Programa de Pós-Graduação em Linguística (PROLING) UFPB – 2011.1 SEMINÁRIOS AVANÇADOS EM AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM Prof.Dr. José Ferrari Neto [email protected] Aquisição da Linguagem O que é Aquisição da Linguagem ? I – Fenômeno a partir do qual a criança parte de um estado inicial em que não domina uma língua/linguagem para um estado final no qual domina uma língua/linguagem - Objeto de Conhecimento II – Estudo científico do fenômeno da aquisição. Ramo da Ciência que possui interfaces com a Lingüística, Psicolingüística, Psicologia, Ciência Cognitiva, Neurociência Cognitiva, Neurolingüística, Antropologia e Filosofia - Campo de Conhecimento Aquisição da Linguagem - Linguagem (latu-sensu): - capacidade de expressão e interação social - não específica do ser humano - meio de expressão e interação compartilhado por um grupo social ou por membros de uma espécie - pouco variável numa espécie - Linguagem (strictu-sensu): - capacidade de expressão e interação social por meio verbal - específica do ser humano - forma verbal de expressão e interação social - variável entre grupos sociais e mesmo entre indivíduos Aquisição da Linguagem A Aquisição da Linguagem como Fenômeno Natural - Sentido Amplo: aquisição de um meio verbal de expressão e interação social - foco em habilidades de interação/expressão lingüística - dificuldade de se distinguir o que diz respeito à aquisição da língua do que diz respeito ao desenvolvimento da capacidade de interação social e da possível interrelação entre esses dois processos - Sentido Estrito: aquisição de uma língua materna, ou identificação de uma forma particular de linguagem verbal da comunidade na qual a criança se acha inserida (aquisição de uma gramática). - Foco nos procedimentos de identificação, no estado de conhecimento da língua atingido, nas condições para que se realize e nos fatores que atuam no processo. Aquisição da Linguagem O que a criança adquire ao adquirir LINGUAGEM ? - Sentido amplo: desenvolvimento de uma capacidade de expressão e interação social - O que a criança deve adquirir ? - Sentido estrito: aquisição de uma forma verbal específica (língua), que se presta à expressão e à interação verbal - O que a criança deve adquirir ? - PROCESSOS DISSOCIADOS Autismo Savant Lingüístico Aquisição da Linguagem Perspectiva Histórica dos Estudos em Aquisição da Linguagem Aquisição da Linguagem A Tradição dos Estudos Longitudinais (Diários) • • • • • • • • Stern & Stern (1907) Lewis (1936) Leopold (1939) Gregoire (1948) Menyuk (1969; 1971) Bloom (1970; 1973) Brown (1973) CHILDES (atualidade) Roman Jakobson Escola de Praga Funcionalismo (M. Halliday) Europeu Linguística da Enunciação (E. Benveniste – interacionismo) Estruturalismo Linguística Antropológica (F. Boas/E. Sapir) Norte-Americano Empirismo Linguístico (L. Bloomfield) Linguística Racionalismo (N. Chomsky) Gerativismo Linguística Cognitiva (M. Tomasello) Construtivismo (Epistemologia Genética - J.Piaget) Psicologia do Desenvolvimento Cognitivismo (J. Bruner) Interacionismo (Sócio-construtivismo – L.Vygotsky) Mentalismo (W.Wundt) Psicologia Cognitiva (Ciências Cognitivas – S.Pinker) Psicolinguística Desenvolvimental e Experimental Psicologia Comportamentalismo (I.Pavlov/J.Watson/F. Skinner) Conexionismo Aquisição da Linguagem O Empirismo Origens: Aristóteles, Hume, Berkeley, Locke, Russell Idéia Central: todo o conhecimento provém dos sentidos Na Psicologia: - Ivan Pavlov – Condicionamento Clássico - John Watson - B.F. Skinner – “Verbal Behavior” - aquisição como processo indutivo - esquema E-R-R Na Lingüística: - Leonard Bloomfield (estruturalismo norte-americano) Aquisição da Linguagem Características Gerais do Empirismo na Aquisição da Linguagem - Descrição declarativa - Dimensão cognitiva não enfatizada - Caráter social enfatizado - Papel do meio (behaviorismo) - Construção social da língua - Construção interativa da língua Aquisição da Linguagem O Racionalismo Origens: