UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MARIANA CECÍLIA LOPES DE SOUZA A (IN) APLICABILIDADE DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO PENAL NA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL São José 2010 MARIANA CECÍLIA LOPES DE SOUZA A (IN) APLICABILIDADE DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO PENAL NA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito. Orientador: Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos Santos. São José 2010 AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço a Deus por ter me dado a dádiva da vida, e principalmente ter me dado força nos momentos em que mais precisei. Aos meus pais, Sérgio Luis de Souza e Roseli Maria Lopes de Souza, por terem me ensinado que o conhecimento e o estudo são os objetos mais valiosos de minha vida e por terem me proporcionado a oportunidade de subir este degrau, além de me acompanharem e apararem quando sempre precisei. Aos meus avôs, Amauri e Maria, e meu namorado, Juliano Fleck, pela compreensão que tiveram durante a minha falta devido a dedicação ao estudo. Por terem suportado a minha ansiedade, nervosismo e épocas conturbadas e mesmo assim sempre me sustentaram e incentivaram, com sinais de carinho e apoio. Ao meu professor orientador, primordialmente, pela paciência, dedicação e seriedade prestadas a minha pessoa. E as minhas amigas e amigos, que sempre estiveram ao meu lado durante toda a graduação, colaborando para a realização deste trabalho. DEDICATÓRIA Aos meus pais, os quais foram os motivadores da busca da minha graduação, principalmente ao meu pai, que estava ao meu lado no dia da formulação da matrícula, ou seja, o primeiro passo para a conquista dessa vitória. 9 TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. São José, 03 de novembro de 2010. Mariana Cecília Lopes de Souza. 10 RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso versa sobre a aplicabilidade ou não do instituto despenalizador da suspensão condicional do processol, na esfera da Justiça Militar Estadual. Para demonstrar o presente feito, foram apontadas as dinâmicas discussões existentes sobre o tema, explanando o posicionamento favorável e contra da matéria em questão. O tema abordado apresenta suma importância ao âmbito militar, pois define o destino da vida de policiais que estão sendo e serão processados. Para tal, foi necessário, primeiramente, realizar pesquisa histórica sobre a Justiça Militar, para obter entendimento da essencialidade da especialização da Justiça, devido aos princípios basilares da Hierarquia e da Disciplina. Em seguida, foram diferenciados os crimes militares próprios e impróprios dos crimes comuns, estabelecendo a organização da Justiça Militar federal e estadual. Após, foi explanado o instituto inovador trazido pela Lei n.º 9.099/95, com a sua característica principal: a despenalização. Concluindo o presente estudo, foram apontados os posicionamentos jurisprudenciais, assim como, os doutrinários, referentes à aplicabilidade ou não da suspensão condicional do processo na Justiça Militar Estadual, tanto antes como após a decretação da Lei n.º 9.839/99, a qual acresceu o art. 90-A, à Lei n.º 9.099/95, proibindo, deste modo, a aplicação do sursis processual na Justiça Militar. Palavras-chave: Lei n.º 9.099/95; Justiça Militar; Justiça Militar Estadual; Suspensão Condicional do Processo. 11 ABSTRACT The present conclusion of curse work treats of the applicability or not of the institute decriminalize of conditional suspension of process, in the sphere of State Military Justice. To demonstrate the present done, were pointed the dynamics discussions existents about the subject, explicating the position favorable and against the subject in issue. The subject broached introduce sum importance to the military ambit, because define life’s destiny of the police officers that are being and will be prosecuted. To such, was necessary, first of all, realize a historic survey about the Military Justice, to have understanding the specialization of Justice, due to the basics principles of the hierarchy and the discipline. After this, were differentiated the military crimes proper and improper of common crimes, establishing the organization of the state and federal Military Justice. Pursuant, was explicated the innovative institute brought by Law n. ° 9.099/95, with your main characteristic that is decriminalize. Concluding the present study, were pointed the jurisprudence position, as well as, the doctrinaires, referent to the applicability or not of the conditional suspension of the process in the State Military Justice, as before as after the decreeing of the Law n. ° 9.839/99, which add the art. 90-A, to the Law n. ° 9.099/95, prohibiting, of this way, the application of the procedural sursis in the Military Justice. Keywords: Law n. ° 9.099/95; Military Justice; State Military Justice; conditional suspension of the process 12 ROL DE ABREVIATURAS OU DE SIGLAS AI Art. Arts. CE/89 CF/88 CP CPM CPPM Dcrim N.º STF STJ STM TJM TJSC TJSP Ato Institucional Artigo Artigos Constituição do Estado de Santa Catarina de 1989 Constituição da República Federativa do Brasil Código Penal Código Penal Militar Código Processual Penal Militar Direito Criminal Número Supremo Tribunal Federal Superior Tribunal de Justiça Superior Tribunal Militar Tribunal de Justiça Militar Tribunal de Justiça de Santa Catarina Tribunal de Justiça de São Paulo 13 SUMÁRIO RESUMO...........................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. ABSTRACT.......................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. INTRODUÇÃO ..................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 1 A JUSTIÇA MILITAR .....................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 1.1 EVOLUÇÃO E DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 1.2 A COMPETÊNCIA E ESTRUTURA DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL E FEDERAL ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 1.3 A DISCIPLINA E A HIERARQUIA NA JUSTIÇA MILITAR ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2 A SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO À LUZ DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE .................................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.1 A IDEOLOGIA DA LEI N.º 9099/95 ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.2 O INSTITUTO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.3 O CARÁTER CONFORMADOR DO PRINCIPIO DA IGUALDADE ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3 A (IM) POSSIBILIDADE DO OFERECIMENTO DO SURSIS PROCESSUAL NA JUSTIÇA MILITAR .......................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.1 A APLICAÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO NA JUSTIÇA MILITAR PELA ÓTICA JURISPRUDENCIAL INDICADOR NÃO DEFINIDO. ERRO! 3.1.1 Aplicabilidade na Justiça Militar Federal (análise e crítica da Jurisprudência) ...................................................... Erro! Indicador não definido. 3.1.2 Aplicabilidade na Justiça Militar Estadual (análise e crítica da Jurisprudência) ...................................................... Erro! Indicador não definido. 3.2 AS POSIÇÕES DA DOUTRINA NACIONAL ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.3 É POSSÍVEL A APLICAÇÃO DO ART. 89 DA LEI N.º 9.099/95 EM SEDE DE JUSTIÇA MILITAR? DEFINIDO. ERRO! INDICADOR NÃO CONCLUSÃO ...................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ........ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. ANEXOS ...........................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. INTRODUÇÃO O atual trabalho acadêmico apresenta como tema de estudo a problemática da aplicabilidade ou não da suspensão condicional do processo na esfera da Justiça Militar Estadual, instituto despenalizador, previsto na Lei n.º 9.099/95. Alguns autores já decorreram sobre o tema em questionamento, com diversas formas de abordagem, sobretudo, a dúvida paira sobre o assunto. As Justiças castrenses posicionam-se de forma antagônicas, porém o tema necessita de análise pautada na doutrina, jurisprudência e especialmente na 14 legislação pátria, que é a grande indagação que reside neste momento, estabelecendo, de tal modo, um posicionamento coerente e lógico, garantido a efetiva e legitima aplicabilidade da lei, sem que, entretanto, haja algum ferimento a princípios tutelados pela Constituição Federal. Busca-se, através desta pesquisa, viabilizar e apontar os posicionamentos das correntes doutrinárias referente à aplicabilidade da Lei n.º 9.099/95, que é o ponto central deste estudo. Assim como, será efetuada a análise das decisões proferidas pelos Tribunais brasileiros, demonstrando, desta maneira, o rumo jurídico que segue a suspensão condicional do processo penal na Justiça Militar. Deste modo, no Primeiro Capítulo, inicializando o estudo, o tema abordado será a Justiça Militar em sua essência, explorando breve histórico de sua evolução, desde a sua criação até os dias atuais, apresentando, ainda, o fundamento jurídico que esta em sua volta, além de indicar a sua organização, estrutura e competência. Após, mas ainda no mesmo Capítulo, será efetuada a diferenciação de crime militar próprio e impróprio militar, finalizando o tópico com os princípios basilares da Justiça Militar – Hierarquia e Disciplina. Já no Segundo Capítulo, será abordada a Ideologia despenalizadora trazida pela Lei n.º 9.099/95 ao ordenamento Jurídico, frente à Justiça Militar, enfatizando a Suspensão Condicional do Processo, explicando-a detalhadamente. Apresentará este tópico, ainda, o princípio conformador da igualdade e suas peculiaridades. Em sequência, no ultimo Capítulo, será analisada a possibilidade ou não da aplicação da Suspensão Condicional do Processo na Justiça Militar Estadual, socorrendo-se dos posicionamentos apontados pelas correntes doutrinárias dominantes e principalmente pela análise dos julgados dos Tribunais Pátrios, especialmente após o acréscimo do art. 90-A, à Lei n.º 9.099/95, o qual proibiu a aplicação dos institutos despenalizadores na Justiça Militar. Por ultimo, efetuar-se-ão apontamentos conclusivos do tema proposto inicialmente, e informar-se-á a importância do domínio sobre a aplicabilidade da Lei n.º 9.009/95 no campo da Justiça Militar Estadual. Para inicializar o presente feito, foram alçadas as subsequentes hipóteses: I) A inaplicabilidade do sursis processual na Justiça Militar Estadual, devido os antagonismos, diante da divergência entre os bens tutelados pelo Direito Penal Comum e o Militar, bem como, pela presumível desmoralização aos Princípios Disciplina e Hierarquia; II) A possibilidade da utilização da Suspensão Condicional 15 do Processo na Justiça Militar Estadual, consoante a garantia aos Princípios constitucionais: da Igualdade, Proporcionalidade, Razoabilidade; e III) A constitucionalidade da Lei n.º 9.839/99, que acresceu o art. 90-A à Lei n.º 9.099/95 na Justiça Militar, a qual afastou a aplicação da Suspensão Condicional do Processo Penal na Justiça Militar. A Metodologia utilizada nesta Monografia foi o método indutivo, ou seja, iniciase de premissa geral e segue para a específica, tendo como término a conclusão. Tem-se como premissa geral, o art. 89, da Lei 9099/95, Suspensão Condicional do Processo. A técnica que será empregada é a da documentação indireta, a qual é pautada em pesquisa bibliográfica, através de doutrinas, jurisprudências, e principalmente em artigos e revistas jurídicas. Será efetuado a pesquisa documental, efetuando estudo da lei vigente, haja vista, a problemática da monografia que é a verificação da aplicação do instituto da Lei 9099/95, sem ferir princípios constitucionais. 16 1 A JUSTIÇA MILITAR Inicialmente faz-se necessário elencar os motivos históricos e decisivos referentes ao surgimento do Direito Militar e da Justiça Militar, caracterizando os pontos basilares que legitimam a necessidade de ordenamento específico, com Leis, Regulamentos, Códigos e Estatutos próprios. Só assim, entender-se-á o fundamento e a importância deste instituto. 1.1 Evolução e desenvolvimento histórico É possível afirmar, baseado na História, que o Direito Militar e consequentemente a Justiça Militar surgiram na mais remota antiguidade, juntamente com a origem dos Estados, com o aparecimento dos exércitos permanentes, estabelecidos para a defesa e expansão de territórios. Deste modo, formou-se um corpo de soldados disciplinados sob um regime intransigente com medidas repressivas graves e de aplicação imediata, ou seja, criação de um órgão julgador especializado na análise de crimes praticados em tempo de guerra. 1 Edgard de Brito Júnior2 assinala como o primeiro Exército organizado, aquele que surgiu em 4.000 a.C, provavelmente, na Sumária. Há vestígios do surgimento da concepção de Direito Militar, na mais antiga Lei existente: o Código de Urnammu3, o qual conjeturava eventos que hoje são crimes militares, porém sem a percepção de jurisdição militar, já que, os fatos eram apreciados mediante vontade do Rei. O Código de Hammurabi, também, continha normas de caráter militar, assim como as antigas leis assírias e egípcias. Neste diapasão, foi na Grécia que veio ao mundo os primeiros elementos que se pode chamar de estado militar organizado. Em Antenas e Esparta, já se fazia a 1 CORRÊA. Univaldo. A evolução da Justiça Militar no Brasil – Alguns dados históricos. In: Direito Militar: História e Doutrina: artigos inéditos. Florianópolis/SC. AMAJME, 2002, p. 9. 2 ROTH, Ronaldo João. Justiça Militar e as Peculiaridades do Juiz Militar na Atuação Jurisdicional. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2003, p. 5. 3 Ur-Nammu, da cidade de Ur, fundador da III Dinastia de Ur, na antiga Mesopotâmia. CORRÊA. Univaldo. A evolução da Justiça Militar no Brasil – Alguns dados históricos. In: Direito Militar: História e Doutrina: artigos inéditos. Florianópolis/SC. AMAJME, 2002, p. 9. 17 diferenciação entre jurisdição Militar em tempo de paz e em tempo de guerra. 4 Na Grécia era tão forte o posicionamento da visão de Direito Militar, que todo cidadão era tratado como um soldado da pátria, os quais, desde pequenos, passavam por treinamentos severos e ríspidos (criação), para tornarem-se um supersoldado5. Dentro desta orientação, Roma serviu de guia aos povos modernos, no que se refere à legislação e arte militar6, destacando-se na organização do Direito Militar e na Justiça Militar. Aliada a quatro elementos fundamentais: Cidades-Estados, Exércitos permanentes, expansionismo e disciplina, Roma, de modo natural, almejou à idealização de delitos próprios da atividade bélica, estimulando, portanto, a relevância do Direito Penal Militar7. O Direito Penal em Roma adquiriu autonomia passando por quatro fases históricas distintas, que são ela: 1ª) época dos reis, em que todos os soberanos concentravam em suas mãos todos os poderes, incluído o de julgar; 2ª) fase em que a justiça militar era exercida pelos cônsules, com poderes de imperium majus, havendo abaixo deles o tribuno militar, que possuía o chamado imperium militae, simbolizando a dupla reunião da justiça e do comando. 3ª) época de Augusto, em que a justiça militar era exercida pelos prefeitos do pretório, em jurisdição muito ampla; e 4ª) época de Constantino, em que foi constituído o Consilium, com a função de assistir o juiz militar, sendo a sua opinião apenas consultiva.8 Com a criação do Digesto - De re militare, na Roma Antiga, que abrangia todas as normas do Direito Militar e da Justiça Militar, o qual apresentava amplas teorias de pena própria9 e possibilitava maior eficácia e coesão aos exércitos romanos, a Justiça Militar firmou-se.10 Como afirma Edgard de Brito Chaves Júnior: 4 CORRÊA. Univaldo. A evolução da Justiça Militar no Brasil – Alguns dados históricos. In: Direito Militar: História e Doutrina: artigos inéditos. Florianópolis/SC. AMAJME, 2002, p. 9. 5 LOPES, Reinaldo José. A Outra Esparta. Revista Super Interessante. Ed 238 – Abril/2007. Editora Abril. 6 NETO, José da Silva Loureiro. Escorço Histórica da Justiça Militar, in Revista de Estudos & Informações, TJM/MG, 2001, n. 08, p. 12. 7 NEVES, Cícero Robson Coimbra. Apontamentos de Direito Penal Militar. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 03. 8 Idem. p. 04. 9 COSTA, Álvaro Mayrink da. Crime Militar. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2005, p. 19. 10 CORRÊA. Univaldo. A evolução da Justiça Militar no Brasil – Alguns dados históricos. In: Direito Militar: História e Doutrina: artigos inéditos. Florianópolis/SC. AMAJME, 2002, p. 14. 18 Para manter os homens disciplinados, houve a necessidade, desde o início, de se estabelecerem normas aplicáveis àquelas tropas. Já Dizia Napoleão: “A disciplina é a primeira qualidade do soldado; o valor é apenas a segunda”. Assim, a instituição de uma Justiça especial para o Exército foi reconhecida, em todos os tempos e por todos os Estados, como uma sociedade. A força 11 militar, regulamente organizada, deveria ter jurisdição sobre si mesma. Observa-se, portanto, que o Direito Castrense, efetivou-se da obrigação de disciplinar as relações entre os militares, cuja, tal peculiaridade estabeleceu o grau de necessidade da existência do Direito Militar, regendo-se por Estatuto próprio, devido os deveres serem diferentes em relação aos civis. Por isso, é essencial ter distintos órgãos julgadores: Justiça Comum aos civis e Justiça Militar aos militares. Prosseguindo a evolução histórica, vestígio da Justiça Militar se faz presente, também, em Portugal, com a criação do Conselho de Guerra em Lisboa, que vigoraram nos tempos nas Ordenações Afonsinas (coletânea de leis promulgadas, dividida em cindo livros, que regiam os governos locais - Corpus Júri Civilis), Século XV, durante o reinado de Afonso V. Tal ordenamento, foi revogado após 75 anos de vigência, vigorando as Ordenações Manuelinas, que igualmente, foi revogada em 1569, com a entrada do Código de Dom Sebastião. Após, em 1603, foram ordenadas as Ordenações Filipinas e tratando-se de matéria penal, vigorou até 1830, com a promulgação do Código Criminal, o qual possuía penas cruéis como a pena de morte e outros. 12 O referido Conselho de Guerra, posteriormente foi transformado no Supremo Tribunal Português, por Decreto de D. João IV, em 1640. Já o Conselho Supremo Militar e Justiça, que hoje é o nosso conhecido Tribunal Militar, foi criado por Alvará do príncipe Fernando José de Portugal, em 1808.13 Já no Brasil, as primeiras repercussões da Justiça Militar, se deram com a vinda dos portugueses ao nosso Território. Desta feita, o Brasil passou a receber tudo de Lisboa, até mesmo o Direito, o que evidencia a necessidade de se estudar, em um primeiro momento, os aspectos históricos do período colonial brasileiro, tendo em vista que apenas tivemos uma definição de nossos destinos após anos de colonização portuguesa. 11 ROTH, Ronaldo João. Justiça Militar e as Peculiaridades do Juiz Militar na Atuação Jurisdicional. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2003, p. 8. 12 CORRÊA. Univaldo. A evolução da Justiça Militar no Brasil – Alguns dados históricos. In: Direito Militar: História e Doutrina: artigos inéditos. Florianópolis/SC. AMAJME, 2002, p. 16 /17. 13 GODINHO, Gaualter, 19 Todo o aparato judicial de Portugal veio ao Brasil junto com a colonização, através das grandes navegações, surgindo, assim, órgãos competentes para decidir em primeiro grau de jurisdição, bem como, após, as últimas instâncias, de forma a evitar a busca por soluções em Portugal. Acoplado com tais organizações, vem o Direito Romano, com suas Leis, Juízes, Tabeliães e Escreventes. Assim, com imensas contribuições dos institutos como das Ordenações Afonsinas, Ordenações Manuelinas e Filipinas, o Brasil, aos poucos, vai formulando as suas leis, entretanto sem deixar de ser Colônia portuguesa.14 É possível afirmar, que substancialmente, em 1808, a condição do Brasil foi modificada quando da vinda da Família Real portuguesa, haja vista ter passado de uma mera Colônia à qualidade de sede da monarquia lusitana, o qual suscitou a necessidade de reorganização administrativa, face à transferência ao Rio de Janeiro das Secretarias de Estado, Tribunais e outras repartições, até então, estabelecidas em Lisboa15 Neste sentido, com a publicação do Alvará de 10 de maio de 1808, por D. João VI, a cidade do Rio de Janeiro foi elevada à condição de Casa de Suplicação, o que a tornou Tribunal Superior, ou seja, a última instância de julgamento no Brasil. O Alvará de 10 de maio de 1808, foi o ato primordial para a criação da Justiça Militar no Brasil, este definiu a sua estrutura, competência, regulamento e todos os demais aspectos da Justiça que acabará de ser formada. A justificativa de D João para a criação de uma justiça especializada foi a seguinte: “por ser conveniente ao bem do seu real serviço e a tudo o que respeitava à boa ordem e regularidade da disciplina militar”16. Dando continuidade ao tema, outro importante alvará expedido foi o do dia 1º de abril de 1808, o que criou o Conselho Supremo Militar. Este teve a sua origem em 1640, sob a denominação de Conselho de Guerra, transformando-se em 20 de agosto de 1777, no Conselho Supremo, apresentando-se como Tribunal de Apelação ao militares que cometiam crimes.17 O supramencionado Conselho possui duas funções, ou seja, além de julgar em ultima instância os processos criminais de 14 CORRÊA. Univaldo. A evolução da Justiça Militar no Brasil – Alguns dados históricos. In: Direito Militar: História e Doutrina: artigos inéditos. Florianópolis/SC. AMAJME, 2002, p. 18. 15 VIANNA, apud CORRÊA. Univaldo. A evolução da Justiça Militar no Brasil – Alguns dados históricos. In: Direito Militar: História e Doutrina: artigos inéditos. Florianópolis/SC. AMAJME, 2002. 16 FILOCRE. Laurentino A., A Justiça Militar da União, in Revista Direito Militar. AMAJME, n. 13, 1998, p. 3/6. 17 LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. 3. Ed. Atual. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. 20 réus com foro militar, função judiciária; desempenhava atividades de cunho administrativo, como decisões de patentes, promoções, soldos, nomeações, entre outros assuntos para os quais eram elaborados pareceres, como órgão consultivo. Mediante o Conselho Supremo Militar ocorreu a instalação oficial do escabinato na Justiça Militar do Brasil, composto pelos Conselhos de Guerra e do Almirantado. Este foi o primeiro Tribunal Superior de Justiça instituído no Brasil. Com o advento da República, pela Constituição de 1891, O Conselho Supremo Militar e de Justiça passou a denominar-se Supremo Tribunal Militar, cuja organização e atribuições passaram a ser definidas pela Lei nº 149, de 13 de julho de 1893, passando a integrar o Poder Judiciário pela Constituição de 1934. E, em 1946, a nova Constituição intitulou o, então, Supremo Tribunal Militar de Superior Tribunal Militar, nome que permanece até hoje.18 No Brasil, o Direito Penal Militar começou a ser cultivado aos poucos, dada a autonomia adquirida com a vinda da Família Real e, posteriormente, com a Proclamação da Independência e os reinados de D. Pedro I e D. Pedro II. É a partir desse período que toda legislação penal militar vem sofrendo alterações até chegar aos dias atuais. O primeiro projeto do Código Penal Militar foi efetivado em 21 de março de 1802, quando o Brasil ainda era Colônia, entretanto tal projeto jamais foi executado.19 Realizada a análise do período colonial, por coerência, segue-se a pesquisa com foco na fase seguinte, ou seja, o período imperial. Em 16 de dezembro de 1830, foi instituído o Código Criminal do Império e, em 29 de novembro de 1832, promulgado o Código de Processo Criminal. No decorrer da fase imperial, foram criados, também, os Conselhos de Disciplina, cujo objetivo era verificar os casos de deserção de praças; os Conselhos de Investigação, para análise dos casos de deserção de oficiais, além de outros atos criminosos em geral; os Conselhos de Guerra, para o ajuizamento dos crimes militares em primeira instância; o Conselho Supremo Militar, tribunal competente para julgamento dos crimes militares em segunda instância; e as Juntas de Justiça Militar e Conselhos para a computação das faltas disciplinares. Salienta-se que o Poder Legislativo 18 Idem, p. 26. ROTH, Ronaldo João. Justiça Militar e as Peculiaridades do Juiz Militar na Atuação Jurisdicional. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2003. 