ASPECTOS RELEVANTES SOBRE A PENHORA DE BENS Autor: Fowler R. P. Cunha I – INTRODUÇÃO A finalidade preponderante deste trabalho se encontra na relevância que este instituto, a penhora, que recebe como ato material expropriatório da execução. Podemos estudar a penhora, em sucinta análise, como ato em que são apreendidos, materialmente, bens do devedor, isto é, a primeira agressão que o devedor inadimplente sofre em seu patrimônio. A maioria doutrinária localiza a natureza jurídica da penhora como um ato executivo, ou seja, um ato processual cuja função primordial é a fixação da responsabilidade executória acerca dos bens por ela englobados. Na lição do mestre Carnelutti, a penhora “tem por finalidade a individuação e preservação dos bens a serem submetidos ao processo de execução” 1. Destarte, o Estado, valendo-se do seu poder sancionatório, coage o devedor a nomear bens que garantam a satisfação de sua dívida. 1 CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo, Nápoles, Morano, 1958. 2 Os bens penhorados não sofrem alteração em sua substância, conservando suas características inerentes, não sendo afetados, a não ser quanto à restrição que lhes é imposta, relativa a não disposição destes. Os bens do devedor deverão ser descritos pormenorizadamente, apreendidos e colocados em depósito, cuidando-se da sua conservação, tendo por suprimida a disponibilidade do devedor, estando este sujeito à expropriação, despontando para o credor a preferência. Os efeitos da penhora podem ser percebidos em relação ao devedor, onde este se priva da posse direta, quando não for depositário fiel e, conseqüentemente, da disponibilidade dos bens penhorados. No entanto, a inalienabilidade não é total, pois se o devedor continuar na posse dos bens e resolver transferi-lo a terceiro ocasionará apenas a ineficácia do ato de transferência efetuada sobre os bens penhorados. Portanto, o terceiro sofrerá a ineficácia do ato de transferência realizada sobre os bens penhorados sendo prejudicado, por conta do direito de seqüela, haja vista que a transmissão dos bens, ante a execução, será considerada ineficaz. Tendo o terceiro a posse temporária dos bens, obriga-se a escolher o gravame judicial, na posição de depositário, restando-lhe como devedor efetivar a prestação judicialmente, pois caso não o faça considera-se sem eficácia o pagamento direto feito ao devedor ou a outra pessoa. 3 Ademais, o terceiro deve abster-se de negociar com o devedor acerca do domínio do bem penhorado, pois se o fizer, tendo em vista o efeito geral e erga omnes do ato de constrição, será ineficaz a aquisição perante o processo e o gravame sobre o bem. Araken de Assis cita e leciona com maestria sobre o tema2: “Como diz Rendenti,3 a penhora isola bens no patrimônio executivo, e, em conseqüência, assevera egrégiamente José Alberto dos Reis,4 afeta-os, ou seja, destina-os à finalidade expropriativa, através do expediente de imprimir a marca da ineficácia no poder de disposição do executado,5 preservando, assim, o caráter instrumental do ato. Este sinal não é um “sogello”, explica Micheli,6 mas o corolário da ineficácia dos atos de disposição, que, de resto, se afiguram existentes, válidos e eficazes no plano do direito material. Sendo assim, busca-se através deste delimitar os efeitos, o conceito e a natureza da penhora, bem como discorrer sobre os procedimentos e aperfeiçoamento da penhora que são distribuídos em quatro vértices: atos de documentação; apreensão e depósito; inscrição de penhora de imóvel e atos subseqüentes. 2 ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução, RT, 8ª ed. Pág.603, 2002. RENDENTI, Enrico, Diritto processuale civile, v.3/169-170 n. 214. 4 REIS, José Alberto dos. Processo de execução, v.2/92n.25. 5 Idem, op. Cit., v. 2/98, n. 27. 6 MICHELI, Esecuzione forzata, p. 31-32. Também Ovídio A. Batista da Silva, Doutrina e prática do arresto ou embargo, § 16,p.78. 3 4 II – BREVES RELATOS HISTÓRICOS DA PENHORA 2.1. DIREITO BABILÔNICO No período de hegemonia babilônica já havia disposições de caráter processual. O Código de HAMMURABI dedicou seus parágrafos iniciais a esta matéria. Dentre vários assuntos, foram 5 tratados aspectos relativos ao penhor e direito real de garantia, mas, sobre a penhora, não há qualquer indício7. 2.2. DIREITO ROMANO Em Roma, ao tempo das XII Tábuas, existia um procedimento caso incidisse ao devedor confesso ou fixado por sentença, execução de um direito liquido e certo. Decorrido 30 dias sem a satisfação de julgado, o credor podia conduzir o devedor à força à presença do pretor, que mediante testemunho, lançava-lhe a mão, gesto que autorizava o credor a encarcerá-lo, transportando-o algemado.8 Deveria o credor, em seguida, apregoá-lo em três freiras, com o intervalo de nove dias, declarando o quanto da condenação e, se alguém ou algum parente não saldasse a dívida em seu favor, dava-se ao credor o direito de vender o devedor para fora da cidade e até mesmo matá-lo.9 Essa prática foi tornando-se mais branda, até admita a substituição da execução sobre a pessoa do devedor por seu patrimônio. A execução patrimonial recaia nos bens do devedor, que eram apreendidos na presença de três testemunhas e sem necessidade de comparecimento do adversário ou pretor. 7 AZEVEDO, Luiz Carlos de, Um estudo da penhora, Tese da faculdade de Direito do Largo São Francisco-USP, São Paulo, impressão pela Editora Resenha Ltda., 1986, p.10. 8 REZENDE FILHO, Gabriel José Rodrigues de, Curso de direito processual civil, vol. III, 8ª ed., São Paulo, Saraiva, 1968, p. 171. 6 Assim, ocorrendo uma sentença condenatória, o vencido tinha 30 dias para voluntariamente satisfazer o julgado. “Esgotado o prazo, o credor deveria propor a actio iudicati, pela qual pedia, com fundamento na condenação, lhe fosse entregue a pessoa do devedor ou o seu patrimônio”.10 Essa substituição da execução de cunho pessoal pela apreensão e praceamento dos bens do devedor, foi denominada pignoris cappios.11 A partir daí, foram aprimorando o que hoje chamamos de execução e a penhora passou a ser realizada em razão do julgamento. Sendo procedida por meio de funcionário da organização judiciária, e recaindo apenas em tantos bens quantos bastem para garantir a execução. Os romanos definiam as obrigações como um vínculo jurídico, sendo que a garantia do seu cumprimento era exclusivamente pessoal, daí decorrendo as crueldades com que os devedores eram obrigados a satisfazer seus compromissos. Essa postura jurídica derivava do fato de que os bens, notadamente as terras, não eram encarados como patrimônio pessoal, mas sim familiar. E para esse povo, os bens da gens (família 9 RODRIGUES, Maria Stella Villela Souto Lopes, ABC de processo civil, 3ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1989, p. 260. 10 SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil, vol. III, 3ª ed., São Paulo, Saraiva 1979, p. 191. 7 romana) eram destinados ao culto dos deuses lares e dos mortos, e , portanto, sempre inalienável e indivisível. Álvaro Villaça Azevedo 12 argumenta adicionalmente que “neste período havia proibição de alienar patrimônio da família, dados os rígidos princípios de perpetuação dos bens dos antepassados, que se consideravam sagrados”. A famosa e já mencionada Lei Romana das "XII Tábuas", de 450 a.C., era vigorosamente impiedosa com os devedores, impondo-lhes flagelos pessoais, e paradoxalmente não permitindo que seu patrimônio fosse atingido. A propósito eis o teor da "Tábua Terceira", que exatamente dispunha sobre os direitos de crédito: "4. Aquele que confessa dívida perante o magistrado ou é condenado terá 30 dias para pagar; 5. Esgotados os trinta dias e não tendo pago, que seja agarrado e levado à presença do magistrado; 6. Se não paga e ninguém se apresenta como fiador, que o devedor seja levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso até o máximo de 15 libras; ou menos, se assim quiser o credor; 7. O devedor preso viverá à sua custa, se quiser; se não quiser, o credor que mantém preso dar-lhe-á por dia uma libra de pão ou mais, a seu critério; 8. se não há conciliação, que o devedor fique preso por 60 dias, durante os quais será conduzido em 03 dias de feira ao comitium, onde se proclamará, em altas vozes, o valor da dívida; 11 LAVENHAGEN, Antônio José de Souza, Processo de execução, 1ª ed. São Paulo, Atlas, 1978, p.13. 12 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de família, 2ª ed., S. Paulo, pág. 183, RT, 1984. 8 9. se são muitos os credores, é permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores, não importando mais ou menos; se os credores preferirem, poderá vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre." Deste modo, os romanos inadimplentes respondiam pessoalmente por suas dívidas, podendo ser presos, vendidos como escravos e até mesmo mortos e esquartejados. Contudo, já nos últimos períodos da civilização romana, a pessoa do devedor foi lentamente substituída por seu patrimônio, que passou a suportar a garantia das obrigações. Anota Alcides de Mendonça Lima que: "historicamente, a execução evoluiu dos atos contra a pessoa do devedor para o seu patrimônio. A prisão do devedor e, até, o seu esquartejamento cederam lugar a providências contra seus bens. Gradativamente, à medida que as instituições processuais progrediam, menos drásticos se tornavam os meios executivos, tanto os de coação como os de sub-rogação".13 Essa tendência é mantida ao longo do tempo, e chegando à França, com o Código Napoleônico, positiva-se com a proibição de que o corpo do réu fosse objeto da execução. Surge então novo momento histórico em que a execução limitava-se em atingir exclusivamente o patrimônio do devedor. 9 Assim, descumprindo o devedor sua obrigação, tornando-se, pois inadimplente, não poderia ser pessoalmente compelido a quitá-la, sendo a única forma de sanção possível àquela que recaísse sobre o seu patrimônio. 2.3. ORDENAÇÕES PORTUGUESAS 2.3.1. Ordenações Afonsinas - 1446-1521 Surgia aí a preocupação de resguardar alguns bens de uso doméstico e pessoal além do direito que tinha o devedor de escolher determinados bens à penhora. 2.3.2. Ordenações Manoelinas - 1521-1603 Nesta fase ocorre a introdução da preferência dos credores, ou seja, a fixação da precedência de um credor sobre o outro. Estabeleceu-se, desta forma, pelo que primeiro fizesse a penhora.14 As Ordenações Manuelinas também introduziram os embargos de terceiros. 2.3.3. Ordenações Filipinas - 1603-1867 Nessa fase permaneceu a proporcionalidade entre o bem penhorado e a dívida. Caso não ocorresse, cabia ao executado reclamar contra o excesso através do agravo. 13 LIMA, Alcides de Mendonça, Comentário ao Código de Processo Civil, vol.VI, pág.767, forense, Rio, 4ª ed., 1985. 14 AZEVEDO, op. cit. p. 78. 10 Não havendo bens móveis ou raiz (prioridade), admitir-se-ia a penhora daqueles pertences do executado e (ou) de sua família que possuíssem em demasia, como cavalo, boi de arado, instrumentos e sementes, desde que não fossem imprescritíveis à atividade dos lavradores.15 2.4. DIREITO BRASILEIRO Com a proclamação da Independência do Brasil, continuou a vigorar toda a legislação portuguesa, enquanto não elaboravam e promulgavam novas leis. Durante esse período, foi disciplinado que, quando o executado ficasse sujeito à penhora, respeitar-se-ia a seguinte ordem de preferência: dinheiro, ouro, prata, pedras preciosas, títulos da dívida pública, móveis e semoventes, bens de raiz ou imóveis, direitos ou ações. Efetuada a penhora, não se realizava outra, a menos que fosse nula a primeira. Já com o advento da República, passavam os Estados-Membros da federação a aprovar seus códigos com disposições processuais civis. Apenas em 1940 o código de processo civil, de âmbito nacional, entrou em vigor. 15 Ibid, p. 82 11 O código de processo civil de 1939 determinou, que deveriam ser resguardados da penhora os bens indispensáveis ao executados e sua família, além de introduzir a impenhorabilidade do seguro de vida. Já no atual código de processo de 1973, que sofrera durante os anos algumas reformas e que ainda merece ser analisado a fim de novas modificações para a adaptação para os dias modernos, quando um devedor não cumpre espontaneamente uma obrigação, quer representada por um título extrajudicial, quer reproduzida por uma sentença condenatória, pode o credor obter a satisfação do crédito através de medidas coativas que, a seu requerimento, são aplicadas pelo Estado no exercício do poder jurisdicional, uma dessas formas e tema de nosso estudo, a penhora, é traduzida pelo nosso atual Código de Processo Civil em seu artigo 659: “Se o devedor não pagar, nem fizer nomeação válida, o oficial de justiça penhorar-lhe-á tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas e honorários advocatícios”.(grifo nosso). Assim, o inadimplemento de uma obrigação gera para o credor possibilidade de promover a execução coativa ou forçada, judicialmente. Nos dias atuais basicamente em todas as legislações patrimonial. a responsabilidade pelas dívidas é eminentemente 12 E, hoje, a medida jurídica de que se pode valer um credor para agredir o patrimônio do devedor, com vistas a satisfazer seu crédito, é a execução civil, assim definida por Liebman: "A execução civil é aquela que tem por finalidade conseguir por meio do processo, e sem o concurso da vontade do obrigado, o resultado prático a que tendia a regra jurídica que não foi obedecida”. 16 Portanto, a responsabilidade do devedor é eminentemente patrimonial! Aliás, essa é a lição que se extrai do art. 591, do Código de Processo Civil: "o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei". Nesta esteira, o art. 646, do mesmo Código, aponta que "a execução por quantia certa tem por objeto expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor", sendo que a penhora é um ato neste desiderato por excelência. . 16 LIEBMAN, Enrico Tullio. “Execução e ação executiva”, Estudos sobre o processo civil brasileiro, S.Paulo, José Bushatsky, 1976. 13 III – CONCEITO E CONSIDERAÇÕES DA PENHORA. A penhora, como acentua PONTES DE MIRANDA, “não é penhor, nem arresto, nem uma das medidas cautelares. O que nela há é expropriação da eficácia do poder de dispor que não há no arresto”.17 LIEBMAN define que “A penhora é o ato pelo qual o órgão judiciário submete a seu poder imediato determinados bens 17 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil, tomo X. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 193. 14 do executado, fixando sobre eles a destinação de servirem à satisfação do direito do exeqüente. Tem, pois, natureza de ato executório”.18 O ilustre professor FREDERICO MARQUES define-a como o ato coercitivo que dá início à expropriação de bens do devedor.19 Segundo Marcos Cláudio Acquaviva, em uma de suas obras, vem defina a penhora: “Penhora de bens. Apreensão judicial de bens do devedor, destinada a garantir o pagamento da dívida. Os bens são retirados da posse do executado para garantir a execução da dívida. Se o devedor relutar em apresentar bens à penhora, esta será feita compulsoriamente. Mas a penhora somente pode incidir sobre bens penhoráveis, sendo inválida a feita sobre aqueles impenhoráveis. Efetuada a penhora dos bens, nos termos do competente mandado judicial, será lavrado o auto respectivo, nomeando-se depositário dos bens penhorados, o qual poderá ser o próprio executado. Se este, dolosamente, desfizer-se de algum bem penhorado, estará sujeito à prisão, caracterizando o seu estado de depositário infiel. A penhora deve ser convenientemente inscrita, para ter validade contra terceiros”.20 Ainda, conforme De Plácido e Silva, em sua obra de VOCABULÁRIO JURÍDICO: 18 LIEBMAN, Enrico Túlio. Processo de execução.4.ed. São Paulo: Saraiva, 1946, n. 56, p. 95. FREDERICO MARQUES, José. Instituições de Direito Processual Civil, vol. V, 3.ed, Rio de Janeiro: Forense, 1971, p. 98. 19 15 “PENHORA. Derivado de penhorar (apreender ou tomar judicialmente), no sentido jurídico significa o ato judicial, pelo qual se apreendem ou se tomam os bens do devedor, para que neles se cumpra o pagamento da dívida ou da obrigação executada. Assim, penhor e penhora claramente se distinguem. O penhor é a garantia dada pelo devedor, espontaneamente ou por imposição legal. A penhora é a apreensão de bens, dados ou não em garantia para que por eles se cobre o credor do que lhe é devido pelo executado. Pela penhora, os bens são tirados do poder ou da posse do devedor, para servirem de garantia à execução. A penhora é ato sempre determinado pelo juiz, em vista da liquidez do crédito posto em execução. Os bens do credor podem ser penhorados por sua designação (nomeação) ou compulsoriamente, quando não faz, no devido tempo a nomeação que lhe é facultada. Neste caso, a penhora se diz compulsória..E, desse modo, é efetivada sem qualquer intervenção do devedor executado, em tantos bens que sejam dele, quantos os necessários para perfazerem o valor da execução. A penhora pode recair em quaisquer bens do devedor, respeitada a graduação¸legalmente assentada, isto é, deve ser promovida preferentemente nos bens assinalados em primeiro lugar, na ordem em que são mencionados. Quando a penhora recai sobre bens imóveis, deve dela ser citada a mulher do executado, se casado. A penhora somente se poderá efetivar em bens penhoráveis. A penhorabilidade dos bens é, também, determinada por lei. E, quando impenhoráveis, a execução não os pode atingir, sendo improfícua ou inválida a que se fizer neles. 20 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio, Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva, 12ª Ed. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2004, pág. 1006. 16 Efetivada a penhora, será promovida por oficiais de justiça, autorizados pelo competente mandado judicial, lavrarão estes o competente auto de penhora, no qual, também, se designará o depositário, em poder de quem e sob a superintendência do juiz, ficarão os mesmos bens, até que se ultime a execução.Pode este ser o próprio executado. A penhora pode ser realizada em qualquer dia, mesmo domingo e feriado, se autorizada pelo juiz. A penhora deve ser convenientemente inscrita, para que venha a valer contra terceiros. 21 21 Silva, De Plácido e, VOCABULÁRIO JURÍDICO, 10a. Ed., Rio de Janeiro, Forense, 1987, p.343/344. 17 A penhora, no entendimento de Humberto Theodoro Júnior: “É, em síntese, o primeiro ato executivo e coativo do processo de execução por quantia certa. Com esse ato inicial de expropriação, a responsabilidade patrimonial, que era genérica, até então, sofre um processo de individualização, mediante apreensão física, direta ou indireta, de uma parte determinada e específica do patrimônio do devedor. Diz, outrossim, que a penhora é um ato de afetação porque sua imediata conseqüência, de ordem prática e jurídica , é sujeitar os bens por ela alcançados aos fins da execução, colocando-os à disposição do órgão judicial para, “à custa e mediante sacrifício desses bens, realizar o objetivo da execução”, que é a função pública de “dar satisfação ao c redor”. 22 Importante ainda distinguirmos penhora de penhor. Segundo bem conceitua Elpídio Donizetti Nunes, “penhora é ato executivo que cria direito de preferência. Penhor é direito real de garantia, regulado no direito material. O Constrito na execução denomina-se bem penhorado; já o objeto do penhor denomina-se bem apenhado”.23 Como veremos adiante, em princípio, todos os bens de propriedade do devedor ou dos responsáveis pelo débito podem 22 THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2002, 2v. p. 167/168. 23 NUNES, ELPÍDIO DONIZETTI. Curso Didático de Direito Processual Civil. 5ª Ed. Belo Horizonte. Editora Del Rei, 2004, pág. 395 18 ser penhorados, desde que tenham valor econômico com exceção dos bens absolutamente impenhoráveis e bens relativamente impenhoráveis. Uma vez citado o devedor, pode, no prazo de vinte e quatro horas, pagar o débito ou nomear bens à penhora, observando a ordem estabelecida no artigo 655 do CPC. Havendo pagamento, encerra-se a execução. Não havendo pagamento, e havendo a nomeação, será dado prazo pelo Juiz ao credor manifestar se concorda ou não com o bem nomeado. Concordando o credor, lavrar-se-á o termo de penhora, nos termos do art. 656, § único e 657 do CPC. No caso do credor não concordar, o juiz decidirá de plano, declarando a ineficácia da nomeação, se verificar uma das hipóteses do art. 655 do CPC, passando ao credor o direito de nomear bens para prosseguimento da execução. Na hipótese do devedor não nomear bens, o oficial de justiça, por indicação do credor ou independentemente deste, penhorará tantos bens quanto bastem para garantir o valor da execução. Considera-se feita a penhora, com a apreensão e o depósito do bem. Quando a penhora não recai sobre dinheiro, é necessária, a denominada expropriação. Outra hipótese é quando há adjudicação, ato pelo qual o credor recebe a transferência da propriedade do bem penhorado, mediante alienação (art. 647, II, do CPC). Em outra hipótese, haverá a expropriação, que é composta de avaliação e a arrematação. 19 A avaliação está regida pelos artigos 681 a 685 do CPC, que tem por objetivo verificar se os bens penhorados satisfazem o quantum devido. A arrematação está regida pelo art. 686 do CPC, que tem por objetivo converter os bens penhorados em dinheiro. Poderá ainda o devedor utilizar-se do instituto da remissão da execução, que é o pagamento pelo devedor ao credor dos valores referentes ao débito, antes da arrematação (art. 651). Poderá ainda o conjugue, o descendente ou o ascendente do devedor utilizar-se da remissão dos bens, que é a liberação dos bens alienados ou arrematados, depositando o preço igual ao que foram alienados ou adjudicados (art. 787). O pagamento ao credor se dá pela entrega do dinheiro (direta ou indiretamente), pela adjudicação dos bens penhorados ou pelo usufruto de bem imóvel ou de empresa. 3.1 . DA INTIMAÇÃO DA PENHORA. O artigo 699 do Código de Processo Civil prevê: Art. 669 - Feita a penhora, intimar-se-á o devedor para embargar a execução no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. Recaindo a penhora em bens imóveis, será intimado também o 20 cônjuge do devedor. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 8.953, de 13.12.1994) Verifica-se que o prazo para embargos a execução é de 10 (dez) dias. O prazo do art. 669 começa a fluir da juntada aos autos a prova da intimação da penhora (art. 738, I), sendo que, se na execução existirem diversos executados, o prazo inicia-se da juntada da última intimação da penhora (art. 241, III). A intimação poderá ser realizada pelo oficial de justiça através de mandado, e/ou por edital, existindo decisões que se admite por hora certa. A mais comum sem dúvida seria a por oficial de justiça. Importante mencionar que, caso a penhora recaia sobre bens imóveis, necessário, a intimação do cônjuge. Como citado acima, o Código de Processo Civil contempla tal medida, pois, a teor do art. 669, § único, “recaindo a penhora em bens imóveis, será intimado também o cônjuge do devedor”. Daí, perguntamos: necessário a intimação do companheiro (a) ? Entendemos que sim, já que a Constituição Federal de 1988, estipula que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. 21 Na norma legal faz tal previsão para garantir sua meação sobre o imóvel do casal, sendo excluídos os casos em que provado que ambos os conjugues foram beneficiados com o ato que gerou a penhora. Caso o conjugue não seja intimado, são nulos os atos processuais que foram praticados antes da intimação da penhora. 3.2 . DA EFETIVIDADE DA PENHORA. Instaurado o processo de execução e feita, se necessário, a liquidação, procede-se à penhora dos bens que vão formar o objeto da execução e que podem ser do executado, ou, excepcionalmente de terceiros. A penhora tem por finalidade e consequência dos efeitos: 1- visa individuar e apreender efetivamente os bens que se destinam aos fins da execução, preparando assim o ato futuro de desapropriação; 2- visa também conservar os bens assim individuados na situação em que se encontram, evitando que sejam escondidos, deteriorados ou alienados em prejuízo da execução em curso, garantindo, por consequência, a preferência para o exeqüente. Ambos estes efeitos são conseguidos pela determinação e fixação da responsabilidade executória sobre os bens apreendidos. Esta responsabilidade, que abrange genericamente todos os bens do executado ou dos terceiros secundariamente responsáveis, se concentra e se imprime pela 22 penhora com energia reforçada nos bens apreendidos, para não soltálos mais e levá-los tal como estão ao ato de desapropriação. A penhora escolhe, pois, e destina definitivamente, no patrimônio do responsável, os bens que deverão servir a satisfação do exeqüente. 3- Garantir o Juízo da execução, ou seja, garante e assegura a tutela jurisdicional. A penhora tem, como se vê, em parte, função conservativa. Sua afinidade com o arresto é evidente. Diferencia-se, todavia, dele por ser ato do processo de execução, o que não acontece com o arresto. Por isso, a penhora tem também a função meramente preparatória que se mencionou;tem por fundamento o título executório, cuja execução se está processando, e não tem condições ou pressupostos próprios, que se possam distinguir dos do processo ao qual pertence. O arresto é, ao contrário, ato autônomo com função puramente acautelatória e como tal é objeto de verdadeiro processo acessório; é concedido para tutelar direito ainda incerto; tem seus próprios pressupostos e condições, processuais e substanciais, que o juiz deve verificar caso por caso; e cessa de pleno direito com a terminação do processo principal (arts.807 e 808, III, do CPC). 3.3. NATUREZA JURÍDICA DA PENHORA. São três as correntes , na doutrina, que definem a natureza jurídica da penhora. 23 A primeira corrente; considera a penhora como uma medida cautelar, que no entendimento de Humberto Theodoro Júnior: “...deve ser logo descartada, pois não é a penhora medida que se tome como eventual instrumento de mera segurança ou cautela de interesse em litígio, como especificamente ocorre com as providências cautelares típicas, ad instar do sequestro, do arresto e similares”.24 Com a penhora se dá o primeiro passo na execução, de forma a transferir os bens do devedor, resguardando, sem dúvidas, referidos bens até a expropriação. Ainda, no entendimento de Humberto Theodoro Júnior: “... o fato de que a penhora tenha a função de preservar os bens de subtrações e deteriorações, de modo a fazer possível o posterior desenvolvimento da expropriação, não autoriza a considerar dita penhora como uma absolutamente providência igual aos cautelar, sequestros (conservativos e judiciários ), os quais, por sua vez acionam, através de um processo 24 THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2002, 2v. p.168. 24 funcionalmente autônomo, uma específica medida cautela”. 25 A penhora tem finalidade própria, determinada, não podendo ser considerada como uma medida cautelar. Não há que se falar em natureza mista, executiva e cautelar, devendo ser considerado seu objetivo final, qual seja, a iniciação do procedimento expropriatório. A segunda corrente; considera a penhora como um ato executivo, que tem por finalidade a individualização e preservação dos bens garantidores da execução. No entendimento de Humberto Theodoro Júnior, “Trata-se, em suma, do meio de que vale o Estado para fixar a responsabilidade executiva sobre determinados bens do devedor”.26 A terceira corrente; tem posição intermediária, tratando a penhora como ato executivo com efeitos conservativos. Assim, verifica-se, que a penhora é ponto muito debatido na doutrina o da natureza jurídica da penhora. Para Carnelutti, a penhora produz apenas um “enfraquecimento do direito do devedor” sobre os bens, que se manifesta na limitação de sua faculdade de dispor: a alienação da coisa ainda é possível, mas não a livra da responsabilidade, mesmo depois de entrada no patrimônio de terceiro. Daí pouco falta ainda para admitir-se francamente que a penhora não afeta de modo absoluto as relações de direito material existentes; não produz nem perda nem enfraquecimento da faculdade do executado de 25 Op. Cit., pág.168. 