Platão, Descartes, Leibniz, Kant, Von Humboldt Idéia Central: o conhecimento pressupõe idéias inatas Resenha de Chomsky contra Skinner (1957) - Argumento da Pobreza do Estímulo - A questão da aprendibilidade (adequação explanatória) - A questão do método dedutivo Na Lingüística: - Noam Chomsky (Gramática Gerativa) Aquisição da Linguagem - Reações ao Racionalismo Questionamento ao argumento da pobreza de estímulo = fala dirigida à criança (K. Snow) Questionamento ao inatismo = período agramatical (M. Tomasello) Questionamento à modularidade = holismo cognitivo (Piaget) Questionamento ao processo = interação (Vygotsky) Outros questionamentos: o que seria inato ? A língua como ferramenta de comunicação (Bates, MacWhinney) Aquisição da Linguagem Áreas de Concentração - Aquisição de língua materna falada - Aquisição de língua materna escrita - Desenvolvimento da leitura - Aquisição de língua estrangeira (L2) - Distúrbios de aquisição - Déficit especificamente lingüístico (DEL) - Afasias - Aquisição anormal da linguagem - Desenvolvimento da teoria lingüística Aquisição da Linguagem Principais Abordagens para o Estudo da Aquisição da Linguagem behaviorismo (Skinner) empiristas Correntes conexionismo (Plunkett, Rumelhart & McClelland) modulares racionalistas (inatistas) Teoria Lingüística Gerativa (Chomsky) Teoria Psicolingüística Teoria de Articulação Lingüística e Psicolingüística cognitivismo (construtivismo – Piaget) holistas Lingüística Cognitiva interacionismo (Vygotsky) sócio-interacionismo (Bruner) Aquisição da Linguagem em uma perspectiva gerativista O Programa de Investigação Gerativista 1. 2. 3. 4. O que é o conhecimento da língua ? Como esse conhecimento é adquirido ? Como esse conhecimento é usado ? Quais são os sistemas físicos que dão suporte a esse conhecimento ? Respondendo à Questão (1) O conhecimento da língua deve ser caracterizado em termos de uma gramática, definida como um modelo teórico do conhecimento internalizado que um falante possui sobre sua língua, ou, em outras palavras, um modelo da competência linguística Respondendo à Questão (1) Modelos de Gramática na história do Gerativismo 1. Modelo Padrão (1965) – sistema de regras de reescrita categorial e regras transformacional + léxico 2. Modelo Padrão Estendido (1971) – sistema de regras e princípios + léxico com operações morfológicas 3. Modelo de Princípios e Parâmetros (1981) – sistemas de princípios universais gerais de funcionamento + parâmetros de aquisição + léxico (concepção modular de gramática) 4. Modelo Minimalista (1993) – sistema de princípios universais definidos em função da relação da linguagem com os chamados sistemas de desempenho (interfaces) + léxico Ainda a Questão (1) A gramática de uma língua particular deve ser construída de forma a satisfazer a requisitos de adequação descritiva, isto é, deve dar conta da geração (descrição estrutural) das sentenças dessa língua, e somente essas. Mais um pouquinho da Questão (1) Ao conceito de competência, Chomsky vem preferindo o uso do termo língua-I (de interna, individual e intensional), definindo-o como o conhecimento que permite ao falante de uma dada língua produzir e compreender sentenças nessa língua, em oposição à noção de língua-E (de externa e extensional) que designa o conjunto de frases geradas por uma língua-I. O modelo teórico da gramática de uma língua deve, portanto, ser concebido como uma gramática da língua-I. Respondendo à Questão (2) A teoria da aquisição da linguagem concebida em uma perspectiva gerativista (racionalista) é desenvolvida com vista a superar: • • O Problema de Platão (Argumento da Pobreza de Estímulo) O Problema da Projeção (Problema Lógico da Aquisição) • A Questão da Criatividade Linguística Para isso, assume-se a chamada Hipótese Inatista Respondendo à Questão (2) A Hipótese Inatista afirma que os seres humanos são biologicamente programados para adquirir uma língua, ou seja, o processo de aquisição é apenas parcialmente