CRIANÇAS E ADOLESCENTES: DIREITOS E GARANTIAS, ESTADO,
CIDADANIA E POLÍTICAS SOCIAS NO ÂMBITO BRASILEIRO.
SHEILA AGDA RIBEIRO DA SILVA
(Autora-Mestranda)
Profª Drª ROSELI ESQUERDO LOPES
(Orientadora-Docente)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
SÃO CARLOS–UFSCar Programa
de Pós-Graduação em EducaçãoPPGE.
Endereço: Rodovia Washington
Luís, km 235, Caixa Postal 676,
Bairro Monjolinho, São Carlos, São
Paulo, Brasil, Cep: 13565-905.
Telefones: (16) 3351-8356/ (16)
9150-8397.
E-mail: [email protected]
[email protected]
Eixo temático: CIÊNCIAS DA
EDUCAÇÃO.
SÃO CARLOS/SÃO PAULO/BRASIL
2010
OBJETIVOS E TEMÁTICA PRINCIPAL
 Delinear ações sócio-educativas que articulem o diálogo entre o Conselho Tutelar
e uma escola na cidade de São Paulo/BR;
 Observar o que pensam os adolescentes e seus familiares sobre a atuação do
Conselho Tutelar em uma cidade de São Paulo/BR;
 Identificar e analisar as possibilidades de atuação de educadores nos conselhos
tutelares;
O modelo da família moderna surge no século XIX, período em que o comportamento
propriamente paternal aglutina-se em torno de noções de ternura e responsabilidade do adulto
pelo bem-estar da criança, para Cambi (1999, p. 387) a infância no século XIX foi vista como
uma idade radicalmente diferente em relação à adulta, inclusive portadora de valores próprios e
exemplares: de fantasia, de igualdade, de comunicação e assim a criança tornou-se o sujeito
educativo por excelência, reclamando uma rearticulação das instituições educativas priorizando o
“jardim da infância”, pois é justamente na idade pré-escolar que se desenvolve o germe da
personalidade humana.
Com os avanços da medicina, das ciências jurídicas, das ciências pedagógicas e
psicológicas, o século XX descobre a especificidade da criança e a necessidade de formular seus
direitos, que passam a ser tidos como especiais, a prática educativa voltou-se para um sujeito
humano novo e impôs novos protagonistas sociais: a criança, a mulher e o deficiente renovaram
as instituições formativas e deu vida a um processo de socialização dessas novas práticas
(CAMBI, 1999).
No Brasil, com o processo de redemocratização do país, a partir da década de 1980,
inicia-se um período de grandes mudanças. Gradualmente, o paradigma de proteção integral dos
direitos de crianças e adolescente vai se firmando e legitimando a elaboração de normas
referentes ao direto à vida, à saúde, à liberdade, à dignidade, à cultura, ao lazer, ao esporte, à
profissionalização, dentre outros. Essa Doutrina da Proteção Integral e o novo paradigma
fundamental que ela nos traz estão declarados no artigo primeiro do Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA – esta proteção assegura a todas as crianças e adolescentes, sem exceção, os
direitos relativos à sobrevivência, ao desenvolvimento pessoal e social e à integridade física,
psicológica e moral.
Esta doutrina baseia-se em um tripé:
 Crianças e adolescentes são sujeitos de direitos;
 São pessoas em condição peculiar de desenvolvimento;
 São prioridade absoluta (ECA, 2007).
Referenciados na Doutrina da Proteção Integral, novos modelos no conteúdo, na gestão e no
método para as questões referentes à infância e a adolescência, vão sendo estabelecidos, como
por exemplo: a municipalização do atendimento, as políticas públicas, as mudanças jurídicas, o
vínculo com a família e a escola como premissa da proteção integral, as mudanças nas
concepções das redes de atendimento a crianças e adolescentes e por fim o papel dos conselhos
nesta nova realidade democrática.
Até que nos anos de 1990, no calor da nova Constituição Federal (1988), a sociedade e os
governantes acabaram com o ditatorial Código de Menores1 e promulgou-se, em 13 de julho de
1990 a Lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que se torna um marco nas
políticas direcionadas a crianças e adolescentes, com especial equilíbrio entre ações privadas e
públicas. Sendo assim, o ECA coloca a criança em uma posição de privilégio frente à sociedade,
conforme está exposto na Lei:
Art. 3º - A criança e o adolescente gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção
integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros
meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições
de liberdade e de dignidade (BRASIL, ECA, 2007, p. 35).
Considerando o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família
humana (principalmente a criança) e dos seus direitos iguais e inalienáveis, este artigo do ECA,
1
Do ponto de vista jurídico, o Brasil inicia a legislação em torno da infância e da juventude em 1927, com o
estabelecimento do Código de Menores, revisando-o no final da década de 1970 e instituindo o Novo Código de
Menores, basicamente uma nova edição do anterior (LOPES, SILVA e MALFITANO, 2006).
nos remete ao que a Declaração Universal dos Direitos Humanos já explicitava desde 1948 e que
a Declaração Universal dos Direitos da Criança veio reforçar:
Art. 1º - Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos
outros com espírito de fraternidade (BRASIL, Declaração Universal dos
Direitos Humanos, 2002, p. 179).
