Linguagem e Linguística II AULA 7 26 abril de 2011 Linguística Ciência da linguagem e ciência das línguas Faculdade humana Linguística ocidental – nasce na filosofia grega (termos gregos são adotados diretamente ou na sua tradução latina) Breve histórico da Linguística 1ª fase (pré-socráticos até o fim da idade média): interesse pela língua, filosófico: a língua é objeto de especulação e não de observação.Categorias linguísticas (nome, verbo, gênero gramatical) repousam sobre bases lógicas ou filosóficas. 2ª fase (séc. XIX): descoberta do sânscrito. Relação de parentesco entre as línguas: linguística comparada, histórica: “genética das línguas” (estudo da evolução das línguas, com ênfase na forma). 3ª fase (séc. XX): Linguística Moderna (Saussure), toma como objeto a realidade intrínseca da língua visando constituir uma ciência (formal, rigorosa e sistemática). Saussure: vida e obra http://www.youtube.com/watch?v=WiURWRFcQsc Saussure: a noção de valor Em oposição à linguística histórica do século XIX, Saussure elegeu como noção central para a compreensão do fenômeno linguístico a noção de valor. Síntese da noção de valor: um elemento só significa em relação a outro. Essa noção só pode ser compreendida à luz de uma série de distinções teóricas e decisões que a preparam, as famosas dicotomias saussurianas. Princípios da Linguística Moderna: língua X fala Língua- repertório de signos e de regras (leis combinatórias), disponíveis para a realização do ato de fala, mediante uma dupla operação, de seleção (eixo paradigmático) e de combinação (eixo sintagmático). Repertório comum aos integrantes do mesmo grupo linguístico. Fala- é de caráter individual, ou seja corresponde a atuação do falante, sua emissão e recepção. Princípios da Linguística Moderna: sistema e estrutura “A língua forma um sistema” (isso vale para qualquer língua e cultura). A língua (arranjo sistemático de partes) é composta de elementos formais articulados em combinações variáveis segundo certos princípios ESTRUTURA A estrutura formal da língua é constituída de elementos significantes que estabelecem dependências mútuas, caracterizados por distribuições e combinações possíveis. “Isso faz com que a língua seja uma sistema em que nada signifique em si e por vocação natural, mas em que tudo signifique em função do conjunto” (BENVENISTE, p.24, 1966). Portanto, a estrutura confere às partes a sua significação ou a sua função. Definição de estrutura (Greimas) “O vínculo entre dois termos-objeto que se requerem mutuamente constitui uma relação. A estrutura é a presença de dois termos vinculados por uma relação” (GREIMAS, 1966, apud LOPES, p.312,1987) . A relação é um mecanismo perceptual conjuntivo e disjuntivo, ou seja, para apreendermos dois termosobjeto é preciso que tenham alguma coisa em comum (conjunção) e que possam ser distinguidos por alguns traços (disjunção). A relação tem, portanto, uma dupla natureza é simultaneamente conjunção e disjunção. Definição de estrutura (Greimas) Sem relação não há significação. Conjunção de invariantes Disjunção de variáveis Governo federal x governo estadual Conjunção – governo; disjunções: federal, estadual Estruturalismo A palavra estruturalismo designa algumas correntes da Linguística Moderna que tomam impulso após a publicação de Cours de Linguistique Générale de Saussure.Apesar de suas divergências têm como base comum a noção de estrutura. O termo estrutura está ligado à noção de relação no interior de um sistema (Benveniste, 1966). A estrutura é um modelo, ou seja, uma construção mental que serve de hipótese de trabalho. É uma entidade autônoma de dependências internas, permitindo em sua análise isolar partes que se condicionam reciprocamente (Hjelmslev, 1971). Linhas de investigação: a linha europeia Escola de Praga- foco na concepção dinâmica da comunicação (Troubetzkoy, Jakobson e Mathesius), mais rica