25 dispor de seus bens, nem qualquer espécie de direito do exeqüente sobre os bens penhorados. A penhora é ato pelo qual o órgão judiciário submete a seu poder imediato determinados bens do executado, fixando sobre eles a destinação de servirem à satisfação do direito do exeqüente. Tem, pois natureza de ato executório. Quer realizado excepcionalmente pelo juiz em forma de despacho, quer pelo oficial de justiça, que escolhe os bens seguindo a ordem estabelecida em lei e os declara penhorados ou recebe as declarações do executado quando este fizer nomeação dos bens, não muda a natureza de ato e não mudam seus efeitos. O ato de penhora produz o efeito de modificar a situação jurídica do bem penhorado; às vezes é acompanhado por atos materiais que se destinam a assegurar a consecução dos efeitos do ato, tirando o bem da disponibilidade do executado e entregando-o ao depositário, o que serve também a manifestar exteriormente, para garantia de terceiros, as modificações ocorridas. Este último fim atingese também pela inscrição do auto de penhora de imóveis no registro imobiliário. 3.4. FUNÇÃO DA PENHORA Nos termos dos artigos 664 e 665 do Código de Processo Civil, a penhora tem a função de individualização, apreensão e depósito dos bens do executado, ficando estes à disposição judicial, tornando-os indisponíveis ao executado e sujeitando-os à expropriação. 26 Op.Cit., pág. 168 26 Tem o executado a faculdade de oferecer os bens para a garantia da execução, desde que obedecidos os requisitos legais dos artigos 655 e 656 do CPC. Com a individualização dos bens, ocorre o ato de apreensão pelo órgão executivo, e a entrega dos mesmos ao depositário, que assume encargo público, ficando responsável pela sua guará e conservação. Com o depósito dos bens, estes ficam indisponíveis perante o devedor e terceiros. A penhora, desta forma, possui as funções de individualização e apreensão efetiva dos bens destinados ao fim da execução; a conservações dos mesmos; cria para o exeqüente, preferência, sem prejuízo das prelações de direito material, estabelecidas anteriormente. 3.5. EFEITOS DA PENHORA PROPRIAMENTE DITOS. Para o Ilustre doutrinador Elpídio Donizetti Nunes, existem efeitos processuais da penhora e os efeitos materiais: “São efeitos processuais da penhora: a) individualizar o bem ou bens que vão ser destinados à satisfação do crédito (...) b) garantir o juízo da execução (...) c) cria preferência para o exeqüente (...) Quanto aos efeitos materiais da penhora, são os seguintes: a) priva o devedor da posse direta (...) 27 b) induz a ineficácia das alienações (...)”.27 O efeito da penhora é, pois, meramente processual e consiste em imprimir a responsabilidade na coisa apreendida de forma tal que a coisa continua sujeita à execução, quaisquer que sejam os atos realizados pelo executado a seu respeito: em outras palavras a alienação total ou parcial do bem (ou a constituição do direito de garantia sobre o mesmo) não pode ser oposta ao exeqüente e não pode impedir o prosseguimento da execução, permanecendo a sujeição daquele bem ao poder executório do órgão público, qualquer que seja o direito adquirido por terceiro sobre o mesmo. A penhora impõe, pois sobre a coisa um vínculo de caráter processual que sem, afetar os direitos do executado, sujeita a mesma ao poder sancionatório do Estado para servir a satisfação do exeqüente; vínculo que permanece invariado quaisquer que sejam as modificações que possam ocorrer na condição: jurídica da coisa. O direito do executado sobre ela coexiste, intacto em sua essência, com o vínculo público processual que o ato de penhora impôs sobre a mesma, qualquer forma de exercício daquele direito é permitido, enquanto praticamente possível, mas não altera este vínculo. Se a execução por qualquer motivo for desfeita, o terceiro que adquiriu eventualmente algum direito sobre os bens penhorados poderá pretender satisfazê-lo, mas, enquanto a 27 Op. Cit., pág. 399. 28 execução continuar, nada poderá fazer que prejudique o exeqüente ou outros credores concorrentes. Esta também é a significação da penhora também no direito brasileiro. É verdade que as disposições legais nele existentes; tornam inoponíveis os atos de alienação feitos em fraude de execução; vinculando os bens do executado de modo muito semelhante ao que decorre da penhora, e isso já muito antes de esta ser praticada. IV – GRADAÇÃO LEGAL DA NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA A penhora poderá fazer-se onde quer que se achem os bens; os oficiais encarregados da diligência deverão ir ao lugar e fazer com que recaia a penhora em tantos bens quantos bastem para 29 assegurar a execução, inclusive as custas, dando preferência aos bens livres e observando a gradação estabelecida em lei. O Código de Processo Civil vigente adota a execução por graus ou por ordem, onde o credor deve a seguir a ordem legal estabelecida pelo artigo 655 abaixo transcrito: “Art. 655. Incumbe ao devedor, ao fazer a nomeação de bens, observar a seguinte ordem: I – dinheiro; II – pedras e metais preciosos; III – títulos da dívida pública da União ou dos Estados; IV – títulos de crédito, que tenham cotação em bolsa; V – móveis; VI – veículos; VII – semoventes; VIII – imóveis; IX – navios e aeronaves; X – direitos e ações. § 1.º Incumbe também ao devedor: I – quanto aos bens imóveis, indicar-lhes aceitá-los as e transações mencionar aquisitivas, as divisas e confrontações; II – quanto aos móveis, particularizar-lhes o estado e o lugar em que se encontram; 30 III – quanto aos semoventes, especificá-los, indicando o número de cabeças e o imóvel em que se acham; IV identificar – o quanto devedor aos créditos, e aceitá-lo, descrevendo a origem da dívida, o título que a representa e a data do vencimento; V – atribuir valor aos bens nomeados à penhora. § 2.º Na execução de crédito pignoratício, anticrético ou hipotecário, a penhora, independentemente de nomeação, recairá sobre a coisa dada em garantia”. A gradação é estabelecida para facilitar o melhor andamento da execução, dando preferência aos bens que se podem mais facilmente alienar, e com melhores resultados. Confira-se o entendimento jurisprudencial: “Bens com expressão econômica. O ato constritivo há de recair em bens com expressão econômica que possam cumprir os objetivos do processo executório, quais sejam a conversão em dinheiro pela hasta pública e o pagamento ao credor. Indispensável demonstrasse a executada pudessem tais bens ser passíveis de conversão em moeda nacional em montante suficiente para garantir e, ao final, satisfazer a execução. (2.º TACivSP, 2.ª Câm., Ag 31 643989, rel. Juiz Norival Oliva, v.u., j. 31.7.2000) ”28. “Bens em quantidade bastante para garantir a execução. apreensão dinheiro, A penhora judicial de direitos, consiste bens, entre outros na valores, bens, pertencentes ao devedor e executado em quantidade bastante para garantir a execução. Por isso deve atrelar-se às regras de procedibilidade com a observância da conveniência e da utilidade dos bens penhorados para atender à pretensão do credor (2.º TACivSP, 10.ª Câm., Ag 738769-0/9, rel. Juiz Irineu Pedrotti, v.u., j. 8.5.2002)”29. A escala atende, em ordem decrescente, a mais fácil satisfação do exeqüente e do executado, para que se conclua, o mais depressa possível, a execução. No entanto, a jurisprudência tem-se inclinado no sentido de que “a gradação legal estabelecida para efetivação da penhora não tem caráter rígido, podendo, pois, ser alterada por força de circunstâncias e atendidas as peculiaridades de cada caso concreto”.30 A penhora deverá consistir na apreensão e depósito dos bens. O auto de penhora conterá a indicação do tempo e do 28 NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.1020. 29 Ob.Cit., p. 1020. 30 STJ, ac. de 07.05.90, 2ª T, no RMS n.º 47-SP, Rel Min. Carlos M. Veloso, in Lex – JSTJ, 14/103. 32 lugar em que foi feita, os nomes das partes e a descrição dos bens penhorados. Realizada a diligência, será intimado o executado (e sua mulher, se forem penhorados bens imóveis), para que tenha legalmente ciência do ocorrido e possa aceitá-la no prazo previsto. Esta intimação é necessária, qualquer que seja a forma com que se procedeu à penhora, inclusive a nomeação de bens, uma vez que “o executado tem direito líquido e certo em que seja respeitada a preferência específica dos bens que devem ser penhorados ou arrestados”.31 A penhora há de ser feita de preferência em dinheiro, pedras e metais preciosos, porque são bens transeuntes, excetuados os anéis nupciais; mas temos de atender a que o dinheiro está em primeiro lugar. Se a dívida é em moeda estrangeira e o devedor a tem, cabe-lhe nomear tal moeda. Se for em moeda nacional, só se há de nomear moeda estrangeira se o que o devedor tem em moeda nacional não basta. Se a dívida é numa espécie de moeda e a que o devedor tem não basta, então, o restante, é que pode ser nomeado em outra moeda. Com relação às pedras e metais preciosos, se o devedor irá nomeá-las, a escolha lhe cabe. Se o direito de nomeação passou ao credor, ele é que indica as pedras e os metais preciosos. O que importa é que o credor, se está com o direito de nomear, não escolha o que excede o crédito, podendo escolher o que baste à execução: “Bens suficientes à satisfação do crédito. É pressuposto de eficácia da nomeação à penhora que o bem indicado seja suficiente à 31 RT 683/106. 33 satisfação do crédito. Faltando esse pressuposto, o credor não é obrigado a aceitá-lo (2.º TACivSP, 10.ª Câm., Ag 654109-0/0, rel. Juiz Nestor Duarte, v.u., j. 20.9.2000)”32. Os títulos da dívida pública e os papéis de crédito que tenham cotação na bolsa, além da circulabilidade, apresentam elementos de imediato conhecimento dos seus valores, que os põem à frente de quaisquer outros títulos de crédito: “Título da dívida pública. Ineficácia da nomeação. É ineficaz a nomeação à penhora de títulos que não têm cotação no mercado, sendo, portanto, inegociáveis (2.º TACivSP, 10.ª Câm., Ag 666541-0/0, rel. Juiz Gomes Varjão, v.u., j. 7.2.2001)”33. Por fim, o artigo 656 do Código de Processo Civil acrescenta à questão da gradação legal algumas restrições, que podem invalidar a nomeação de bens à penhora feita pelo devedor. Assim, ocorrerá a ineficácia da nomeação, quando: “(...) I – se não obedecer à ordem legal; II – se não versar sobre os bens designados em lei, contrato ou ato judicial para o pagamento; 32 NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.1020 34 III – se, havendo bens no foro da execução, outros hajam sido nomeados; IV – se o devedor, tendo bens livres e desembargados, nomear outros que não o sejam; V – se os bens nomeados forem insuficientes para garantir a execução; VI – se o devedor não indicar o valor dos bens, ou omitir qualquer das indicações a que se referem os incisos I a IV, do § 1º, do art. 655.” Todas essas restrições elencadas no artigo 656 do CPC, no entanto, atuam somente no pressuposto da existência de outros bens do devedor que possam escapar de seu alcance. Assim, se, por exemplo, o devedor só possuir bens fora da comarca ou só onerados, a nomeação que incidir sobre eles será plenamente eficaz e, naturalmente, não poderá ser rejeitada pelo credor. V – DA IMPENHORABILIDADE E RELATIVIDADE DA PENHORA DE BENS. Como já dissemos, de regra, todos os bens podem ser penhorados. 33 Ob. Cit., p. 1021. 35 Porém, a norma legal determina que alguns bens são absolutamente impenhoráveis, que não podem, em hipótese alguma, serem penhorados e outros relativamente impenhoráveis, hipótese que podem ser penhorados, no caso em que inexistam outros bens passíveis de constrição. Segundo o art. 649 do CPC: “Art. 649 - São absolutamente impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; II - as provisões de alimento e de combustível, necessárias à manutenção do devedor e de sua família durante 1 (um) mês; III - o anel nupcial e os retratos de família; IV - os vencimentos dos magistrados, dos professores e dos funcionários públicos, o soldo e os salários, salvo para pagamento de prestação alimentícia; Vide Jurisprudência Selecionada V - os equipamentos dos militares; VI - os livros, as máquinas, os utensílios e os instrumentos, necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; Vide Jurisprudência Selecionada VII - as pensões, as tenças ou os montepios, percebidos dos cofres públicos, ou de institutos de previdência, bem como os provenientes de liberalidade de terceiro, 36 quando destinados ao sustento do devedor ou da sua família; VIII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se estas forem penhoradas; IX - o seguro de vida; X - o imóvel rural, até um módulo, desde que este seja o único de que disponha o devedor, ressalvada a hipoteca para fins de financiamento acrescentado agropecuário. pela Lei nº (Inciso 7.513, de 09.07.1986)”. Na forma da Lei n.° 8009/90 também o imóvel residencial destinado à família, conhecido como “bem de família”, desde que nela resida, é absolutamente impenhorável, salvo por dívida de IPTU, conforme previsto em Lei. O artigo 655, elenca os bens relativamente impenhoráveis: “Art. 650 - Podem ser penhorados, à falta de outros bens: I - os frutos e os rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados a alimentos de incapazes, bem como de mulher viúva, solteira, desquitada, ou de pessoas idosas; II - as imagens e os objetos do culto religioso, sendo de grande valor.”. 37 Percebe-se que a norma legal é bem clara, não havendo maiores divergências neste aspecto. VI – OBJETO DA PENHORA. Constitui objeto da penhora, bens legalmente penhoráveis do patrimônio do devedor, haja vista que serão sobre eles que incidirão e responderão a responsabilidade executória. 38 O objeto da penhora é amplo, posto que, exceto os bens impenhoráveis, em regra, como já mencionado, todos os demais são penhoráveis (art. 591, CPC). 