PRINCÍPIO 1º: Todas as crianças, absolutamente sem qualquer exceção,
serão credoras destes direitos, sem distinção ou discriminação por motivo
de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza,
origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra
condição, quer sua ou de sua família.
PRINCÍPIO 2º: A criança gozará proteção especial e ser-lhe-ão
proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a
fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e
social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade
(BRASIL, Declaração Universal dos Direitos da Criança, 2007, p.92).
A criança, em decorrência de sua imaturidade física e mental, precisa de proteção e de
cuidados especiais, inclusive, proteção legal apropriada, antes e depois do nascimento. A
necessidade de tal proteção tem sido enunciada em declarações, leis, decretos, convenções,
dentre outros, mas essas iniciativas legais muitas vezes não saem do papel e a realidade que
vemos no dia-a-dia é cruel. Dimenstein (1997) enfatiza que a criança é o elo mais fraco da cadeia
social e que podemos observar como a cidadania brasileira é tão garantida nos papéis, mas não
existe de verdade, o autor chama este fato de cidadania de papel, é o que o Brasil tem construído
atualmente, cidadãos de papel, principalmente no que diz respeito a crianças e adolescentes.
O ECA protege crianças e adolescentes brasileiros em todos os âmbitos e dentro desta
mesma lei foi criado um órgão para a efetivação do ECA, este órgão é chamado de Conselho
Tutelar, que é definido como:
Art. 131: [...] um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional,
encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da
criança e do adolescente, definidos nesta lei (BRASIL, 2007, p. 61).
Ressalta-se, a seguir, a articulação apresentada no ECA entre o direito à Educação e as
concepções de Tutela e de Conselho Tutelar, essas três temáticas estão intrinsecamente ligadas,
pois o Conselho Tutelar é que legitima a Lei 8.069/90 e que garante o direito à educação
definidos nesta lei e em outras legislações do nosso país, como por exemplo a Constituição
Federal (1988), a Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394/1996), dentre outras. Deste ponto de vista,
é pertinente explicitar aqui as definições de conselho e tutela:
CONSELHO: Parecer, juízo ou opinião, admoestação, aviso, senso do
que convém; tino; prudência; corpo de jurados.
CONSELHEIRO: Que aconselha; membro de junta consultiva.
TUTELAR/TUTELA: Encargo civil que se confere a alguém para dirigir
os bens e proteger a pessoa do menor que se acha fora do pátrio poder,
além de representá-lo nos atos da vida civil; defesa; sujeição vexatória
(RODRIGUES, 2001, p. 922).
As definições explicitadas acima vão ao encontro da real função que deve exercer o
Conselho Tutelar e os conselheiros que o compõem. A definição de tutela expõe qual é o papel
da família e da sociedade perante crianças e adolescentes. Segundo Scheinvar (2001) no mundo
da proteção institucionalizada os conceitos de infância e de tutela se confundem, para a autora o
Estado tem a família como sujeito de controle social e esta investe no novo bem social que são as
crianças, sendo que, em sua omissão, maus tratos, negligência, dentre outros, cabe ao Estado
assumir as práticas disciplinares.
Assim como as formas de proteção, a relação com a criança se
transforma em diferentes contextos e tem, como uma das principais
características na sociedade disciplinar, a desqualificação das formas
comunitárias institucionalizadas em favor de outras formas de
institucionalização da proteção, que se dão através da relação de tutela.
Esta, então, passa a ser um dispositivo punitivo. A tutela é a referência à
desqualificação da família, o que significa, por um lado, o
reconhecimento virtual ou real da incapacidade dos pais exercerem seus
poderes e, por outro, da necessidade de que o Estado protetor os assuma
diretamente ou designe uma nova figura, confirmando-se a relação de
tutela como fundamento para a expropriação do conhecimento. A criança
não é subordinada a uma comunidade, mas a um espaço privado; é um
valor atribuído a seus guardiões particulares que também hão de ser
“capacitados” para oferecer as condições “adequadas” para a sua
cidadania (SCHEINVAR, 2001, p. 184).
Neste sentido, o valor que é depositado na criança é cobrado por meio da relação
disciplinar e não permeia apenas a família, mas todo o espaço onde a relação com a criança se
institucionaliza, destacando-se, nesse âmbito, a escola que é uma das principais reprodutoras de
disciplinarização frente a crianças e adolescentes (SCHEINVAR, 2001).
O Conselho Tutelar tem o dever de garantir o direito à educação exposto no Estatuto da
Criança e do Adolescente no artigo 53. Dallari (2004, p. 39) define que direito à educação é:
[...] o reconhecimento de que, sem a possibilidade de desenvolvimento
intelectual, da obtenção e ampliação de conhecimentos, do estímulo ao
desenvolvimento psíquico e sem receber ensinamentos sobre convivência
e as formas de integração social, a pessoa não chegará a ser livre e não
será tratada como igual. Precisamente por esta razão, tem-se reconhecido
cada vez mais a extraordinária importância da educação em nosso país.