que a de Saussure (restrita ao entendimento dos signos linguísticos) por propor que a comunicação afeta dinamicamente nossos conhecimentos e nossa consciência das situações . Outras noções introduzidas: tema e rema: tema, aquilo sobre o que se está falando, objeto do discurso; rema, o que o falante diz sobre o tema, ou comentário. Glossemática- ênfase no ponto de vista lógico, procurando demonstrar a tese saussureana de que as línguas se constituem como sistemas de oposição. Com isso, buscou verificar as relações que respondem pela estrutura da língua (Hjelmslev). Linhas de investigação: a linha europeia Funcionalismo- visão de uma linguística mais concreta e menos rigorosa do ponto de vista dos conceitos, com destaque para a reformulação da dupla articulação da linguagem. Assim, toda língua natural teria 2 níveis de oposição: - um que as unidades poderiam ser contrastadas de modo a fazer aparecerem as diferenças de forma e sentido (1ª. Articulação), o que corresponderia à palavra; e outra que mostra que as diferenças serviriam apenas para distinguir as unidades, fonemas (2ª. articulação) (Martinet). Estruturalismo fora da linguística Linguística, matriz possível de toda atividade científica ou, pelo menos, daquelas que se propõem a analisar algum tipo de comunicação (troca simbólica). - Antropologia (Lévi-Strauss); Sociologia, estética, estudo da moda (Barthes); a teoria literária (Greimas, Barthes, Brémond, Todorov); biologia Linhas de investigação: a linha americana Descritivista- Descrição exaustiva de línguas indígenas do continente (Boas, Sapir, Whorf). Distribucionista- Acredita-se que a propriedade que melhor defina uma unidade linguística é a maneira como essa unidade se combina com as demais na cadeia falada (Harris). Gerativista- Propõe um novo objeto de estudo, a competência sintática, entendida como a capacidade ou disposição dos falantes.Para dar conta da capacidade dos falantes de distinguir entre sentenças bem ou mal formuladas, recorreu-se a instrumentos de cálculo, levando a entender as gramáticas como sistemas formais especialmente construídos para gerar todas e apenas as sentenças bem formadas de uma língua (Chomsky) Linhas de investigação no Brasil Não existe uma orientação hegemônica, mas há dois focos de irradiação distintos: 1º Rio de Janeiro, mais voltado ao estruturalismo americano, com destaque para o estudioso Mattoso Câmara. 2º São Paulo, mais voltado à linha européia, fruto das influências dos cursos de graduação e pós-graduação da USP no final da década de 60. Destaque para os autores Eni Orlandi, Izidoro Blikenstein e Cidmar Teodoro Paes. Limites do estruturalismo Final dos anos 60 Estruturalismo europeu: revisões, questionamentos: - Benveniste – o estruturalismo negligenciou o papel essencial desempenhado pelo sujeito na língua. A fala está representada e prevista no sistema da língua Eugenio Coseriu – crítica à distinção sincronia/diacronia = o velho convive com o novo, sendo difícil delimitar uma sincronia pura; discutiu a oposição língua x fala, sugerindo que se considere uma instância intermediária que é a norma. Análise do discurso – Pêcheux afirma que ao deixar de lado a parole, Saussure destruiu a possibilidade de uma linguística textual e de uma análise científica do sentido dos textos. Discutiu, tb, a importância de se considerar as condições ideológicas em que os discursos são produzidos. Limites do estruturalismo Outras críticas: - Caráter anti-historicista (não considera o caráter longitudinal da realidade) - Contra o idealismo (afirma a objetividade dos sistemas de relações, mesmo sabendo que ela é uma construção científica) - Contra o humanismo (afirma a prioridade do sistema em relação ao homem; das estruturas sociais em relação às escolhas individuais, da língua em relação ao falante singular, etc. Limites do estruturalismo - Linguística chomskyana – privilégio