dependente de fatores ambientais externos. Essa dotação biológica é específica da espécie humana, visto que só os seres humanos adquirem linguagem quando a ela expostos sob determinadas condições. A tese do inatismo explica também porque adquirimos uma linguagem com as características e propriedades que são observadas nas línguas humanas naturais. Respondendo à Questão (2) Concepções do Inatismo ao Longo da História do Gerativismo Primeiro Momento – Dispositivo de Aquisição de Linguagem (language acquisition device – LAD) Segundo Momento – Gramática Universal (GU) – Universal Grammar (UG) Ainda a Questão (2) Gramática Universal: 1. Estado Inicial do Processo de Aquisição 2. Conjunto de Princípios que restringem a forma final das gramáticas (delimita o número de gramáticas possíveis) 3. Conjunto de Princípios que regem o funcionamento das línguas humanas Mais um Pouquinho da Questão (2) Uma teoria de aquisição da linguagem deve, segundo a ótica gerativista, responder como a criança parte de um estado inicial Eo e chega a um estado final Ef, embora nem sempre isso seja feito. Na verdade, o foco se dá na caracterização de Eo e Ef, por meio de uma teoria de GU e uma teoria de Ef Língua-I (uma gramática da Língua-I), ambas tendo de satisfazer a requisitos de adequação explicativa e aprendibilidade (devem dar conta do modo como a criança adquire uma língua) A Verdadeira Questão (2) A verdadeira questão é, portanto, não como a linguagem é adquirida, mas sim, o que se adquire quando se adquire uma língua. Uma Tentativa de Resposta: A aquisição da linguagem é um processo de fixação de valores de parâmetros, por meio da exposição da criança a uma certa quantidade de evidência disponível no input. Os parâmetros são definidos por GU e tem valores variáveis de língua para língua. Princípios universais restringem o número e o tipo de parâmetros existentes, e constituem-se no aspecto universal da faculdade da linguagem. Vários parâmetros foram propostos, tais como : 1. O Parâmetro do Sujeito Nulo 2. O Parâmetro da Ordem 3. O Parâmetro do Objeto Nulo Problemas para uma Teoria de Princípios e Parâmetros 1. Como formular um parâmetro ? 2. Qual seu estado inicial ? 3. Quais as opções de fixação ? 4. Que valores estão disponíveis no estado inicial ? 5. Quanta evidência é necessária ? 6. Quando estão disponíveis ? Aquisição da Linguagem em uma perspectiva interacionista Conceito de Interação O termo “interação” recorta diferentes objetos epistemológicos, conforme a perspectiva da Linguística, da Psicologia do Desenvolvimento e da Aquisição da Linguagem, os quais, ainda que tenham traços em comum, não são concomitantemente definíveis. Na Linguística, “interação” refere-se à ideia de “agir sobre o outro” por meio da linguagem, e está presente nas chamadas correntes interacionistas, as quais se caracterizam por se interessar não apenas pelo sistema linguístico em si, mas também pelas relações que esse sistema mantém com fatores que lhe são externos e que, de algum modo, determinam sua constituição e funcionamento. • • Sociolinguística • Pragmática Semântica Enunciativa ou Linguística da Enunciação • Semântica Argumentativa • Análise da Conversação • Linguística Textual • Análise do Discurso • Linguística Interacional • Funcionalismo Na Psicologia do Desenvolvimento, “interação” refere-se às interrelações que o sujeito do conhecimento mantém com os fatores externos que atuam no processo do desenvolvimento cognitivo • Construtivismo Cognitivista ou Epistemologia Genética (Cognitivismo) – Jean Piaget • Interacionismo, Socioconstrutivismo ou Sociointeracionismo – Lev Vygotsky • Interacionismo Social ou Sociocognitivismo – Jerome Bruner, Elizabeth Bates, Brian MacWhinney, Michael Tomasello Na Aquisição da Linguagem, “interação” designa uma especial visão sobre o processo de desenvolvimento linguístico que privilegia o processo dialógico entre criança e adulto na teorização sobre a aquisição de língua(gem) • Interacionismo, Socioconstrutivismo