6.1. DA PENHORA DO CAPITAL DE GIRO DA EMPRESA. A penhora do capital de giro de uma empresa, traz à discussão, um dos importantes temas do ordenamento jurídico. È uma medida drástica, para possibilitar o andamento da execução e possível entrega da prestação jurisdicional. Em decorrência da difícil situação que assola o país, onde os empresários a cada dia são surpreendidos por impostos e mais impostos, tornando a sobrevivência da empresa impossível, culminando em pedido de falência; a penhora de capital de giro vai significar a morte certa desta. A penhora do capital de giro de uma empresa; culmina no atraso do pagamento de salários, que na esfera social, é o mais grave. Na esfera comercial, impossibilita que a empresa adquira os produtos mínimos e indispensáveis para a continuidade do negócio. O art. 620 do CPC prevê que a execução deva ser promovida pelo modo menos gravoso ao Executado; pedimos vênia para transcrever: 39 “Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”. A penhora de capital de giro da empresa, a teor do artigo 620 do CPC, é uma afronta ao citado dispositivo legal. Deve a Justiça verificar cada caso, tanto juridicamente, como sócio-economicamente, de forma a evitar maiores transtornos, não só processuais como sociais, de forma a evitar a ruína do empresário e conseqüentemente dos empregados, dele dependentes. A penhora do capital de giro da Agravante, equipara-se à penhora de “bem de família”. A Execução é direito do credor, para que se satisfaça a obrigação assumida pelo devedor, porém, este não pode ser sacrificado, principalmente quando houver outros meios viáveis para a satisfação do crédito do Exeqüente. O indivíduo que sofre uma execução encontrase geralmente com o seu patrimônio abalado, não podendo, o processo de execução agravar a sua situação financeira. Desta forma, em havendo vários meios para que se processe a execução; esta será efetuada pelo meio menos gravoso ao Exeqüente, nos termos do art. 620 do CPC. 40 A não observância do preceito invocado acarretará sanções ao credor, respondendo pela onerosidade das custas processuais que der causa. Na execução, o que se pretende é a satisfação do crédito do Exeqüente, porém, sem deixar de se observar a forma de execução, que deverá ser processada com o menor sacrifício possível do executado. Esse é o Entendimento do Professor Humberto Theodoro Júnior: “A IMPOSSIBILIDADE DA PENHORA DO CAPITAL DE GIRO. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR Professor Titular da Faculdade de Direito da UFMG. Desembargador aposentado do TJ-MG. Doutor em Direito. Advogado SUMÁRIO: 1. A execução forçada e o princípio da economia. 2. A origem e justificativa da regra contida no art. 620 do CPC. 3. A aplicação do art. 620 do CPC à penhora. 4. A gradação da penhora no caso de execução. 5. A impossibilidade da penhora do capital de giro. 1. A EXECUÇÃO FORÇADA E O PRINCÍPIO DA ECONOMIA Conforme já ressaltamos em sede de doutrina, "o ordenamento jurídico compõese de uma verdadeira coleção de regras dos mais variados matizes. Mas quando se encara um subconjunto dessas normas, destinado a regular um grupo orgânico de fatos conexos, descobrem-se certos pressupostos que inspiraram o legislador a seguir um rumo geral. Encontram-se, dessa maneira, certas nos textos, mas 41 inquestionavelmente presentes no conjunto harmônico das disposições. Esse norte visado pelo legislador representa os princípios informativos, cuja inteligência é de inquestionável importância para a compreensão do sistema e, principalmente, para interpretação do sentido particular de cada norma, que haverá de ser buscado sempre de forma a harmonizá-lo com os vetores correspondentes à inspiração maior e final do instituto jurídico-normativo" (Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, 19ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, vol. II, nº 633, p. 11). No estudo da moderna disciplina do processo de execução, costuma-se detectar a presença de vários princípios, todos com nítida influência sobre o Código de Processo Civil. Dentre eles, aponta-se como presente no ordenamento jurídico brasileiro o denominado "princípio da economia", assim enunciado: "Toda execução deve ser econômica, isto é, deve realizar-se da forma que, satisfazendo o direito do credor, seja a menos prejudicial possível ao devedor" (Cláudio Viana de Lima, Processo de Execução, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1973, nº 5, p. 25; Humberto Theodoro Júnior, ob. cit., nº 637, p. 13). No texto do Código, o princípio em análise encontra-se traduzido no teor do art. 620, in verbis: "Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor". Conjuga-se tal princípio com outros, como o da "utilidade", o da "limitação" e o da "dignidade humana", de modo que toda execução tem por finalidade apenas a satisfação do direito do credor, não devendo atingir senão uma parcela do patrimônio do devedor, ou seja, apenas o indispensável para a realização do crédito exeqüendo. Só se admite, outrossim, a execução que seja "útil ao credor", não sendo tolerável o seu emprego para "simples castigo ou sacrifício 42 do devedor". E, ainda, não se tolera que o direito de executar possa ser manejado de tal maneira a levar o executado "a uma situação incompatível com a dignidade humana" (Lopes da Costa, Direito Processual Civil Brasileiro, 2ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1959, nºs 49, 50 e 53, pp. 53, 54 e 55). 2. A ORIGEM E JUSTIFICATIVA DA REGRA CONTIDA NO ART. 620 DO CPC Anota Alcides de Mendonça Lima que, "historicamente, a execução evoluiu dos atos contra a pessoa do devedor para o seu patrimônio. A prisão do devedor e, até, o seu esquartejamento cederam lugar a providências contra seus bens. Gradativamente, à medida que as instituições processuais progrediam, menos drásticos se tornavam os meios executivos, tanto os de coação como os de sub-rogação" (Comentários ao Código de Processo Civil, 6ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1990, vol. VI, nº 1.500, p. 601). Explica o mesmo processualista que, modernamente, "ainda que a execução seja realizada como resultado do exercício de um direito do credor, para satisfazer à obrigação assumida pelo devedor, nem por isso o sujeito passivo deve ser inutilmente sacrificado, quando, por outro modo que não o usado pelo sujeito ativo, seja atingido o mesmo objetivo quanto à solvência da prestação. O interesse social e a finalidade ética do processo exigem, sem dúvida, que a dívida (em acepção ampla) seja totalmente adimplida. Mas nem assim o credor tem o direito de agravar a situação do devedor, no curso da execução, escolhendo meio mais oneroso do que outro que possa alcançar o mesmo alvo, quer por ignorância como, geralmente, por má-fé, com a intenção preconcebida de lesar o devedor" (ob. cit., nº 1.500, pp. 601-602). Esse dado ético e social do princípio instalado no art. 620 do CPC é muito bem destacado por Amílcar de Castro, in verbis: 43 "E se a finalidade do processo executivo é esta de obter o Poder Judiciário, à custa do executado, o bem devido ao exeqüente, é intuitivo que, quando por vários meios executivos puder executar a sentença, isto é, quando por vários modos puder conseguir para o exeqüente o bem que lhe for devido, o juiz deve mandar que a execução se faça pelo menos dispendioso. Todos os meios executivos são onerosos para o executado, mas não seria justo e seria inútil que se preferisse um meio mais custoso, quando por outro menos pesado pudesse o exeqüente conseguir o mesmo resultado prático. É um elevado principio de justiça e eqüidade, informativo do processo das execuções, este que o Estado deve, quanto possível, reintegrar o direito do exeqüente com o mínimo de despesa, de incômodo e de sacrifício do executado. Jus est ars boni et aequi, isto é, a sistematização do que é conveniente e útil" (Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo, Ed. RT, 1974, vol. VIII, nº 213, p. 150). Assim, conclui Ernane Fidelis dos Santos que "é princípio do processo executório que a execução se faça sempre pelo modo menos gravoso ao devedor (art. 620)". Por isso, deve ser sempre aplicado, "quando, sem prejuízo material e processual do credor, a execução puder atingir seus fins" (Manual de Direito Processual Civil, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, vol. II, nº 1.124, p. 88). É bom lembrar que a regra em apreciação não é novidade em nosso processo civil. Já estava presente no art. 903 do antigo Código de 1939, quando era interpretada como fundada no princípio do favor debitoris, segundo o qual se concedia ao sujeito passivo um benefício especial "para evitar o agravamento que, normalmente, a execução já lhe causa" (Mendonça Lima, ob. cit., nº 1.501, p. 602). Comentando o velho diploma processual, José Frederico Marques considerava o 44 benefício legal como inspirado "em elevado princípio de justiça e eqüidade" (Instituições de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro, 1960, vol. V, nº 1.143, p. 139), tal como também o fazia Amilcar de Castro (Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1941, vol. X, p. 104). De outro lado, o tom do enunciado do art. 620 do vigente CPC – "o juiz mandará" – não deixa dúvida sobre tratar-se de norma cogente, e não de simples faculdade judicial. Dessa maneira, "se o credor infringir qualquer dos dispositivos que garantem ao devedor uma execução mais suave ou se o devedor usar da prerrogativa assegurada em seu benefício, o juiz, na primeira hipótese, não deverá permitir a iniciativa, mandando "que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor"; e na segunda, autorizar o pedido do devedor. O dispositivo confere poderes amplos ao juiz, que deverá agir de ofício (não é poderá mandar e sim mandará). Claro está que, podendo o mais (agir por iniciativa própria), o juiz poderá o menos, isto é, indeferir postulações do credor, se entender que a sua efetivação seja gravosa para o devedor. O poder de indeferir está implícito na atividade em defesa do devedor, ainda que o Código não o diga, como igualmente o anterior não mencionava" (Mendonça Lima, ob. cit., nº 1.509, p. 604). Segundo a experiência de vida, quem sofre uma execução já se encontra, de ordinário, em dificuldades na gestão de seu patrimônio; por isso, não quer a lei que o processo executivo seja motivo de agravamento desnecessário do quadro de adversidades por que passa o devedor. "Forçá-lo, então, a cumprir suas obrigações, ou a saldar o débito, não significa penalizálo" – adverte Sahione Fadel (Código de Processo Civil Comentado, Rio de Janeiro, Ed. Kofino, 1974, t. III, p. 302). Daí a regra codificada de que: 45 "Se houver vários meios através dos quais a execução possa ser promovida, deverá (não poderá, porque é dever e não faculdade) o juiz determinar que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor" (ob. cit., p. 303). O fundamento da norma traduzida no art. 620 do Código de Processo Civil, como ensina o comentarista invocado, "é de ordem pública, de forma que a não observância acarreta sanções para o credor, que responderá pelas custas da onerosidade a que deu causa". Por isso mesmo, conclui, com inteiro acerto, que: "Embora compita ao credor escolher o meio para a execução (art. 615, I), pode o executado, demonstrando as conveniências de, por outro modo, satisfazer a obrigação, pleitear do juiz que a execução se processe de acordo com a preservação de seus interesses, no que isso respeita com os ônus que decorrem da actio judicati. O importante é, em todos os casos, que, qualquer que seja o meio empregado, haja a obtenção do fim pretendido pelo exeqüente, que é a sua reparação, e o menor sacrifício possível para o executado" – grifamos – (Fadel, ob. e loc. cits.). Em suma: o processamento da execução pelo meio menos gravoso, no ordenamento jurídico brasileiro, não entra no campo das faculdades do juiz. Diante do caráter imperativo da regra contida no art. 620, cabe ao devedor o "direito de pretender que seja o processo conduzido nesse sentido", isto é, no sentido da menor onerosidade possível para o executado (José Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, São Paulo, Ed. Saraiva, 1976, vol. IV, nº 801, p. 87). Em se tratando, pois, de um direito subjetivo do executado, conclui Pontes de Miranda que: 46 "Na aplicação do art. 620, o juiz não tem arbítrio, mas sim dever de escolher o modo menos gravoso para o devedor" (Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1976, t. X, p. 43). O credor, por sua vez, não tem escolha entre o meio mais gravoso e o menos gravoso para o devedor. Somente pode, validamente, pleitear aquele meio, entre os vários possíveis, que onere menos o executado. Os outros tornam-se ilegais. E, "se a escolha foi contra a lei..., tem o juiz de indeferir o pedido" (Pontes de Miranda, ob. e loc. cits.). 3. A APLICAÇÃO DO ART. 620 DO CPC À PENHORA Principalmente na execução por quantia certa é de fazer-se aplicar a norma do art. 620 do CPC, tornando-se, então, fácil compreender o espírito tutelar do legislador processual, sempre preocupado em resguardar o devedor de vexames e sacrifícios desnecessários. Essa orientação, v.g., pode ser entrevista quando a lei estabelece a impenhorabilidade de certos bens, quando se veda a penhora inútil ou excessiva, quando se concede ao devedor o direito de escolher os bens a penhorar etc. (Cf. Humberto Theodoro Júnior, ob. cit., nº 776, p. 148). Os diversos exemplos de casos sujeitos à regra do art. 620 arrolados por Pontes de Miranda são quase todos relacionados com a penhora, no tocante, à escolha do bem, sua utilidade ou inutilidade, sua substituição, sua redução etc. (ob. cit., p. 41). Também para Frederico Marques é, principalmente, no procedimento da penhora, que se localiza a oportunidade para exercitar "o direito subjetivo do devedor" à execução pelo "modo menos gravoso". Dos dez exemplos arrolados pelo 47 autor, sete são relacionados com a execução por quantia certa, envolvendo, principalmente, os bens penhorados. Dessa maneira, conclui que, no exercício do direito emanado do art. 620 do CPC, "de modo geral, o devedor, acompanhando como parte, o desenrolar da execução, direito tem de impugnar atos de apreensão, ou atos expropriatórios que sejam supérfluos, prescindíveis, ou que lhe causem prejuízo indevido" (ob. cit., nº 801, p. 88). 