da competência sintática como objeto mental (capacidade dos falantes); língua como parte do nosso equipamento biológico; gramáticas como sistemas formais construídos para gerar todas e apenas as sentenças bem formadas de uma língua. Princípios da Linguística Moderna: Relações e Oposições Cada uma das unidades de um sistema definem-se assim pelo conjunto de relações que mantém com outras unidades e pelas oposições, logo é uma unidade relativa e opositiva. Portanto, as entidades linguísticas não se deixam determinar senão no interior de um sistema que as organiza e as domina. Ex: Raios (palavra isolada, significado indeterminado) “Raios, perdeste a vez!” (português de Portugal, valor de interjeição). “ Muitos raios caem na cidade de São Paulo” (português do Brasil, valor de substantivo). Princípios da Linguística Moderna: diacronia e sincronia Diacronia- perspectiva evolutiva ou histórica. Sincronia- perspectiva que verifica a relação entre os fatos linguísticos coexistentes num sistema linguístico num dado momento (recorte temporal). Destaque de Saussure para o ponto de vista da sincronia. Sincronicamente, no ato da percepção, é que a apreensão do real é feita. Assim, a significação se manifesta a partir da percepção de descontinuidades. A Língua é feita de oposições. Perceber é antes de tudo apreender diferenças, e é através dessas diferenças que o mundo organiza-se. Princípios da Linguística Moderna: eixo paradigmático e sintagmático As unidades da língua dependem de 2 planos: o Sintagmático (relações de sucessão material no seio da cadeia falada) e Paradigmático (eixo da substituição, podendo cada elemento ser substituído no seu nível e dentro de uma classe formal). Art. Subs. Verbo Adj. Ex: A menina está bem Eixo Os rapazes parecem alegres Parad. Uma mulher foi sequestrada Eixo Sintagmático Sujeito Predicado Relação Linguagem e Realidade A linguagem reproduz a realidade, e a realidade é produzida novamente por intermédio da linguagem. Ex: Fato: Terremoto e tsunami no Japão Quando o fato é narrado há um recorte da realidade (realidade recriada pela linguagem) Relação Linguagem e Realidade A troca e o diálogo, situações inerentes ao exercício da linguagem, conferem ao ato do discurso uma dupla função: para o locutor representa a realidade e para o ouvinte recria a realidade. Isso faz da linguagem o próprio instrumento da comunicação intersubjetiva. Mas como a linguagem recria a realidade? A linguagem reproduz o mundo submetendo-o à sua própria organização. O conteúdo que deve ser transmitido é decomposto segundo um esquema linguístico (a forma do pensamento), e é configurado pela estrutura da língua. E a língua por sua vez, revela dentro do sistema, as suas categorias e a sua função mediadora. Língua e sociedade “De fato é dentro da, e pela língua, que o indivíduo e a sociedade se determinam mutuamente” (Benveniste, p.27, 1966). A sociedade não é possível a não ser pela língua, e pela língua, também o indivíduo. As diferentes línguas repartem de maneiras distintas os mesmos domínios práticos e conceituais. Ex: a perspectiva para explicar a criação do mundo, propondo como princípio a palavra, em culturas distintas. A cultura ocidental (Bíblia) e cultura précolombiana (Popol Vuh). Bíblia e Popol Vuh “Primero todo era silencio, había mucha calma. No había nada que estuviera en pie en toda la faz de la tierra, solo existía el mar en reposo y un cielo apacible. Todo era oscuro, solo Tepeu y Gucumatz (progenitores) estaban en el agua rodeados de claridad. Ellos son los que disponen de la creación de árboles, bejucos, nacimiento de la vida y del hombre. Se formó el corazón del cielo. Mediante su palabra ellos hicieron emerger la tierra. dijeron “tierra” y esta fue hecha. Así sucesivamente surgieron el día y la noche, las montanas y valles, brotaron pinares(…)”. (Popol vuh) “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com