ou Sociointeracionismo (Cláudia de Lemos) O Interacionismo na Linguística Inicialmente, as correntes interacionistas na ciência da linguagem se estabeleceram a partir de uma crítica à “linguística da língua”, iniciada a partir de Saussure, voltando-se para a análise da fala ou discurso, estes que, de início, foram colocados entre pelo mestre genebrino entre os “fatos heteróclitos e multifacetados da linguagem”. O Interacionismo na Linguística Postulados da Linguística da Língua e a Crítica a eles (C. Kerbrat-Orecchioni, 1980) 1 - É ao sistema (estrutura, código ou faculdade) que devem estar relacionados todos os fatos da linguagem o ausência de realidade empírica o ausência de reflexões sobre como o sistema se manifesta 2 - A unidade maior de análise é a sentença o questão do texto como unidade o a questão da sintaxe textual 3 - A semântica estrutura-se em torno das unidades lexicais (significantes) e da estrutura da sentença o a construção interacional-discursiva dos sentidos o unidades maiores de significação 4 - Estudo da língua(gem) dissociado de suas funções (idealização) o noção de comunicação como interação 5 - Postulado da Imanência: estudar a língua(gem) “em si mesma e por ela mesma” o não existe língua(gem) fora dos contextos nos quais ela se manifesta O Interacionismo na Linguística • A crítica a (1) e a (3) dá origem à Linguística da Enunciação (Benveniste), à Semântica Argumentativa (Ducrot), à Sociolinguística (Labov, Gumperz) e à Pragmática. • A crítica a (2) dá origem à Linguística Textual e à Análise da Conversação • A crítica a (4) dá origem ao Funcionalismo (Halliday) e à Linguística Interacional • A crítica à (5) dá origem à Análise do Discurso Interacionismo Linguístico e Aquisição da Linguagem De um modo geral, os trabalhos em aquisição de linguagem conduzidos sob a ótica de uma teoria linguística interacionista têm enfatizado: 1 - A inserção da criança no universo do discurso/enunciação: • Processo de subjetivação 2 - As marcas linguísticas da enunciação/interação: • Determinação dos elementos gramaticais que sustentam a interação e o seu domínio pela criança 3 - As fases ou estágios pelos quais a criança passa: • Ordem de aparecimento das marcas linguísticas da enunciação na fala da criança 4 - Caracterização dos ambientes/situações em que ocorre a interação. Interacionismo Linguístico e Aquisição da Linguagem • Há, no Interacionismo, um comprometimento explícito com os dados de produção, caracterizados como fala da criança, tomada como fonte exclusiva de dados e como campo privilegiado de teorização; • Não há a preocupação clara com a caracterização dos estados inicial e final do processo de aquisição, na medida em que a aquisição é vista como instauração da criança no discurso/interação, e não como reconhecimento de uma gramática; • A noção de gramática como uma competência/conhecimento estável é refutada, pois se considera que ela é reorganizada e reformulada muitas vezes durante o processo; • As correntes de pesquisa nessa área estão mais próximas de uma perspectiva empirista, o que leva a uma concepção de aquisição mais afeita à ideia de internalização/apropriação do que a de maturação. Interacionismo Linguístico e Aquisição da Linguagem Portanto, falta ao Interacionismo Linguístico: 1 - Caracterizar o que se apresenta à criança como um problema de aquisição; 2 - Determinar que tipo de dado a criança tem de identificar e depreender do input; 3 - Elencar as habilidades e conhecimentos necessários para que essa identificação/depreensão ocorra; 4 - Dissociar o reconhecimento da gramática de uma língua do domínio de capacidades comunicativas e interacionais gerais. O Interacionismo na Psicologia do Desenvolvimento Inicialmente, as correntes da Psicologia do Desenvolvimento que assumem uma noção de interação surgiram como reação ao behaviorismo dominante na primeira metade do século XX, propondo uma nova concepção do desenvolvimento cognitivo. Em oposição