19 21 procurou organizar a Justiça Militar por meio de vários projetos, a partir de 1826, devido o fato de existir diversos órgãos julgadores.20 Nesta linha de raciocínio, em 18 de dezembro de 1865, o Ministério da Guerra, atual Comando do Exército, efetuou-se a Primeira Seção para a composição da comissão de exame da legislação do Exército e formulação de um novo projeto. Posteriormente, em 14 de janeiro de 1890, foi nomeada, pelo Ministro de Guerra, uma outra comissão com a missão de organizar um projeto de Código Penal Militar e de Processo. Deste modo, surgiu o Código Penal da Armada, atual Marinha do Brasil, sendo, em 1899, estendido ao Exército e à Força Aérea através do DecretoLei nº 2.961, de 20 de janeiro de 1941. A seguir, em 24 de janeiro de 1944, pelo Decreto-Lei nº 6.227, passou a vigorar o Código Penal Militar, comum às Forças Armadas, o qual só veio a ser revogado pelo atual, datado de 21 de outubro de 1969. Em 18 de julho de 1893, o Conselho Supremo Militar e de Justiça passou a se chamar Supremo Tribunal Militar, através do Decreto Legislativo nº 149, continuando a exercer as suas atribuições consultiva e judiciária. Assim, pelo Decreto nº 14.450, de 30 de outubro de 1920, foi criado o Código de Organização Judiciária e Processo Militar.21 Durante o Império e início do período republicano, a presidência do tribunal Militar incumbia aos Governantes, tais como: Marechal Deodoro e Marechal Floriano, dentre outros. Apenas em 18 de julho do ano de 1893 é que, por força do decreto legislativo 149, a presidência do Conselho Supremo Militar e de Justiça, passou a ser exercida pelos membros da própria Corte, eleitos pelos seus pares. Ressalta-se, que, desde a promulgação da Constituição de 1946, até os dias atuais, o Superior Tribunal Militar se apresenta com a mesma denominação. Agora, já no período Republicano, o Supremo Tribunal Militar era o responsável pela regulamentação da parte processual, o que foi feito em 16 de julho de 1895, com a criação de regulamento, sendo substituído pelo Decreto de 30 de outubro de 1920, que logo depois foi alterado por outros Decretos, até sua real codificação pelo Decreto-Lei nº 925, de 2 de dezembro de 1938, que criou o novo Código da Justiça Militar. Este, vigorou até a expedição dos Decretos-Lei nº 1.002, que fez entrar em vigor o Código de Processo Penal Militar, e 1.003, que criou a Lei 20 CORRÊA. Univaldo. A evolução da Justiça Militar no Brasil – Alguns dados históricos. In: Direito Militar: História e Doutrina: artigos inéditos. Florianópolis/SC. AMAJME, 2002. 21 Idem. 22 de Organização Judiciária Militar, ambos de 21 de outubro de 1969, os quais entraram em vigor a partir de 1º de janeiro de 1970.22 A Justiça Militar Federal só tornou-se um órgão do Poder Judiciário a partir da Constituição de 1934. As Constituições anteriores, de 1824 e 1891, não conjeturavam a existência da Justiça Militar, somente das Forças Militares. Entretanto, as Constituições posteriores abordaram esse órgão como parte integrante do Poder Judiciário; as Justiças Militares Estaduais, por sua vez, tornaram-se órgãos do Poder Judiciário a partir da Constituição de 1946. De tal modo, tanto a Justiça Militar Federal quanto as Justiças Militares Estaduais passam a ser, de forma efetiva, órgãos da Justiça Brasileira, o que restou confirmado com as Constituições de 1967 e 1988, esta a atual Constituição Federal da República Federativa do Brasil.23 Os decretos nº 14.450 e 14.544, de 1920, deram continuidade a evolução da Justiça Militar, os quais tratavam sobre o Código de Organização Judiciária e Processo Militar. Por quanto, a Justiça Militar passou a ser composta pelas Auditorias, as quais funcionariam, desde então, como órgãos de primeira instância. 24 Por fim, vale destacar o importantíssimo episódio para a história do Brasil e da Justiça Militar, que foi o Golpe Militar de 1964, quando o, então presidente da República, João Goulart, foi deposto. A Justiça Militar teve respeitável participação no processo de institucionalização e legitimação da nova ordem política que estaria por se garantir, até mesmo pelo relevante papel que exerceu para a punição dos oponentes do regime. 25 O Ato Institucional nº 1 (AI-1), criado em 9 de abril de 1964, previa o poder de conferir aos setores militares, de promover punições, por meio de inquéritos e processos, que eram utilizados para averiguar a prática de crimes contra o Estado ou seu patrimônio, a ordem política e social, bem como os atos de guerra revolucionária. Com a edição do Ato nº 9, seguido da portaria nº 1, de 14 de abril, criou-se uma regulamentação para a abertura desses inquéritos. Considera-se, tal 22 Idem. ROTH, Ronaldo João. Justiça Militar e as Peculiaridades do Juiz Militar na Atuação Jurisdicional. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2003. 24 CORRÊA. Univaldo. A evolução da Justiça Militar no Brasil – Alguns dados históricos. In: Direito Militar: História e Doutrina: artigos inéditos. Florianópolis/SC. AMAJME, 2002, p. 23. 25 SILVA, Angela M. D. Ditadura Militar e Justiça Castrense no Brasil: espaço de legitimação política e de contradições. In: I Encontro Nacional da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DE DEFESA - ABED, 2007, São Carlos. Anuais do I Encontro Nacional da ABED. São Carlos: 2007. 23 23 disposição, o marco inicial de atuação da Justiça Militar durante o regime castrense.26 Durante o regime ditatorial, a Justiça Militar pode ser dividida em cinco fases de atuação. A primeira fase foi a repressão política praticada contra as opositores ao regime militar, sendo que as principais motivação da acusação era a prática de crimes políticos, o que não era objeto de competência da Justiça Militar, porém, devido diversas prisões efetuadas para investigação e devido à grande quantidade de habeas corpus impetrados, o STM decidiu por demandar posicionamentos e decisões nesse sentido. Em 1965, foi direcionado ao presidente Castelo Branco projeto de emenda constitucional prevendo, a transferência, para a Justiça Militar, do foro militar aos civis que cometessem condutas atentatórias à segurança nacional ou às instituições militares; possibilidade de cassação ou suspensão de direitos políticos pelo presidente da República; extinção de partidos políticos; além de outras diversas medidas que possibilitassem ampla intervenção federal. Do mesmo modo, em 27 de outubro de 1965, foi editado o Ato Institucional nº 2, que reparou expressivamente o Poder Judiciário, ampliando a competência do Tribunal Militar e aumentando a composição do STM, de 11 para 15 ministros, nomeados pelo presidente da República.27 Já a segunda fase de atuação da Justiça Militar, é assinalada por essas alterações estruturais, aceito que, a partir de então, todos os processos alusivos a crimes políticos passaram a ser jugulados ao crivo da Justiça Castrense, com inclusão dos que tramitavam na Justiça Comum. As Auditorias Militares surgem nessa fase, sendo que cada uma, era composta por dois tipos de Conselhos: os Conselhos Especiais de Justiça, que serviam para processar e julgar os casos em que se pedia pena de morte, bem como os oficiais, exceto os generais, que deveriam ser julgados pelo STM; e os Conselhos Permanentes de Justiça, que processavam e julgavam não oficiais e civis por crimes cometidos contra a segurança nacional. Os Conselhos eram compostos por um juiz auditor, civil, e quatro oficiais, sendo a presidência assegurada ao oficial de maior patente. Em 1967, foi estabelecida a nova Lei de Segurança Nacional, fortemente entusiasmada pelos diplomas legais penais militares, definindo crimes contra a segurança nacional, 26 SILVA, Angela M. D. Ditadura Militar e Justiça Castrense no Brasil: espaço de legitimação política e de contradições. In: I Encontro Nacional da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DE DEFESA - ABED, 2007, São Carlos. Anuais do I Encontro Nacional da ABED. São Carlos: 2007. 27 Idem. 24 que era considerada o valor supremo da nação, não se falando mais em crimes contra o Estado e a ordem política. Dessa forma, a Lei de Segurança Nacional, bem como os Códigos Penal Militar e de Processo Penal Militar, passaram a ser a base de aplicação da lei por parte da Justiça Militar.28 Em continuação, surge a terceira fase da Justiça Militar da época ditatorial, se fazia valer do método da tortura para a confecção do interrogatório dos acusados, mantendo-os incomunicáveis durante a formação do inquérito e submetendo-os a coação física e moral durante a oitiva. Em 1969, o Brasil passou por uma época de grandes desordens, com diversas guerrilhas urbanas insatisfeitas com o governo militar, o que culminou no restabelecimento da pena de morte, da prisão perpétua e de banimento, bem como a edição da Emenda Constitucional nº 1, conhecida como a “Constituição de 1969”, e a reformulação do Código Penal Militar, do Código de Processo Penal Militar e da Lei de Organização Judiciária Militar, tudo objetivando o combate ao crescente movimento de oposição armada ao regime. Destarte, a quarta fase de atuação, de 1975 e início de 1979, o Presidente Geisel transferiu a gerência da repressão, em caráter nacional, para a Polícia Federal, ato este que diminuiu explicitamente a tramitação de processos na Justiça Militar em relação ao julgamento dos militantes esquerdistas, devido a redução da capacidade de articulação das organizações de esquerda.29 Nasce, enfim, a quinta fase de atuação da Justiça Militar, que tratava-se de uma nova força de oposição ao regime, concentrada no movimento sindical do ABC paulista, com ações grevistas que se iniciaram em 1978 e se estenderam até 1981. A condenação que melhor exemplifica esta fase, referente a atuação da Justiça Militar, foi a condenação dos militantes, em primeira instância, pela 2ª Auditoria Militar, situada em São Paulo, no ano de 1980, quando um desses movimentos teve como protagonista Luis Inácio Lula da Silva, nosso atual presidente da República, e mais dez líderes sindicais. Advém que, em 1982, o STM se manifestou, declarando a incompetência da Justiça Militar para processar e julgar os metalúrgicos. Além disso, a edição da Lei de Anistia, em 1979, durante o governo Figueiredo, resultou em mais alterações na natureza dos processos da Justiça Militar, uma vez que suas decisões passaram a refletir o descontentamento dos militares insatisfeitos com o processo de 28 SILVA, Angela M. D. Ditadura Militar e Justiça Castrense no Brasil: espaço de legitimação política e de contradições. In: I Encontro Nacional da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DE DEFESA - ABED, 2007, São Carlos. Anuais do I Encontro Nacional da ABED. São Carlos: 2007. 29 Idem. 25 abertura. Assim, múltiplos presos políticos interpuseram recursos solicitando revisão de pena, sendo que muitos integrantes das Auditorias Militares manifestavam-se contrários à libertação. 30 Transponha-se, agora, para a análise da Estrutura e Competência da Justiça Militar Estadual e Federal sob a óptica da nossa Constituição Federal. 1.2 A Competência e Estrutura da Justiça Militar Estadual e Federal O artigo 92 da Constituição Federal do Brasil relaciona quais órgãos fazem parte do Poder Judiciário: Supremo Tribunal Federal, Conselho Nacional de Justiça, Superior Tribunal de Justiça, Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais, Tribunais e Juízes do Trabalho, Tribunais e Juízes Eleitorais, Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios e, destaquem-se, Tribunais e Juízes Militares.31 A Justiça Militar brasileira, órgão que nos interessa, apresenta características distintas aos modelos de Justiça Militar de outros países, pois possui gênero, ou seja, divide-se em duas espécies: Justiça Militar Federal e Justiça Militar Estadual 32. A primeira tem como competência o julgamento, em regra, dos militares integrantes das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) e civis, já a segunda, julga os militares integrantes da Forças Auxiliares (Policiais Militares e Corpos de Bombeiros Militares), sempre que qualquer deles transgredirem as disposições legais previstas no Código Penal Militar.33 É importante salientar, que a Justiça Militar durante a história constituinte sempre teve atenção específica, tanto é que nos dias atuais apresenta-se como uma justiça especial. A justiça especial é apontada pela Carta Maior para atender uma 30 SILVA, Angela M. D. Ditadura militar e justiça castrense no Brasil: espaço de legitimação política e de contradições. In: I Encontro Nacional da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DE DEFESA - ABED, 2007, São Carlos. Anuais do I Encontro Nacional da ABED. São Carlos: 2007. 31 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível no site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acessado em 09 jul 2010. 32 ASSIS, Jorge César de; LAMAS, Claudia Rocha. A Execução da Sentença na Justiça Militar. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2005. 33 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Organização da Justiça Militar. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 35, out. 1999. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1569>. Acesso em: 02 mar. 2010. 26 generalidade de casos indeterminados, porém previamente definidos. 34 Assim, não se pode afirmar que a Justiça Militar é uma justiça de exceção35, mas sim uma justiça especializada, por estar devidamente prevista na Constituição Federal, no rol de órgãos do Poder Judiciário, como já mencionado, e por julgar matéria determinantemente específica. Desta forma, quanto mais se desenvolve e quanto mais se aperfeiçoa, a Justiça torna-se especializada, como a Justiça Militar, e esta especialização é o modo de alcançar os fins do Estado e do bem comum.36 A Constituição Federal de 1988, acolhe a Justiça Militar em seus arts. 122 a 124 e 125, §§ 3º, 4º e 5º, determinando as suas competências e definindo o seu caráter de Justiça especializada. Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei. Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a 37 competência da Justiça Militar. Em termos mais claros, é necessária a especialização da Justiça Militar, pois as condições especiais da vida militar demandam a criação e aplicação de normas peculiares (especiais) e principalmente de um órgão julgador especializado. 38 Assim Octavio Augusto Simon de Souza, Juiz do Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul explica: A Justiça Militar especializada não é baseada em privilégios aos indivíduos, mas nas exatas razões da vida do Estado. As instituições militares estão sujeitas a uma ordem jurídica particular, possuindo Códigos, Leis e Regulamentos próprios. Esse conjunto de diferentes regras orienta a vida e as ações dos seus membros, que apresentam valores distintos, além da cultura e psicologia típica. É a Justiça Militar – Justiça Especial – que aplica essa legislação particular, necessária e distinta da legislação comum em face da hierarquia e disciplina existentes no interior das corporações militares. A Justiça Militar existe não por causa dos crimes dos militares, 34 CORRÊA. Univaldo (Org.). A Justiça Militar Hoje. In: Direito Militar: História e Doutrina: artigos inéditos. Florianópolis/SC. AMAJME, 2002, p. 104. 35 A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXXVII, veda a Justiça de exceção: “não haverá juízo ou tribunal de exceção. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988.Disponível no site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acessado em 09 jul 2010. 36 SOUZA, Octavio Augusto Simon de. Leis penais especiais e sua aplicação na Justiça Militar Estadual. Direito Militar: revista da Associação dos Magistrados das Justiças Militares Estaduais, Florianópolis, ano XII, n. 72, p. 06-08, jul./ago. 2008. 37 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível no site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>, acessado em 09 jul 2010. 38 CORRÊA. Univaldo (Org.). A Justiça Militar Hoje. In: Direito Militar: História e Doutrina: artigos inéditos. Florianópolis/SC. AMAJME, 2002, p. 105. 27 mas para examinar o cometimento de crimes militares como definidos pela 39 lei como tal, o que é completamente diferente. Avançando na análise da estrutura da Justiça Militar, a Justiça Militar Federal tem sua estrutura e competência elencadas na Constituição Federal no art. 122: Art. 122. São órgãos da Justiça Militar: I - o Superior Tribunal Militar; 40 II - os Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei. A competência dessa justiça especializada abrange o julgamento dos crimes previstos no ordenamento jurídico penal militar, quando o agente infrator for integrante das seguintes corporações: Marinha de Guerra, Exército Brasileiro e Força Aérea Brasileira41, bem como os civis que pratiquem condutas previstas no artigo 9º do Código Penal Militar.42 39 SOUZA, Octavio Augusto Simon de. Leis penais especiais e sua aplicação na Justiça Militar Estadual. Direito Militar: revista da Associação dos Magistrados das Justiças Militares Estaduais, Florianópolis, ano XII, n. 72, p. 06/08, jul./ago. 2008. 40 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível no site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acessado em 09 jul. 2010. 41 BARROSO FILHO, José. Justiça Militar da União. Jus Navigandi. Teresina, ano 3, n. 31, maio 1999. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1570>. Acesso em: 09 jul. 2010 42 “Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial; II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar; f) revogada. III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar; b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo; c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras; d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa 28 A Lei 8.457, de 04 de setembro de 1992, Lei de Organização Judiciária Militar da União, em seu art. 1º determina os órgãos da Justiça Militar: Art. 1º. São Órgãos da Justiça Militar: I - o Superior Tribunal Militar; II - a Auditoria de Correição; III - os Conselhos de Justiça; 43 IV - os Juízes-Auditores e os Juízes-Auditores Substitutos. A Justiça Militar da União tem como primeiro grau de jurisdição o Conselho de Justiça, ou, também conhecido, como escabinado, devido a sua estrutura de formação, isto é, apresenta formação mista, sendo composta por juiz civil e juízes militares, os quais compreendem, em regra, as auditorias da Justiça Militar, que são distribuídas em 12 circunscrições judiciárias militares da seguinte forma: 1ª CJM Rio de Janeiro e Espírito Santo; 2ª CJM - São Paulo; 3ª CJM - Rio Grande do Sul; 4ª CJM - Minas Gerais; 5ª CJM - Paraná e Santa Catarina; 6ª CJM - Bahia e Sergipe; 7ª CJM - Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas; 8ª CJM Pará, Amapá e Maranhão; 9ª CJM - Mato Grosso do Sul e Mato Grosso; 10ª CJM Ceará e Piauí; 11ª CJM - Goiás, Tocantins e Distrito Federal; e 12ª CJM Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia.44 Os Conselhos de Justiça se dividem em: permanentes e especiais. O primeiro é destinado ao julgamento de praças de carreira hierárquica inferior (Soldado, Cabo, Sargento ou Suboficial), constituído por um período de tempo determinado, 4 meses; e o segundo é destinado ao julgamento de oficiais de carreira hierárquica superior (Tenente, Capitão, Major e demais oficiais superiores), que é composto para cada processo e dissolvido ao final. O conselho é formado por cinco julgadores, sendo quatro pertencentes à carreira militar, oficiais, e um juiz civil, togado, denominado auditor militar.45 ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquêle fim, ou em obediência a determinação legal superior. Decreto-lei n. 1001, de 21 de outubro de 1969. Decreta o código penal militar. BRASIL. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 out. 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1001.htm>. Acesso em: 09 jul. 2010. 43 BRASIL. Lei 8.457, de 04 de setembro de 1992. Organiza a Justiça Militar da União e regula o funcionamento de seus serviços auxiliares. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 04 set. 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8457.htm >. Acesso em: 09 jul. 2010 44 Auditorias das Justiças Militares. Disponível em <http://www.stm.jus.br/auditorias-militares>. Acessado em 09 jul. 2010. 45 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Competência da Justiça Militar.Artigos Jurídicos. 2003. Disponível em: <http://www.advogado.adv.br/direitomilitar/ano2003/pthadeu/competenciajusticamilitar.htm>. Acessado em 09 jul. 2010. 29 Cumpre observar que, com o advento da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, os juízes do primeiro grau da Justiça Militar Estadual passaram a ser chamados de “juízes de direito”, alterando a expressão “juiz-auditor” anteriormente utilizada. Porém, em âmbito federal, tal nomenclatura continuou inalterada e, portanto, o juiz de primeiro grau continua sendo chamado de juizauditor. A Lei de Organização Judiciária Militar da União, Lei nº 8.457, de 04 de setembro de 1992, fixa a competência dos Conselhos de Justiça em âmbito federal, consoante os seguintes artigos: Art. 27 - Compete aos Conselhos: I - Especial de Justiça processar e julgar oficiais, exceto oficiais-generais, nos delitos previstos na legislação penal militar; II- Permanente de Justiça, processar e julgar acusados que não sejam oficias, nos delitos de que trata o inciso anterior, excetuado o disposto no art. 6º, inciso I, alínea b, desta Lei. Art. 28 - Compete ainda aos Conselhos: I- decretar a prisão preventiva de acusado, revogá-la ou restabelecê-la; II- conceder menagem e liberdade provisória, bem como revogá-las: III- decretar medidas preventivas e assecuratórias, nos processos pendentes de seu julgamento; IV- declarar a inimputabilidade de acusado nos termos da lei penal militar, quando constatada aquela condição no curso do processo, mediante exame pericial; V- decidir as questões de direito ou de fato suscitadas durante instrução criminal ou julgamento; VI- ouvir o representante do Ministério Público sobre as questões suscitadas durante as sessões; VII - conceder a suspensão condicional da pena, nos termos da lei; 46 VIII - praticar os demais atos que lhe forem atribuídos em lei. Já o Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado de Santa Catarina abordar das regras de composição de ambos os Conselhos de Justiça: Art. 50. Na composição do Conselho de Justiça Militar observar-se-á, no que for aplicável, o disposto na legislação da Justiça Militar e no Código de Processo Penal Militar. § 1º O Conselho Especial de Justiça, integrado por Juiz de Direito, que o presidirá, e quatro militares, será constituído para cada processo e dissolvido após a sua conclusão, competindo-lhe processar e julgar processos instaurados contra oficiais militares. § 2º O Conselho Permanente de Justiça, integrado por Juiz de Direito, que o presidirá, e quatro militares, funcionará durante quatro meses consecutivos, 46 BRASIL. Lei 8.457, de 04 de setembro de 1992. Organiza a Justiça Militar da União e regula o funcionamento de seus serviços auxiliares. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 04 set. 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8457.htm >. Acesso em: 09 jul. 2010. 30 coincidindo com os quadrimestres o ano civil, competindo-lhe processar e julgar os processos instaurados contra praças da Polícia Militar. § 3º O Conselho Permanente e o Conselho Especial serão integrados por militares com o posto de Capitão, no mínimo. § 4º Não poderão integrar o Conselho Especial, militares com posto inferior ou, se de mesmo posto, mais moderno no quadro de antigüidade, do que o militar processado. § 5º O Juiz de Direito presidente do Conselho Especial e do Conselho Permanente de Justiça promoverá o sorteio dos militares que os integrarão e de seus respectivos suplentes. § 6º Na sessão de julgamento é indispensável a presença de todos os 47 integrantes do respectivo Conselho de Justiça. A forma de composição dos Conselhos é efetuada por sorteios, com referência em lista fornecida por cada uma das instituições militares sediadas junto às Auditorias, a qual possui os nomes de todos os oficiais lotados no local, excluemse, todavia, da lista os oficiais que exercem postos de comando. Observa-se, que no caso de constituição de um Conselho Especial, deverá ser observado o posto do ora acusado, tendo em vista que ele não poderá ser processado e julgado por um oficial mais moderno.48 Nota-se que o Conselho de Justiça está presente no primeiro e segundo grau de jurisdição. Referente, contudo, à Justiça Militar Estadual em segundo grau, só há Conselhos de Justiça nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, mesmo que a Constituição Federal permita, de acordo com o artigo 125, § 3º 49 ,a criação dos Tribunais de Justiça Militares, desde que o efetivo das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares ultrapasse o número de 20.000 (vinte mil) integrantes50. Em continuidade, na estrutura da Justiça Militar Federal, o segundo órgão de jurisdição é o Superior Tribunal Militar, órgão 47 superior integrante do Poder SANTA CATARIANA. Lei Complementar nº 339, de 08 de março de 2006. Dispõe sobre a Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina e estabelece outras providências. Diário Oficial [do] Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 08 mar. 2006. Disponível em: <http://www.pge.sc.gov.br/index.php?option=com_wrapper&Itemid=163>. Acesso em 09 Jul 2010. 