Na Constituição brasileira, por exemplo, dispõe-se expressamente que a
educação é um direito de todos e dever do Estado, pelo reconhecimento
de que se trata um direito humano essencial.
Explicitando um panorama da situação educacional do país, observa-se que o Brasil
apresentou melhorias significativas na última década do século XX: houve queda substancial da
taxa de analfabetismo e, ao mesmo tempo, aumento regular da escolaridade média e da
freqüência escolar, ou seja, da taxa de escolarização. No entanto, a situação da educação no
Brasil ainda não é satisfatória, principalmente em algumas das cinco grandes regiões do país.
CONCLUSÕES:
Segundo Scheinvar (2004), a educação é uma prática política e o Conselho Tutelar tem
sua vertente de prática pedagógica:
Um dos direitos assegurados pelo Estatuto é o direito à educação, cultura,
esporte e lazer e, neste, assim como de maneira geral no contexto do
ECA, a escola adquire uma dimensão privilegiada. É possível enumerar
vários atravessamentos presentes na escola ao se falar em garantia de
direitos da criança e do adolescente: o mais evidente é o fato de a escola
ser o único espaço politicamente obrigatório para a prática educativa, que
tornou-se mais acessível para toda a população. (SCHEINVAR, 2004, p.
152).
Contudo, embora o Conselho Tutelar seja um canal de atendimento e observância aos
direitos sociais de crianças e adolescentes faz-se necessária a articulação das diversas instâncias
sociais envolvidas no direito à cidadania, com destaque à escola. Sem essa articulação, o Estatuto
corre o risco de se transformar em um instrumento ineficaz na luta pelos direitos da criança e do
adolescente no Brasil. Todos os que atuam na educação e no campo das políticas sociais voltadas
para a infância e adolescência enfrentam desafios como:
Questões relativas à situação política e econômica e à pobreza extrema
das nossas populações, questões de natureza urbana e social, sem falar
nos problemas específicos do campo educacional que, cada vez mais
assumem proporções graves e têm implicações alarmantes, exigindo
respostas firmes e rápidas, nunca fáceis. Muitas são também as
possibilidades de abordar o tema e suas diferentes facetas. Hoje vivemos
o paradoxo de ter um conhecimento teórico avançado sobre a infância,
enquanto assistimos com horror à incapacidade da nossa geração de lidar
com as populações infantis e juvenis. (KRAMER, 2006, p. 84).
Refletir sobre esse e outros paradoxos e pensar sobre como vemos a infância hoje, como
podemos nos preparar para com elas atuar, estudar o sistema de garantias do direito de crianças e
adolescentes é o meu intuito com a continuidade da pesquisa.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília. Imprensa Oficial. 2002.
BRASIL, Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONDECA.
Declaração Universal dos Direitos da Criança, São Paulo, 2007.
BRASIL, Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONDECA. Estatuto
da Criança e do Adolescente, São Paulo, 2007.
BRASIL. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Brasília, Imprensa Oficial, 2002.
CAMBI, Franco. História da pedagogia. Tradução: Álvaro Lorencini. São Paulo. UNESP, 1999.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Um breve histórico dos direitos humanos. In: CARVALHO, José
Sergio. (Org.) Educação, cidadania e direitos humanos. Petrópolis, RJ. Vozes, 2004.
DIMENSTEIN, Gilberto. O cidadão de papel: a infância, a adolescência e os direitos humanos
no Brasil. 13 ed. São Paulo, Ática, 1997.
KRAMER, Sônia. Infância, cultura contemporânea e educação contra a barbárie. In: BAZÍLIO,
Luiz Cavalieri; KRAMER, Sônia (Orgs.). Infância, educação e direitos humanos. 2 ed. São
Paulo, Cortez, 2006.
LOPES, R. E., SILVA, C. R., MALFITANO, A. P. S. Adolescência e juventude de grupos
populares urbanos no Brasil e as políticas públicas: apontamentos históricos. HISTEDBR Online, n.23, p. 114–130, set. 2006.
RODRIGUES, Isabel Cristina de Melo. Mini dicionário escolar da língua portuguesa. São
Paulo, Rideel, 2001.
SCHEINVAR, Estela. Tensões, rupturas e produções na relação entre o Conselho Tutelar e a
escola. In: SCHEINVAR, Estela; ALGEBAILE, Eveline. (Org.). Conselhos Participativos e
Escola. Rio de Janeiro, D P & A, 2004.
______. O feitiço da política pública ou como garante o Estado brasileiro a violação dos
direitos da criança e do adolescente? 2001. 282 f. Tese de Doutorado. Universidade Federal
Fluminense, Rio de Janeiro, 2001.
SILVA. Sheila Agda Ribeiro da. O Conselho Tutelar da zona norte de Osasco e a sua atuação
no espaço escolar. 2008. 91 f. Monografia.Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade
Estadual Paulista, Marília, 2008.
Download

SHEILA AGDA RIBEIRO DA SILVA