ao papel passivo conferido à criança na cognição pelos comportamentalistas, surge a ideia de que ela é ativa, dirigindo o processo e construindo ela mesma o conhecimento – daí essas correntes estarem enfeixadas sob o rótulo de construtivistas. A Noção de Interação na Psicologia do Desenvolvimento Diferentes Concepções de Interação: • Criança – ambiente/meio: cognitivismo piagetiano • Criança-ambiente/meio-”outro”: interacionismo vygotskyano • Criança-ambiente/meio-linguagem: sociocognitivismo Situando a Vertente Interacionista da Psicologia do Desenvolvimento • O construtivismo, ainda que dê muita ênfase ao papel do ambiente no desenvolvimento da cognição, não pode ser tachado de empirista, pelas razões já ditas. Tampouco pode ser considerado inatista, já que atribui relativamente pouca importância ao estado inicial do processo. Diz-se, então, que ele ocupa uma posição intermediária entre essas duas visões; • O construtivismo assume uma visão não-modular (holista) da arquitetura cognitiva humana, na medida em que concebe a mente como indissociada por domínio. Daí que o desenvolvimento linguístico está submetido aos mesmos fatores e padrões que intervêm no desenvolvimento da cognição como um todo. O Cognitivismo Esta proposta teórica, que vincula o desenvolvimento linguístico ao desenvolvimento da cognição, foi desenvolvida a partir dos estudos de Jean Piaget. Piaget dá um grande valor para a experiência, mas não se deve confundi-lo com um empirista. Para ele, a criança constrói o conhecimento com base na sua experiência com o mundo físico, isto é, a fonte do conhecimento está na (inter)ação da criança e o ambiente. Estágios do Desenvolvimento Piaget propõe que o desenvolvimento cognitivo passa por períodos, estágios: • • • • Sensório-motor ( 0 a 18 meses) Pré-operatório (dois a sete anos) Operações concretas (7 a 12 anos) Operações formais. Os estágios são cumulativos e construídos a partir dos estágios precedentes Propriedades dos Estágios Piagetianos • Esses estágios são universais (gerais e invariáveis), o que leva a uma concepção filogenética da cognição, e, em cada um, a criança desenvolve capacidades necessárias para o estágio seguinte, provocando mudanças qualitativas no desenvolvimento. • Para a aquisição da linguagem, interessam os períodos sensório-motor e pré-operatório. O primeiro é caracterizado pelos exercícios reflexos, os primeiros hábitos, a coordenação entre visão e apreensão e a busca de objetos desaparecidos. O segundo é marcado pela função simbólica e pelas organizações representativas. O Surgimento da Linguagem no Construtivismo É na passagem do primeiro para o segundo estágio que a linguagem surge na criança, já que, segundo Piaget, é nesse momento que encontra-se a função simbólica (ou semiótica). Como ele assume uma conceito de língua como sendo um sistema representativo, somente no momento em que a criança está apta a manipular símbolos é que a linguagem toma lugar. Dessa forma, para que uma criança faça uso do signo linguístico, é necessário que ela “aprenda” que as coisas existem mesmo que não estejam no seu campo de visão. Um dos requisitos para adquirir a linguagem é a permanência do objeto: um objeto existe mesmo que não seja visto. O segundo pré-requisito é a representação. O caráter representativo é inerente ao signo. A Fala Egocêntrica Um dos aspectos linguísticos que mais chamou a atenção de Piaget foi o discurso egocêntrico. Para ele, as conversações da criança são egocêntricas ou centralizadas. (fala consigo mesma). Não há intenção de se comunicar, não há a preocupação com o interlocutor . Por volta dos sete anos esse discurso tende a diminuir, até desaparecer, enquanto o discurso socializado ganha espaço. Cognitivismo e Aquisição de Linguagem São muitos os estudos sobre aquisição da linguagem numa abordagem cognitivista. De um modo geral, trabalho em A.L. conduzidos em um paradigma teórico piagetiano concentram-se na descrição de estágios de desenvolvimento