48 ASSIS, Jorge César de; LAMAS, Claudia Rocha. A execução da sentença na Justiça Militar. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2005 49 Art 125, § 3º A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988.Disponível no site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>, acessado em 09 de jul de 2010. 50 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Competência da Justiça Militar.Artigos Jurídicos. 2003. Disponível em: <http://www.advogado.adv.br/direitomilitar/ano2003/pthadeu/competenciajusticamilitar.htm>. Acessado em 09 Jul 2010. 31 Judiciário, como espécie de Justiça Especial, o qual é composto por 15 (quinze) Ministros, consoante o artigo 123: Art. 123. O Superior Tribunal Militar compor-se-á de quinze Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal, sendo três dentre oficiais-generais da Marinha, quatro dentre oficiais-generais do Exército, três dentre oficiaisgenerais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira, e cinco dentre civis. Parágrafo único. Os Ministros civis serão escolhidos pelo Presidente da República dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, sendo: I - três dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional; II - dois, por escolha paritária, dentre juízes auditores e membros do 51 Ministério Público da Justiça Militar. Conforme, o artigo 6º da Lei 8.457, de 04 de setembro de 1992, Lei de Organização Judiciária Militar da União, compete, primordialmente, ao Supremo Tribunal Militar, processar e julgar, nos crimes militares definidos em lei, os oficiaisgenerais das Forças Armadas. Em grau de recurso, compete-lhe rever todas as decisões proferidas em primeira instância pelos Conselhos de Justiça, sejam eles de caráter permanente ou especial. A mesma Lei, em seu artigo 1º, prevê quais órgãos integram a justiça Militar da União: Art. 1º - São Órgãos da Justiça Militar: I - o Superior Tribunal Militar; II - a Auditoria de Correição; III - os Conselhos de Justiça; 52 IV - os Juízes-Auditores e os Juízes-Auditores Substitutos. A competência da Justiça Militar, no âmbito federal, é fixada pelo local de cometimento do crime, por meio da instauração de inquérito policial militar, o qual é encaminhado a uma das Auditorias Militares espalhadas pelo Brasil. A competência é delimitada pelas Circunscrições Judiciárias Militares, cada qual comporta uma ou mais Auditorias Militares, dependendo do número de militares na respectiva área de jurisdição53. 51 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível no site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acessado em 09 jul 2010. 52 BRASIL, Lei 8.457, de 04 de setembro de 1992. Organiza a Justiça Militar da União e regula o funcionamento de seus serviços auxiliares. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 04 set. 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8457.htm>. Acessado em 09 Jul 2010. 53 ASSIS, Jorge César de; LAMAS, Claudia Rocha. A execução da sentença na Justiça Militar. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2005. 32 E, ainda, em nível federal, para que se tenha uma padronização de procedimentos, bem como para que seja possível corrigir eventuais erros cometidos nos julgamentos de primeira instância, existe a Auditoria de Correição, cuja sede é Brasília/DF.54 Pois bem, analisada a estrutura e competência da Justiça Militar Federal, passa-se agora, em continuação ao feito, ao estudo mais detalhado da Justiça Militar Estadual, que surgiu com a criação das policiais militares estaduais. Compete, por sua vez, a Justiça Militar Estadual processar julgar os crimes militares definidos em lei e ações judiciais contra atos disciplinares, desde que todos tenham sido praticados por policiais e bombeiros militares, efetivando-se no limite de cada Estado.55 Ressalta-se, que na Justiça Militar Federal, é admissível o processo e julgamento de civis, o que não ocorre na Justiça Militar Estadual. No Estado de Santa Catarina, a competência é determinada pela Lei Complementar nº 339, de 08 de março de 2006, que versa sobre a Divisão e Organização Judiciárias do Estado em seu art. 51: Art. 51. Compete à Justiça Militar processar e julgar os militares estaduais nos crimes militares definidos por lei e as ações judiciais contra ato de autoridade militar que tenha origem em transgressão disciplinar, ressalvada a competência do Júri quando a vítima for civil, cabendo ao Tribunal de Justiça decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. Parágrafo único. Compete ao Juiz de Direito processar e julgar, monocraticamente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra ato de autoridade militar que tenha origem em transgressão disciplinar. Em relação aos demais crimes militares a competência é do 56 Conselho de Justiça. A referida Lei Complementar, também apresenta os órgãos que fazem parte da Justiça Militar de Santa Catarina: Art. 49. A Justiça Militar do Estado será exercida: I - em Primeiro Grau, com jurisdição em todo o Estado e sede na Capital, por Juiz de Direito e pelos Conselhos de Justiça; e II - em Segundo Grau, pelo Tribunal de Justiça. 54 Idem. CORRÊA. Univaldo. A evolução da Justiça Militar no Brasil – Alguns dados históricos. In: Direito Militar: História e Doutrina: artigos inéditos. Florianópolis/SC. AMAJME, 2002. 56 SANTA CATARINA. Lei Complementar nº 339, de 08 de março de 2006. Dispõe sobre a Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina e estabelece outras providências. Diário Oficial do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC, 08 mar 2006. Disponível em: <http://www.pge.sc.gov.br/index.php?option=com_wrapper&Itemid=163>. Acesso em: 17 Ago 2010. 55 33 Como já foi referenciado, a Constituição Brasileira permite que os Estados criem, em segundo grau de jurisdição, Tribunais Militares. Em nossa federação, porém, apenas três Estados possuem tais órgãos: Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. Os Estados que não apresentam Tribunais Especiais têm como órgão recursal o Tribunal de Justiça, fato este que ocorre em Santa Catarina. As Justiças Militares estaduais são compostas por dois juízes de direito, um titular e outro substituto, os quais, praticamente, desempenham as mesmas tarefas. Pautando-se, ainda, na Constituição Federal, a Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, trouxe significativas mudanças para a Justiça Militar, abarcando uma ampliação substancial da competência material, conforme expresso no artigo 12557: Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça. §2º Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão. §3º A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes. §4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. §5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes 58 militares. Diversamente do que ocorre com a Justiça Militar da União, os juízes do primeiro grau da Justiça Militar Estadual passaram a ser titulados de “juízes de direito”, deixando de ser utilizada a expressão “juiz-auditor”, conforme disposto no § 3º supra mencionado. Já o § 4º do artigo 125 da CF/88, apresentou alterações, no 57 DALABRIDA, Sidney Eloy. A Atual Arquitetura Constitucional da Justiça Militar: Especial Considerações da Competência em Face da Emenda Constitucional nº45/2004. In: Direito Militar. Florianópolis/SC. AMAJME, nº 74, Nov/Dez 2008, p. 23. 58 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível no site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acessado em 09 jul 2010. 34 sentido de que incluiu a possibilidade processar e julgar as ações judiciais contra atos disciplinares militares, passando a Justiça Militar a ter competência de natureza civil. Em sequência, o § 5º do mencionado artigo, por sua vez, removeu do Conselho de Justiça a competência para apreciação de todos os crimes militares quando a vítima for civil, passando a competência a ser do próprio juiz de direito da vara Militar, que não mais precisa sortear o Conselho Especial, nem convocar o Conselho Permanente, haja vista que estes, agora, restringem-se ao processo e julgamento dos crimes militares cometidos por militar contra militar.59 Findo a análise da organização, estrutura e competência e diferenciação da Justiça Militar Estadual e Federal, passa-se agora ao estudo dos bens tutelados pelo Direito Militar – Hierarquia e Disciplina. 1.3 A disciplina e a hierarquia na Justiça Militar A Hierarquia e Disciplina são características intrínsecas e base das instituições militares, isto é, são os sustentáculos60 basilares de toda a fundamentação da instituição. Isto ocorre desde a vinda da Constituição da República Federativa do Brasil, e tais princípios deverão nortear a interpretação das demais normas infraconstitucionais.61 Tais dispositivos alusivos à hierarquia e disciplina, estão previstos nos arts 42 e 142, da Constituição Federal de 1988: Art. 42. Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à 59 DALABRIDA, Sidney Eloy. A Atual Arquitetura Constitucional da Justiça Militar: Especial Considerações da Competência em Face da Emenda Constitucional nº45/2004. In: Direito Militar. Florianópolis/SC. AMAJME, nº 74, Nov/Dez 2008, p. 23. 60 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2001, p. 90. 61 SILVA JÚNIOR, Azor Lopes da. A insubordinação no campo do direito militar: distinção entre os crimes de recusa de obediência (art. 163 do CPM) e desobediência (art. 301 do CPM), e entre estes e a transgressão militar. Direito Militar: revista da Associação dos Magistrados das Justiças Militares Estaduais, Florianópolis, ano IX, n. 55, p. 29/35, set./out. 2005. 35 garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da 62 lei e da ordem. A Hierarquia é definida por Hely Lopes Meirelles como: A relação de subordinação existente entre vários órgãos e agentes do Executivo, com distribuição de funções e graduação da autoridade de cada 63 um Outra definição dada à Hierarquia pela doutrina é esta: É a relação de ordem administrativa e jurídica, que existem entre pessoas subordinadas umas as outras em razão de seus postos e funções na corporação militar. 64 O princípio primordial da vida orgânica e funcional do militarismo é a obediência hierárquica. Cada membro do órgão militar possui determinada localização, em níveis diferenciados de exigências e atribuições. O mais graduado comanda, pois se preparou e revelou qualidade para chefe. Toda a divisão e subdivisão hierárquica deverão ter um vínculo que estabelece, desde as ramificações ao centro, uma relação constante de subordinação e dependência, a qual supõe necessariamente a hierarquia.65 Já o poder hierárquico é aquele que possui o Poder Executivo para que seus órgãos tenham um escalonamento e distribuição de funções, de forma a permitir a organização e revisão da atuação de seus agentes, através do estabelecimento de uma relação de subordinação entre os servidores. Deste modo, a hierarquia seria um instrumento de coordenação e aprimoramento dos serviços, atuando como meio de responsabilização dos agentes administrativos, de forma que lhes sejam atribuídos o dever de obediência.66 Ademais, a disciplina militar requer como objetivo central a obediência militar. Essa premissa determina poder aos superiores de impor condutas e ordenar os 62 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988.Disponível no site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acessado em 17 ago 2010. 63 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. 64 CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias. Direito Penal e Justiça Militares: inabaláveis princípios e fins. Curitiba: Juruá, 2001. 65 CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias. Direito Penal e Justiça Militares: inabaláveis princípios e fins. Curitiba: Juruá, 2001, p. 103. 66 Idem. 36 inferiores, e afirmar-se-á que é na obediência e na subordinação que está a essência da disciplina militar. 67 De outro norte, em complemento a conceitualização dos princípios, a Lei nº 6.880 de 9 de dezembro de 1980, Estatuto dos Militares, em seu artigo 14, § 1º, define Hierarquia e Disciplina militar como: Art. 14. A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas. A autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico. § 1º A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antiguidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à sequência de autoridade. § 2º Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo. § 3º A disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos em todas as circunstâncias da vida entre militares da ativa, da reserva remunerada e 68 reformados. Neste ínterim, o Estatuto dos Militares de Santa Catarina, Lei Estadual nº 6.218, de 10 de fevereiro de 1983, por coincidência em seu artigo 14, apresenta o mesmo dispositivo, todavia adaptado aos Policiais Militares estaduais.69 Em conjunto, o Decreto Estadual n° 12.112, de 16 de setembro de 1980, que versa sobre o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina, mais conhecido por RDPMSC, é objeto de revelação da essencialidade dos princípios da Hierarquia a Disciplina na esfera militar. O referido instituto legal acusa em seus dispositivos, além de definir Hierarquia e Disciplina, o que deve ser percebido por aparição essencial de disciplina, motivando a pronta obediência às ordens proferidas, conforme a previsão legal: Art. 5º - A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas e das Forças Auxiliares, por postos e graduações. 67 Idem, p. 134. BRASIL, Lei Ordinária n. 6.880, de 09 de dezembro de 1980. Estatuto dos Militares. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 09 dez. 1980. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6880.htm>. Acesso em: 17 ago. 2010. 69 SANTA CATARINA, Lei nº 6.218, de 10 de fevereiro de 1983. Dispõe sobre o Estatuto dos policiais militares do Estado de Santa Catarina. Diário Oficial do Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC, 10 fev. 1983. Disponível em: <http://www.pge.sc.gov.br/index.php?option=com_wrapper&Itemid=163>. Acesso em: 17 ago. 2010. 68 37 Parágrafo único - A ordenação dos postos e graduações na Polícia Militar se faz conforme preceitua o Estatuto dos Policiais-Militares. Art. 6º - A disciplina policial-militar é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes do organismo policial-militar. §1º - São manifestações essenciais de disciplina: 1) a correção de atitudes; 2) a obediência pronta às ordens dos superiores hierárquicos; 3) a dedicação integral ao serviço; 4) a colaboração espontânea à disciplina coletiva e à eficiência da instituição; 5) a consciência das responsabilidades; 6) a rigorosa observância das prescrições regulamentares. § 2º - A disciplina e o respeito a hierarquia devem ser mantidos permanentemente pelos policiais-militares na ativa e na inatividade. Art. 7º - As ordens devem ser prontamente obedecidas. § 1º - Cabe ao policial-militar a inteira responsabilidade pelas ordens que der e pelas consequências que delas advierem. § 2º - Cabe ao subordinado, receber uma ordem, solicitar os esclarecimentos necessários ao seu total entendimento e compreensão. § 3º - Quando a ordem importa em responsabilidade criminal para o executante, poderá o mesmo solicitar sua confirmação por escrito, cumprido à autoridade que a emitiu, atender à solicitação. § 4º - Cabe ao executante que exorbitar no cumprimento de ordem recebida 70 a responsabilidade pelos excessos e abusos que cometer. Os dois poderes, Hierarquia e Disciplina, caminham juntos, e apresentam- se como poderes instrumentais, isto é, são poderes administrativos, tais como o discricionário, o de polícia e o vinculado, os quais viabilizam a atividade administrativa.71 Vale ressaltar, que hierarquia e disciplina não são princípios peculiares das organizações militares, pois a ordem e disciplina são próprias de qualquer sociedade, estando presentes em órgãos públicos e privados, nas administrações civis como a trabalhista e educativa, os quais os princípios da eficácia, Hierarquia e Disciplina possuem uma significação de todo particular.72 No entanto, há que se notar que o preceito hierárquico-disciplinar que vigora nos órgãos militares é diferençado em relação aos demais órgãos da Administração Pública. Isso porque 70 SANTA CATARINA. Decreto n. 12.112, de 16 de setembro de 1980. Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina (RDPMSC). Diário Oficial do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 16 set. 1980. Disponível em: <http://www.pge.sc.gov.br/index.php?option=com_wrapper&Itemid=163>. Acesso em: 17 ago. 2010. 71 MARTINS, Eliezer Pereira. Direito Administrativo Disciplinar Militar e Sua Processualidade. Leme: Editora de Direito, 1996. 72 HUESO, Lorenzo Cotino. El Modelo Constitucional de Fuerzas Armadas. Instituto Nacional da Administración Publica. Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, Madrid, 2002. 38 há uma particularidade no tocante à estrutura das instituições militares que fixa tal diferenciação, haja vista as missões a que estão submetidas.73 Doutrinadores definem a disciplina militar como “disciplina qualificada”, quando confrontada com a disciplina exigida dos servidores não militares, devido deterem institutos próprios, como a obrigação de comportamento definitivamente afinado aos imperativos da autoridade, do serviço e dos deveres militares.74 Seguindo esta linha de pensamento, Wilson Valla, revela que em princípio somente à lei é que se deve obediência, já que esta é a única autoridade impessoal à qual o homem pode se submeter sem constrangimento à sua dignidade pessoal. No âmbito militar, contudo, existem conjunturas especiais provenientes da hierarquia e disciplina, em que a obrigação a obediência não se esgota a lei, e se delonga na ordem de seu superior hierárquico. Se assim não fosse, a hierarquia militar não teria pretexto de existir, pois na própria lei estariam presentes todas as soluções.75 Existe, inclusive, tipificação penal atinente ao descumprimento, por parte de um subordinado, de uma ordem oriunda de um superior hierárquico, crime previsto no artigo 163 do Código Penal Militar: Art. 163. Recusar obedecer à ordem do superior sobre assunto ou matéria de serviço, ou relativamente a dever imposto em lei, regulamento ou instrução: Pena - detenção, de um a dois anos, se o fato não constitui crime mais 76 grave. Por fim, além da Hierarquia e Disciplina, deve-se, ainda, incluir, para melhor estudo do tema proposto, o conceito de crime militar, pois se sabe que, além do Código Penal comum, há o Código Penal Militar, que trás tipificações características aos integrantes das forças militares, o que será contemplado em seguida. Primeiramente, definimos crime militar com a melhor definição que há, a qual foi formulada pelo sublime e renomado jurista Célio Lobão: 73 MARTINS, Eliezer Pereira. Direito Administrativo Disciplinar Militar e Sua Processualidade. Leme: Editora de Direito, 1996. 74 MARTINS, Eliezer Pereira. Direito Administrativo Disciplinar Militar e Sua Processualidade. Leme: Editora de Direito, 1996. 75 VALLA, Wilson Odirlei. Deontologia Policial Militar: Ético Profissional. 3. ed. Publicações Técnicas da Associação da Vila Militar, Volume II, Curitiba, 2003, p. 119. 76 BRASIL. Decreto-lei n. 1001, de 21 de outubro de 1969. Código Penal Militar. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 out. 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1001.htm>. Acesso em: 02 set 2010. 39 É a infração penal militar que lesiona bens ou interesses vinculados à destinação constitucional das Instituições Militares, às suas atribuições legais, ao seu funcionamento e à sua própria existência, e no aspecto particular da disciplina, da hierarquia, da proteção à autoridade militar e ao 77 serviço militar. O Código Penal Militar explana o crime militar por meio do critério ratione legis, ou seja, não o define, mas apenas enumera taxativamente as várias situações em que pode se apresentar. Isto ocorre, pois a Constituição Federal de 1988, atribuiu a competência à Justiça Militar para processar e julgar os crimes militares definidos em lei. A brecha definição legal foi inteirada pelo Código Penal Militar, que elenca, em seu artigo 9º, as várias situações em que se praticam os crimes militares em tempo de paz: Art. 9º - Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I- os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial; II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; d) por militar durante o período de manobras, ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; e) Por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar; f) por militar em situação de atividade ou assemelhado que, embora não estando em serviço, use armamento de propriedade militar ou qualquer material bélico, sob guarda, fiscalização ou administração militar, para a prática de ato ilegal; III - os crimes, praticados por militar da reserva ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar; b) em lugar sujeito a administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo; c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras; d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função da natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, 77 LOBÃO, Célio. Direito penal militar. 3. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. 40 quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a 78 determinação legal superior. Deste modo, os crimes militares são aqueles definidos no Código Penal Militar79. Fundamentamos tal afirmação consoante a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXI, bem como nos artigos 124 e 125, § 4º: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LX - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. (grifo meu) Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei. (grifo meu) Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. [...] §4°. Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do 80 posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (grifo meu) Em seguida, os crimes militares são classificados em próprios militares e impróprios militares. O crime propriamente militar é a: Infração penal, prevista no Código Penal Militar, específica e funcional do ocupante do cargo militar, que lesiona bens ou interesses das Instituições Militares, no aspecto particular da disciplina, da hierarquia, do serviço e do 81 dever militar. Portanto, crimes propriamente militares são os crimes em que a ação penal só pode ser proposta contra militares, ou que apresentam a condição de militar. Estabelecendo-se uma qualidade pessoal do agente, abarcando os delitos que não apresentam idêntica definição no Código Penal Comum. 78 BRASIL. Decreto-lei n. 1001, de 21 de outubro de 1969. Código Penal Militar. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 out. 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1001.htm>. Acesso em: 02 set 2010. 79 COSTA, Álvaro Mayrink da. Crime Militar. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2005. 80 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988.Disponível no site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acessado em 02 set de 2010. 81 LOBÃO, Célio. Direito penal militar. 3.ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. 41 Já os crimes impropriamente militares, ou acidentalmente militares, por sua vez, são aqueles que podem ser cometidos pelos militares, tais como pelos civis em situações excepcionais, incluindo, neste caso, os crimes com definições variadas ou com iguais definições no Código Penal Comum. Célio Lobão define crime impróprio militar como: A infração penal, prevista no Código Penal Militar, que não sendo específica e funcional do ocupante do cargo militar, mas de natureza comum, que pelas circunstâncias especiais de tempo ou lugar em que são cometidos ou pelos danos que causam, lesionam bens ou interesses das Instituições 82 Militares. Podemos citar como crimes impropriamente militares os crimes de homicídio e lesão corporal, os crimes contra a honra, os crimes contra o patrimônio (furto, roubo, apropriação indébita, estelionato, receptação, dano etc), os crimes de tráfico ou posse de entorpecentes, o peculato, a corrupção, os crimes de falsidade, dentre outros, tem previsão legal própria, ou seja, lei que os define como crime e suas condições. Concluindo o tópico abordado, agora se tem a visão histórica da Justiça Militar, sobretudo, a noção de toda a estrutura e organização de uma instituição que é tão peculiar. Ainda, observa-se que as determinações e conceitualizações essenciais a compreensão dos princípios que regem a organização militar, foram elucidadas, inicializando, assim, no próximo tópico, o estudo propriamente dito da Suspensão Condicional do Processo. 