então desenvolver habilidades em liderança? Um líder é alguém que influencia os outros a alcançar objetivos. Quanto maior o número de seguidores, tanto maior a influência. E quanto mais bem-sucedida a realização de metas importantes, tanto mais evidente a liderança. Deve-se explorar, além dessa definição simples para se captar o estímulo e a perplexidade, que os seguidores devotados e estudiosos da liderança sentem quando deparam com um grande líder em ação, bem como entender o que os líderes das organizações realmente fazem, ou o que é necessário para ser referência quando o assunto é liderança. Para que nos tornemos líderes, capazes de atuar em qualquer ambiente, seja na vertente organizacional ou na família, algumas habilidades precisam ser desenvolvidas, sendo elas, segundo HUNTER, 2007. P. 35. Paciência: desenvolver o auto-controle. Bondade: dar atenção, apreciação, incentivo. Humildade: ser autêntico, sem pretensão ou arrogância. 194 Revista Pró-Ciência Respeito: tratar todos como pessoas importantes. Abnegação: contribuir para que os outros alcancem seus objetivos. Perdão: desistir de ressentimento quando prejudicado. Honestidade: gerar sentimento de confiança. Compromisso: honrar o combinado, sustentar as escolhas. Serviço e esforço: pôr de lado o próprio ego em função do bem comum. 3 O capital intelectual e os Stakeholders O novo mundo e a globalização impõem às organizações a necessidade de absorção de um grande volume de informações e, para que isso aconteça, a mesma depende do mais valioso bem, que são as pessoas, capazes de transformar informações em conhecimento, gerando resultados competitivos para as empresas. O início da década de 1990 marca o começo da terceira etapa do mundo organizacional. É a era da informação, que surge com o tremendo impacto provocado pelo desenvolvimento tecnológico e com a chamada tecnologia da informação. A nova riqueza passa a ser o conhecimento – o recurso mais valioso e importante -, substituindo o capital financeiro. Em seu lugar, surge o capital intelectual. (CHIAVENATO, 2010, p. 186) Temos então, a necessidade das pessoas serem vistas como seres humanos que pensam e têm capacidade para fazer uma organização dar resultados satisfatórios ou resultados desastrosos. A diferença entre um e outro resultado está na liderança. 195 Revista Pró-Ciência O capital humano é intangível e não pode ser gerenciado da mesma maneira que as empresas gerenciam cargos, produtos e tecnologias. Uma das razões para isso é que são os funcionários, e não a empresa, os detentores do capital humano. Ao saírem funcionários valiosos de uma empresa, eles levam consigo seu capital humano, e qualquer investimento que a empresa tenha feito no treinamento e desenvolvimento dessas pessoas fica perdido para ela. (SENGE, 2006, p. 116). Para termos uma idéia da importância dos líderes na sociedade do capital intelectual, em pesquisa recente realizada pelo consultor Vicente Falconi (nomeado uma das 21 maiores autoridades mundiais em gestão empresarial pela American Society for Quality), em empresas com 20 ou mais fábricas em locais distintos, algumas unidades vão bem, outras nem tanto, verificada maior presença de líderes atuantes e carismáticos nas que obtém melhores resultados. Resumo da pesquisa Plantas/fatores Planta 1 (Fábrica na capital paulista) Planta 2 (Fábrica no interior paulista) Efetivo total (pessoas) 425 422 Área construída (m²) 9600 9100 Investimentos em 2007 (em milhões de R$) 1,5 1,5 Gerentes 26 24 Departamentos 18 19 Volume de produção (em quantidade de pneus) 72600 84300 Índice de desperdício (%) 18 7 Resultado operacional (em milhões R$) 5,2 7,6 196 Revista Pró-Ciência Ao observar os resultados obtidos, conforme demonstrado acima, Falconi e sua equipe perceberam que não havia justificativa técnica para tal discrepância. Em pesquisa de clima organizacional, constatou-se que a liderança na planta 2 possuía 84% de aprovação, enquanto na planta 1 a aprovação era de apenas 36%. Pode-se dizer então, através de pesquisas de campo, que uma liderança efetivamente conectada às realidades e necessidades dos Stakeholders (Todos os agentes que influenciam e são influenciados pelos resultados nas empresas, por ex. empregados, governo etc.), gera resultados substancialmente superiores nas organizações. 4 Coaching O mercado chama de Coaching o novo paradigma da liderança. A palavra deriva do inglês (coach – treinador) e denota a ação de treinar, e na vertente gestão de pessoas, de desenvolver as habilidades que formarão líderes para as organizações. E como funciona o coaching? Nesse processo, o líder não é apenas o que sabe utilizar uma equipe em benefício da empresa, e sim uma pessoa que atua encorajando, motivando, transmitindo técnicas que melhorem capacidade, habilidades e atitudes de cada indivíduo na equipe, de forma personalizada, concomitantemente com os interesses da empresa. É o líder que ensina a pescar, mas além disso, ensina também a cuidar do rio para que não falte peixe. No coaching, são levantados os pontos fortes e os pontos a desenvolver no liderado em relação ao meio que atua, e definido um plano de ação que permita alcançar os resultados desejados, com prazo determinado, recursos necessários e o comprometimento frente ao “projeto”. Dentre os aspectos mais utilizados pelo líder no processo de coaching estão. 