4. A GRADAÇÃO DA PENHORA NO CASO DE EXECUÇÃO CONTRA EMPRESA Para que o executado faça a escolha do bem que deseja sofra a penhora, o Código lhe traça, no art. 655, uma escala de preferência, com dez itens, que começa pelo dinheiro e vai terminar nos direitos e ações. Em princípio, a observância da gradação legal é condição de validade da nomeação. Mas, justamente, para harmonizar o art. 655 com a regra cogente do art. 620, ou seja, com a necessidade de realizar a execução pelo modo menos gravoso para o devedor, doutrina e jurisprudência têm entendido que "a gradação legal estabelecida para efetivação da penhora não tem caráter rígido, podendo, pois, ser alterada por força de circunstâncias e atendidas as peculiaridades de cada caso concreto, bem como o interesse das partes litigantes" (Humberto Theodoro Júnior, Curso, cit., nº 819, p. 202; TJ-MG, MS 1.252, Jur. Min., 44/60; STJ, RMS nº 47-SP, Lex JSTJ, 14/103; TA-RS, AI nº 16.993, RF 266/241, e AI nº 191047091, RTJE, 93/126; TJ-BA, ac. 3.3.83, in Alexandre de Paula, O Processo Civil à Luz da Jurisprudência, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1990, vol. XVI, nº 32.254, p. 347). No mesmo rumo, aduz a doutrina de Vicente Greco Filho que a ordem de nomeação de bens à penhora não é absoluta, pois, mesmo quando infringida pelo devedor, o credor para discordar da escolha 48 e, assim, obter a decretação de sua ineficácia, terá de demonstrar "que a violação da ordem legal" causou algum prejuízo ou veio a "dificultar em especial a execução". É que, "se o credor não tiver prejuízo com a nomeação, é preciso, também, atender-se à comodidade do devedor, segundo o princípio já várias vezes repetido de que a execução, quando possível, deve ser feita da maneira menos onerosa para este último" (Direito Processual Civil Brasileiro, 11ª ed., São Paulo, Ed. Saraiva, 1996, vol. III, nº 12, p. 74. No mesmo sentido: Luiz Carlos de Azevedo, Da Penhora, São Paulo, Ed. Resenha Tributária, 1994, p. 189; Antônio Carlos Costa e Silva, Tratado do Processo de Execução, 2ª ed., Rio de Janeiro, Aide, Ed., 1986, vol. II, nº 107.2, p. 850). O STJ já teve oportunidade de proclamar expressamente que o preceito sobre gradação dos bens sujeitos à penhora é "norma que há de ser interpretada em consonância com o princípio geral que se acha consagrado no art. 620 do CPC" (STJ, RMS nº 28-SP, 2ª T., Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 25.6.90). Com base, justamente, nessa prevalência do princípio da menor onerosidade sobre o da gradação legal da penhora, o 2º TA Civ. de São Paulo recusou fosse penhorada uma "percentagem da receita do estabelecimento comercial", ao argumento de que: "Na efetivação da penhora incumbe ao magistrado aferir as circunstâncias de cada caso concreto, e decidir com cautela e reflexão, mormente porque as normas instrumentais não possuem caráter absoluto, a ponto de afetarem a sobrevivência de uma firma ou o normal desenvolvimento produtivo do patrimônio do devedor" (AI nº 438.283, 1ª Câm., Rel. Juiz Renato Sartorelli, ac. 18.9.95, in JUIS-Saraiva, nº 5, 3º trimestre/96). 49 Assim, embora o dinheiro ocupe o primeiro lugar na escala de preferências para a penhora, não se tolera sua constrição quando esteja ele representando o capital de giro da empresa devedora e disponha essa de outros bens livres capazes de assegurar o juízo, adequadamente. A explicação está em que a empresa não é uma figura estática de um simples patrimônio. É um organismo vivo, cuja preservação interessa a toda a sociedade e não apenas a seus associados, pela reconhecida função social que desempenha na circulação da riqueza e na produção de bens e serviços úteis e necessários à vida comunitária. Como todo ser vivo, a empresa constitui-se de um complexo organismo que precisa ser convenientemente alimentado. Os animais e as plantas captam, no ar e nos alimentos naturais, os nutrientes que se incorporam à circulação sangüínea e à seiva e, assim, conseguem manter em funcionamento todos os seus órgãos vitais. Fenômeno igual passa-se com a empresa, que só consegue sobreviver se for convenientemente nutrida do indispensável capital de giro. É com ele que forma seus estoques de matérias primas e o numerário de custeio da mão de obra (J. Petrelli Gastaldi, Elementos de Economia Política, 15ª ed., São Paulo, Ed. Saraiva, 1992, nº 62, p. 128). Sem ele não funciona o organismo da empresa e sua degeneração é imediata e inevitável. Privar, então, uma empresa de seu capital de giro equivale a suprimir-lhe o elemento que lhe assegura a vida. É o mesmo que condená-la à inanição e, conseqüentemente, à morte. Por isso, a jurisprudência repele a possibilidade de a penhora de dinheiro ser utilizada para atingir o faturamento periódico da empresa devedora. Embora lícita, em princípio, a penhora de dinheiro, in casu, não se pode admiti-la "porquanto não tem o juízo meios de aquilatar os 50 efeitos da penhora pretendida sobre o fluxo financeiro da executada" (STJ, 2ª T., R.esp. 36.870-7-SP, Rel. Min. Hélio Mosimann, ac. 15.9.93, RSTJ, 56/339). Para que o faturamento da empresa fosse alcançado pela penhora, teria esta, segundo o acórdão do STJ, de incidir sobre toda a empresa, para, aí sim, submetê-la a um administrador judicial, que organizaria um plano de administração, no qual se estabeleceria o esquema de pagamento compatível com a gestão empresarial em globo, tudo conforme disciplinam os arts. 719, 720 e 728, do CPC (RSTJ, 56/340). Penhorar singelamente o faturamento periódico da empresa é medida inaceitável, porque, como decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, "implicaria ostensiva restrição ao exercício das atividades comerciais da executada, podendo inclusive conduzi-la ao estado de insolvência" (AI nº 170.751-2, Rel. Des. Telles Correa, ac. 18.3.91, JUIS-Saraiva, 5). Segundo decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, "não há como confundir a penhora em dinheiro com a penhora na féria diária de um estabelecimento comercial. Esta tem desatinação certa: atender às necessidades da firma e outras, possivelmente preferenciais ao crédito em execução". Sendo impossível conhecer-se, de plano, o líquido de uma receita, sua penhora torna-se "injusta, ilegal e abusiva" (TJ-GB, Rec. 7.655, Rel. Des. Elmano Cruz, ac. 8.11.72, RT, 451/240). Enfim, é amplamente majoritária, na jurisprudência, a tese de que não se pode penhorar o faturamento periódico de uma empresa porque, sem assumir sua completa administração, a medida isolada "compromete o capital de giro", atingindo, por isso, o próprio estabelecimento (STJ, 1ª T., R. esp. 37.027-2-SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJU, 5.12.94). 51 Assim, na mesma linha, tem decidido o 2º TA Civ. de São Paulo que não se pode penhorar o faturamento de uma empresa porque sua receita periódica "não é equiparável a lucro" e, por conseguinte, sua constrição, para satisfazer o crédito do exeqüente, importa sacrifício do "capital de giro da devedora, com sua compulsória descapitalização" (AI nº 430.952, 7ª Câm., Rel. Juiz Demóstenes Braga, ac. 4.4.95; e AI nº 455.042, 6ª Câm., Rel. Juiz Lagrasta Neto, ac. 28.2.96, JUIS-Saraiva, nº5, 3º trimestre/96). Diversa não é a posição da doutrina, acerca da impenhorabilidade da receita, como bem separado do patrimônio de uma empresa. A propósito, preleciona Sérgio Sahione Fadel: "A gradação legal começa pelo dinheiro, que não pode ser confundido com o produto da retribuição do trabalho, ou a remuneração lato sensu, mas apenas reservas em dinheiro, que o executado possua. Também a receita ou a féria diária da sociedade comercial ou industrial não deve ser suscetível de penhora... A penhora pode recair em dinheiro, mas não na féria diária que é capital de giro" (ob. cit., IV, pp. 21-22). Idêntico é o ensinamento de Arnaldo Marmitt: "A realização da penhora de bens não deve afastar-se de certas regras de procedibilidade. Além dos critérios legais, impende sejam também observados os critérios de conveniência e de utilidade, sempre com o intuito de atingir os melhores patamares de justiça. Considera-se penhora por excelência aquela que recai em dinheiro, que dispensa futura avaliação e alienação judicial. No entanto, embora viável e excelente a constrição em numerário, não se tem aceito penhora feita em féria diária de estabelecimento 52 comercial. Essa féria é reputada capital de giro, necessário para atender às necessidades da firma, ordinariamente preferenciais em relação ao crédito em execução" (A penhora, 2ª ed., Rio de Janeiro, Aide Ed., p. 450). Em suma: doutrina e jurisprudência estão acordes em que não se deve penhorar o capital de giro porque a tanto eqüivale penhorar a própria empresa e porque não se tolera venha a execução, desnecessariamente, atingir a estrutura de sustentação da empresa. Ou seja, "considerando que o estabelecimento ou fundo de comércio é o instrumento da atividade empresarial, não deve ser penhorado se o devedor possuir outros bens necessários para garantir a execução, pois, na prática, sua penhora pode conduzir a empresa à falência" (Antônio Nicácio, A Nova Lei de Execução Fiscal, São Paulo, Ed. Ltr, pp. 240-241). 5. A IMPOSSIBILIDADE DA PENHORA DO CAPITAL DE GIRO Quando se tem uma coisa complexa, isto é, formada pela integração de vários elementos, sendo impossível a eliminação de qualquer um deles, sob pena de perda de substância, diz-se que cada um desses elementos configura parte integrante da coisa. A parte integrante é mais do que o acessório, já que este pode, às vezes, ser destacado da coisa principal, sem que esta perca sua substância, tal como se dá com os frutos e rendimentos. Com relação à coisa composta, as partes que a integram não podem ser destacadas, porque isto desconfiguraria a própria coisa. Caio Mário da Silva Pereira ensina, nessa ordem de idéias, que "as partes integrantes de uma coisa composta são aquelas que se acham em conexão corporal com ela, erigindo-se em complemento da própria coisa, participando de sua natureza" e que por isso 53 devem seguir a sorte desta (Instituição de Direito Civil, 18ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1996, vol. I, nº 75, . 275). Vicente Ráo observa que as partes integrantes são as "que por sua natural conexão com a coisa principal com esta formam um só todo e são desprovidas de existência material própria", e, ainda, as que "a coisa principal por tal modo estão unidas que, dela separadas, esta ficaria incompleta". Entre elas, o civilista inclui "certas partes de um organismo vivo, ou as coisas artificiais como os edifícios em relação ao solo" (O Direito e a Vida dos Direitos, São Paulo, Max Limonad, 1960, vol. II, nº 195; Silvio Rodrigues, Direito Civil, 25ª ed., São Paulo, Ed. Saraiva, 1995, vol. I, p. 133, na nota nº 99). Porque não se pode tratar, juridicamente, a parte integrante como objeto de direito distinto da coisa complexa, o art. 649, nº VIII, do CPC considera absolutamente impenhoráveis "os materiais necessários para obras em andamento". Somente poderão ser constritos se a construção (coisa complexa) for integralmente penhorada. Esse mesmo raciocínio prevalece para o capital de giro no caso da empresa mercantil. Sem este, aquela perde parte substancial de sua complexidade econômica. Logo, para não ser a empresa desnaturada ou destruída, o gravame não pode restringir-se àquela parte integrante do ente complexo que é a empresa economicamente estruturada. Ou o gravame atinge o todo, ou o capital de giro fica imune à penhora, de forma isolada. Pensar-se em penhora apenas do capital de giro seria o mesmo que admitir-se a penhora da casa (parte integrante do terreno edificado) ou do motor ou dos pneus do veículo (partes integrantes do automóvel). É uma imposição natural e lógica: a parte integrante devendo seguir sempre o destino 54 da coisa complexa, não poderá ser atingida por penhora separadamente. Sendo, outrossim, o capital de giro parte essencial da empresa econômica, que, por isso mesmo não pode ser tratado, para efeito de penhora, como uma unidade autônoma dentro do patrimônio da entidade executada, resta conceituar o que se entende, tecnicamente, por semelhante parte integrante. Em termos de administração financeira, o capital de giro consiste no ativo corrente da empresa, que tem como componentes os títulos "caixa", "títulos negociáveis", "valores a receber" e "estoques" (Enciclopédia Saraiva de Direito, verbete "Capital de giro", vol. 13, p. 94). O líquido dessas contas forma, para a ciência contábil, o capital de giro da empresa. No ensinamento de Richard T. Cherry, "o conceito de capital de giro como ativo corrente visa diretamente ao ciclo recorrente da caixa ao estoque, do estoque às contas a receber e de volta à caixa. Na seqüência convencional do fluxo, os recursos financeiros aparecem primeiro como caixa disponível. A caixa é usada para adquirir estoque, o qual é processado e colocado à venda; à medida que o estoque é vendido, os recursos financeiros fluem para contas a receber, para manter o crédito dos clientes, e finalmente volta para a caixa, conforme as contas são cobradas" (Introdução à Administração Financeira, São Paulo, Atlas, 1975, apud Enciclopédia Saraiva de Direito, verbete cit., p. 95). Semelhante é a lição de Dávio A. Prado Zarzana, para quem "o capital de giro é o elemento integrante do patrimônio da empresa ou entidade correspondente, em valor, a parcela do capital aplicada no Ativo Circulante. Tal seria o Capital de Giro Global que está ‘girando’, seguindo o fluxo (disponibilidades - produção - estoques contas a receber- disponibilidades)" 55 (Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 13, verbete "Capital de giro tributário" p. 96). Inviável, destarte, se revela a penhora de "contas a receber" dentro do ativo circulante de uma empresa. Ditas contas são partes integrantes do capital de giro, do qual a entidade não pode ser privada, sem sofrer profundo abalo no fluxo da circulação econômica que a mantém ativa. Atingi-la nesse ponto vital importa decretar-lhe a imediata paralisia. Se não contar com os créditos a receber, como a empresa custeará o funcionamento de suas atividades? Como resgatará os compromissos trabalhistas e tributários? Como alimentará de matéria prima sua linha de produção? A insolvência e a quebra serão o seu fim imediato e irremediável. É bom de ver que o estrangulamento e a extinção das empresas não são o desiderato da sociedade contemporânea nem, muito menos, o objetivo o processo de execução, cujo desenvolvimento, ao contrário, a lei manda subordinar-se ao princípio fundamental da menor onerosidade possível para o executado (CPC, art. 620). Mesmo quando, em casos extremos, se chega a admitir a penhora e o usufruto judicial de toda a empresa, não permite a lei processual, que o credor, ou o juízo, se apodere sumariamente de todo o seu faturamento ou de todo o seu capital de giro. Muito pelo contrário, o que impõe o Código é o estabelecimento de um plano de administração e de um esquema de pagamento, dentro das disponibilidades das receitas e do fluxo econômico da empresa (CPC, arts. 677, 678 e 716 a 720). Sem, portanto, o gravame por inteiro da empresa, impenhorável se mostra o capital de giro, quer como disponibilidade de 56 caixa, quer como título ou créditos a receber da clientela.34 Deixa claro que, embora o dinheiro venha em primeiro lugar na ordem das penhoras, quando este for capital de giro de uma empresa, obviamente, a sua penhora trará à mesma, sérios riscos econômicos, motivo pelo qual, a ordem estabelecida no artigo 655 do CPC pode ser alterada, de forma a possibilitar a manutenção de uma empresa, esta, sempre de interesse à sociedade. 