82 Idem 42 2 A SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO À LUZ DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE Este capítulo abordará, primeiramente, a ideologia especifica e a política criminal da Lei nº 9.099/95. Em seqüência explanará pontualmente e de forma detalhada as características inovadoras e utilitárias do instituto da Suspensão Condicional do Processo. Encerrando o tópico, será efetuado o estudo o caráter conformador do princípio da Igualdade. 2.1 A ideologia da Lei nº 9099/95 As características principais da Justiça clássica são a burocracia e a formalidade, as quais são amplamente reconhecidas e impregnadas em nossa cultura jurídica. Por isso, a sugestão de uma justiça popular, acessível a todos, não tem sido frequentemente entendida pelos operadores do direito. A Lei n.º 9.099/95, todavia, acompanhada da organização dos Juizados Especiais, passou a existir no ordenamento jurídico brasileiro com tal intenção.83 Consoante as regras constitucionais e a busca de uma forma diferenciada de prestação jurisdicional, permitiu-se a criação da Lei n.º 9.099/95, que tendeu a agilizar e resumir a justiça, afastando, deste modo, das mazelas do cárcere privado, quem cometesse crimes de menor potencial ofensivo 84, com a despenalização, contribuindo para o descongestionamento das prisões85. É saído que o ordenamento jurídico e entendimentos doutrinários necessitam de atualizações, conforme evolução da sociedade, para que, assim, seja admissível a aplicação de um controle razoável de criminalidade efetivo, consoante a 83 BRANDÃO, Paulo de Tarso. ABREU, Pedro Manoel. Juizados Especiais Cíveis e Criminais: aspectos destacados. Florianópolis: Obra Jurídica Editora, 1996, p. 21. 84 “Art. 61 da Lei n.º 9.099/95 traz o conceito legal de infração de menor potencial ofensivo ao instituir: Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes que a Lei comine pena máxima não superior a dois anos, excetuados os casos em que a Lei preveja procedimento especial”. BRASIL, República Federativa do. Lei 9.099/95, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em: 15 out 2010. 85 BASSETTI NETO, Pedro. Juizados Especiais Criminais ilustrado. São Paulo: Iglu, 1999, p. 13. 43 necessidade da realidade vivenciada em determinado momento. Com base na grande variação e instrumentos político-criminais que podem viabilizar a resposta jurídica, quando requerida, hoje, nota-se a tendência metodológica de separar a “grande” da “média e pequena” criminalidade, isto é, a criminalidade de menor potencial ofensivo da criminalidade de alta reprovabilidade, ou seja, grande potencial ofensivo.86 Consoante o novo modelo político aqui abordado, a criminalidade deverá ser delimitada pela legislação pátria, respeitando, sobretudo, princípios constitucionais, deste modo, apresentar-se-á: Cabe ao ordenamento jurídico prever para cada espécie – bem delimitada – de criminalidade “reações” não só quantitativa senão também qualitativamente distintas, com instrumentos e processos, assim como procedimentos distintos. [...] Surge, em segundo lugar, que dentro de um novo modelo de Justiça criminal deve ficar cristalinamente delimitado o espaço do consenso (vinculado à pequena e média criminalidade) do espaço do conflito (criminalidade grave): o “espaço de consenso” está voltado primordialmente para a ressocialização do autor do fato e pode implicar, para respeitar o princípio da autonomia da vontade, o “recuo” (leiase: uso voluntariamente limitado) de certos direitos e garantias fundamentais assegurado pelo Estado Constitucional e Democrático de Direito, tais como a igualdade de oportunidade, o de presunção de inocência o da verdade real, o da ampla defesa, contraditório, etc.; já o “espaço de conflito” está marcado pela contrariedade e antagonismo, assim como pelo estrito respeito a todos os direitos e garantias fundamentais, podendo-se enumerar exemplificativamente o da presunção da inocência, o processo estrito, o da verdade real, contraditório e ampla defesa, recurso 87 etc. O novo diploma legal trouxe inúmeras inovações, as quais emitiram agilidade e autonomia aos procedimentos jurídicos, tais como: a ampliação dos poderes do juiz na condução do processo, tendo a possibilidade, deste modo, de participar ativamente na produção de provas, possibilidade de desconsideração dos efeitos da revelia, passado, o juiz, de um mero espectador do processo para uma posição eminentemente ativa.88 Com estas inovações, houve investimento na reforma do aparelho judicial. Em continuidade previu-se a regionalização da Justiça, como instrumento de 86 GOMES, Luiz Flávio. Suspensão Condicional do Processo Penal: e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual da justiça criminal. 2. ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais. 1997, p. 30. 87 Idem, p. 30. 88 Idem, p. 30. 44 aproximação do jurisdicionado ao órgão incumbido de intermediar o conflito intersubjetivo.89 Com a nova ideia implementada no domínio jurídico, propendo-se de uma aplicação mais igualitária do Direito Penal e consequentemente a sua devida legitimação, deve-se apoiar a utilização do princípio da intervenção mínima, o qual a doutrina sempre o utilizou caracterizado em seu aspecto “negativo”, ou seja, objetivando cortar o excesso de punição.90 É claro que quando se refere à criminalidade de pequeno e médio porte, lógico que se deve valer, com todas as suas características intrínsecas, o princípio da intervenção mínima, o qual é conduzido pelo novo posicionamento político criminal, que é acompanhado pelas ideias de informalidade, cooperação, consenso, oportunidade, eficácia, celeridade e ressocialização. Assim, se evita o excesso de intervenção do sistema legal, conduzindo o caso jurídico ao caminho do consenso. A Lei n.º 9.099/95 está amplamente inspirada neste modelo político criminal – Consensual –91. Podemos observar, então, a reviravolta proveniente da nova filosofia político criminal, isto é, em vez de a atividade jurisdicional penal toar unicamente aos interesses associados com a pretensão punitiva estatal, versará, agora, o interesse da vítima como o mais importante. Transformando-se a reparação do dano no quantum satis em resposta estatal. Isso denota colocar o Direito Penal como ultima ratio, ou seja, se outra medida mais branda for possível, não deverá incidir o Direito Penal. É a implementação de um novo modelo de solução de conflitos, sendo possível, a partir da Lei n.º 9.099/95, a aplicabilidade de um dispositivo jurídico que trouxe consigo ideias de descriminalização e despenalização.92 Ao se falar da ideologia da Lei n.º 9.099/95, faz-se necessário mencionar a corrente doutrinária do Direito Penal Mínimo, “máxima garantias, com mínimas intervenções estatais”. Essa corrente objetiva: A clara proposta do abolicionismo moderno, como se vê, não consiste em acabar com o Direito Penal, senão minimizar sua utilização para a resolução dos conflitos penais, não só reduzindo seu âmbito de aplicação (seja 89 ISHIDA, Válter Kenji.A Suspensão Condicional do Processo. São Paulo: Saraiva. 2003, p. 11. GOMES, Luiz Flávio. Suspensão Condicional do Processo Penal: e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual da justiça criminal. 2. ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais. 1997, p. 34. 91 Idem, p. 34. 92 Idem, p. 40. 90 45 impedindo o quanto possível novas “criminalizações”, seja, sobretudo, propugnado por uma ampla descriminalização), senão também a intensidade ou o grau da resposta estatal, especialmente quando se trata de pena de prisão (esse é o processo de despenalização). [...] Por fim, nos dias atuais, tendo em conta principalmente a realidade penitenciária brasileira, cabe ainda reivindicar uma ampla descarcerização: trata-se de processo voltado precipuamente para o âmbito do processo penal e consiste em evitar o máximo o encarceramento cautelar ou processual. Do mesmo modo que a descriminalização é a negação do crime (da ilicitude) e que a despenalização é a negação da pena (principalmente de prisão), a 93 descarcerização é a negação do cárcere (como instrumento cautelar). Destarte, essa nova política criminal não tirou o caráter ilícito de nenhuma infração penal, porém disciplinou quatro medidas despenalizadoras, isto é, tendentes a evitar a pena de prisão, que são: I) composição dos danos civis: nas infrações de menor potencial ofensivo de iniciativa privada ou pública condicionada, havendo composição civil, resulta extinta a punibilidade (art. 74, parágrafo único); II) transação penal: não havendo composição civil ou tratando-se de ação pública incondicionada, a lei prevê a aplicação imediata de pena alternativa (art. 76); III) representação nos crimes de lesão corporal culposa: as lesões corporais culposas ou leves passam a requerer representação (art. 88); e IV) suspensão condicional do processo: os crimes cuja pena mínima não seja superior a um ano permitem a suspensão condicional do processo (art. 89).94 Neste trabalho acadêmico, o tema central, como já definido, versará apenas o último instituto despenalizador. Em seu turno, passa-se agora à conceitualização de despenalização, que consiste em adotar medidas substitutas ou alternativas, de natureza penal ou processual, que tenham como objetivo – sem tirar o caráter ilícito do fato – evitar, dificultar, substituir ou restringir a aplicação da pena de prisão ou sua execução. A Lei n.º 9.099/95 leva em conta o consenso, o princípio da oportunidade e se interessa mais pela ressocialização do que pela retribuição do infrator, mais pela reparação do dano à vítima do que pelo atendimento da pretensão punitiva estatal.95 Concluindo este tópico, observou-se que a inovação na política criminal, trazida, principalmente com a criação dos institutos despenalizadores, atendeu os anseios da sociedade e principalmente a efetivação do princípio da intervenção 93 GOMES, Luiz Flávio. Suspensão Condicional do Processo Penal: e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual da justiça criminal. 2. ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais. 1997, p. 87. 94 CARVALHO, Antônio César Leite de. Juizados Especiais criminais: Suspensão Condicional do Processo à Luz da Lei nº 9.099/95. Curitiba: Juruá. 2006, p. 23. 95 GOMES, Luiz Flávio. Suspensão Condicional do Processo Penal: e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual da justiça criminal. 2. ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais. 1997. p. 103. 46 mínima, o qual visa principalmente, a ressocialização e solução do conflito existente e não a superlotações dos estabelecimentos prisionais. Transporta-se-à, agora, ao estudo propriamente dito do instituto despenalizador da suspensão condicional do processo. 2.2 O Instituto da Suspensão Condicional do Processo A Lei nº 9.099/95, Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, mais precisamente o seu artigo 8996, inseriu na legislação brasileira o instituto da suspensão condicional do processo, que se dirige aos crimes cuja pena mínima cominada, não ultrapasse um ano.97 O mencionado instituto apresenta-se como opção à jurisdição penal, isto é, um instituto de despenalização, indireta, processual, sem que, em período algum, se afaste o caráter ilícito do fato cometido, o qual brotou da ideia central do antigo instituto probation, constituído no direito anglosaxão, como meio de não se aplicar a sentença.98 96 Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). §1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições: I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; II - proibição de freqüentar determinados lugares; III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz; IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. §2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado. § 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano. § 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta. §5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade. §6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo. §7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos. BRASIL. Lei 9.099/95, de 26 de setembro de 1995. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9099.htm>. Acesso em: 17 set 2010. 97 ISHIDA, Válter Kenji. A Suspensão Condicional do Processo. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 17. 98 GOMES, Luiz Flávio. Suspensão Condicional do Processo Penal: e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual da justiça criminal. 2. ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais. 1997. 47 Neste ínterim, é cogente que, ao oferecer a denúncia, o Ministério Público realizará a proposta de suspensão do processo pelo período de dois a quatro anos, dentro dos requisitos legais, que, se aceita pelo acusado e seu defensor, o juiz homologará a proposta, submetendo-o a período de prova, consoante uma série de condições obrigatórias e outras facultativas, as quais estão previstas nas alíneas do § 2º, do artigo 89 da referida lei.99 Observa-se, portanto, que a sustação da ação penal após o recebimento da denúncia é a conceitualização adequada para definir a suspensão condicional do processo, desde que o réu ateste determinados requisitos legais e obedeça a certas condições durante um prazo fixado, o qual findo ficará extinta a punibilidade, quando não houver pretexto à revogação do benefício. Nesta linha de pensamento, Luiz Flavio Gomes define: Na suspensão condicional do processo o que se suspende é o próprio processo, ab initio. O momento do oferecimento da denúncia é o corretamente adequado, em princípio, para a concretização da proposta de suspensão. Sendo aceita, o juiz pode suspender o processo. O que temos, em síntese, em termos conceituais, é a paralisação do processo, com potencialidade extintiva da punibilidade, caso todas as condições acordadas sejam cumpridas, durante determinado período de prova. Concretizando o plano traçado consensualmente, sem que tenha havido revogação, resulta extinta a punibilidade, isto é, desaparecido a pretensão punitiva estatal decorrente de fato punível descrito na denúncia. Considerando que o acusado aceita entrar em período de prova desde logo, sem discutir a 100 culpabilidade, já se falou em sursis antecipado. Desta forma, podemos concluir que o rol contido no art. 107 do Código Penal101, o qual se refere às causas extintivas de punibilidade, tida como exaustivas, 99 CARVALHO, Antônio César Leite de. Juizados Especiais criminais: Suspensão Condicional do Processo à Luz da Lei nº 9.099/95. Curitiba: Juruá. 2006. p. 27. 100 GOMES, Luiz Flávio. Suspensão Condicional do Processo Penal: e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual da justiça criminal. 2. ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais. 1997. 101 Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: I - pela morte do agente; II - pela anistia, graça ou indulto; III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; IV - pela prescrição, decadência ou perempção; V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; VII - pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, definidos nos Capítulos I, II e III do Título VI da Parte Especial deste Código IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei. BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 07 de dezembro 1940. Código Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 15 set 2010. 48 sofrerá modificações ao abranger a suspensão condicional em seus apontamentos. Cumpre advertir que a extinção de punibilidade prevista no instituto legal estudado, pressupõe o cumprimento por parte do beneficiário de todas as condições estabelecidas na proposta do Sursis, caso contrário não há em que se falar em extinção de punibilidade.102 A característica primordial do instituto da suspensão condicional do processo é, em regra, o nolo contendere, isto é, o benefício do instituto não incide como forma de defesa, já que o acusado não contesta a imputação que lhe é feita, não se admite, entretanto, a culpa e tampouco é declarada a inocência do réu. Quando efetiva-se a proposta da suspensão condicional do processo não é discutido, em nenhum ato processual, o elemento culpabilidade, por isso quando revogado o beneficio da suspensão, o processo recomeça e tramitará obedecendo todos os princípios do devido processo legal.103 Observa-se, que findo o processo sem provas suficientes para a penalização, permanecerá intacta a presunção de inocência. 104 Assim, tem-se que a suspensão condicional do processo é um instituto de direito processual. Contudo, trata-se de medida de “despenalização”, ou seja, de caráter penal. Desta forma, entende-se o instituto como possuindo caráter misto.105 Como já mencionado, a proposta do benefício é lançada ao acusado pelo Ministério Público, por ser competente para tal conforme lei expressa. Sem alusão determinativa, entretanto, poderá, o juiz, outorgar a proposta do sursis processual quando não realizada pelo Ministério Público, consoante com os princípios que norteiam a sua atuação no processo. Podendo ser efetivado de ofício ou por requerimento do interessado.106 Deste modo, a suspensão condicional do processo está elencada no rol dos atos em que o juiz pode efetivar de ofício. Neste passo, Aury Lopes Júnior explica: É importante sublinhar que, presentes os pressupostos legais, não poderá o Ministério Público deixar de oferecer a suspensão condicional do processo, 102 CARVALHO, Antônio César Leite de. Juizados Especiais criminais: Suspensão Condicional do Processo à Luz da Lei nº 9.099/95. Curitiba: Juruá. 2006, p. 27. 103 GOMES, Luiz Flávio. Suspensão Condicional do Processo Penal: e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual da justiça criminal. 2. ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais. 1997, p.130. 104 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13 Ed., ver. E atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 667. 105 ISHIDA, Válter Kenji.A Suspensão Condicional do Processo. São Paulo: Saraiva. 2003, p. 31. 106 BATISTA. Weber Martins. Juizado Especiais Civis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal: a Lei nº 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro. Forense, 2002. p. 380. 49 que poderá ser aceita ou não pelo réu. Não se pode esquecer que a medida insere-se na lógica do consenso, não apenas no sentido de que o réu não é obrigado a aceitar a proposta, mas também na perspectiva de que poderá negociar a duração e demais condições. Ainda que o dispositivo legal mencione que o Ministério Público “poderá propor”, isso não significa que 107 seja uma faculdade do acusador. Destarte, é necessário informar que caso o Ministério Público não oferte a proposta do sursis processual, deverá o juiz aplicar o art. 28 do CPP108, por analogia, consoante a Súmula 696 do STF, segundo a qual: Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal. Vale lembrar que o papel basilar do Estado não é punir, mas sim reeducar o infrator e recolocá-lo na sociedade. Facultando a recuperação ser feita de maneira menos dolosa, leia-se fora das grades de um estabelecimento prisional. A lógica e a política criminal, como já definido nesta monografia, ditam pela liberdade condicionada do indivíduo, vinculada ao cumprimento de determinadas obrigações, almejando, prevenir a “contaminação” carcerária, efetivando o combate a reincidência e evitando o cumprimento de penas curtas, tendo o beneficio da suspensão condicional como ameaça perene, estimulando, assim, a conduta honesta do acusado. O § 1º do art. 89 da Lei 9.099/95, refere-se à aceitação da proposta - “aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo...”109 -, ou seja, do procedimento da denúncia decorrerá a oferta da suspensão condicional do processo. Tal ato jurídico é caracterizado pela bilateralidade, isto é, além do Ministério Público oferecer a 107 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e a Sua Conformidade Constitucional. Vol II, 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 249. 108 Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender. BRASIL. Decreto-lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 out. 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 15 set 2010. 109 BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 07 de dezembro 1940. Código Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 15 set 2010. 50 proposta, é imperativo, para constituir o benefício legal, a aceitação do acusado, sendo notados pelo Ministério Público os limites do princípio da oportunidade regrada e o princípio da autonomia da vontade.110 Neste ínterim, é importante ressaltar o posicionamento Eugênio Pacelli de Oliveira: Mesmo que a proposta feita pelo Ministério Público e aceita pelo réu, não está o juiz obrigado a suspender o processo, no caso de não entender cabível a aplicação do art. 89, por quaisquer dos fundamentos previstos em lei, afinal, embora se cuide de direito subjetivo do réu, o Judiciário pode, por 111 óbvio, emitir juízo de valor a cerca da existência desse direito. Não é imprescindível que a proposta seja aceita pela acusado e seu defensor, como determina a letra fria da lei. Podem eles discordar, e se isto ocorrer, deverá reger a vontade do acusado.112 Doutra banda, não há prazo determinado no ordenamento jurídico para que a proposta seja aceita, presume-se, contudo, que a manifestação deverá ocorrer no momento em que a proposta foi ofertada. Se houver dúvidas, todavia, entre as partes, ou referente às condições ao cumprimento da proposta, nada impedirá o juiz de oferecer prazo para melhor estudo sobre a proposta que foi oportunizada.113 Sendo aceita a proposta, o juiz formulará a decisão interlocutória mista de natureza não-terminativa114 concessiva do benefício. Nesta linha de pensamento, Eugênio Pacelli de Oliveira afirma: Se apreciada a questão, tanto pelo juiz quanto pelo Ministério Público, a recusa da suspensão deve ser impugnada imediatamente, antes da instrução criminal; se não levantada, por quaisquer das partes ou pelo juiz, somente uma providência liminar poderá permitir o conhecimento prévio da questão antes da prolação da sentença condenatória, exceção feita à 115 hipótese de a possibilidade da suspensão decorrer de desclassificação. Em seu turno, o âmbito de admissibilidade da suspensão condicional do processo refere-se, em princípio, às ações penais públicas condicionadas e 110 ISHIDA, Válter Kenji. A Suspensão Condicional do Processo. São Paulo: Saraiva. 2003, p. 34. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 672. 112 CARVALHO, Antônio César Leite de. Juizados Especiais criminais: Suspensão Condicional do Processo à Luz da Lei nº 9.099/95. Curitiba: Juruá. 2006, p. 31. 113 BATISTA. Weber Martins. Juizado Especiais Civis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal: a Lei nº 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro. Forense, 2002, p. 384. 114 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e a Sua Conformidade Constitucional. Vol II, 3 Ed. Ver. E atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 201, p. 258. 115 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13 Ed., ver. E atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 672. 111 51 incondicionadas. Isto não só nos crimes comuns, mas também nos previstos em leis especiais e nas contravenções penais. É indispensável salientar, que o legislador não impôs qualquer restrição referente ao âmbito da admissibilidade, assim concluise que o instituto do sursis processual abrange qualquer crime, desde que a pena mínima em abstrato não ultrapasse um ano.116 Ademais, não poderá ficar fora da abordagem do instituto da suspensão condicional do processo as duas súmulas a seguir, as quais versão sobre a admissibilidade do sursis processual: Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano. (Súmula nº 723 do STF) O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano. (Súmula nº 243 do STJ) Ao revés, o cabimento da suspensão condicional do processo nas ações de iniciativa privada, sempre foi amplamente discutido, porém atualmente é aceita a aplicação do instituto nas ações privadas, mesmo que o dispositivo legal refira-se a “o Ministério Público ao oferecer a denúncia”. Mas para tanto, é necessário que o querelante oferte a proposta. Seria inadmissível não aceitar que a vítima ofereça a suspensão condicional do processo ao querelante, se por outro lado ela passa valerse do instituto do perdão, por exemplo. É plausível que a vítima queira uma resposta consensual e menos litigiosa, tal como a aplicação do sursis processual, o qual o acusado fica obrigado ao cumprimento de determinadas obrigações. 