linguístico e sua relação com os estágios cognitivos. Focam também na determinação de pontos da cognição geral que repercutem na linguagem, e vice-versa. Em todos eles há uma nítida ausência de um modelo formal de língua que permita uma melhor articulação entre a estrutura da linguagem e as estruturas cognitivas mais amplas. Como a ênfase está na ação da criança, pouca atenção é dada sobre o que se apresenta como um dado (informação) relevante para a construção do conhecimento. Cognitivismo e Aquisição de Linguagem Uma questão deve ser colocada a todos: a noção de estágio. O estágio é geral, invariável e cumulativo. Isso significa que todas as crianças deveriam passar pelos mesmos processos e na mesma ordem, durante a aquisição. No entanto não é isso que se encontra. Mesmo estudos que assumem estágios falam de variações no processo de aquisição ou de como crianças não passam por determinados estágios. No tocante à linguagem, a visão filogenética mostrou-se insustentável. A questão da não modularidade também vai se revelar problemática, visto os casos de autismo e de savant linguístico. O Interacionismo (Sociointeracionismo) Vygotsky defende que o desenvolvimento da fala segue as mesmas leis, o mesmo desenvolvimento que outras operações mentais. O autor, no entanto, chama a atenção para a função social da fala, e daí a importância do outro, do interlocutor, no desenvolvimento da linguagem. Os estudos de base interacionista apontam para o papel do adulto como quem cria a intenção comunicativa, como o facilitador do processo de aquisição. Assim como Piaget, Vygotsky estava interessado na relação entre língua e pensamento. Estágios de Desenvolvimento para Vygotsky Lev Vygotsky propõe quatro estágios no desenvolvimento das operações mentais: • Natural ou primitivo ( fala pré-intelectual e pensamento préverbal) • Psicologia ingênua (a criança experimenta as propriedades físicas tanto de seu corpo quanto dos objetos, e aplica essas experiências ao uso de instrumentos – inteligência prática) • Signos exteriores (as operações externas são usadas para auxiliar as operações internas (fala egocêntrica)) • Crescimento interior (operações externas se interiorizam) Linguagem e Pensamento Vygotsky aponta inicialmente para dissociação entre fala e pensamento. Diz que têm raízes genéticas diferentes. Existe uma fase pré-verbal do pensamento (inteligência prática), e uma préintelectual da fala (balbucio e choro). Por volta dos dois anos, fala e pensamento se unem e dão início ao comportamento verbal. A fala passa, então, a servir ao intelecto, e os pensamentos podem ser verbalizados. São características dessa nova fase a curiosidade da criança pelas palavras e a ampliação do vocabulário. Outro aspecto importante dos estudos de Vygotsky está relacionado ao uso da palavra. Segundo o autor, para a criança a palavra é parte integrante do objeto. Defende que, no início, existe apenas a função nominativa com uma referência objetiva. Posteriormente, desenvolvem-se a significação independente da nomeação e o significado independente da referência. Novamente a Fala Egocêntrica A fala egocêntrica, para Vygotsky, tem características e motivações diferentes do que para Piaget. Para Piaget, a fala egocêntrica não tem função no pensamento e desaparece quando a criança se socializa. Para Vygotsky , a fala egocêntrica é um instrumento de que a criança faz uso para buscar planejar a solução de um problema, e tende a ser interiorizada. Críticas As mesmas críticas em relação à generalização de estágios aplicam-se aos estudos interacionistas, ou seja, estes também propõem um caráter geral e invariável para os estágios propostos, o que não se confirma nos dados. Para as propostas construtivistas, fica ainda a questão de responder como a criança passa de categorias cognitivas para categorias puramente linguísticas, no processo de aquisição de linguagem. A questão da relação entre pensamento e linguagem também vai se revelar problemática.