6.2. EXECUÇÃO DE BENS DOS SÓCIOS E DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Entende-se por pessoa jurídica: “PESSOA Unidade JURÍDICA. de pessoas Direito naturais Civil. ou de patrimônios, que visa a consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações”.35 Preceitua o artigo 596 do Código de Processo Civil: “Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade 34 Matéria editada na Revista Forense, sob o título “ A IMPOSSIBILIDADE DA PENHORA DO CAPITAL DE GIRO”, extraída via Internet, www.editoraforense.com.br, em 05/05/2004. 35 DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico, São Paulo: Saraiva, 1998, 3º vol. P. 588. 57 senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade. § 1º Cumpre ao sócio, que alegar o benefício deste artigo, nomear bens da sociedade, sitos na mesma comarca, livres e desembaraçados, quanto bastem para pagar o débito. § 2º Aplica-se aos casos deste artigo o disposto no parágrafo único do artigo anterior. Preceitua o artigo 350 do Código Comercial: “Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados todos os bens sociais”. As pessoas jurídicas adquirem autonomia patrimonial, e seus bens não se confundem com os bens particulares dos sócios, nos termos dos artigos: 350 do Código Comercial e 596 do Código de Processo Civil. Somente será admitida a penhora dos bens particulares dos sócios para garantia das obrigações da pessoa jurídica, se ficar devidamente comprovado que estes se utilizaram a mesma para fins de fraude e ilícitos. Assim, somente se admite a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, se este não mais tiver condições de 58 honrar os seus compromissos, ou seja, não tiver condições de solvabilidade. O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 28, preceitua: "O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração". (g.n.) A Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, por sua vez, insere, no seu bojo, a disregard doctrine, dispondo o art. 4º que: "Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente". Entende Eduardo Viana Pinto: “A desconsideração da personalidade jurídica é uma medida excepcional, que não pode se concedida indiscriminadamente. Assim, porque não localizados bens da sociedade, parte-se pura e simplesmente para no pólo passivo da demanda intentada contra o ente coletivo, as pessoas dos 59 sócios, dos gerentes ou administradores, sem que haja comprovação alguma de que estes agiram com dolo. Astúcia, malícia, abuso de direito, ou que a sociedade foi usada como biombo, para prejudicar terceiros, constituindo-se em uma solução por demais simplista e inaceitável. Nem mesmo existe prova alguma de que tais sócios foram gestores, gerentes ou administradores da sociedade desconsiderada, ou que tiveram qualquer envolvimento ou participação em eventuais atos faltosos ou impróprios. Ou, ainda, que foram responsáveis pela falência, estado de insolvência, concordata ou cessação de atividade provocados por má gestão. A fraude não se presume. Incumbe ao pleiteante a sua cabal demonstração, de maneira séria e responsável. Percalços econômicos- financeiros da empresa – tão comuns na atualidade – não se constituem por si só em comportamento ilícito ou mesmo em desvio de finalidade da entidade societária. E mesmo a quebra ou, ainda, o encerramento ou inatividade do ente social não importa dizer que tais atos se consumaram por procedimento lesivo ou de má gestão de seus agentes administradores. ... Só a prova provada, de forma irrefutável, comprovada à evidência, inconteste da prática de fraude ou abuso de direito, autoriza a aplicação, em caráter excepcional, da desconsideração da personalidade jurídica. Indícios, presunções, dúvidas, suspeitas, interesses econômicos momentâneos e menos graves não bastam, como é curial. Demonstrado apenas o pressuposto, o prejuízo, e incomprovada a existência de um ou mais requisitos para autorizar essa medida extrema (art. 28, CDC), desacolhida resulta a desconsideração. Inexiste, in casu, o nexo de causalidade, indispensável vínculo entre o prejuízo (pressuposto) e a ação fraudatória ou abusiva imputada ao 60 sócio-gerente ou administrador(requisitos)”. (Desconsideração da personalidade Jurídica no novo Código Civil, ED. Síntese, 1ª ed., 2003, p. 21/23).36 Para que se verifique a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, necessário se faz prova cabal do desvio da finalidade da empresa, com o proveito ilícito se seus quotistas. A desconsideração da personalidade jurídica, fere de morte os seguintes artigos: Artigo 6º da LICC, que garante o respeito à coisa julgada; Artigo 265 do Código Civil Brasileiro, por não se caracterizar caso de solidariedade, pois ela não se presume, resulta da lei ou da vontade das partes; Artigo 47 do CPC., por desatender os requisitos do litisconsórcio necessário; Artigo 77, III do CPC., pois, entendendo-se haver solidariedade, deveriam os mesmos ter sido chamados ao processo para responderem solidariamente; Artigo 128 do CPC., quanto aos limites da decisão do juiz, pois deve o juiz decidir a lide nos limites em que foi proposta a ação, e não suscitar questões que exigem a iniciativa da parte; Artigos 460 e 468 do CPC, quanto aos limites da sentença e da coisa julgada; Artigos 471 e 472 do CPC, pois nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, e que a sentença faz coisa julgada às partes; Artigo 568, I do CPC., de que são sujeitos na execução, o devedor, reconhecido como tal no título executivo; Artigos 580 e 583 do CPC, porque a execução foi determinada contra pessoas físicas e jurídicas, sem qualquer título executivos contra as mesmas; Artigo 610 do CPC, por ser defeso, na liquidação, discutir de novo a lide. 36 PINTO, Eduardo Viana, Desconsideração da personalidade Jurídica no novo Código Civil, ED. Síntese, 1ª ed., 2003, p. 21/23 61 6.3. DA PENHORA DE NAVIOS E AERONAVES. Estipula o artigo 679 do CPC: “A penhora sobre navio ou aeronave não obsta a que continue navegando ou operando até a alienação; mas o juiz, ao conceder a autorização para navegar ou operar, não permitirá que saia do porto ou aeroporto antes que o devedor faça o seguro usual contra riscos” José Carlos Baptista Pueli, bem explica referido artigo, dispensando maiores comentários: “I- Penhora de navios e/ou aeronaves: Aqui, em nome da utilidade pública que os serviços de transporte têm, a lei estipula que a penhora de navio ou aeronave não impede que tais bens continuem em atividade. A continuidade, autorização contudo, para somente tal será deferida pelo juiz depois que o executado e/ou responsável comprove nos autos a realização do seguro contra os riscos 37 inerentes à atividade do bem”. 6.4. DA PENHORA DE CRÉDITOS. 37 MARCATO, Antonio Carlos, PUELI, José Carlos Baptista, Código de Processo Civil Interpretado, São Paulo: Ed. Atlas, 2004, pág. 1941. 62 A autorização da penhora de créditos está prevista nos artigos 671 e 672 do CPC. No caso do artigo 671, a penhora recairá sobre o direito, ou, melhor dizendo, crédito que o executado tem perante um terceiro. Para tanto, basta intimar primeiramente o terceiro, para que não pague diretamente para o executado, e após, deve ser intimado o executado para que este não venha a fazer a cessão de seu crédito. No que se refere ao artigo 672, a penhora dos títulos e cártulas se realiza pela apreensão do documento, que será depositado consoante o art. 666, I, CPC. Pode-se concluir que o terceiro, devedor do executado, é uma espécie de depositário do valor do crédito, já que apenas se exonerará de sua dívida depositando em juízo o valor correspondente, podendo caracterizar fraude à execução, se assim não o fizer. 6.5. PENHORA NO ROSTO DOS AUTOS. Neste caso, a penhora recairá sobre direitos postulados pelo executado em outra demanda judicial. 63 A penhora no rosto dos autos pode ser entendida como penhora propriamente dita, devendo haver intimação do executado para que possa embargá-la, querendo, no prazo legal. A eficácia da penhora inicia com a averbação no rosto dos autos e se efetiva quando o oficial de justiça, com o mandado executivo, dirige-se ao cartório e intima o escrivão ou chefe de secretaria e menciona todas as circunstâncias constantes no mandado, para que o mesmo, na folha de rosto dos autos, transcreve a penhora. No tocante ao procedimento, vejamos o entendimento do doutrinador Humberto Theodoro Júnior: “Quando a penhora alcançar direito objeto de ação em curso, proposta pelo devedor contra terceiro, ou cota de herança em inventário, o oficial de justiça, depois de lavrado o auto de penhora, intimará o escrivão do feito para que este averbe a constrição na capa dos autos, a fim de se tornar efetiva, sobre oportunamente, forem os bens adjudicados que, ou vierem a caber ao devedor”.38 6.6 PENHORA SOBRE CRÉDITOS PARCELADOS OU RENDAS PERIÓDICAS 38 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 2 vol, 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p 192. 64 A penhora pode recair sobre créditos vincendos exigíveis em prestações ou sujeito a juros periódicos. Quando isto ocorre, o terceiro fica obrigado a depositar em juízo os juros, rendas ou prestações à medida que se vencerem. O exeqüente, após cada depósito, poderá levantar as importâncias respectivas, abatendo-as parceladamente de seu crédito, conforme as regras da imputação em pagamento previstas nos artigos 991 a 994 do CC. No entanto, nos alerta Humberto Theodoro Júnior que: “não tolera a jurisprudência, porém, a penhora sobre a féria diária de um estabelecimento comercial, por afetar o capital de giro de empresa. Deve-se, no caso, penhorar não a renda, mas o próprio estabelecimento, segundo as regras especiais do art. 677”.39 Assim, quando a penhora recair em estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em semoventes, plantações ou edifício em construção, o depositário será um administrador nomeado pelo juiz. A este administrador incumbe organizar o plano de administração, no prazo de dez dias após a investidura na função. Sobre tal plano serão ouvidas as partes da execução, cabendo ao juiz decidir sobre as dúvidas e divergências suscitadas. 39 Ob. Cit, p. 192 65 Podem as partes, outrossim, ajustar entre si a forma de administração, escolhendo depositário de sua confiança. O sistema depositário-administrador visa a impedir a ruína total e a paralisação da empresa, evitando prejuízos desnecessários e resguardando o interesse coletivo de preservar quanto possível as fontes de produção e comércio e de manter a regularidade do abastecimento. 6.7. PENHORA ON-LINE. A penhora on-line, foi a forma encontrada, e está sendo muito utilizada na área trabalhista, através do convênio firmado entre o Banco Central do Brasil e os Tribunais Superiores do Brasil (STJ e TST), em que há a possibilidade, dos juízes, por meio de sistema de software e via Internet, bloquear, penhorar e remover, o numerário existente em contas bancárias de devedores, que estejam sendo executados. A Justiça do Trabalho justifica o bloqueio de numerário existente em conta bancárias dos devedores, por entenderem que o crédito trabalhista tem natureza alimentar; justifica ainda, que o “dinheiro”, se encontra em primeiro lugar na gradação legal das penhoras, bem como a rápida solução do litígio. 66 Essa penhora, porém, acarreta à empresa, sérios problemas de ordem financeira, pois estamos penhorando, justamente o “capital de giro” da mesma. Recaindo a penhora sobre numerário existente em conta corrente, como conseqüência lógica, terá a empresa, afetada sua atividade industrial, o pagamento dos salários, o comprometido o fornecimento de benefícios (alimentação, transporte, etc.) a seus empregados. A falsa justificativa da penhora on-line, para pagamento ao hipossuficiente; os empregados ativos da empresa, de igual forma, dependem dos salários para sua manutenção, que também é crédito alimentar, muito mais efetivo do que os créditos trabalhistas, que muitas vezes, não expressam a realidade; pois, apesar do esforço concentrado de um Juiz, quando da prolação de uma sentença, dar a cada um o que é seu, muitas são as testemunhas forjadas, onde encontram na Reclamação trabalhista, apenas uma forma de angariar “algo a mais”, neste ou naquele contrato de trabalho. O que se verifica, é a satisfação de um crédito em detrimento de muitos. Além da possibilidade de criar sérios transtornos a uma empresa, a penhora on-line fere, de forma clara, garantias constitucionais, artigo 5º, incisos X, XII, LIV, LV da Constituição Federal, bem como o artigo 620 do CPC. 67 Preceitua o artigo 5º, incisos XI e XII da Constituição federal: “X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; ... XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.” Diz o art. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal: “LIV - Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal: Por devido processo legal deve ser entendido aquele em que todas as formalidades são observadas, em que a autoridade competente houve o réu e lhe permite a ampla defesa, incluindo-se o contraditório e a produção de todo tipo de prova. Sem processo e sem sentença, ninguém será privado da liberdade. LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”. 68 Ampla defesa no entendimento de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins: “Por ampla defesa deve-se entender o asseguramento que é feito ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade. É por isso que ela assume múltiplas direções, ora se traduzirá na inquirição de testemunhas, ora na designação de um defensor dativo, não importando, assim, as diversas modalidades, em um primeiro momento. Por ora basta salientar o direito em pauta como um instrumento assegurador de que o processo não se converterá em uma luta desigual em que ao autor cabe a escolha do momento e das armas para travá-la e ao réu só cabe timidamente esboçar negativas. Não, forçoso se faz que ao acusado se possibilite a colocação da questão posta em debate sob um prisma conveniente à evidenciação da sua versão”. 