117 Se o querelante, entretanto, não realizar a oferta, cabe ao juiz fazê-la. Gize-se que, para ter direito ao benefício legal é necessário o preenchimento de certo requisitos, como já foi mencionado no presente feito, segue-se, então, a análise dos referidos. Para ser beneficiado com o sursis processual, além da pena mínima cominada ser igual ou inferior a um ano, como já apreciado, exige-se como 116 CARVALHO, Antônio César Leite de. Juizados Especiais criminais: Suspensão Condicional do Processo à Luz da Lei nº 9.099/95. Curitiba: Juruá. 2006, p. 31. 117 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e a Sua Conformidade Constitucional. Vol II, 3 Ed. Ver. E atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010, p. 253. 52 requisitos objetivos que o acusado não esteja sendo processado criminalmente; não seja reincidente; e preencha os demais requisitos do art. 77 do Código Penal. Quanto ao requisito de o acusado não estar sendo processado, alguns processualistas, como Aury Lopes Júnior, entendem que o simples fato do acusado estar respondendo a processo não é impeditivo de se ofertar a suspensão condicional do processo, uma vez que se presume a culpabilidade do acusado sem que tenha acorrido o trânsito em julgado. Tal requisito não deverá prosperar na nova visão lançada pelo autor, já que, fere, drasticamente, o princípio da presunção da inocência (art. 5º, LVII da Constituição Federal118).119 Noutra dimensão, Weber Batista e Luiz Fux, afirmam que o legislador ao instituir a suspensão condicional do processo, previu a análise meramente objetiva do tipo penal. Desta maneira, o referido requisito não pode ser apontado como inconstitucional, já que o é uma regra a exceção.120 Vale lembrar que, a existência de inquérito policial não obsta a oferta do instituto despenalizador.121 Quando reincidente, o acusado não poderá receber o benefício legal. Não impede, contudo, a concessão do sursis processual se a condenação antecedente foi à pena de multa ou já estiver decorrido mais de cinco anos em relação ao fim do cumprimento da pena anterior. Por fim, segue o exame do último requisito legalmente previsto, isto é, preencher os requisitos do art. 77 do Código Penal122. Assim, não tem direito ao 118 LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 15 set 2010. 119 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e a Sua Conformidade Constitucional. Vol II, 3 Ed. Ver. E atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010, p. 253. 120 BATISTA. Weber Martins. Juizado Especiais Civis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal: a Lei nº 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro. Forense, 2002, p. 370. 121 ISHIDA, Válter Kenji.A Suspensão Condicional do Processo. São Paulo: Saraiva. 2003, p. 48. 122 Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: I - o condenado não seja reincidente em crime doloso; II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código. § 1º - A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício. o § 2 A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão. BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 07 de dezembro 1940. Código Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 24 set. 2010. 53 benefício quem for reincidente em crime doloso, percebe-se que repete o item supra aferido. Os demais requisitos do art. 77 do CP, referem-se a analise da culpabilidade do agente, os antecedentes criminais, a conduta social que apresenta longe da justiça, personalidade, motivos e circunstâncias que os levaram ao cometimento do delito, todos os quais devem ser apreciados a luz do caso concreto. Compreendido isto, e o acusado aceitado a suspensão condicional do processo penal, será submetido ao período de prova, pelo período mínimo 2 anos e o máximo 4 anos, conforme proposta do Ministério Público, sob determinadas condições a serem exercidas123. Tais condições estão elencadas nos incisos do §1º, do art. 89, da Lei 9.099/95: Art. 89 [...] § 1º [...] I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; II - proibição de frequentar determinados lugares; III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz; IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para 124 informar e justificar suas atividades. A reparação do dano é o primeiro requisito exigido, salvo a impossibilidade de realizá-la, é considerado um dos mais importantes requisitos previstos no instituto despenalizador.125 A reparação deve ser realizada no período de prova, deste modo, podem existir problemas ao final do período de prova, pois a reparação nem sempre é possível ser realizada, principalmente quando depende de aceitação da vítima, neste caso é revogado o benefício, salvo demonstração da acusado que efetivamente buscou realizar a reparação do dano.126 Já a condição de proibição de frequentar certos lugares, deve ser atribuída quando adequada e necessária. Tal exigência se torna importantíssima dependendo do caso concreto, tais como os acusados que se envolvem em brigas em bares, 123 GOMES, Luiz Flávio. Suspensão Condicional do Processo Penal: e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual da justiça criminal. 2. ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais. 1997, p.130. 124 BRASIL. Lei 9.099/95, de 26 de setembro de 1995. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9099.htm>. Acesso em: 24 set 2010. 125 BATISTA. Weber Martins. Juizado Especiais Civis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal: a Lei nº 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro. Forense, 2002. p.390. 126 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e a Sua Conformidade Constitucional. Vol II, 3 Ed. Ver. E atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010, p. 260. 54 futebol, boates e casas noturnas. Vale lembrar que esse tipo de proibição tem caráter preventivo, evitando assim que o agente se envolva em futuros delitos.127 Ademais, o requisito de proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juízo, é uma condição obrigatória, a qual estimula o acusado não mudar-se sem prévia comunicação. Tal dispositivo legal tem com objetivo permitir que o juiz fiscalize o cumprimento das obrigações imputadas e a conduta do agente. Outra condição é o comparecimento pessoal e obrigatório a juízo. O comparecimento é realizado em cartório, onde será realizado o controle das apresentações. Esta medida tem o propósito de fiscalizar e orientar o beneficiado. 128 Concluindo, o § 2º, do art. 89 e o art. 79 do Código Penal129, determinam que o juiz poderá determinar outras condições que ache necessário ao caso, desde que adequadas e proporcionais ao fato e às condições pessoais do acusado. Deste modo, cumprida todas as obrigações imposta no dia da oferta da suspensão condicional do processo, será extinta a punibilidade como já explicado.130 Contudo, poderá, durante o período de prova, incidir circunstâncias que acarretem a revogação da suspensão condicional do processo penal, tais dispositivos estão previstos nos §§ 3º e 4º, do art. 89 da lei 9.099/95 131. As causas são divididas em causas obrigatórias – quando o réu for processado no período de prova ou não reparar o dano causado – e as causas facultativas – quando o acusado for processado por contravenção penal no período de prova ou deixar de cumprir qualquer outra obrigação estabelecida durante a propositura do sursis 127 BATISTA. Weber Martins. Juizado Especiais Civis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal: a Lei nº 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro. Forense, 2002, p. 393. 128 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e a Sua Conformidade Constitucional. Vol II, 3 Ed. Ver. E atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010, p. 260. 129 Art. 79 - A sentença poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado. BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 07 de dezembro 1940. Código Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 24 set. 2010. 130 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13 Ed., ver. E atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 672. 131 Art. 89: § 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta. BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 07 de dezembro 1940. Código Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 24 set 2010. 55 processual. Para que haja a revogação da suspensão condicional é necessário decisão judicial devidamente fundamentada.132 Evidencia-se, conforme o exposto, a inovação legal apresentada na lei penal, a sociedade necessitava rever a sua política criminal. A vinda dos institutos despenalizadores, principalmente a suspensão condicional do processo, apresente como ótima solução para descongestionamento dos estabelecimentos prisionais, isto sem que ocorra a impunição do delituoso, porém a punição apresenta-se de outra maneira, consoante a nova visão da política criminal 2.3 O caráter conformador do principio da igualdade O artigo 5º, caput, da Constituição Federal estabelece o princípio da igualdade, o qual versa que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]” 133 , este dispositivo está expresso no capítulo dos direitos fundamentais, portanto, demonstra a importância que possui em nosso ordenamento jurídico, além de estar também previsto em outros artigos da Constituição Federal, sendo um dos seus pilares estruturais.134 A Constituição Federal ao abordar o princípio da igualdade presume igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico.135 Esta linha de pensamento surgiu da manifesta afirmação de Aristóteles, segundo o qual devem tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade: Pensa-se, por exemplo, que a justiça é igual – e de fato é, embora não seja para todos, mas somente para aqueles que são iguais entre si; também se 132 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e a Sua Conformidade Constitucional. Vol II, 3 Ed. Ver. E atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010, p. 262. 133 BRASIL, Constituição da República Federativa do. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 24 set 2010. 134 ARAÚJO, Luiz Alberto David. NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 102. 135 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 66. 56 pensa que a desigualdade pode ser justa, e de fato pode, embora não para 136 todos, mas somente para aqueles que são desiguais entre si. Esse ditado anunciou o aspecto jurídico da igualdade, pois se referiu a tratamento, que nada mais é do que regime jurídico. Deste modo, tornou-se o valioso princípio adotado por nossa Constituição Federal, o qual exige para a sua aplicação outras normas, podendo, com isso, sofrer diversas variações.137 Ao aprofundar o estudo sobre igualdade, observou-se que este princípio dever ser analisado sobre dois âmbitos: [...] o da igualdade na lei e o da igualdade perante a lei. Igualdade na lei constitui exigência destinada ao legislador, que, na elaboração da lei, não poderá fazer nenhuma discriminação. Aliás, a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI). A igualdade perante a lei pressupõe que esta já esteja elaborada e se traduz na exigência de que os Poderes Executivo e Judiciário, na aplicação 138 da lei, não façam qualquer discriminação. Nessa mesma ótica, Alexandre de Morais, confirma novamente a existências das duas esferas: De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e ato normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe 139 social. De outro norte, a abrangência do princípio de igualdade não se limita a equiparar os cidadãos diante do ordenamento jurídico, mas sim determinar que a própria norma não seja formulada, e principalmente interpretada, em descordo com a isonomia.140 Assim, o legislador não pode ser exigido de determinar o mesmo 136 ARISTÓTELES.Política. 3. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1997, p. 228. ROTHNURG, Walter Claudius, Novos Estudos Jurídicos. Revista Semestral do Programa de Pósgradação Strecto Sesu em Ciência Jurídica da Univali. Vol. 13. Nº 02, Jul/Dez. 2008. Editora Univali, p. 80. 138 CHIMENTI, Ricardo Cunha Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 60. 139 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 66. 140 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 09. 137 57 tratamento a todos, mas sim, deverá colocar em pratica a diferenciação quando devidamente fundamentada.141 O princípio da igualdade alude à proibição de discriminações indevidas. A lei não poderá ser aplicada de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias, consequentemente o Poder Judiciário, no exercício de sua função jurisdicional, deverá usar os mecanismos constitucionais para propor uma interpretação única e igualitária às normas jurídicas.142 Entender-se-á de melhor forma o exposto como a leitura da seguinte trecho: Se há uma razão suficiente para impor um tratamento desigual, então um tratamento desigual se impõe-se. Pode-se, assim, falar num dever de diferenciação sempre que isso seja necessário e oportuno para se alcançar 143 uma igualdade efetiva. [...] É aceita a permissão quanto a obrigatoriedade de uma diferenciação, desde que escudadas em uma “razão suficiente há de ser buscada no plano de um discurso jurídico racional com base em uma teoria da argumentação jurídica. Por certo parte-se, neste discurso, da carga de argumentação em favor do tratamento igualitário, ou seja, quem quer justificar um tratamento 144 desigual tem o ônus de argumentar. Compactando com esta linha de pensamento, ainda temos: O tratamento diferenciado constitui proteções contra-majoritárias e que a forma que essas proteções assumem não é apenas a anti-discriminação e a cidadania não-diferenciada, mas, ao invéns, abarcam direitos diferenciadores das minorias. [...] O multiculturalismo progressista pressupõe que o principio da igualdade seja utilizado de par com o princípio do reconhecimento da diferença. A hermenêutica diatópica pressupõe a aceitação do seguinte imperativo transcultural: temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a 145 igualdade nos descaracteriza”. Desta feita, além de definir o caráter conformador do princípio da igualdade, há também necessidade de definir o destinatário do instituto igualitário. Como ensinam diversos doutrinadores, não poderá existir qualquer dúvida referente ao 141 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3.ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 185. 142 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 67. 143 ROTHNURG, Walter Claudius, Novos Estudos Jurídicos. Revista Semestral do Programa de Pósgradação Strecto Sesu em Ciência Jurídica da Univali. Vol. 13. Nº 02, Jul/Dez. 2008. Editora Univali, p. 82. 144 ROTHNURG, Walter Claudius, Novos Estudos Jurídicos. Revista Semestral do Programa de Pósgradação Strecto Sesu em Ciência Jurídica da Univali. Vol. 13. Nº 02, Jul/Dez. 2008. Editora Univali, p. 82. 145 Idem, p. 85. 58 destinatário da cláusula constitucional da igualdade diante a lei. Deste modo, o destinatário é o legislador e, em decorrência, a legislação. Por mais discricionários que sejam as regras da política legislativa, o princípio da igualdade impõe limitações.146 Diante desse, Joel de Menezes Niebuhr afirma que: Não há motivo plausível para se privar o Legislativo do respeito à isonomia. Ad argumentadum tantum, se é correto afirmar que o mesmo não tem propensão a ofendê-lo, com mais ênfase deveria se dispor ao controle. O arrazoado restritivo cai por terra em frente à supremacia principiológica no campo do Direito. A igualdade perante a lei pressupõe que haja igualdade na lei. Sem isso a hermenêutica seria ilógica e irrazoável. A ordem jurídica 147 veda discriminações infundadas, não importando de onde provenham. Prosseguindo com a caracterização do princípio isonômico, impende destacar que a igualdade pode ser dividida em igualdade formal e igualdade material, ter conhecimento dessa distinção é primordialmente necessário para compreender e operar o conceito de igualdade. A primeira significa igualdade de direito, ou seja, igualdade abstrata ou meramente textual; a segunda significa igualdade de fato, isto é, a efetivação do princípio de igualdade. A igualdade formal e material reproduz-se a distância entre o esperado (previsto na lei) e o acontecido (realidade). Porém, ambos os planos de igualdade são consideradas grupos jurídicos. 148 Referente ao respeito e desrespeito do imensurável princípio, deve-se observar três questões: I) observar o elemento adotado como fator de desigualdade; II) reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critérios de discrínem e a disparidade estabelecida no tratado jurídico diversificado; e III) observar a consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.149 Nesse contexto, temos Celso Antônio Bandeira de Mello afirmando que: Investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico 146 CAMPOS, Francisco. Direito Constitucional.v.2.São Paulo: Freitas Bastos, 1956, p. 30. NIEBUHR, Joel de Menezes. Princípio da isonomia na licitação pública. Florianópolis: Obra Jurídica, 2000, p. 53/54. 148 ROTHNURG, Walter Claudius, Novos Estudos Jurídicos. Revista Semestral do Programa de Pósgradação Strecto Sesu em Ciência Jurídica da Univali. Vol. 13. Nº 02, Jul/Dez. 2008. Editora Univali, p. 87. 149 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13. Ed. Ver., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 680. 147 59 tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados ” 150 no sistema normativo constitucional. Consoante o estudo deste tópico, fica clara a proibição da de discriminações indevidas ao princípio da igualdade. Em nenhuma hipótese legal a lei poderá ser aplicada de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias aos casos concretos. O princípio da igualdade tem sede explícita no texto constitucional, sendo também mencionada inclusive no Preâmbulo da Constituição. Ademais, estamos diante de um princípio, direito e garantia, para o qual todas as demais normas devem obediência.151 Assim, passar-se-á, neste momento, ao tema central deste estudo. 150 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 22. 151 SILVA, Marcelo Amaral. Digressões acerca do princípio constitucional da igualdade. Jus Navegandi. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/4143/digressoes-acerca-do-principioconstitucional-da-igualdade>. Acessado em: 01 set 2010. 60 3 A (IM) POSSIBILIDADE DO OFERECIMENTO DO SURSIS PROCESSUAL NA JUSTIÇA MILITAR O objetivo desde terceiro e último capítulo é explanar as abordagens jurisprudenciais e doutrinárias referentes à aplicabilidade ou inaplicabilidade da Lei n.º 9.099/95 no âmbito da Justiça Militar, realizando análise crítica sobre o antes e depois da publicação da Lei n.º 9.839/99, que proibiu textualmente a aplicação da lei 9099/95 no seio da Justiça Militar. 3.1 A aplicação da suspensão condicional do processo na Justiça Militar pela ótica jurisprudencial 3.1.1 Aplicabilidade na Justiça Militar Federal (análise e crítica da Jurisprudência) A possibilidade de aplicação da Lei n.º 9.099/95, na Justiça Militar e principalmente a utilização de seus institutos despenalizadores, tem sido objeto de estudo e análise desde a sua entrada em vigência, que ocorreu em setembro de 1995. A aplicabilidade deste instituto na Justiça Militar é questionável no mundo jurídico, gerando inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais, as quais fazem brotar diversos posicionamentos tanto favoráveis quanto contrários à aplicação do instituto.152 Para minimizar a discussão e conciliar as decisões dos tribunais, foi editada a Súmula n.º 09 do Superior Tribunal Militar (STM), a qual diz que: 152 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Aplicação da Lei 9099/95, na Justiça Militar Estadual. Artigos Jurídicos. Disponível em: <http://www.advogado.adv.br/direitomilitar/ano2001/pthadeu/apliclei9099najustestadual.htm> Acesso em: 04 out 2010. 61 A Lei 9.099/95, de 26 de maio de 1995, que dispõe sobre os Juízos Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, não se aplica à Justiça Militar da União. Tal súmula gerou mais discussões a argumentações para a aplicação ou não do instituto, porquanto, foi decretada a Lei n.º 9839/99, a qual inseriu na Lei n.º 9099/95, art. 90-A: “As disposições nesta lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar”.153 Antes do ocorrido acima, o Superior Tribunal Militar decidiam assim: Apelação nº 2043/ STM-MG. Lei nº 9.099/95, se cabível, só pode ocorrer por proposta do Ministério Público e aceita pelo acusado e seu defensor. Trata-se de transação processual e não de direito subjetivo do acusado, não podendo o Juiz concedê-la de moto próprio. Preliminar: Unânime. 154 REJEITARAM. Mérito: Unânime. PROVIMENTO. Nota-se que, neste julgado, que a suspensão condicional do processual penal era passível no âmbito da Justiça Militar, desde que proposta pelo Ministério Público, como já foi tema de estudo em capítulo anterior. Neste sentido apresentamos outros acórdãos: STF HC 77037/AM. EMENTA: - PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. MILITAR. HOMICÍDIO CULPOSO. CPM, ART. 206. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO: LEI 9.099/95, ART. 89. I. Aplica-se ao processo militar o art. 89 da Lei 9.099/95, que prevê a suspensão condicional do processo (ou sursis processual). Precedentes: RHC 74.547-SP, Rel. Min. Octavio Gallotti, "DJ" 20/05/97; HC 75.706-AM, 155 Min. Maurício Corrêa, "DJ" 19/12/97. II. - HC deferido. No mesmo sentido segue a decisão do Superior Tribunal de Justiça: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS (E. C. 22/99). CRIME MILITAR. LEI Nº 9.099/95. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. Conforme entendimento majoritário, aplica-se ao processo penal militar o art. 89 da Lei nº 9.099/95. Precedentes do Pretório Excelso. Writ 156 concedido. 153 BRASIL. Lei 9.099/95, de 26 de setembro de 1995. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9099.htm>. acessado em: 04 out 2010. 154 Apelação nº 2043/ STM-MG. Rel. Juiz Cel PM Jair Cançado Cautinho. Origem do Processo nº 14.146/1ª AJME. DJ 21/09/1997. STM-MG. 155 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 77037/AM. Relator Min. Carlos Velloso, Dj. 16/06/1998. 156 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 9182/RS. Rel. Min. Felix Fischer, Dj.18/05/1999. 62 Até então, antes da inclusão do artigo supramencionado, o Supremo Tribunal Federal reconhecia a aplicabilidade da Lei 9.099/95 na Justiça Castrense 157, porém após a referida ressalva, não mais permitiu o emprego da suspensão condicional do processo penal na seara na Justiça Militar, mudando deste modo o seu posicionamento: HC 86444 / MG - MINAS GERAIS EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime militar. Proposta de suspensão condicional do processo. Falta. Inexistência de ilegalidade. Fato posterior ao início de vigência da Lei nº 9.839/99, que acresceu o art. 99-A da Lei nº 9.099/95. HC denegado. Precedentes. Ao processo por crime militar praticado após o início de vigência da Lei nº 9.839/99, que acrescentou o art. 90-A à Lei nº 9.099/95, não se admite 158 proposta de suspensão condicional. A justificativa central da inaplicabilidade do sursis processual neste julgado, assim como nos demais, é a publicação da Lei n.º 9.839/99, que acresceu o art. 90A, à Lei n.º 9099/95, vendando, desta maneira, a aplicação do instituto despenalizador. A Lei n.º 9.839/99, foi decretada pelo Legislativo mediante o projeto de Lei nº 4303/98, por iniciativa do Chefe do Poder Executivo. Tal iniciativa surgiu da pressão oferecida pelo Comando das Forças Armadas, a qual, através de uma exposição de motivos, defendeu a necessidade da elaboração da mencionada Lei, com o principal objetivo de “pôr fim às divergências de interpretação que vêm ocorrendo quanto à aplicabilidade, ou não, da citada Lei nos processos por crimes militares” 159 . No mencionado projeto de Lei, foi defendida, ainda, a idéia de que a suspensão condicional do processo na seara militar era inteiramente conflitante com os princípios basilares do Direito Penal Militar 160. Assim seguiram os julgados na Corte Federal: 157 CAMPOS, Paulo Frederico Cunha. Repensando A Lei 9.099/95 no Âmbito da Justiça Militar Estadual Com o Advento da Lei Federal 10.259/01. Universo Jurídico. São Paulo: 2009. Disponível em: <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/1499/REPENSANDO_A_LEI_909995_NO_AMBITO_DA _JUSTICA_MILITAR_ESTADUAL_COM_O_ADVENTO_DA_LEI_FEDERAL_1025901>. Acesso em: 04 out 2010. 158 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 86444 / MG - MINAS GERAIS. Rel. Min. Cézar Peluso. Dj. 02/06/2009. 159 CAMPOS, Rubens et al. Exposição de Motivos Interministerial n. º 6/MM/MEX/MAER/EMFA/1998. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/diarios/pdf/sf/1999/04/23041999.pdf.>. Acesso em: 09 out 2010. 160 Idem. 63 EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL MILITAR. CRIME DE DESERÇÃO. ART. 187 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. INAPLICABILIDADE DA LEI 9.099/1995 (SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO) APÓS A EDIÇÃO DA LEI 9.839/1999. PRECEDENTES. LEI 10.259/2001 JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. REVOGAÇÃO DO ARTIGO 90-A DA LEI 9099/1995. IMPROCEDÊNCIA. PRECEDENTE. ORDEM DENEGADA. 