o Deus, e a Palavra era Divina. Ele estava no princípio com o Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.” (João 1:1-3) Língua e sociedade Valor linguístico- Saussure deu realce ao fato de que a relação significante/significado sempre deve ser considerada à luz do sistema linguístico em que o signo se insere, e não nas situações práticas em que a língua intervém ou das realidades extralinguísticas de que permite falar. Cada língua organiza seus signos através de uma complexa rede de relações que não será reencontrada em nenhuma outra língua. Ex: die Haustür= a porta da casa der Haustürschlüssel= a chave da porta da casa das Haustürschlüsseletui= o estojo da chave da porta da casa Obs.: O recurso da composição, prefixação e sufixação, possibilita uma estrutura ao mesmo tempo concisa e precisa. O pensamento e a linguagem Pela razão, o homem se diferencia dos animais sobretudo pela faculdade de representação simbólica. A capacidade simbólica é a base para as funções conceptuais Pensamento Poder de construir representações das coisas e de operar sobre essas representações. Essa faculdade não é mero reflexo do mundo, já que classifica a realidade e numa função organizadora está associada à linguagem. “Faculdade de simbolizar” Linguagem - faculdade inerente à condição humana. Empregar um símbolo é reter de um objeto a sua estrutura característica e de identificá-lo em conjuntos diferentes. A faculdade simbolizante permite a formação do conceito como algo diferente do objeto concreto (fundamento da abstração). Essa capacidade representativa e simbólica está presente nas bases das funções conceptuais da humanidade. Assim, o homem utiliza o símbolo enquanto que o animal usa o sinal. Ex: Ideograma chinês (símbolo) Hiena usa risada para se identificar em grupo. O tipo de nota emitida (mais grave ou mais aguda) e as variações nas risadas podem ser usadas para a idade ou a posição hierárquica do animal no grupo. Linguagem: função mediadora Não há relação natural imediata e direta entre homem e mundo, nem entre os homens, sem a intermediação da linguagem. A humanidade pelo intermédio da linguagem estabelece a sociedade. A linguagem se realiza sempre dentro de uma língua (estrutura linguística definida e particular) e de uma sociedade. A criança nasce e desenvolve-se na sociedade, mas a aquisição da língua é uma experiência pela qual ela forma os símbolos e constrói os objetos de seu contexto.O ambiente desperta nela a consciência do meio social onde está, moldando seu espírito por intermédio da linguagem. O papel da cultura A cultura é inerente à sociedade, logo um fenômeno inteiramente simbólico. Noção de cultura: “Conjunto de repetições por um código de relações e valores que dirigirão o comportamento humano. É um universo de símbolos integrados numa estrutura específica que a linguagem manifesta e transmite” (BENVENISTE, p.27, 1966). Ex: Na língua guarani ko’- amanhecer KO'Egue - no amanhecer (meio) Aracê- aurora, ao nascer do dia Mborahéi puku- final do amanhecer Homem, língua e cultura Pela língua o homem assimila a cultura, a perpetua e a transforma. Cada língua emprega um aparato específico de símbolos pelo qual a sociedade se identifica. A diversidade de línguas, cultura e suas mudanças revelam a natureza convencional do simbolismo que as articula. Portanto é o símbolo que prende esse elo vivo entre homem, língua e cultura. Referências BENVENISTE, É. Vista d’olhos sobre o desenvolvimento da linguística. In: ___ Problemas de linguística geral, I. Campinas : Pontes. p. 19-33, 1966. ILARI, R. O estruturalismo linguístico: alguns caminhos. In: MUSSALIM, F. & BENTES, A.C. Introdução à linguística, 3: fundamentos epistemológicos. São Paulo: Cortez. p. 53-92, 2004. LOPES, E. A estrutura linguística. In: _____ Fundamentos da linguística contemporânea. São Paulo : Cultrix, 1987. p.38-41; p.312-313.