40 No entendimento de J. Cretella Jr., ampla defesa e contraditório, define-se: “A regra da “ampla defesa” abrange a regra do “contraditório”, completando-se os princípios que as informam e que se resumem no postulado da liberdade integral do homem diante da prepotência do Estado. Não se confunde o instituto do “contraditório”, peculiar ao processo judicial penal, com o instituto da “contestação”, típico do processo judicial civil. O “contraditório” é típico dos 40 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra, Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo, SARAIVA, 2º volume, p.266. 69 processos em que a relação processual é “ biface”; de uma lado, o Estado, acusando; de outro lado, o particular sofrendo o impacto da acusação e defendendo-se. O objetivo do processo penal é a busca da verdade real, histórica, ao passo que o fim do processo civil é a captação da verdade formal, jurídica, convencional. A regra imposta ao juiz , no processo civil, é a de que não proceda de ofício, nem ultra petita partium, ao passo que a regra imposta ao juiz do crime é que intervenha no processo, em nome do Estado, que tem interesse em apurar a verdade real, condenando, absolvendo ou aplicando medida de segurança. Diferentemente do juízo civil, no qual o processo se desenvolve mediante provocação das partes interessadas, autor e réu, litigantes, o processo penal, quer da causa, quer da acusação, encontra a forçamotriz na verdade real, no fato, no crime, anterior às pessoas que, como “partes”, figuram no processo”.41 CRETELLA JÚNIOR, J., I Comentários à Constituição do Brasil, Rio de Janeiro: Forense Universitária, I, 1992, p.533/534. Para Nelson Nery Júnior: “...o princípio de contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do estado de direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, que significar que tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa são manifestação do princípio do contraditório.” 42 41 CRETELLA JÚNIOR, J., I Comentários à Constituição do Brasil, Rio de Janeiro: Forense Universitária, I, 1992, p.533/534. 42 NERY JÚNIOR, Nelson, Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,1997, 4a. ed., Ed. RT, p.125. 70 Desta forma, está claramente demonstrado que a penhora on-line, viola os referidos dispositivos constitucionais. A gradação legal estampada no artigo 655 do CPC deve ser obedecida, desde que não prejudique o funcionamento da empresa, como no caso dos autos. Desde que garantida a execução, para que a Embargante possa exercer o seu direito de defesa, não se justifica a penhora ON-LINE. Pedimos vênia para transcrever o artigo, sob o título: “ A penhora on-line merece uma reflexão”: “A penhora on line merece uma reflexão Antonio Carlos Magalhães Leite especialista em Direito do Trabalho e sócio do Escritório Leite, Tosto e Barros Advogados A enorme demanda pelos serviços judiciários no País nem de longe tem sido acompanhada pelos necessários investimentos na sua estrutura. A atenção dispensada pelo governo no que diz respeito aos reajustes dos vencimentos dos servidores da Justiça bem espelha a tentativa de sucateamento do Poder Judiciário, que conta com número reduzido - quer de Juizes, quer de servidores dificultando o exercício da nobre missão conferida pela Constituição Federal. Todavia, em vez de se atacar o problema na sua origem, ficamos todos a mercê de soluções que, apesar da boa intenção de garantir o cumprimento da sentença num prazo menor, podem acabar 71 gerando outros problemas piores que a simples demora. Exemplo ilustrativo dessa situação é o mecanismo da penhora on line. Por meio de convênio firmado entre a Justiça Trabalhista e o Banco Central, os Tribunais Regionais ganharam o poder inédito e assustador de rastrear as contas bancárias das empresas e dos sócios, visando promover o bloqueio de seus saldos, a pretexto de forçar o pagamento de alegadas dívidas trabalhistas. Os defensores dessa fórmula a justificam como um atalho destinado a dar celeridade às execuções. Disso não se duvida. A questão é saber se o que se está fazendo com rapidez é justiça ou injustiça, considerando que, mesmo nessa fase, é comum descobrir-se que houve erro de contas, por exemplo. Esse é um aspecto, aliás, que tem invalidado inúmeras das pretensas fórmulas mágicas cogitadas para a melhoria do funcionamento dos mecanismos judiciais do país. Afinal, é fundamental apurar se o cidadão quer apenas um Judiciário veloz ou se, além de rapidez, ele quer também uma Justiça melhor. Fosse a celeridade o único objetivo a ser atingido, muitas outras medidas poderiam ser adotadas. Resta saber se elas representarão solução ou mais problemas. Um exemplo é a campanha que existe contra as possibilidades de recurso. Proibir a parte inconformada de recorrer também reduz o prazo e o trajeto do processo. É de se ver, entretanto, se o princípio constitucional da ampla defesa estará assegurado, caso essa "solução" seja adotada. 72 O ordenamento jurídico brasileiro assenta-se sobre a premissa de que a constrição judicial deve ser efetuada na forma menos onerosa ao devedor. Esse princípio foi consolidado para que se preserve o interesse social e coletivo sobre o interesse individual. Não podemos voltar aos tempos medievais onde a execução da dívida era impiedosa contra o devedor. A penhora, levada a efeito sobre a conta bancária da empresa e, muitas das vezes, a de seus sócios, prejudica interesses imediatos de empregados ativos, fornecedores etc, e não só do credor. Até porque, em muitas das vezes, o simples fato de uma empresa possuir valores depositados em bancos, não significa necessariamente que este numerário esteja à disposição da Justiça para penhora. Saliente-se que uma empresa sobrevive enquanto realizar os fins constantes no seu objeto social. E para a consecução desses fins, é necessária a movimentação de numerários. Desta sorte, os valores depositados em bancos são, na maioria das vezes, destinados a pagamentos de obrigações decorrentes das atividades normais das empresas, tais como os próprios salários dos demais empregados e a satisfação de outras dívidas de natureza trabalhista, previdenciária, fiscais etc. A simples penhora cega de numerários, como vem ocorrendo, faz com que muitas empresas não consigam honrar com outros compromissos assumidos, importando até mesmo em emissão de cheques sem provisão de fundos. É certo que uma medida que faz valer a autoridade da coisa julgada mereça elogios. Contudo, não se pode, em nome da satisfação de um crédito individual, colocar toda a sociedade em apuros. 73 De outra parte, a empresa, enquanto executada, deverá ter bens suficientes que possam satisfazer o crédito discutido. Logo, não se justifica a necessidade de penhora em conta corrente. Tenha-se em vista que a apuração do valor da penhora é fruto do despacho que julga a fase de liquidação de sentença, decisão esta somente impugnável depois da penhora. Desta forma, se entendermos razoável a penhora de depósitos bancários a empresa deverá primeiro imobilizar valores (até superiores ao débito), para depois poder discutir a dívida. Por tais motivos, não é demais lembrar o contido no artigo 620 do Código de Processo Civil: "quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor". Esse "favor", a despeito da dicção legal, refere-se a vários modos de promover "atos executivos" dentro da execução própria, e não "vários modos de promovê-la". Embora a execução deva ser realizada como resultado do exercício de um direito do credor, nem por isso o sujeito passivo deve ser inutilmente sacrificado, quando, por outro modo que não o usado pelo sujeito ativo, seja atingido o mesmo objetivo quanto à solvência da prestação. Demais disso, mesmo que não seja observada a ordem legal do artigo 655, do CPC, o ordenamento não tem caráter absoluto, mas relativo e deve atender ao objetivo de garantir o êxito da execução, sem prejudicar desnecessariamente o devedor e toda a atividade empresarial. A penhora sobre crédito em conta corrente, poderá afetar o desempenho da empresa, inclusive sua imagem, quando há outros bens suscetíveis de constrição judicial, caracterizando-se violência contra o devedor e abuso de autoridade. A gradação 74 legal estabelecida para efetivação da penhora não tem caráter rígido, podendo, pois, ser alterada por força de circunstâncias e atendidas as peculiaridades de cada caso concreto, bem como o interesse das partes litigantes. Apesar de uma medida eficiente e ágil, o sistema aplicado às execuções dos débitos trabalhistas, nos termos que se encontra o convênio entre o Tribunal Superior do Trabalho e o Banco Central, coloca as empresas e os seus sócios à mercê da penhora de um mesmo crédito em múltiplas contas. Portanto, é constatação cristalina que a medida é temerária, ante o risco de bloqueio de quantia imprescindível para a empresa manter seu negócio em atividade, mormente colocando em risco o pagamento dos salários de empregados ativos. O bloqueio de valores de empresa que tenha em sua conta corrente tão somente o valor exato para pagamento dos salários de seus empregados ativos causaria transtornos imensuráveis para os demais trabalhadores. Eles também, a exemplo do eventual credor, têm compromissos inadiáveis, como o pagamento de aluguel, mensalidade escolar, mantimentos e todas as despesas para a sobrevivência de suas famílias. O impacto na imagem da empresa, junto ao sistema bancário e a todos que tiverem conhecimento da "punição" é outro fator a ser considerado. Eventuais dificuldades vividas serão agravadas e ampliadas podendo contribuir até mesmo para o encerramento de suas atividades. A quem poderia interessar essa perspectiva? Ou, ainda, no caso de penhora para resgate de valores que, em seguida, se mostre indevido, como fará o credor para recuperar o que lhe pertence? Abrirá um novo processo? A quem responsabilizará pelo dano verificado? 75 A penhora on line, ao que se percebe, atende, eventualmente, a necessidade da máquina judiciária, mas não a dos trabalhadores, pois está levando as empresas a dificuldades maiores, colocando em risco o próprio emprego que é o maior bem do trabalhador. "Ora, dúvida não há de que o bloqueio on-line de saldos bancários e aplicações financeiras dos executados por dívidas trabalhistas perpetram grave lesão à ordem jurídica, ante a multiplicidade de pessoas físicas e jurídicas, inclusive dos sócios e responsáveis, abrangíveis na acepção de devedores de ações da Justiça do Trabalho" (texto extraído da ADIn – 3203, proposta por Confederação Nacional dos Transportes, no Supremo Tribunal Federal, de 14/05/2004). O aperfeiçoamento da Justiça deve ter por matriz a consolidação dos valores que dão forma e personalidade ao Direito. Recorrer a antivalores como atalho para a consecução do que é justo eqüivale a colocar um edifício inteiro sob risco, a pretexto de consertar uma porta ou uma janela.” (g.n.) 43 Conclui-se que em nome do hipossuficiente e da celeridade processual, o artigo 620 do CPC, de que a execução deve se proceder de forma menos gravosa ao executado, deixa de existir no judiciário, com a violação dos princípios constitucionais. É injustificável a rapidez em nome da injustiça, quando há a possibilidade de reforma da sentença, em fase de liquidação de sentença. 43 Matéria editada na Revista Forense, sob o título “A PENHORA ON LINE MERECE UMA REFLEXÃO”, extraída via Internet, Disponível <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5751>. Acesso em: 23 nov. 2004. em: 76 A penhora on-line acarreta prejuízo não só à executada, como também a sociedade que direta e indiretamente está interligada a empresa que se executa. Não se pode admitir um avanço falho da Justiça em detrimento do devido processo legal, da ampla defesa, do sigilo de dados e da privacidade. 6.8. Da impenhorabilidade do bem de família. A impenhorabilidade do bem de família é assegurado através da Constituição Federal, que estipula que: "a família, base da sociedade, tem especial proteção do estado" "a casa é asilo inviolável do indivíduo..." ( constituição federal arts. 226 e 5° XI ) O patrimônio familiar, desde que se tem notícia nos primórdios da República Romana, figura como bem protegido, resguardado, por ser considerado como patrimônio sagrado já que era herdade de antepassados. Porém, àquela época inexistia a figura hoje conhecida como bem de família. Contudo, este instituto fora mais recentemente criado nos Estados Unidos da América, no estado do Texas, por conseqüência da grave crise que atingirá aquele país no ínicio do século XIX(crise entre os anos de 1837 e 1839, iniciando-se, dentre outros fatores com a falência do grande banco de Nova Iorque). O estado 77 texanos até então independente, com a finalidade de reaquecer a economia, e visando encorajar os empresário locais, promulga a 1ª lei que tora impenhorável a pequena propriedade agrícola familiar, assim como seus instrumentos de trabalho, protegendo assim a família dos pequenos agricultores de qualquer eventual dificuldade econômica22 23. Ponderamos, já dentro do sistema legislativo nacional, que outra forte influência exercida no processo de inserção do bem de família foi a crescente necessidade social de regulamentação da proteção constitucional à família (art. 226, CF) e o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) – um dos princípios norteadores do direito moderno. Nos dias atuais, inúmeras discussões em torno da possibilidade de renúncia à regra da impenhorabilidade do bem de família, principalmente pelo fato de que alguns devedores oferecem o bem de família em garantia de dívidas, no processo executório, seja no ato da penhora, seja em transação homologada em juízo, com o intuito de não dar quitação a dividas com credor. E infelizmente em nossa humilde opinião, alguns tribunais pátrios defendem a tese de que, uma vez renunciado o direito outorgado pela Lei 8009/90, perde o devedor a possibilidade de ANDRADE, Danilo Ferreira. O fiador e o seu bem de família em face da Lei do Inquilinato . Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 65, mai. 2003. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4055>. Acesso em: 06 dez. 2004. ² Pablo Stolze Gagliano & Rodolfo Pamplona Filho, Novo Curso de Direito Civil, Parte Geral, ed. 22 Saraiva, 2ª edição, p. 283. 