1. O instituto da suspensão condicional do processo é inaplicável no âmbito da Justiça Militar após a edição da Lei nº 9.839/1999. Esse diploma legal introduziu o art. 90-A na Lei nº 9.099/1995. Precedentes. 2. A edição da Lei n° 10.259/2001, que regulamentou a criação dos Juizados Especiais Federais, não revogou o artigo 90-A da Lei n° 9.099/95. Precedente. 3. 161 Habeas corpus denegado. Com a edição da Lei n.º 9.839/99, as discussões sobre a possibilidade ou não de aplicação da Lei n.º 9.099/99 à Justiça Castrense diminuíram, pois a lei retirou de uma vez o instituto despenalizador da esfera Militar.162 PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME MILITAR. SINDICÂNCIA. EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE PROPOSTA DE SURSIS PROCESSUAL. DECISÃO QUE CONTOU COM O ASSENTIMENTO DO MAGISTRADO DE 1º GRAU. REGULARIDADE. NÃO-APLICAÇÃO DAS REGRAS DESPENALIZADORAS DA LEI 9.099/95 AOS CRIMES MILITARES PRATICADOS EM DATA POSTERIOR À EDIÇÃO DA LEI 9.839/99. ORDEM DENEGADA. 1. O oferecimento de denúncia perante a Justiça Militar independe do nome, da regularidade formal ou da existência de procedimento inquisitorial, bastando evidencie-se justa causa para a instauração da ação penal e sejam respeitadas as regras constantes do art. 77 do Código de Processo Penal Militar, bem como não incidam quaisquer das hipóteses de rejeição previstas no art. 78 do mesmo estatuto processual. 2. Quando o Ministério Público não propõe o benefício da suspensão condicional do processo e o juízo de 1º grau é concorde com o ânimo ministerial, inexiste ilegalidade a ser afastada. 3. A Lei 9.839/99, de 27 de setembro de 1999, acrescentou o art.90A à Lei 9.099/95, sendo expressa ao afastar a aplicação dos institutos despenalizadores desta no âmbito da Justiça Castrense, cujos efeitos ficam reservados para os delitos praticados em data posterior à edição da nova lei, tendo em vista o seu conteúdo material desfavorável aos acusados. 4. Ordem denegada.163 A Lei n.º 9.839/99, introduzindo o art. 90-A ao texto da Lei n.º 9.099/95, vedando expressamente a aplicação das disposições desta última ao âmbito da 161 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 90015 / SP - SÃO PAULO. Relator Min. Joaquim Barbosa. Dj. 01/04/2008. 162 ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar: parte geral. v.1. Curitiba: Juruá, 2001. p.49. 163 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 41682/MG. Rel. Min Arnaldo Esteves Lima. Dj. 02/06/2005. 64 Justiça Militar, pelo que, a partir de então, não é mais possível amparar a aplicação do sursis processual na Justiça Militar 164. Na Justiça Militar Federal, o dispositivo do art. 89, da Lei n.º 9.099/95, não é mais aceito pela corte, está conclusão é fundamentada com base na análise dos acórdãos acima descritos. Passa-se, agora, ao estudo da aplicabilidade da suspensão condicional do processo na Justiça Militar Estadual. 3.1.2 Aplicabilidade na Justiça Militar Estadual (análise e crítica da Jurisprudência) Após a alteração da Lei 9099/95, com a inserção do art. 90-A, como já foi mencionado, proibiu-se a aplicação do instituto despenalizador na Justiça Castrense. Contudo, os rumores remissivos a utilização do sursis processual continuaram, alusivo a aplicabilidade da lei na Justiça Militar Estadual quando praticados crimes impropriamente militares. Depois de analisar-se o art. 90-A, da Lei 9099/95, observa-se que esta não cita, especificamente, a Justiça Militar Estadual, fazendo o uso de um termo genérico, não determinando que a Lei nº 9099/95, não poderá ser utilizada na Justiça Militar no âmbito Estadual. 165 De acordo com o sistema federativo que é adotado pelo Brasil 166, cada um dos Estados-membros da União e os Municípios, possuem autonomia política e administrativa, que os possibilitam organizarem seus Poderes em leis próprias, 164 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais: comentários a Lei 9.099, de 26.09.1995. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 50. 165 CAMPOS, Paulo Frederico Cunha. Repensando A Lei 9.099/95 no Âmbito da Justiça Militar Estadual Com o Advento da Lei Federal 10.259/01. Universo Jurídico. São Paulo: 2009. Disponível em: <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/1499/REPENSANDO_A_LEI_909995_NO_AMBITO_DA _JUSTICA_MILITAR_ESTADUAL_COM_O_ADVENTO_DA_LEI_FEDERAL_1025901>. Acesso em: 02 jan 2010. 166 Art. 1º, A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 07 mar. 2010. 65 observando os limites constitucionais a cada ente federativo167. A Justiça Militar Estadual, como já foi mencionado neste trabalho acadêmico, é órgão do Poder Judiciário dos Estados-membros da Federação, contido no art. 125 da Constituição Federal, cabendo Recurso Especial para o Superior Tribunal de Justiça - STJ. Assim, não é incluída no âmbito da Justiça Militar Estadual a Súmula nº 09 do STM, que afasta a utilização da Lei 9.099/95 da esfera militar, a qual está voltada unicamente à Justiça Militar da União. Ressalta-se que, conforme o já estudado aqui, a organização da Justiça Militar Estadual é diversa da Justiça Militar Federal. Percebe-se que cada Justiça Militar possui a sua própria organização judiciária e competência diferenciada. Enquanto a Justiça Militar Federal é regulamentada atualmente pela Lei Federal n.º 8.457/92, e julga os militares integrantes das Forças Armadas e civis, a Justiça Militar Estadual está regulamentada pelo art. 125 da Constituição Federal, podendo processar e julgar os integrantes das Forças Auxiliares excetuados os civis, que serão julgados pela Justiça Comum. Desta feita, temos os seguintes julgados, antes da alteração da Lei n.º 9099/95: RECLAMAÇÃO N. 1999.001390-1/CAPITAL. PROCESSUAL PENAL MILITAR - RECLAMAÇÃO - CRIME MILITAR - VIOLÊNCIA CONTRA SUPERIOR HIERÁRQUICO APLICAÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (ART. 89 DA LEI N. 9.099/95) POSSIBILIDADE - RECURSO PROVIDO - PRECEDENTES DA CORTE. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o artigo 89 da Lei n. 9.099/95, que prevê a SUSPENSÃO CONDICIONAL do 168 processo, se aplica à Justiça MILITAR. Em seguida observa-se a imediata aplicação da Lei n.º 9099/95, na esfera militar: ART. 157, DO CÓDIGO PENAL MILITAR - CRIME COM PENA MÍNIMA COMINADA IGUAL A UM ANO CONDENAÇÃO RECURSO PENDENTE - ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 9.099/95 - SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (ART. 89) - APLICAÇÃO IMEDIATA. 167 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Aplicação da Lei 9099/95, na Justiça Militar Estadual.Artigos Jurídicos. Disponível em: <http://www.advogado.adv.br/direitomilitar/ano2001/pthadeu/apliclei9099najustestadual.htm> Acessado em: 04 fev 2010. 168 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Reclamação n. 1999.001390-1/capital. Relator Des. Amaral e Silva. Dj. 27/04/1999. 66 ART. 209, DO CÓDIGO PENAL MILITAR - LESÃO CORPORAL LEVE crime cometido antes da vigência da lei n. 9099/95 (26.11.95) - exigência de representação como condição de prosseguimento do processo (art. 91, da lei citada) - norma de caráter penal - aplicação imediata aos processos 169 pendentes. recurso provido. Em seguida, com a alteração da lei, com a introdução da art. 90-A, ainda assim os julgados permaneceram favoráveis a aplicabilidade da lei, o qual será amplamente discutido no próximo item deste estudo. De tal modo, apresentar-se-á julgados da Vara Militar do Estado de Santa Catarina: AÇÃO PENAL MILITAR – SC. Autos nº 023.10.000699-2 - Aberta a audiência, requer o Ministério Público nova capitulação da denúncia para o art. 319. A Defesa requer a suspensão condicional do processo, com fundamento no art. 89 da Lei 9.099/95, sustentando a inaplicabilidade do art. 90 A, do referido texto legal (criado pela Lei 9.839/99), aos crimes impropriamente militares. Manifesta-se o MP favorável ao pleito, deixando expresso que inobstante as controvérsias existentes acerca da inconstitucionalidade da referida Lei, sobreleva-se a importância da aplicação da suspensão condicional do processo face à importância do instituto, pois, de fato, somente uma exegese munificada na literalidade daquela disposição legal presa à visão tradicional da persecução penal e da política punitiva, expansionista, seletiva e simbólica, descomprometida com o novo modelo punitivo desenhado a partir da Constituição Federal, autorizaria concluir pela inaplicabilidade absoluta da Lei nº 9.099/95 à Justiça Militar. Contudo, como é cediço, carece a norma jurídica de uma interpretação sistemática, fundada na lógica do razoável, sob pena de subversão à teleologia do sistema em que se acha submersa. [...] Dentro deste contexto, não há como afastar a aplicação das medidas despenalizadoras previstas na Lei 9.099/95 para os casos de crimes impropriamente militares, devendo, pois, a restrição imposta pela Lei 9.839/99 ser aplicada com exclusividade aos crimes propriamente militares, em relação aos quais a inacessibilidade dos institutos consensuais revela-se razoável, porquanto atingem, dada sua singularidade, valores próprios e específicos do militarismo, inconfundíveis com aqueles, que ostentam diferente natureza e grau de ofensividade" É o relatório. Passa-se a decidir. Razão assiste ao ilustre representante do Parquet. Embora inquestionável a aplicação dos institutos da representação (art. 88) e da suspensão condicional do processo (art. 89), ambos da Lei 9.099/95, a vigência da Lei n.º 9.839/99 vedando os referidos institutos no âmbito da Justiça Militar, propiciou discussões acerca de sua constitucionalidade. Oportuno salientar que neste foro indeferi a suspensão condicional do processo da Lei9.099/95 por entender à época, em razão da vedação expressa da Lei 9.839/99, inaplicável aquele instituto aos crimes militares, decisão referendada pelo egrégio Tribunal de Justiça em diversos julgados. 169 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação criminal n. 96.010268-0, da Capital. Relator: Des. Álvaro Wandelli. Dj 15/04/1997. 67 No entanto, o tema merece uma reflexão centrada no texto constitucional. De acordo com o art. 89 da Lei 9.099/95 a suspensão condicional do processo é aplicável aos crimes cuja pena mínima era igual ou inferior a um ano, "abrangidas ou não por esta lei". Esse instituto, inexistente em ambas as codificações (Penal comum e militar), ao ter a sua aplicação vedada somente na Justiça Militar deixa de atender ao princípio da razoabilidade. São inúmeras as situações em que o militar dos estados se envolve em crimes conexos de competência das Justiças comum e militar, sendo beneficiado na primeira e proibido o benefício na segunda, em flagrante quebra do princípio da isonomia. Sobre o assunto Alexandre de Moraes esclarece: A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Assim os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado Compreende-se a impossibilidade de aplicação do instituto em tela aos crimes propriamente militares até em razão de não atender aos requisitos subjetivos do art. 77 do CP (art. 84 do CP Militar), mas não em relação aos delitos denominados impropriamente militares, ou seja, com previsão nas duas codificações (Penal comum e militar) e que em razão de circunstância especial elencada no art. 9º do CPM, passam a ser crimes militares. Colhe-se da doutrina: O disposto no art. 88 estava sendo aplicado na Justiça Militar até o advento da Lei 9.839/99, que acrescentou à Lei 9.099/95 o art. 90-A, dizendo: "As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar". A partir desta lei, considerando o plano infraconstitucional, fecharam-se as portas da Justiça Militar para a aplicação de todos os dispositivos dos juizados criminais. [...] O tema, entretanto, não é e nunca será tranqüilo, porque, no que diz respeito aos crimes militares impróprios, não há razão para se impedir a incidência da Lei 9.099/95. O que justifica tratamento jurídico distinto só é o crime militar próprio. [...] O crime de lesões corporais configura um claro exemplo de crime militar impróprio, isto é, está também definido no Código Penal comum. E não se justifica nenhum tratamento diferenciado, só porque conta com previsão típica no CPM. Sobre a mesma temática Damásio Evangelista de Jesus assim se manifesta: No que tange aos delitos militares próprios, ainda poderia ser defensável a lei nova, uma vez que são regidos pelas regras da hierarquia e disciplina. No que diz respeito aos delitos militares impróprios, contudo, é de flagrante inconstitucionalidade, ferindo os princípios da isonomia e da proporcionalidade. No mesmo sentido Joel Oliveira Dutra: Há que se reconhecer sim a inconstitucionalidade da Lei nº 9.839/99, ora em comento, especificamente no que tange aos delitos militares chamados 'impróprios', eis que contrária ao mandamus constitucional da igualdade e da proporcionalidade. 68 Ante o exposto, considerando a manifestação favorável do(s) réu (s) e seu Defensor, decide-se suspender o processo pelo prazo de dois anos, impondo-se como condição: 1) Prestação de serviço à comunidade consistente em 06 (seis) depósitos identificados com nome e CPF, no valor de R$ 100,00 (cem reais) cada, sendo um por mês, o primeiro no final do mês de maio de 2010, e os demais a cada trinta dias, a entidade Associação Mantenedora de Apoio à Vida, Banco do Brasil, agência: 3226-3, C/c 8256-2,devendo ser mensalmente encaminhado a este Juízo comprovante dos depósitos. 2) Não poder se ausentar da Comarca onde reside, sem autorização deste Juízo, por mais de 08 (oito) dias, exceto a serviço. 3) Não mudar de endereço sem comunicação prévia à este Juízo. 4) Após o prazo referido no item 1, dê-se vista ao MP. Comunique-se ao Comando Geral da Corporação e ao 170 Comandante da Unidade em que serve o acusado. 3.2 As posições da doutrina nacional Como se pode notar, com a análise das jurisprudências que norteiam nossos tribunais, a discussão e os diversos posicionamentos são fervorosos, assim, passamos agora, para a análise doutrinária sobre o tema abordado. Vários argumentos contrários a aplicação do sursis processual surgiram quando certos doutrinadores analisaram friamente o texto legal da Lei n.º 9.099/95, conjuminado com a legislação especifica militar (Código Penal Militar e Código de Processo Penal Militar), as quais chegaram a conclusão que um feriria o dispositivo legal do outro, posicionando-se, deste modo, contra a aplicação da suspensão condicional do processo na Justiça Militar.171 O primeiro e principal argumento contra o emprego da suspensão condicional do processo na justiça militar refere-se aos princípios basilares da organização militar e bens tutelados – disciplina e hierarquia – assim, não poderia propor-se o sursis processual ao acusado que cometesse um delito, pois a característica militar o diferencia do civil, o que tornaria insustentável tentar isonomia ente pessoas 170 BRASIL. Justiça Militar de Santa Catarina, Autos nº 023.10.000699-2, Juiz Getulio Correia. DJ. 11/05/2010. 171 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Aplicação da Lei 9099/95, na Justiça Militar Estadual.Artigos Jurídicos. Disponível em: <http://www.advogado.adv.br/direitomilitar/ano2001/pthadeu/apliclei9099najustestadual.htm> Acessado em: 04 out 2010. 69 diferentes172. A aplicação do instituto despenalizador afrontaria claramente os princípios castrenses. Todavia, se tais princípios forem feridos, haveria o enfraquecimento de toda a estrutura da organização militar, o que não poderá acontecer, por isso, a existência duma justiça especializada173. Nesta linha de pensamento, temos referente à aplicabilidade da lei 9.099/99: A sua pura e simples aceitação implica no rompimento dos valores reitores do Direito Militar, tornando-o, assim, uma contraditio in terminis. Em se admitindo tal constatação, tal qual hoje se apresenta, chegar-se-ia a inimagináveis situações. Indo a extremos de argumentação, que se aceite que a Lei n.º 9099/95 não atente contra a índole do processo penal militar, podendo então a ele ser utilizado (como estabelece o artigo 3º, “a”, quando 174 se trata do suprimento dos casos omissos). Continuando a referência dos argumentos negativos a aplicabilidade da suspensão condicional do processo, temos Eugênio Pacelli de Oliveira destacando que: É de se ver, ainda, que a suspensão do processo será cabível em quaisquer procedimentos, incluindo os chamados procedimentos especiais, desde que preenchidas as condições do art. 89. As exceções ocorreram, primeiro, em relação à Justiça Militar, na qual, a partir de 27 de setembro de 1999, não é mais possível a aplicação da Lei nº 9.099/95, por força do disposto na Lei nº 175 9.839/99, que criou o art. 90-A na lei 9.099/95, com tal finalidade, [..] Quanto a isso, estudiosos defendem que deverá ser entendido primeiramente que a nova lei – Lei n.º 9.099/95 – é diretamente destinada à legislação penal comum. Visto que, não existe previsão legal de que as modificações, existentes de forma genérica como mais branda, possam ser aplicadas fora da esfera apontada. 176 Tal argumento é ensinado desta maneira: A Lei n.º 9099/95 não altera o CPM, e nem o CPPM, basicamente, em virtude do princípio de especialidade. O recurso à analogia in bonam partem, por seu turno, como forma de auto-integração da ordem legal, seria uma solução errônea, dada a ausência de identidade da ratio legis. 172 MESQUITA JR. Sídio Rosa de. Prescrição Penal: Direito Penal Militar, lei de proteção da ordem econômica, ação penal, decadência, p.172. 173 ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar: parte geral. v.1. Curitiba: Juruá, 2001, p. 268/269. 174 SILVEIRA, Octávio Leitão. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Da inaplicabilidade da lei n. º 9.099/95 à Justiça Militar. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano I. n. º 04. Mar/abr, 1996. p. 31/32 175 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13 Ed., ver. E atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 673. 176 FICHER, Felix. A Lei n.º 9.099/95 e o Direito Penal Militar. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano I. n.º 01. Ago/set, 1996, p. 10. 70 Finalmente, a por mais forte razão, incabível se mostra, também, o apelo ao princípio da isonomia. Conseqüentemente, nenhuma das citadas normas 177 mistas da Lei n.º 9099/95 tem aplicabilidade na legislação militar vigente. Ademais, os crimes militares e os eleitorais têm suas acepções regradas por normas de Direito Penal Especial, sendo aplicado nesses casos o princípio da especialidade (Lex specialis), isto é, as regras de direito penal militar predominam sobre as de direito comum, não sendo derrogadas ou ab-rogadas pelo ordenamento jurídico comum.178 Ao criar-se a Justiça Militar, a sua competência constitucional foi especificamente destinado aos crimes militares assim definidos pelo legislador ordinário. A referida competência, entretanto, somente será restringida em duas situações: pela própria norma constitucional ou pela lei ordinária que extraia determinadas delitos militares da própria legislação especifica. 179 Com a vinda a Lei n.º 9.099/95 e seus institutos despenalizadores, não ocorrem nenhuma das hipóteses mencionadas, explicando melhor o exposto apresenta-se o seguinte trecho: O art. 98 da Lei Fundamental, conforme ficou dito, não autorizou a Lei 9.099/95 a criar órgão especial na Justiça Militar para processar e julgar as “infrações de menor potencial ofensivo” e nem tais órgãos integrantes da Justiça Comum ou Ordinária dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios têm competência constitucional para apreciar tais ilícitos penais 180 castrenses . Múltiplos tipos de argumentações surgiram com o intuito de afirmar a não aplicabilidade do sursis processual na Justiça Castrense. Um dos argumentos negativos, se assim definirmos, seria a conciliação civil dos danos, a qual é antecedida por audiência preliminar prevista no art. 76 da Lei nº 9.099/95181. Para acontecimento de tal, depara-se, todavia, com um obstáculo intransponível para ser realizada, já que, conforme o art. 71 da mesma lei, na audiência preliminar deverá comparecer a vítima acompanhada pelo responsável civil pelo dano. Mas, na forma 177 Idem. MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1998.p.18. 179 FERREIRA, Célio Lobão. Aplicação da Lei n.º 9.099/95 na Justiça Militar. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano I. n.º 01. Ago/set, 1996, p.14. 180 Idem. 181 Art. 79. No dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento, se na fase preliminar não tiver havido possibilidade de tentativa de conciliação e de oferecimento de proposta pelo Ministério Público, proceder-se-á nos termos dos arts. 72, 73, 74 e 75 desta Lei. BRASIL. Lei 9.099/95, de 26 de setembro de 1995. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9099.htm>. Acesso em: 06 out 2010. 178 71 do art. 37, § 6º da Constituição Federal182, as pessoas jurídicas de Direito Público, responderão pelos danos que seus agentes cometerem a terceiros e deste modo, nos crimes realizados por agentes militares, o responsável civil pelos danos advindos ao terceiro é o Estado, e este conforme o art. 8º183 da própria Lei n.º 9.099/95, não poderá ser parte no processo estabelecido pela lei. 184 Nesse sentido: A composição dos danos civis (art. 74 e parágrafo único da Lei 9099/95) não tem, por si, qualquer sentido na legislação penal militar em vigor, porquanto, nesta, à exceção dos poucos casos indicados no art. 122 do CPPM (ação penal pública condicionada à requisição ministerial) e da discutível admissão, por força do art. 5º, inciso LIX da Constituição Federal, da ação penal privada subsidiária na esfera castrense, ação penal é sempre pública incondicionada. Não há nem que falar em novatio legis in mellius, ainda que fosse admissível o cotejo entre as normas do DPM, e as referentes à composição criada pela lei supra. A reparação do dano se apresenta no CPM, na forma de arrependimento post factum, v.g., nos arts. 123, inciso VI, 303 §4º, 240 §2º, 250, 253, 254 e 260, parágrafo único do 185 CPM . Colaborando com este posicionamento, temos como explicação que na Justiça Militar, a qual versa sobre valores tão específicos – disciplina, hierarquia, o sentimento de cumprimento do dever –, não se deve cogitar uma audiência conciliatória e composição de danos186. Julga-se inadmissível a possibilidade de composição civil entre os membros da corporação sem que esteja presente uma intimidação em razão da patente das partes, já que, o escalonamento da hierarquia esta fortemente presente na caserna. Constituiria prejudicial a conciliação, isto é, 182 Art. 37, §6º: § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988.Disponível no site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>, acessado em 06 out 2010. 183 Art. 8º Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil. BRASIL. Lei 9.099/95, de 26 de setembro de 1995. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9099.htm>. Acesso em: 06 out 2010. 184 ABREU, Antônio Cláudio Barcellos de. Os crimes militares e a Lei n. º 9.099/95. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano I. n. º 04. Mar/abr, 1996, p. 37/38. 185 FICHER, Felix. A Lei n.º 9.099/95 e o Direito Penal Militar. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano I. n.º 01. Ago/set, 1996, p. 9. 186 ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar: parte geral. v.1. Curitiba: Juruá, 2001, p. 267. 72 devido a hierarquia a parte se sentiria tolhida em não aceitar a composição, mesmo que a fosse prejudicial.187 Outro argumento utilizado para a não aplicação da suspensão condicional na Justiça Militar seriam os fundamentos localizados na própria Lei 9.099/99, a qual ao instituir o sursis processual, fez remissão expressa ao art. 77 do Código Penal comum188 (define os requisitos legais da pena, como explicado no capítulo anterior), e estas condições não são as mesmas definidas no Código Penal Militar, que estão previstas no art. 84 do CPM.189 190 Deste modo, os requisitos de concessão da suspensão condicional do processo na esfera castrense, são diversos dos elencados no Código Penal comum, não podendo, assim, ser aplicado o sursis processual na justiça especializada em questão. 191 Em sequência, há corrente doutrinária que define a inaplicabilidade do instituto despenalizador embasado no estudo do Direito Penal, o qual define que a aplicabilidade do art. 89 da Lei 9.099/99 neutraliza, no tocante a vários crimes, a legislação penal militar. Sendo que as punições disciplinares seriam, em grande 187 SILVEIRA, Octávio Leitão. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Da inaplicabilidade da lei n. º 9.099/95 à Justiça Militar. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano I. n. º 04. Mar/abr, 1996, p. 30. 