197 Revista Pró-Ciência Melhoria da auto-estima; Desenvolvimento de habilidades neuro-lingüísticas; Empatia - colocar-se mentalmente no lugar dos outros, entendendo melhor as pessoas e adotando melhores posturas; Administração do tempo – um dos tesouros deste milênio; Técnicas de melhor relacionamento interpessoal e networking; Estabelecimento de planos de metas pessoais; E quaisquer outras ações, a serem listadas em avaliação específica, que contribuam com a evolução do indivíduo. Com o foco em objetivos individuais, o coaching busca o desenvolvimento de competências para as vivências pessoais e profissionais. A empresa ganha ao desenvolver um líder que vai influenciar e motivar a equipe ao alcance dos objetivos. Não podemos acreditar que o talento das pessoas será desenvolvido por si só, ou que as competências necessárias podem sempre ser trazidas do mercado. O coaching tem obtido crescente aceitação no meio empresarial porque é um dos investimentos de Desenvolvimento Organizacional mais atrativos na relação custo-benefício. Um trabalho sério de coaching é focado em resultados, tanto para o indivíduo quanto para a empresa em que o mesmo atua. A revista Fortune 500 publicou um estudo buscando calcular o ROI (Retorno sobre Investimento) de um programa coaching de executivos. O programa produziu um ROI de 529%, cinco vezes mais sobre o valor investido. As principais fontes de valor foram: aumento de produtividade (53% dos executivos), aumento da qualidade (48%), melhoria na organização (48%), melhoria no atendimento ao cliente (39%), aumento da retenção dos executivos (32%), redução de custos (23%), melhoria 198 Revista Pró-Ciência no relacionamento entre subordinados diretos (77%), melhoria no trabalho em equipe (67%), melhoria no relacionamento com pares (63%), aumento da satisfação no trabalho (61%), redução de conflitos (52%) e aumento do comprometimento com a organização (44%). A idéia básica em qualquer trabalho de coaching é desenvolver pessoas, torná-las críticas, pensantes, ensinando-as a pescar ao invés de dar o peixe. Considerações finais Além dos resultados organizacionais serem incrementados através da liderança e motivação das equipes, liderar consiste em uma atividade nobre e muito gratificante, pois somente evoluímos de verdade quando participamos da evolução de outras pessoas. Tecnicamente, os profissionais estão ficando muito parecidos. O que os diferencia e destaca um do outro, é a capacidade de relacionar-se, de ter empatia, de conviver em equipe. Atualmente, os fatores subjetivos da vida profissional, representados em ações como: não saber ouvir, ser negativo, ser inflexível nas opiniões e valores, ser medíocre, ter dificuldade para se comunicar e ser temperamental, são aspectos cruciais para o sucesso na carreira. O coaching, além de trabalhar para eliminar tais comportamentos, visa expor o leque de oportunidades que existem e que podem ser exploradas no desenvolvimento do indivíduo e no alcance de seus objetivos. Liderança e relações entre pessoas, logicamente, existem desde que a humanidade habita o planeta, porém, nos últimos tempos, o tema vem despertando uma abordagem mais técnica, recebendo maior atenção por parte dos didatas e das instituições preocupadas com um mundo a cada dia mais competitivo, relevando sua atual importância no contexto organizacional. 199 Revista Pró-Ciência Referências AUMOND, Carlos Walter. Gestão de serviços e relacionamentos: os 9 passos para desenvolver excelência em serviços. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. BULGACOV, Sergio. Manual de gestão empresarial. São Paulo: Atlas, 2004. CAMPOS, Vicente Falconi. O verdadeiro poder. São Paulo: INDG, 2009. CHIAVENATO, Idalberto. Comportamento organizacional. 2 ed. Rio de Janeiro: Campus, 2009. ______, Idalberto. Administração: teoria, processo e prática. 3 ed. Rio de Janeiro: Campus, 2010. COLLINS J. & PORRAS, J. Feitas para durar. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. COVEY, Stephen R. Os 7 hábitos das pessoas altamente eficazes. 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As resenhas devem ser de até 10 (dez) laudas. d) os suportes utilizados poderão ser CD ou disquete; e) os artigos devem conter: 1- título, em negrito e CAIXA ALTA, 2- nome do autor, com nota de rodapé na primeira página do artigo, na qual deve ser apresentado a titulação e o vínculo institucional. Por exemplo: Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Professor de Direito Penal do Curso de Direito do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos; Advogado no Estado do Rio de Janeiro; 202 Revista Pró-Ciência 3- Sumário: numerado; sem numerar na Introdução, Considerações finais e Referências. Neste item utilizar itálico. 4- Resumo: o autor deverá elaborar um breve resumo do artigo em até 10 (dez) linhas e destacar separadamente as palavras-chave; 5- de preferência, o autor deverá apresentar as considerações finais em seu artigo, afim de manifestar claramente sua posição quanto ao assunto desenvolvido; 6- as citações devem ser feitas da seguinte forma: Juarez Cirino dos Santos (2000, p.31) – autor, abre parêntese, ano, nº de página, fecha parêntese; 7- as notas explicativas devem constar sempre em notas de rodapé; 8- as referências devem, também, ser elaboradas de acordo com as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Os títulos das obras, revistas ou jornais devem ser feitos em itálico. O trabalho deve ser padronizado do início ao fim. 203 GOSTOU DO LIVRO? acesse www.publit.com.br e descubra ou encomende novos títulos de seu interesse. QUER PUBLICAR O SEU? Conheça nossas soluções editoriais de publicação. Qualidade, Rapidez e Baixo custo. 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