78 argüir este diploma legal em sua defesa, sendo plenamente eficaz a expropriação do bem de família. Em que pesem as mais respeitáveis opiniões nesse sentido, entendemos não ser possível à renúncia ao direito de impenhorabilidade do bem de família, por se tratar de norma de ordem pública e, portanto, por afigurar-se, na hipótese, a indisponibilidade do direito. Desta feita, defendemos a nulidade do ato pelo qual o devedor oferece o bem imóvel destinado à residência permanente da família em garantia de uma dívida, no momento da penhora ou em qualquer ato que implique transação. Pensamos assim, porque o ato não encontra respaldado pela legislação pátria, se apresentando com objeto ilícito, o que, possivelmente, acarretará sua nulidade absoluta. Os mais brilhantes doutrinadores nacionais desse tema ensinam e discorrem de maneira a embasar a tese a qual nos filiamos traremos, a seguir, suas opiniões assim como dos e tribunais brasileiros. O Festejado doutrinador César Fiúza acredita que devem ser quatro os requisitos para que um ato jurídico seja válido, quais seja, o sujeito deve ser capaz, o objeto possível, o motivo lícito e a 79 forma deve ser prescrita ou não defesa em lei. Nessa discussão, objeto possível seria aquele realizável tanto material quanto juridicamente.24 Para Caio Mário da Silva Pereira, a validade do ato, além de outras hipóteses, reclama condição objetiva válida, ou seja, "o objeto há de ser lícito. Se é fundamental na sua caracterização a conformidade com o ordenamento da lei, a liceidade do objeto ostenta-se como elemento substancial, essencial à sua validade e confina com a possibilidade jurídica, já que são correlatas as idéias que se expõem ao dizer do ato que é possível frente à lei, ou que é lícito." 25 Assim sendo, subsume-se a renúncia à regra da impenhorabilidade do bem de família à hipótese de impossibilidade jurídica/ilicitude do objeto, tendo em vista que o objeto de transação judicial foi bem imóvel destinado à habitação residencial. Assim, determina a Lei 8009/90, em seu artigo 1º, "o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.". FIÚZA, César. Novo Direito Civil. Belo Horizonte: 7ª Edição. Del Rey, 2003, p.163. 25 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: 19ª Edição.Vol I. Ed. Forense, 1998, p.310. 24 80 Considera-se, para tanto, como imóvel residencial, aquele que seja a única propriedade utilizada pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente (artigo 5º, Lei 8009/90). Têm-se, pois, que as exceções à regra da impenhorabilidade, contidas no estatuto legal acima, tratam-se de hipóteses taxativamente descritas no artigo 3º e seus incisos, e uma vez que a dívida não se imiscua nestas hipóteses não será lícita a expropriação do bem de família. Vale esclarecer, então, que o ato ou negócio que não preencha os requisitos de validade, trazidos pelo ordenamento jurídico, acha-se conseqüentemente, eivado o de defeito comprometimento grave, de o sua que acarreta, eficácia e reconhecimento. Trata-se, pois, o negócio contaminado de grave defeito, de negócio jurídico absolutamente nulo. O Artigo 166 do Novel Código Civil é expresso ao determinar que: "É nulo o negócio jurídico quando: II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.". Na Lei 8009/90, nota-se que é expressamente vedada a penhora de bem de família, conseqüentemente, o negócio jurídico, em debate, viola expressa disposição legal, subsumindo-se a hipótese do inciso II do artigo supra citado, visto que teve como 81 fundamento objeto ilícito, ou seja, contrário à lei, e, ainda, o inciso VII, já que há expressa proibição da prática da penhora do bem de família. Pela óptica de Caio Mário da Silva Pereira, "se o negócio for ilícito, descamba para o terreno daqueles fatos humanos insuscetíveis de criar direitos para o agente, sujeitando-o, porém, conforme a profundidade do ilícito, a ver apenas desfeito o negócio, ou ainda a reparar o dano que venha a atingir a esfera jurídica alheia. Quer isto dizer que a iliceidade do objeto ora conduz à invalidade do negócio, ora vai além, e impõe ao agente uma penalidade maior”26 Portanto, sabe-se, que é nulo o ato jurídico, quando em razão do defeito grave que o atinge, não pode produzir o efeito almejado. A nulidade se apresenta, como sanção para a ofensa à predeterminação legal. A nulidade, neste caso, será insuprível pelo juiz, seja de ofício, seja a requerimento do interessado, não poderá, também, ser o ato ratificado, posto que jamais convalescerá. Segundo os artigos 168, parágrafo único, e 169 do Código Civil, respectivamente, que: Art. 168, parágrafo único: "As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes." 26 Op. Cit., p.311. 82 Art. 169: "O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo." Seguindo a mesma linha de raciocínio, cumprenos analisar os efeitos da declaração de nulidade do negócio jurídico. Para Rodolfo Pamplona Filho, "por ser tratar de sentença proferida no bojo de ação declaratória de nulidade, salvo norma especial em sentido contrário, os seus efeitos retroagem até a data de realização do ato, invalidando-o ab initio (efeitos ex tunc). Declarado nulo o ato, as partes restituir-se-ão ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente." 27 De acordo com a norma contida no artigo 182 do Código Civil: "Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente." Ainda segundo Pamplona, "o bem de família é impenhorável, sendo excluído da execução por dívidas posteriores à sua instituição, ressalvadas as que provierem de tributos ou despesas condominiais relativas ao mesmo prédio." 28 Em nosso socorro aproveita-se a lição de Theotônio Negrão: 27 PLAMPLONA FILHO, Rodolfo et al. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: 4ª Edição.Vol I. Ed. Saraiva, 2003, p.404 28 Op. Cit., p.285. 83 "A alegação de que determinado bem é absolutamente impenhorável pode ser feita a todo tempo, mediante simples petição e independentemente de apresentação de embargos à execução, mas o devedor 29 responde pelas custas de retardamento." No sentido de que o bem de família não poderá ser objeto de penhora e nem ao menos de transação, por se tratar de matéria regida por norma de caráter público e, por isso, insuscetível de disposição, João Roberto Parizzato estatui que: "A penhora realizada sobre um bem de família é um ato ineficaz, por sua flagrante nulidade. Não pode o bem em questão ser oferecido à penhora pelo devedor. Trata-se de regra de caráter público, insuscetível, pois, de ser alterada pela pessoa que tenha instituído tal benefício"30 Com essa linha de raciocínio, faz-se valer acrescentar a lição do mestre Pontes de Miranda: "Os bens inalienáveis não podem ser penhorados, porque toda penhora implica tomada de eficácia do poder de dispor (abusus), e o devedor, dono desses bens não o tem." 31 Na opinião de César Fiúza: 29 THEOTÔNIO NEGRÃO, Código de Processo Civil, 26ª Ed., p.490. PARIZZATO, João Roberto. Da Penhora e da Impenhorabilidade de Bens. Ed. de Direito, p. 20. 31 MIRANDA, Pontes, Comentários ao CPC, Tomo XIII, Forense, 1973, p.284. 30 84 "O objetivo do legislador foi o de garantir a cada indivíduo, quando nada, um teto onde morar mesmo que em detrimento dos credores. Em outras palavras, ninguém tem o direito de ‘jogar quem quer que seja na rua’ para satisfazer um crédito. Por isso o imóvel residencial foi considerado impenhorável. Trata-se, aqui, do princípio da dignidade da pessoa humana. O valor ‘personalidade’ tem preeminência neste caso, devendo prevalecer em face de um direito de crédito inadimplido." 32 Cumpre ressaltar a importância que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana assume no ordenamento jurídico, e com fincas à proteção da Pessoa Humana, a Carta Magna dispõe que: “Artigo 1º: "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana;" Artigo 5º, caput: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade privada (...)" Na emérita lição da ilustre professora Maria de Fátima Freire de Sá, "não podemos olvidar, portanto, que valores como liberdade, igualdade e dignidade foram erigidos à categoria de princípios 32 Op. Cit., p.155. 85 constitucionais e referidos princípios incorporam as exigências de justiça, salvaguardando valores fundamentais." 33 Resta-nos concluir, portanto, que o processo de execução não deve servir como instrumento de flagelo do devedor, posto que lhe devem ser assegurados os direitos básicos outorgados por lei, como o direito a ter moradia e, principalmente, o direito a ter uma vida digna, o que se restabelecerá, no caso presente, desconstituindo-se o ato pelo qual foi transacionado um bem de família, na medida em que se afigura direito indisponível, insuscetível de renúncia por parte de seu titular. 6.9 EMPRESAS CONCESSIONÁRIAS OU PERMISSIONÁRIAS DE SERVIÇO PÚBLICO Se a executada for empresa que exerça serviço público, sob regime de concessão ou permissão, a penhora, conforme a extensão do crédito, poderá atingir a renda, determinados bens, ou todo o patrimônio da devedora. Mas o depositário ou administrador será escolhido, de preferência, entre seus diretores. A penhora não deve prejudicar o serviço público delegado. O depositário apresentará, portanto, a forma de administração e o esquema de pagamento do credor, nos casos de penhora sobre renda ou determinados bens. Se versar sobre toda a SÁ, Maria de Fátima Freire.A Dignidade do Ser Humano e Os Direitos de Personalidade: Uma Perspectiva Civil-Constitucional. In: Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p.92. 33 86 empresa, a execução prosseguirá até final arrematação ou adjudicação, sendo, porém, obrigatória a ouvida do poder público concedente, antes do praceamento. 6.10 MULTIPLICIDADE DE PENHORA SOBRE OS MESMOS BENS No sistema do Código revogado a incidência de mais de uma penhora sobre os mesmos bens resolvia as execuções em concurso de credores. No entanto, para o novo Código só há concurso universal mediante provocação específica; e a penhora cria para o credor exeqüente um direito de preferência que não é afetado pela superveniência de outras penhoras de terceiros. Mas, como o bem penhorado é objeto da ação de execução e sendo ele comum a mais de um processo executivo, é forçoso reconhecer conexão entre as várias ações em que a penhora atinja os mesmos bens do devedor comum. Assim, sempre que houver sujeição dos mesmos bens a várias penhoras, poderá o juiz de competência preventa ordenar a reunião das ações propostas em separado, a fim de que sejam ultimadas simultaneamente. 87 VII - DOS INCIDENTES DA PENHORA. Para que a penhora seja válida, deve-se respeitar os requisitos e formalidades estipuladas pela norma legal; haver prova cabal da existência do crédito e recair a penhora sobre bens penhoráveis e de propriedade do devedor. Se assim não o fizer e não preencher os requisitos dos artigos 592 e 594 do CPC vigente, a constrição dos bens se revela ilegal. No caso de penhora de bens impenhoráveis ou desrespeitar os requisitos e formalidades estipuladas pela norma legal, poderá ser alegada por simples petição ou embargos à execução. Caso a penhora recaia sobre bens de pessoa estranha e não responsável pela execução, deverá opor embargos de terceiro, nos termos do art. 1046 do CPC. Outro aspecto importante é que, efetivada a penhora, não mais poderá o credor substituir a penhora por outro bem, exceto no caso da primeira penhora ou ser nula; insuficiente; já estar penhorado o mesmo bem em outros processos (Princípio da disponibilidade, art. 569, caput, CPC), ou ainda substituir a penhora por dinheiro (art. 668 do CPC). Nesta última hipótese, no caso de indeferimento do pedido pelo devedor ou responsável, conforme 88 preceitua a norma legal, caberá Agravo de Instrumento, por se tratar de mero despacho interlocutório. Ainda, outro incidente importante é quando caracteriza excesso da penhora, ou seja, o bem penhorado é muito superior ao do crédito, que poderá ser alegado através de embargos (art. 741, V e 743, I, CPC). No caso de arrematação do bem penhorado, assinado o auto pelo Juiz, pelo escrivão, pelo arrematante, pelo porteiro ou leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, exceto as hipóteses previstas no parágrafo único do art. 694 do CPC: “Parágrafo único. Poderá, no entanto, desfazer-se: I - por vício de nulidade; II - se não for pago o preço ou se não for prestada a caução; III - quando o arrematante provar, nos 3 (três) dias seguintes, a existência de ônus real não mencionado no edital; IV - nos casos previstos neste Código (artigos 698 e 699).” Nesta hipótese, a invalidação poderá ser requerida por embargos à arrematação (art. 746), embargos de terceiro (art. 1.048) e ação anulatória (art. 486). 89 VIII – CONCLUSÃO. No presente estudo, percebemos que o processo de execução, qual seja o título ou a espécie, é totalmente favorável ao devedor. Na regra processual de que a execução deve ser menos gravosa ao devedor, não conseguimos vislumbrar qual seria a exata intenção do legislador, já que na verdade a execução deveria ser menos gravosa ao credor, não ao devedor. Se não bastasse, a norma legal protege bens do devedor, àqueles impenhoráveis, conforme mencionamos, dificultando ainda mais a prestação jurisdicional e não atendendo ao princípio da efetividade. 90 Desta forma, nem todos os bens são penhoráveis, sendo certo de que alguns bens são injustamente impenhoráveis. Muitas vezes percebemos que o processo de execução é mais árduo que o próprio processo de conhecimento, já que não são poucos os meios procrastinatórios que o devedor pode usar, ante o exagerado número de recursos, nesta fase processual, previstos em Lei. Porém, se há na Legislação pátria direitos fundamentais a serem respeitados, devemos alcançar com o Judiciário o equilíbrio e a ponderação, e impor a alguém que faça algo diferente do previsto em Lei, ameaçando-lhe de causar mal maior, é atitude incompatível com o sistema democrático, indigna da nossa tradição de vanguarda no mundo do Direito e que, certamente, no momento oportuno, será rechaçada pelo próprio Poder Judiciário. Não devemos abrir mão do uso de todos os recursos previstos na CF/88 e na legislação ordinária que tenham por escopo coibir arbitrariedades, evitar violação a direitos e inibir abusos de quem quer que seja, tanto do credor, como do devedor. Porém, podemos concluir que o mais justo seria que todos os bens do devedor fossem penhoráveis, pois beneficiaria o credor, atendendo ao princípio da efetividade processual. 91 IX - BIBLIOGRAFIA LIEBMAN, Enrico Tulio. Processo de Execução. São Paulo: Best book, 2000. 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