188 Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: I - o condenado não seja reincidente em crime doloso; II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código. § 1º - A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício. o § 2 A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão. BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 07 de dezembro 1940. Código Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 10 out 2010. 189 Art. 84 - A execução da pena privativa da liberdade, não superior a 2 (dois) anos, pode ser suspensa, por 2 (dois) anos a 6 (seis) anos, desde que: I - o sentenciado não haja sofrido no País ou no estrangeiro, condenação irrecorrível por outro crime a pena privativa da liberdade, salvo o disposto no 1º do art. 71; II - os seus antecedentes e personalidade, os motivos e as circunstâncias do crime, bem como sua conduta posterior, autorizem a presunção de que não tornará a delinqüir. BRASIL, Decreto-lei n. 1001, de 21 de outubro de 1969. Código Penal Militar. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 out. 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1001.htm>. Acesso em: 10 out 2010. 190 ABREU, Antônio Cláudio Barcellos de. Os crimes militares e a Lei n.º 9.099/95. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano I. n.º 04. Mar/abr, 1996, p. 38. 191 SILVEIRA, Octávio Leitão. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Da inaplicabilidade da lei n. º 9.099/95 à Justiça Militar. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano I. n. º 04. Mar/abr, 1996, p. 30. 73 parte dos ilícitos militares, mais severas, com acentuado poder de intimidação, isto é, haveria, assim, uma inversão de valoração. 192 Em contra partida, apresentaremos agora, os argumentos favoráveis à aplicação do instituto despenalizador na Justiça Militar. Primeiramente, nada mais conveniente do que traçar aqui o argumento favorável a aplicação do sursis processual na Justiça Militar consoante o entendimento da Comissão Nacional de Interpretação da Lei 9.099/95, a qual se dedicou inteiramente para análise e interpretação da importante lei aqui mencionada. A segunda conclusão obtida pela Comissão informa que serão aplicáveis pelos juízos comuns, tanto estadual como federal, militar e eleitoral, imediata e retroativamente, os institutos penais da Lei 9.099/95, tais como a Suspensão Condicional do Processo Penal (art. 89).193 (grifo meu) Diante deste posicionamento firmado pela Comissão de Interpretação da Lei 9.099/95, novos argumentos surgiram favoráveis à aplicabilidade da lei na esfera Militar, isto, graças à dinâmica da doutrina e dos julgados presentes nos tribunais brasileiros. A doutrina determinou que os institutos despenalizadores seriam sim aplicáveis à Justiça Militar, não só por se tratar de ordenamento mais benéfico, mas por ter previsão legal expressa em seus próprios artigos, como exemplo o art. 89, que diz: “nos crimes abrangidos ou não por esta lei194. Assim temos: O pedido de suspensão condicional do processo igualmente se aplica aos feitos da competência da Justiça Militar, diante do que vem expresso no art. 89, acima transcrito, ao mencionar os crimes abrangidos ou não por esta lei, 195 no que se incluem os delitos previstos no Código Penal Militar. Mesmo que os artigos da lei 9.099/95 silenciem-se no que se refere à política criminal da lei, a qual se adéqua a uma nova “justiça criminal”196, ou seja, punição mais humana e busca da intervenção mínima, tal como a isonomia penal, não se delimitam barreiras para que se deixe de aplicar a nova norma criminal aos 192 FICHER, Felix. A Lei n. º 9.099/95 e o Direito Penal Militar. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano I. n. º 01. Ago/set, 1996, p. 10. 193 BRASIL. Comissão Nacional de Interpretação da Lei n.º 9.099/95. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/1281>. Acesso em: 13 out 2010. 194 FERREIRA, Célio Lobão. Aplicação da Lei n. º 9.099/95 na Justiça Militar. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano I. n. º 01. Ago/set, 1996, p. 16. 195 Idem. 196 GOMES, Luiz Flávio. Suspensão Condicional do Processo Penal: e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual da justiça criminal. 2. ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais. 1997, p. 29. 74 acusados por crime militar, consoantes os princípios aqui referidos. 197 Contestando os posicionamentos contrários apontados neste trabalho acadêmico, doutrinadores definem que o sursis processual cabe à justiça militar, já que é sinônimo de Justiça emitida e eficiente, pois oferece pronta resposta ao militar infrator, submetendo-o a um estágio de prova no qual está sujeito a um comportamento digno, honesto e honroso, os quais são exigidos por suas corporações, sob pena de ver revogado o benefício legal o qual lhe foi concedido.198 Em continuidade ao feito, outro posicionamento favorável à aplicabilidade da suspensão condicional do processo afirma que quem diverge da aplicabilidade do instituto despenalizador na Justiça Militar, estará apoiando a mentalidade repressiva, verticalizada e autoritária, a qual orientou boa parte da confecção dos Códigos Penal e Processo Militar. Também significaria abandonar as inúmeras figuras delituosas que não são típicas do militar, isto é, os crimes militares impróprios.199 Em complemento a este argumento apontamos o seguinte: De fato, somente uma exegese mumificada na literalidade daquela disposição legal, presa à visão tradicional da persecução penal e da política punitiva, expancionista, seletiva e simbólica, descomprometida com o novo modelo punitivo desenhado a partir da Constituição Federal, autorizaria concluir pela inaplicabilidade absoluta da Lei n.º 9.099/95 à Justiça Militar. Contudo, como é cediço, carece a norma jurídica de uma interpretação sistemática, fundada na lógica do razoável, sob pena de subversão à teleologia do sistema em que se acha submersa. Em outros termos, deve a norma “ser interpretada inteligentemente, não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniência, vá a ter conclusões 200 inconsistentes”. Outra tese encontrada e amplamente defendida pelos doutrinadores do ramo em questão, e a nosso ver, a mais cabível, ensina que a suspensão condicional do processo será aplicada e beneficiará, na maioria dos casos, aqueles que cometerem crimes impropriamente militares, os quais já foram conceituados nesta pesquisa, que na verdade nada mais são do que crimes comuns, os quais são considerados como militares devido a certas conjunturas de lugar, tempo, pessoa e matéria. No tocante aos crimes propriamente militares, os que tutelam efetivamente os princípios 197 MESQUITA JR. Sídio Rosa de. Prescrição Penal: Direito Penal Militar, lei de proteção da ordem econômica, ação penal, decadência, p. 175. 198 FREYESLEBEN, Márcio Luís Chila. A prisão provisória no CPPM. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 1997, p. 235. 199 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais: comentários a Lei 9.099, de 26.09.1995. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.44. 200 DALABRIDA, Sidney Eloy. A Lei n. º 9.099/95 e a Justiça Militar. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano VI. N. º 36. Jul/ago, 2002, p.16. 75 basilares do militarismo, serão, na sua grossa maioria, postos à margem do instituto da suspensão do processo, por força do art. 88 do CPM201.202 Acompanha esta linha doutrinária o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: PENAL E PROCESSUAL PENAL. LEI Nº 9.099/95. APLICAÇÃO À JUSTIÇAMILITAR. POSSIBILIDADE.1 - Tratando-se de crime militar impróprio (lesão corporal leve) não há porque obstar a aplicação da Lei nº 9.099/95, porquanto, nesses casos, inexiste incompatibilidade entre os rigores da hierarquia e disciplina, peculiares à vida castrense e aquele 203 diploma legal. Precedente do STF. 2 - Ordem concedida. Colaborando com o ensinamento exposto, Luiz Flávio Gomes defende que: Os crimes militares próprios (que estão definidos exclusivamente no Código Penal Militar) podem (e devem) justificar tratamento especial. Os impróprios, que estão previstos também no Código Penal Comum, no entanto, de modo algum justificam qualquer diferenciação, sob pena de abominável discriminação. O princípio da igualdade impõe tratamento igual para os iguais (aos delitos comuns), logo, sob pena de odiosa discriminação, 204 merecem o mesmo tratamento dado aos civis. É importante fazer a distinção das formas dos crimes militares, sobretudo, pela disparidade existente entre os crimes, para só depois dizer que a aplicação da suspensão condicional do processo é valida ou não. Os crimes militares próprios justificam tratamento especial devido a sua natureza. Os crimes impróprios, contudo, de maneira alguma abonam qualquer diferenciação, sob pena de desprezível discriminação. Como já foi relatado no capitulo anterior, o princípio da igualdade impõe tratamento igual para os iguais e desigual para os desiguais. Completando o tema, as razões militares, disciplina e hierarquia, em regra, somente pode motivar tratamento diferenciada ao crimes exclusivamente militares. Já os crimes 201 Art. 88. A suspensão condicional da pena não se aplica: I - ao condenado por crime cometido em tempo de guerra; II - em tempo de paz: a) por crime contra a segurança nacional, de aliciação e incitamento, de violência contra superior, oficial de dia, de serviço ou de quarto, sentinela, vigia ou plantão, de desrespeito a superior, de insubordinação, ou de deserção; b) pelos crimes previstos nos arts. 160, 161, 162, 235, 291 e seu parágrafo único, ns. I a IV. BRASIL. Decreto-lei n. 1001, de 21 de outubro de 1969. Decreta o código penal militar. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 out. 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1001.htm>. Acesso em: 07 mar. 2010. 202 FREYESLEBEN, Márcio Luís Chila. A prisão provisória no CPPM. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 1997, p. 235. 203 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 9223/RS, Relator Min. Fernando Gonçalves. Dj. 14/06/1999. 204 GOMES, Luiz Flávio. Suspensão Condicional do Processo Penal: e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual da justiça criminal. 2. ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais. 1997, p. 282. 76 impropriamente militar estão definidas ex abundantia no COM, impõe-se o respeito ao princípio da igualdade. 205 Para visualizar todo o mencionado até agora, utilizaremos como exemplo o crime de lesão corporal levíssima, que consoante o art. 209, § 6º do Código Penal Militar206, o magistrado poderá desclassificar o delito como crime, qualificando-o como infração disciplinar, deste modo, se pode até desclassificar o crime, não há em que colocar impeditivos para a aplicação da suspensão condicional do processo na seara militar.207 A igualdade diante a lei é tutelada pela Constituição Federal em seu art. 5º, caput, sem impor distinção de qualquer natureza. O princípio mencionado é ressaltado durante o ordenamento jurídico consoante outras normas referente à igualdade. Deste modo, presente a desigualdade, para evitar que a busca à igualdade gere mais desigualdades, culminando, assim, na injustiça, necessita-se da criação de leis que objetivam a diferenças nas formações e nos grupos sociais. Podemos justificar, desta maneira, a existência, por exemplo, de dois códigos penais: comum e militar, isto ocorre, pois o princípio da hierarquia e disciplina apresenta vigor superior na esfera militar do que no âmbito comum. Portanto o Código Penal Militar comporta uma série de delitos que não estão especificados no Código Penal Comum, por isso, o tratamento desigual aos desiguais. Mas, vale deixar amplamente destacado aqui, que o tratamento distinto limita-se tão somente aos crimes militares próprios, isto é, aqueles que atentam contra os princípios basilares da corporação militar – hierarquia e disciplina. Já quanto aos demais delitos previstos no ordenamento militar, o posicionamento desigual implica o ferimento da ordem democrática e na infringência do princípio constitucional da igualdade.208 Referenciado o exposto acima temos: 205 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais: comentários a Lei 9.099, de 26.09.1995. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 44. 206 § 6º No caso de lesões levíssimas, o juiz pode considerar a infração como disciplinar. BRASIL, Decreto-lei n. 1001, de 21 de outubro de 1969. Código Penal Militar. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 out. 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1001.htm>. Acesso em: 10 out 2010. 207 JESUS, Damásio E. de. A Lei dos Juizados Especiais e os crimes militares. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano IV. n. º 20. Nov/dez, 1999, p. 23. 208 DUTRA, Joel Oliveira. Lei n.º 9.839/99 – Aspectos Inconstitucionais. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano IV. n. º 24. Jul/ago, 2000, p. 12. 77 Cumpre observar também que o próprio Código de Processo Penal Militar, acolhendo critérios presididos pela razoabilidade e proporcionalidade, reconheceu a necessidade de tratamento mais rígido em relação aos crimes propriamente militares. Exemplificam a assertiva, a impossibilidade de liberdade provisória desvinculada e suspensão condicional da pena em crimes propriamente militares, vedações que coerentemente não foram estendidas aos crimes acidentalmente militares. Em relação a estes, aliás, adotou o legislador posição de vanguarda ao prever expressamente o princípio da insignificância nos arts. 209, §6º, 240, §1º, 250, 253, 254, § único, todos do CPM, permitindo a substituição da pena por punição administrativa, bem como o acesso irrestrito às medidas acima apontadas. O próprio Código Penal Comum reconheceu a distinção, dispondo que, para efeito de reincidência, não se consideram os crimes militares próprios (art. 209 64, inc. I). Dando continuidade ao presente, julgar que a aplicação do instituto despenalizador na Justiça Militar irá abalar a estrutura principiológica é um grande equivoco, pois sua aplicação em nenhum momento atingirá princípios como hierarquia e disciplina.210 Além do que, o sursis processual é um instituto dissociado dos juizados especiais criminais, já que, poderiam ter sidos disciplinados em outra lei autônoma, tanto é, vêm instituído nas Disposições Finais do capítulo que trata desse juizado, assim, não há motivos para ser afastada a sua aplicação na Justiça Militar.211 Outro argumento que sustenta este entendimento, é debater o posicionamento contrário a aplicabilidade da suspensão condicional do processo na Justiça Militar. Posicionamento este, o qual afirma que devido há prevalência do interesse público diante da Justiça Militar o sursis processual não é cabível, porém tal fato não prospera, pois a própria Lei n.º 9.099/95, prevê a suspensão condicional do processo somente nos casos que são possíveis a ação de iniciativa pública, isto é, ações em que prevaleçam o interesse público.212 Referente à introdução do art. 90-A, à Lei n.º 9.099/95, de acordo com a Lei n.º 9.839/99, o qual determina a proibição da primeira lei à esfera militar, muito se discute na doutrina referente à constitucionalidade da disposição. Aplicando o art. 90-A, aos casos concretos, ignora-se a natureza dúplice dos crimes militar, o qual realizou referência genérica à expressão “crimes militares”, sendo assim, 209 DALABRIDA, Sidney Eloy. A Lei n.º 9.099/95 e a Justiça Militar. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano VI. n.º 36. Jul/ago, 2002, p. 17. 210 FREYESLEBEN, Márcio Luís Chila. A prisão provisória no CPPM. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 1997, p. 234/235. 211 CHAVES, Luiz Gonzaga. Da representação e da suspensão condicional do processo. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano I. n.º 04. Mar/abr, 1996, p. 45. 212 MESQUITA JR. Sídio Rosa de. Prescrição Penal: Direito Penal Militar, lei de proteção da ordem econômica, ação penal, decadência. Coleção temas jurídicos. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.175. 78 determinado tratamento jurídico idêntico para conjecturas que, em vários graus de amplitude, comprometem valores que não são comuns. Contudo, o princípio da igualdade apresentou-se abalado diante do ocorrido, estabelecendo, com isso, discriminação não permitida pela Constituição Federal, fundado unicamente na condição de militar do agente do crime, conferindo posicionamento desigual em hipóteses que representam semelhante grau de ofensividade, ou seja, crimes comuns e impropriamente militares. 213 Entendemos, para que seja possível a aplicação da suspensão condicional do processo na justiça militar estadual, que a criação da Lei n.º 9.839/99 não regulamentou em todo a matéria da Lei n.º 9.099/95. Assim, como a Lei n.º 9.099/95 tinha como função regulamentar o artigo da Constituição Federa que versa sobre Juizados Especiais Cíveis e Criminais, apenas estes dispositivos estão revogados com a promulgação da nova Lei, não atingindo, todavia, o instituto da suspensão condicional do processo, o qual é aplicada a todo ordenamento jurídico. 214 Segue este posicionamento um dos principiantes a aplicabilidade do sursis processual em Santa Catarina, o Promotor Militar Sidney Eloy Dalabrida: Dentro deste contexto, não há como afastar a aplicação das medidas despenalizadoras previstas na Lei n.º 9.099/95 para os casos de crimes impropriamente militares, devendo, pois, a restrição imposta pela Lei n.º 9.839/99 ser aplicada com exclusividade aos crimes propriamente militares, em relações aos quais a inacessibilidade aos institutos consensuais revelase razoável, porquanto atingem, dada sua singularidade, valores próprios e específicos do militarismo, inconfundíveis com aqueles, que ostentam 215 diferente natureza e grau de ofensividade. Portanto, é notável que diversos princípios, tais como: igualdade e proporcionalidade, são feridos quando se deixa de aplicar a suspensão condicional do processo penal, mediante a implementação do art. 90-A na Lei n.º 9.099/95. Destarte, encontramos posicionamentos doutrinários que argumentam que tal dispositivo é inconstitucional, pois há ferimento aos princípios da igualdade e 213 DALABRIDA, Sidney Eloy. A Lei n.º 9.099/95 e a Justiça Militar. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano VI. n.º 36. Jul/ago, 2002, p. 16. 214 ALMEIDA, Vera Regina de. AZEVEDO, Renato Freixo. Interpretação da Lei n.º 9.839/99. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano IV. n.º 23. Mai/jun, 2000, p. 8/9. 215 DALABRIDA, Sidney Eloy. A Lei n.º 9.099/95 e a Justiça Militar. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano VI. n.º 36. Jul/ago, 2002, p. 17. 79 proporcionalidade, especialmente quando a inaplicabilidade aos delitos penais militares que são tipificados também no ordenamento comum. 216 3.3 É possível a aplicação do Art. 89 da Lei n.º 9.099/95 em sede de Justiça Militar? Constitucionalmente afirmando, o art. 98 do CFR/88, como já mencionado neste trabalho, permitiu a criação da Lei n.º 9.099/95, a qual apresentou ao ordenamento jurídico inúmeros avanços e principalmente na esfera do Direito Penal Clássico, o qual sempre manteve seus estabelecimentos superlotados, sem a mínima infra-estrutura ou condições para fazer valer os dispositivos da Lei de Execuções Penais.217 Entretanto, este tema trouxe inúmeras discussões sobre a aplicabilidade dos institutos despenalizadores, enfatizando a suspensão condicional do processo, na Justiça Militar Estadual. Primeiramente, como foi exposto nos tópicos acima, houve dois momentos contrários: o primeiro posicionou-se adepto a aplicabilidade da suspensão condicional do processo, como assoalhado na análise jurisprudencial, e o segundo momento, foi assinalado pelos apontamentos adversos ao emprego do susrsis processual na Justiça Militar, pois foi incluso no ordenamento jurídico a previsão legal do Art. 90-A, da Lei n.º 9.099/95, proibindo, deste modo, a aplicabilidade da Lei n.º 9.099/95 no âmbito militar. Apesar disso, e do posicionamento contrário ao uso do art. 89, da Lei n.º 9.099/95, na Justiça Militar, defende-se, aqui, o bom emprego do instituto despenalizador na Justiça Militar, isto, quando existir o cometimento de delitos impropriamente militares que, relembrando, são os crimes tipificados tanto no Código Penal Militar, como no Código Penal Comum, podendo ser praticados tanto 216 DUTRA, Joel Oliveira. Lei n.º 9.839/99 – Aspectos Inconstitucionais. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano IV. n. º 24. Jul/ago, 2000, p. 12. 217 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Aplicação da Lei 9099/95, na Justiça Militar Estadual.Artigos Jurídicos. Disponível em: <http://www.advogado.adv.br/direitomilitar/ano2001/pthadeu/apliclei9099najustestadual.htm> Acessado em: 04 fev 2010. 80 por civil ou militar, porém, quando praticado por militar em determinadas condições, a lei o determina militar. 218 Colaborando com a ideia temos: Com efeito, no plano punitivo, o tratamento legal para as infrações penais em decorrência da sua gravidade deve atender ao princípio da proporcionalidade (adequação), de índole constitucional, razão pela qual, para as infrações penais leves é defeso a imposição legal de resposta estatal reservada à criminalidade comum. A própria Constituição Federal, em várias passagens, deixou assente a necessidade de tratamento legal diferenciado para os diversos graus de criminalidade, como ao gravar com cláusula de inafiançabilidade os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes, o terrorismo (art. 5º, XLIII), a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV), [...]. Do mesmo modo, ao entronizar a pena de prestação social alternativa e a transação para as infrações com baixa potencialidade lesiva (art. 5º, XLVI; 98, I). Fê-lo, ainda, e com ineditismo, em relação aos crimes militares, ao estabelecer, em seu art. 5º, LXI, que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definido em lei”, excluindo assim do bloco de garantias constitucionais direito fundamental reservado aos civis ou mesmo 219 militares incurso em crimes impropriamente militares. Cumpre observa-se, que a Carta Magna referiu-se apenas aos crimes propriamente militares220, deixando de fora desta seara os crimes impropriamente militares. O cidadão militar por força do art. 5º da CF não pode receber tratamento diferenciado em relação ao cidadão civil221. Os valores jurídicos que conferem especialidade à Justiça Militar, Hierarquia e Disciplina222, não serão infringidos quando aplicado o Sursis Processual na Justiça Militar Estadual, quando cometidas infrações impropriamente militares, com menor potencialidade ofensiva, pois nada impede, ainda, a punição do policial militar no âmbito administrativo. Além do que, o próprio Código de Processo Penal, reconhece a ampla necessidade de tratamento 218 LOBÃO, Célio. Direito penal militar. 3. ed. atualizada. Brasília: Brasília Jurídica, 2006, p. 90. DALABRIDA, Sidney Eloy. A lei 9099/95 e a Justiça Militar. In: Revista Direito Militar, nº 36, julho /agosto 2002, p. 16/17. 220 ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de Direito Penal Militar, SP: Saraiva, 1994, p. 05. 221 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Aplicação da Lei 9099/95, na Justiça Militar Estadual.Artigos Jurídicos. Disponível em: <http://www.advogado.adv.br/direitomilitar/ano2001/pthadeu/apliclei9099najustestadual.htm>. Acessado em: 04 fev 2010. 222 ASSSUMPÇÃO, Roberto Menna Barreto de, Direito Penal e Processual Militar: Doutrina, Jurisprudência e Súmulas, Vol II. Rio de Janeiro: Editora Destaque,1999. 219 81 mais rigoroso aos crimes propriamente militares, devendo a exceção prevista no Art. 90-A da Lei n.º 9099/99, ser aplicada apenas aos crimes propriamente militares.223 No que tange aos delitos militares próprios, ainda poderia ser defensável a lei nova, uma vez que são regidos pelas regras da hierarquia e da disciplina. No que diz respeito aos delitos militares impróprios, contudo, é de flagrante inconstitucionalidade, ferindo os princípios da isonomia e da proporcionalidade. [...] Suponha-se que um militar cometa dois crimes de lesão corporal leve, um militar e outro comum, em conexão. A ação penal, na esfera comum, exige representação e admite transação e “sursis” processual, na militar, é 224 incondicionada e não permite aqueles institutos. É estranho. Acontece que, com a utilização da “inovadora” visão punitiva originada pela nova Constituição Federal, a qual o atual processo penal brasileiro, mesmo o modelo condenatório, caminha para a não-imposição de pena privativa da liberdade225, aceitou-se o princípio da proporcionalidade (adequação), onde se avalia a gravidade do delito praticado e a sanção a ser imposta ao caso concreto, realizando-se, assim, a adequação teleológica 226 . Desta mão, nada mais coeso que empregar-se do instituto despenalizador na Justiça Militar Estadual, no que refere-se a crimes impropriamente militares 227. Podemos afirmar que, consoante os princípios fundamentais previstos na Constituição, é vedado ao legislador ordinário discriminar a bom emprego de uma lei que trás normas de direito material, utilizando-a para certo grupo e em outro não, quando o tipo penal se subsumir ao comportamento descrito em lei. 228 A Justiça Militar como a Justiça Comum, necessita de inovações para ser determinante aos cumprimentos dos princípios constitucionais basilares, e nada impede e afasta a aplicabilidade da Lei nº 9.099/95, na Justiça Militar. Ressalta-se que, a Constituição Federal apresenta como princípio basilar a isonomia entre os cidadãos, efetivando a garantia a todos dos direitos e garantias 223 DALABRIDA, Sidney Eloy. A Lei n.º 9099/95 e a Justiça Militar. In: Revista Direito Militar, nº 36, julho /agosto 2002. 224 JESUS, Damásio E. de. A Lei dos Juizados Especiais e os crimes militares. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano IV. n. º 20. Nov/dez, 199, p. 23. 225 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13. Ed, ver. E atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris 2010. 226 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 15. Ed. Rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2010. 227 DALABRIDA, Sidney Eloy. A Lei n.º 9099/95 e a Justiça Militar. In: Revista Direito Militar, nº 36, julho /agosto 2002. 228 GABRIELE, Carlos Eduardo. A possibilidade de aplicação da lei 10259/01 na Justiça Militar. Jus Militais. Disponível e:<www.jusmilitaris.com.br>. Acessado em: 19 out 2010. 82 fundamentais de forma equivalente. A igualdade é amparada por outros princípios constitucionais e precisa ser interpretada de forma global no plano dos valores, critérios e opções constitucionais. Porém, a competência militar, como justiça especializada, muitas vezes apresenta-se desigual em relação à justiça comum, cerceando algumas garantias que o direito comum determina aos cidadãos “comuns”. O Direito Penal Militar é visto como um dos mais rigorosos, no que se refere a limitações de liberdade individual, tudo isso para garantir os princípios basilares da instituição: hierarquia e disciplina. Mas vale deixar registrado que ele somente determina certas limitações de liberdade, mas não a anula.229 É visível, no dia-a-dia Castrense, e inaceitável, a quebra do princípio da isonomia, o qual é amplamente tutelado constitucionalmente. Como exemplo, podemos informa que diversos policiais militares cometem crimes de competência da Justiças comum e militar, ou seja, crimes conexos, e muitas vezes são beneficiados na justiça comum, consoante os dispositivos legais trazidos pela Lei n.º 9.099/95, e, absurdamente, são proibidos de receberem o mesmo benefício legal na Justiça Militar, simplesmente devido a sua especialização. Alexandre de Moraes afirma: A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária em tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva razoável, de acordo com um critério de juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Assim os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade 230 razoavelmente proporcional ao fim visado. Os Militares, mesmo que sob o peso da farda, carecem ser tratados da mesma maneira que os demais, quando suas condutas são reguladas por atos precisamente análogos aos outros que não militares e que não digam respeito à quebra da hierarquia e da disciplina. Se isto não se firmar, como elucidar que apontada pessoa, estando fardada e cometendo um crime de lesão corporal, por exemplo, ganha apurado tratamento e depois, sem a farda, realizando o mesmo ato, 229 CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias. Direito Penal e Justiça Militares: inabaláveis princípios e fins. Curitiba: Juruá, 2001, p. 183. 230 MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Atlas, 2002, p. 65. 83 seja tratada de outro modo, com mais ou menos rigor, com a aplicabilidade ou não do instituto despenalizador da Lei n.º 9.099/95. Não há justificativa plausível e admissível para tal situação e diferenciação de tratamento legal. 231 Complementando o argumento: Além disso, o interesse do Estado em garantir a normalidade de funcionamento da Administração Pública é fundamento não só para os crimes de abuso de autoridade como também para inúmeros outros elencados no Código Penal Comum e legislação esparsa. Como exemplo, o peculato culposo (arts. 303, § 3º do CPM e 312, § 2º do CP), a aplicação ou emprego irregular de verba (arts. 331 do CPM e 315 do CP), a prevaricação (arts. 319 do CPM e do CP), a condescendência criminosa (arts. 322 do CPM e 320 do CP), todos delitos cuja pena abstrata permite sejam alcançados com a suspensão do processo, nos termos do artigo 89 da Lei 9.099/95. E nestes casos, quando cometidos por civil, cumpridas as exigências legais são os infratores beneficiados com o sursis processual (e em alguns casos até mesmo pela transação penal). Se está procurando garantir a administração pública, por que o tratamento diferenciado entre civis e militares? Note-se que aqui não há a infringência da hierarquia e da 232 disciplina. Quando mencionamos a especialidade da Justiça Militar, de acordo com o princípio da Hierarquia e Disciplina, capacita-se justificar tratamento diferenciado somente aos crimes exclusivamente militares. Contudo, quando nos portamos diante dos crimes impropriamente militares, deve-se respeitar, amplamente, o princípio da igualdade.233 Assim sendo, não há impeditivos para a utilização do sursis processual na Justiça Militar, uma vez que a Constituição Federal não faz restrições aos delitos previstos no Código Penal Militar. 234 Além do referenciado até o momento, com o afastamento da aplicação da Lei n.º 9.099/95 da esfera militar, com o advento da Lei n.º 9.839/99, também é atingido o princípio da proporcionalidade, estando eivando de inconstitucionalidade a introdução do Art. 90-A na Lei dos Juizados Especiais, quando proíbe a aplicação da Suspensão Condicional do Processo aos crimes impropriamente militares. Destarte, há que se reconhecer sim a inconstitucionalidade da Lei n.º 9.839/99, 231 DUTRA, Joel Oliveira. Lei n.º 9.839/99 – Aspectos Inconstitucionais. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano IV. n. º 24. Jul/ago, 2000, p. 12. 232 Idem. 233 CAMPOS JUNIOR, José Luiz Dias. Direito Penal e Justiça Militares: inabaláveis princípios e fins. Curitiba: Juruá, 2001, p. 180/181. 234 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Aplicação da Lei n.º 9099/95, na Justiça Militar Estadual.Artigos Jurídicos. Disponível em: <http://www.advogado.adv.br/direitomilitar/ano2001/pthadeu/apliclei9099najustestadual.htm> Acessado em: 04 fev 2010. 84 especificamente no que tange aos crimes militares impróprios, eis que contrária ao mandamus constitucional da igualdade e proporcionalidade.235 Colabora com a esta idéia central o Promotor Militar do Estado de Santa Catariana, Dr. Eloy Sidnei Dalabrida: Ao há como afastar a aplicação das medidas despenalizadoras previstas na Lei n.º 9.099/95 para o caso de crimes impropriamente militares, devendo, pois a restrição imposta pela Lei nº 9.839/99 se aplicada com exclusividade aos crimes propriamente militares, em relações aos quais a inacessibilidade aos institutos consensuais revela-se razoável, porquanto atingem, dada sua singularidade, valores próprios e específicos do militarismo, inconfundíveis com aqueles, que ostentam natureza e grau de ofensividade. A propósito, oportuna a advertência do Prof. Célio Lobão, para quem referidas infrações penais representam um tentativa inconstitucional de afastamento da jurisdição comum, esfera onde ficam melhor situados, pelo gravame mais 236 para a sociedade brasileira como um todo. O autor ainda afirma: Não se pode assim admitir um tratamento punitivo uniforme à referidas infrações, sob pena de, sem qualquer compromisso com princípios constitucionais, avalizar-se “a mentalidade repressiva, verticalizada e autoritária que norteou grande parte da elaboração dos Códigos Penal e Processual Militar, abonando-se “o crasso erro metodológico que foi o de repetir o Código Penal Militar inúmeras figuras delituosas que não são 237 típicas do militar (são os denominados crimes militares impróprios). Dentro deste contexto, e dos demais apresentados, não há como falar-se na inaplicabilidade do dispositivo do art. 89 da Lei n.º 9099/95, ao agente militar que praticar crime impropriamente militar consoante o princípio da isonomia. Diante do exposto, pode-se extrair dos ensinamentos doutrinários, assim como dos entendimentos jurisprudenciais, anteriores à Lei n.º 9.839/99, que os institutos despenalizadores introduzidos no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n.º 9.099/95 devem ser aplicados na Justiça Militar, porém, parte da doutrina favorável, após a alteração desta Lei entende, que, se dominar o entendimento da não aplicação, que se utilize a distinção entre os crimes militares próprios e impróprios, para que, nestes últimos, sejam aplicados, tendo em vista os argumentos já apresentados. 235 DUTRA, Joel Oliveira. Lei n.º 9.839/99 – Aspectos Inconstitucionais. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano IV. n. º 24. Jul/ago, 2000, p. 15 236 DALABRIDA, Sidney Eloy. A Lei n.º 9099/95 e a Justiça Militar. In: Revista Direito Militar, nº 36, julho /agosto 2002. 237 Idem. 85 CONCLUSÃO O presente feito objetivou-se na busca de posicionamentos legais, doutrinários e jurisprudenciais sobre a possibilidade ou não da aplicabilidade da Suspensão Condicional do Processo, previsto no art. 89 da Lei n.º 9.099/95, na Justiça Militar Estadual. Primeiramente, após o estudo detalhado e cronológico da história da Justiça Militar e da apreciação dos variados posicionamentos identificados, ressalta-se que o Direito Penal Militar diferencia-se do Comum, pois aquele tende tutelar a Hierarquia e Disciplina, princípios fundamentais das organizações militares, e, em segundo plano, tende proteger a vida, a integridade física, a honra; já o Direito Penal Comum tutela somente os bens jurídicos que o Direito Penal Militar coloca em segundo lugar. Em continuidade ao feito, observou-se a competência e estrutura da Justiça Militar Federal e Estadual. Assim, consoante o art. 125, §4º da CF/88, a Justiça Militar compete, especificamente, processar e julgar os crimes praticados pelos militares, desde que definidos em lei, respeitando, entretanto, a competência do Tribunal do Júri. A Justiça Militar Federal e Estadual difere-se consoante a suas competências, quando a primeira julga os integrantes das Forças Armadas, a segunda julga os policiais militares e bombeiros estaduais. Os aspectos fundamentais a serem priorizados neste trabalho, foram instituídos à importância do princípio da Hierarquia e Disciplina, características estas, que são estruturais a Justiça Militar, além de serem defendidos por vários doutrinadores, como os impeditivos primordiais à aplicabilidade da Lei n.º 9.099/95 na esfera da Justiça Militar. Para melhor entendimento do tema proposto inicialmente, efetuou-se a classificação dos crimes militares, ou seja, crimes militares próprios, os quais estão previstos apenas no Código Penal Militar e, em regra, somente militares podem cometê-los, como, por exemplo, o crime de insubordinação; e crimes militares impróprios, que estão previstos de forma semelhante no Código Penal Comum, porém são nomeados militares em razão da pessoa, local e circunstância em que é praticado, como, por exemplo, o crime de lesão corporal. 86 Com a promulgação da Lei n.º 9.099/95 inseriu-se, na legislação brasileira, institutos inovadores, que imprimiram uma forma diferenciada de prestação jurisdicional e nova política criminal ao Direito Penal. O instituto inovador que aqui nos interessa, é a suspensão condicional do processo. Como é esperada toda inovação, principalmente relacionadas à legislação pátria, acarreta inúmeras discussões. E tais discussões são ampliadas quando presentes no âmbito da Justiça Militar. Doutrinas e jurisprudências ao referenciarem à utilização da Lei n.º 9.099/95 na esfera militar, muitas vezes, foram omissa ou incongruentes quanto a sua aplicabilidade, isto tanto na Justiça Federal quanto Estadual. Múltiplos posicionamentos surgiram no decorrer de sua vigência, tanto favoráveis como contrários a sua aplicação aos crimes militares. Inicialmente, os posicionamentos favoráveis à aplicação dos institutos despenalizadores da Lei n.º 9.099/95 na esfera Militar motivava-se nas orientações estabelecidas pela Comissão Nacional de Interpretação da Lei n.º 9.099/95, a qual compreendia ser a lei prontamente aplicável em qualquer parte do direito penal, tanto comum como especial. Contudo, surgiram apontamentos contrários à aplicação da suspensão condicional do processo no âmbito da Justiça Militar, argumentando que a aplicação dos institutos despenalizadores confrontaria os princípios fundamentais das organizações militares - hierarquia e disciplina. Diante dos apontamentos contrários à aplicação dos institutos despenalizadores da Lei n.º 9.099/95 na Justiça Militar, formulou-se o projeto de Lei n.º 4.303, o qual culminou na promulgação da Lei n.º 9.839/99. Acrescendo, deste modo, o art. 90-A ao texto da Lei n.º 9.099/95, o qual determinou que os institutos inovadores da Lei n.º 9.099/95 não seriam aplicáveis na Justiça Militar, pois, caso contrario, haveria o ferimento aos princípios legais da Hierarquia e Disciplina. Todavia, as discussões que deveriam ter minimizado, seguiram fervorosas. Os doutrinadores favoráveis a aplicabilidade da Lei n.º 9.099/95 na Justiça Militar, defenderam a tese que a Lei n.º 9.839/99 era inconstitucional, por ferir vários princípios constitucionais, como igualdade e razoabilidade, os quais são tutelados a todos os cidadãos, sendo militar o não. Outro argumento bastante revelador favorável a inconstitucional da Lei n.º 9.839/99, é a inobservância da diferenciação do crime militar próprio e impróprio. Vale salientar neste momento, que na confecção da exposição de motivos da Lei n.º 87 9.839/99, foram utilizados como exemplos dois crimes militares próprios, violência contra superior e violência contra insubordinado, os quais foram escolhidos propositalmente para versarem sobre a inaplicabilidade Lei n.º 9.099/95 na Justiça Militar. Consoante todas as informações que foram expostas neste trabalho acadêmico, constata-se o posicionamento favorável a aplicabilidade da Lei n.º 9.099/95 na Justiça Militar Estadual, visto que, referente aos crimes impropriamente militares, o que são previstos tanto no código militar como no comum, não merecem tratamento diferenciado, de acordo com o caráter conformador do princípio da igualdade. A doutrina favorável entende que a não aplicação da suspensão condicional do processo acarretaria um desrespeito a este Princípio, pois se imputaria tratamento diferenciado a pessoas idênticas, o que ocasionaria arbitrariedade; Há plausividade à aplicabilidade da Lei n.º 9.099/95 na Justiça Militar, pois os crimes impropriamente militares podem ser praticados por qualquer pessoal, os quais são somente considerados militares devido a circunstâncias que não interferem na disciplina e hierarquia. Conclui-se, assim, que a suspensão condicional do processo deve ser aplicada à Justiça Militar Estadual. 88 REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ABREU, Antônio Cláudio Barcellos de. Os crimes militares e a Lei n.º 9.099/95. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano I. n.º 04. Mar/abr, 1996. ALMEIDA, Vera Regina de. AZEVEDO, Renato Freixo. Interpretação da Lei n.º 9.839/99. Revista Direito Militar. Florianópolis. Ano IV. n.º 23. Mai/jun, 2000. ARAÚJO, Luiz Alberto David. NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2004. ARISTÓTELES.Política. 3ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1997. ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar: parte geral. v.1. Curitiba: Juruá, 2001. ______, Jorge César de; LAMAS, Claudia Rocha. A execução da sentença na Justiça Militar. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2005. BARROS, Suzana de Toledo. 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Temos a honra de submeter à elevada consideração de Vossa Excelência à anexa proposta de Lei Ordinária que determina a inaplicabilidade dos dispositivos constantes da Lei n.º 9.099, de 26 de setembro de 1995, no âmbito da Justiça Militar. 2. A referida Lei n.º 9.099, de 1995 teve em vista regulamentar o art. 98, inciso I, da Constituição Federal, que assim dispõe: "Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I -- juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau." 3. Em razão deste preceito constitucional, foi editada a Lei n.º 9.099, de 1995, que definiu as infrações de menor potencial ofensivo (aquelas a que for cominada pena máxima não superior a um ano), e introduziu os institutos da composição civil extintiva da punibilidade penal, substanciada na transação quanto à reparação do dano e conseqüente afastamento do processo penal, e da transação penal, que consiste na aplicação consensual e imediata de sanção penal articulada em pena restritiva de direitos ou pena pecuniária. 4. Outras medidas de igual caráter desapenador foram introduzidas pela Lei n.º 9.099, de 1995, com os institutos da representação, condicionando o exercício do direito de ação penal condenatória à representação do 97 ofendido nas hipóteses de pretensão punitiva fundada em alegada prática dos delitos de lesões corporais culposas e dolosas leves, e da suspensão do processo, por um prazo de dois a quatro anos, em hipóteses de crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano. 5. Tais institutos consagram inequívoco programa estatal de exclusão de pena, compatível com os fundamentos éticos-jurídicos que informam os postulados do Direito Penal mínimo. Todavia, há de se ter em conta que a adoção dessas medidas, ainda que fundadas na melhor doutrina do Direito Penal Comum, se mostram totalmente incompatíveis com os princípios que regem o Direito Penal Militar. 6. Ao legislar sobre tema relacionado com o Direito Castrense faz-se necessário atentar para sua especificidade, para não incidir em equívoco fatal. Não se pode desprezar, impunemente, as diferentes fontes inspiradoras dos dois ramos do Direito, o Direito Penal Comum e o Direito Penal Militar, fontes que, por serem substancialmente diversas, tingem cada um daqueles ramos de Direito com cores inteiramente diferentes. 7. Faz-se mister levar em conta que o Direito Penal Comum se elabora com a concorrência de dois elementos e filosófico e o histórico, tendendo a aproximar-se do ideal de justiça concebido em cada época. Passa por mudanças freqüentes porque reflete a fisionomia que lhe imprime a escola filosófica em cujos princípios se arrima e se orienta. 8. Enquanto isso, o Direito Penal Militar mantém perfil mais constante porque encontra sua base no princípio da defesa do Estado contra inimigos interiores e exteriores. Seu objetivo se circunscreve à defesa eficaz da sociedade e da coletividade, mediante a manutenção da disciplina no âmbito das Forças Armadas. 9. Alguns doutrinadores chegam a dizer que a lei castrense é uma lei de saúde pública, pois que repousa sobre a necessidade social, enquanto o Judiciário Militar, a quem cabe a aplicação da lei castrense, não seria um fim em si mesmo, mas um meio para manter a eficiência do exército como organização de combate. Daí afirmar-se poderem ser dois os bens tutelados pela lei castrense, um imediato e sempre necessariamente atingido, que são as instituições militares, e outro, mediato, nem sempre obrigatoriamente presente, e que pode ser o patrimônio ou a integridade física de terceiros etc. 98 10. Não há, desse modo, crime militar sem que, primeiramente, sejam atingidas as instituições militares, nelas compreendidas as suas vigas mestras de sustentação, a hierarquia e a disciplina, cuja tutela e prioritária para o Direito Castrense. Tão grande é a distância que separa o Direito Penal Comum do Direito Penal Militar, no que respeita às suas fontes inspiradoras, e, conseqüentemente, aos bens tutelados, que, enquanto no Direito Penal Comum moderno, a pena tem como objetivo de destaque a readaptação do criminoso para a sociedade, no Direito Castrense, a sanção tem fundamentalmente o propósito de que o infrator expie seu crime, de modo a que tanto ele quanto seus companheiros se sintam intimidados para a prática da disciplina. 11. É evidente, portanto, que, à luz dos princípios informadores do Direito Castrense, é impossível que sejam adotadas, no âmbito do Direito Penal Militar, medidas como as estabelecidas na referida lei fundadas no chamado Direito Penal mínimo. 12. Não é difícil imaginar o caos que se instalaria nos quartéis e os irreparáveis danos para disciplina e a operacionalidade das Forças Armadas, com a aplicação dos institutos inovadores trazidos pela Lei n.º 9.099, de 1995, como a necessidade de representação do ofendido, nos crimes de lesões corporais leves, bem assim a suspensão do processo até quatro anos, como direito subjetivo do acusado. 13. Basta atentar para alguns crimes previstos no Código Penal Militar que permitiriam a aplicação das inovações introduzidas pela Lei n.º 9.099, de 1995, para que se identifique a impossibilidade de sua adoção no Judiciário Militar. 14. Diante da certeza da suspensão do processo quantos subordinados hesitariam em praticar violência contra superior (art. 157, do Código Penal Militar)? E o que dizer da violência do superior contra subordinado (art. 175, do mesmo Código), que, além da possibilidade de suspensão do processo, dependeria, de igual modo, de representação do ofendido para o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público Militar? 15. A presente proposta pretende pôr fim às divergências de interpretação que vêm ocorrendo quanto à aplicabilidade, ou não, da citada Lei nos processos por crime militares, situação que causa inúmeros transtornos à Administração militar, bem como abala a indispensável tranqüilidade das relações 99 jurídicas, respeitando o princípio isonômico que, como se sabe, consiste em tratar os iguais com igualdade. Isto é, todos os que praticarem crime militar estão sujeitos às penas constantes do Código Penal Militar, assim como a todos os que cometerem crime comum serão aplicadas as regras do Direito Penal Comum. Respeitosamente, Mauro César Rodrigues Pereira, Ministro de Estado da Marinha – Zenildo Gonzaga Zoroastro de Lucena, Ministro de Estado do Exército. -- Lélio Viana Lôbo, Ministro de Estado da Aeronáutica. -- Benedito Onofre Bezerra Leonel, Ministro de Estado Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. ANEXO À EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS INTERMINISTERIAL N.º 6, DE 30-1-98. 1 - Síntese do problema ou da situação que reclama providências: A aplicação dos institutos previstos na Lei n.º 9.099, de 26 de setembro de 1995, na Justiça Militar compromete, irremediavelmente, a hierarquia e a disciplinam, que são os bens jurídicos tutelados pela lei penal militar. 2 - Soluções e providências contidas no ato normativo ou na medida proposta: Eliminar as divergências de interpretação quanto à aplicabilidade, ou não, da Lei n.º 9.099/95, no âmbito da Justiça Militar. 3 - Alternativas existentes às medidas ou atos propostos: Não há. 4 - Custos: Não há. 5 - Razões que justificam a urgência: 6 - Impacto sobre o meio ambiente. 7 - Alterações propostas: Texto atual Texto proposto 8 - Síntese do parecer dos Órgãos jurídicos: Trata-se de exame final da sugestão feita pelo Ministro da Marinha quanto à aplicabilidade, ou não, da Lei n.º 9.099, de 26 de setembro de 100 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, aos integrantes das Forças Armadas no que concerne aos crimes e infrações militares. Esta Consultoria Jurídica já se manifestou de pleno acordo com a não aplicabilidade daquela lei no âmbito castrense, através do Parecer n.º 16/CONJUR -- 1997, que foi devidamente aprovado pelo Ministro Chefe do Estado Maior das Forças Armadas. Os demais Ministérios militares -- a Aeronáutica e o Exército -se manifestaram, igualmente, de acordo, razão por que o expediente com a proposta de lei que substanciará a medida, que se faz indispensável para solução definitiva do assunto, está em condições de prosseguir e de ser aprovado pela autoridade competente. O parecer final desta Consultoria Jurídica quanto à constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa é de que nada há a opor, estando a proposta em condições de ser encaminhada à elevada consideração do Senhor Presidente da República. Corsíndio Monteiro da Silva, Consultor Jurídico Maer -- Altair Pedro Pires da Motta, Consultor Jurídico do MEx -- Hélio de Almeida Domingos, Consultor Jurídico da Marinha -- Rubens Campos, Adjunto do Consultor Jurídico.